A MENTIRA DO CRESCIMENTO INDUSTRIAL
07 de Fevereiro de 2001

 

Nilson Araújo de Souza desmonta a falácia da atividade industrial recorde em janeiro, demonstrando que ela está decrescendo há cinco meses, provocando nos empresários expectativa de estagnação e demissões

 

Por Nilson Araújo *

O governismo na mídia parece não ter limites. Está sempre à cata de factóides na tentativa de mostrar que as coisas vão indo muito bem no reino da economia brasileira. O objetivo, certamente, é tentar demonstrar que a política econômica de FHC está dando certo. Para isso, vale tudo, inclusive dizer que a economia está crescendo, quando já está evidente sua desaceleração. O último factóide virou manchete: "Atividade industrial é recorde em janeiro". Sucede um título menor: "Pesquisa da CNI aponta otimismo do empresário". Aqui cabe perfeitamente a recomendação do saudoso Aloysio Biondi: esquecer a manchete e procurar os fatos reais e as notícias relevantes nas partes mais escondidas das matérias ou dos próprios cadernos.

Na busca de demonstrar o recordismo da atividade industrial em janeiro, a matéria exclui explicitamente os anos de 1987 e de 1995 ("sem levar em conta 1987 e 1995"). Nesses dois anos, a utilização de capacidade instalada na indústria no mês de janeiro foi superior à de janeiro deste ano: 84% e 83%, respectivamente, contra 82% neste ano. Alegam que se devem excluir aqueles anos porque sofreram impacto dos planos Cruzado e Real. E daí? Qual o problema? Janeiro deste ano sofreu o impacto da desvalorização do real, que, como sabemos, estimulou o crescimento da produção industrial para suprir o aumento das exportações. Além disso, em janeiro de 1987, o impacto já não era do Plano Cruzado, mas do anti-Cruzado baixado em novembro de 1986 e que provocou desaceleração da economia. Apesar disso, a "atividade industrial" foi maior do que a de janeiro deste ano.

Não há, portanto, qualquer recordismo na "atividade industrial" em janeiro que se finda. Não se deve, ademais, dar um crédito absoluto à estimativa feita pela Fundação Getúlio Vargas para o nível de utilização da capacidade instalada nesse mês. Por uma razão simples: a "sondagem" foi divulgada antes de terminar o mês - portanto, foi feita sem levar em consideração o conjunto do mês. O espaço para chutômetro é muito grande. Aliás, as próprias "estimativas" da FGV são questionáveis: enquanto, por exemplo, "estimava" um índice de ocupação da capacidade instalada na indústria em torno de 82% para o ano passado, a estimativa da representante do setor, a Confederação Nacional da Indústria, estava em 77% (publicada na mesma página da matéria anterior). Em mais alguns meses, quando os dados do período já estiverem devidamente pesquisados e analisados, saberemos a verdade, mas, aí, como também dizia Aloysio Biondi, a notícia verdadeira será esquecida ou relegada para espaços escônditos.

Lá dentro da matéria, fica claro por que esse afã de propagandear que as coisas vão indo bem. A utilização de capacidade instalada na indústria neste mês de janeiro está menor do que a do primeiro trimestre do ano passado (83% contra 82%) e repete a média do ano passado. O próprio responsável pela pesquisa na FGV, Salomão Quadros da Silva, declarou, segundo o articulista, "que o período de pico de recuperação da indústria já passou e a taxa vem mantendo desde o ano passado o mesmo patamar de ocupação". Isto está na matéria encabeçada pela manchete citada acima. Por que, então, a manchete sensacionalista? Para esconder o que o próprio pesquisador da FGV reconheceu: a produção industrial está desacelerando. Para falar a verdade, desde agosto do ano passado.

Quanto ao otimismo dos empresários, não existe indício algum na pesquisa que permita essa conclusão. No caso do emprego, 21% dos entrevistados afirmam que vão demitir trabalhadores no primeiro trimestre contra apenas 17% que afirmam que irão fazer contratações. E, quanto à produção industrial, estão praticamente empatados os que esperam aumento da produção com os que esperam diminuição: 35% contra 32%. O resto espera estagnação da produção. Onde está o "otimismo do empresário"?

O governismo na mídia às vezes chega a ser mais realista do que o rei. Paciência... O que se há de fazer?

(*) Nilson Araújo é doutor em Economia, com pós-doutoramento na USP, e presidente do Instituto do Trabalho Dante Pellacani.

Fonte: Jornal Hora do Povo, 06 de Fevereiro de 2001.

 

Abaixo, o exemplo de otimismo vazio de um jornal do grupo RBS (Rede Bobo Sul):
 

JORNAL DIÁRIO CATARINENSE
07 de Fevereiro de 2001

Indústria cresce 7,5% em dezembro histórico
O índice, impulsionado pelos bens duráveis, é o maior registrado pelo IBGE para o mês

SÃO PAULO

        O nível de produção da indústria em dezembro, de 7,5%, foi recorde para o mês, superando o ponto máximo anterior registrado em dezembro de 1994, que foi de 6,8%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na opinião de alguns economistas, já era aguardado um desempenho mais forte da indústria por conta do segmento de bens de consumo duráveis - fortemente relacionado ao setor automobilístico, cujos dados de dezembro, da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), já apontavam um crescimento expressivo. A maior parte das projeções do mercado apontava um crescimento da produção industrial no ano 2000 entre 4% e 5%. De acordo com o IBGE, esse aumento foi de 6,5% no ano e de 7,5% em dezembro sobre novembro.

        Para o economista chefe do BankBoston, José Antonio Pena, a maior surpresa dos dados divulgados pelo IBGE está no segmento de bens de consumo intermediários, que ajustado sazonalmente cresceu 5,8% sobre novembro. “Trata-se de um setor muito estável, que não costuma ter esse tipo de oscilação no mês a mês”, explica o economista. Ele acredita que o segmento de bens duráveis - que ajustado cresceu 23% em dezembro sobre o mês anterior - mostrará queda nos dados do IBGE referentes a janeiro contaminando a comparação do nível de produção como um todo. “Sem sazonalizar os números de janeiro da Anfavea, podemos projetar uma queda próxima dos 20% na produção de bens duráveis na próxima comparação mensal dos dados do IBGE”, explica Pena, lembrando a forte relação dos duráveis com o setor automobilístico.

        Ele ressalta, no entanto, que assim como os dados de dezembro não indicam um “boom” no consumo dos duráveis, os dados de janeiro não indicarão uma reversão da recuperação ou mesmo uma crise para o setor. “A tendência estrutural continua sendo a de recuperação”, avalia. Para os economistas ouvidos, o elevado nível de produção verificado a partir dos dados do IBGE não terá efeitos, pelo menos no curto prazo, sobre os indicadores de inflação. O motivo é que os setores que estão puxando esse incremento da produção ainda possuem bom espaço de capacidade ociosa, exemplo do setor automobilístico e de eletroeletrônicos.

        O economista chefe do Citibank, Carlos Kawall, disse que esse aumento da produção joga por terra as alegações de que a manutenção dos juros em 16,5% ao ano pelo Banco Central, por um período prolongado, afetava o crescimento.