Brasil está fora do projeto da Estação Espacial (ISS)
Conselheiro da Nasa afirma que País deixou
gosto ruim
por atrasos e envio de astronauta
Herton Escobar,
BOSTON
O Brasil está fora do projeto de construção da Estação Espacial Internacional (ISS). Após quase dez anos de participação, mas sem nunca ter contribuído com um único parafuso para o programa, o País perdeu definitivamente a chance de assinar seu nome na lista de fabricantes da base orbital. Segundo o especialista John Logsdon, diretor do Instituto de Políticas Espaciais da Universidade George Washington e membro do Comitê de Conselho da Nasa, já é tarde demais para o Brasil fazer qualquer coisa, a não ser tornar-se um usuário da estação.
Apesar de ser improvável que a Nasa vá tomar qualquer atitude formal para cancelar seu contrato com a Agência Espacial Brasileira, o Brasil não aparece mais em seus documentos como um contribuinte da ISS, disse Logsdon, em entrevista ao Estado. Na prática, portanto, o Brasil não faz mais parte da parceria da estação.
Após uma série de atrasos e complicações causadas pelo acidente com o ônibus espacial Columbia, em 2003, a meta do consórcio internacional da ISS, formado por 16 países (agora 15), é concluir a montagem da estação até 2010. O Brasil entrou para o projeto em outubro de 1997, incumbido da produção de seis peças, no valor de US$ 120 milhões - um acordo que se mostrou muito além da capacidade orçamentária da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Em troca da produção das peças, o País ganharia direitos de utilização da base para o envio de experimentos científicos e de um astronauta brasileiro por tempo predeterminado. O contrato foi revisto e reduzido significativamente ao longo dos anos. Nada jamais foi construído.
Procurada pela reportagem, a AEB não negou as declarações de Logsdon. Em vez disso, anunciou planos para uma parceria ainda mais ampla com a Nasa. A Agência Espacial Brasileira e o Itamaraty estão iniciando negociações com a Nasa e o Departamento de Estado Norte-Americano para uma nova etapa no relacionamento de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, que teve, em certo momento, um abalo por conta do problema da participação americana em Alcântara (veto do Congresso Nacional ao possível acordo de utilização americana da base), informou a agência, por meio de sua Assessoria de Comunicação.
O interesse da AEB não é de participação apenas no projeto da ISS, mas de uma cooperação bem maior, abrangente. Que poderá até incluir a ISS, mas deverá ter um escopo maior. Brasil e EUA têm se aproximado mais ultimamente e os termos de um novo acordo podem ser mais amplos, conclui a nota.
Na avaliação de Logsdon, porém, a incapacidade do Brasil de cumprir seus compromissos na estação deixou um gosto ruim na boca da Nasa, que pode dificultar futuras parcerias. A decisão de fazer o vôo do astronauta Marcos Pontes com a Rússia, em vez de com os EUA, também teria deixado uma má impressão, segundo ele (leia detalhes na entrevista abaixo).
PARTICIPAÇÃO PÍFIA
O Brasil foi desde o início um parceiro minoritário dentro da ISS. Mesmo as peças originalmente encomendadas ao País não eram cruciais para a estação, como plataformas para transporte e colocação de experimentos no exterior da base.
Agora, pressionada por seus próprios atrasos e limitações orçamentárias, a Nasa está numa corrida contra o tempo. A versão final da estação, de fato, deverá ser bastante reduzida em relação ao projeto original.
Se é algo que ainda está nos planos da estação, os EUA vão construir, disse Logsdon. A conclusão da ISS até 2010 - ano em que os ônibus espaciais deverão ser aposentados - é o primeiro passo dentro de um plano maior de exploração do sistema solar, que inclui a construção de uma base lunar até 2020.
Com relação ao Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, os EUA não têm mais interesse na base. Os países assinaram um acordo em 2000 que previa o uso do centro pelos americanos para o lançamento de foguetes espaciais. O contrato nunca foi ratificado pelo Congresso brasileiro. Isso era quando se achava que haveria vários lançamentos de satélites por semana e outras fantasias do tipo, afirmou Logsdon.
DÓLARES NO ESPAÇO
US$ 120 milhões - seriam investidos pelo Brasil na Estação Espacial Internacional, segundo o primeiro acordo firmado com a Nasa, em 1997
US$ 8 milhões - seriam gastos pelo País após uma renegociação com a Nasa em 2003, já que o primeiro acordo não foi cumprido
US$ 10 milhões - foi o custo do envio do astronauta Marcos Pontes para a ISS no ano passado, pagos para a Rússia - ainda que a viagem tivesse sido contemplada no acordo entre o governo brasileiro e a Nasa
Entrevista
'Participação brasileira foi um fracasso'
John Logsdon: diretor do Instituto de Políticas Espaciais da Universidade George Washington
Especialista diz que País mostrou entusiasmo, mas não conseguiu cumprir compromissos e resolveu fazer vôo de Marcos Pontes
BOSTON
Já é tarde demais para o Brasil ter papel relevante na Estação Espacial Internacional (ISS). Pode ser usuário, mas só se tiver bons projetos para propor. É assim que John Logsdon, membro do Comitê de Conselho da Nasa, avalia as perspectivas do País de eventual envolvimento com os trabalhos da ISS. Não há razão para desistir de cooperação futura, porém. O Brasil está com o olho roxo, mas não foi nocauteado. Abaixo, trechos da entrevista concedida ao Estado.
O Brasil entrou para o projeto de
construção da ISS há dez anos e nunca construiu uma única peça. Seria justo
classificar a participação do País como um fracasso?
Acho que sim. O País mostrou entusiasmo, mas não cumpriu nenhum dos
compromissos que assumiu. Depois deu meia volta e decidiu fazer o vôo do
astronauta (Marcos Pontes) com a Rússia.
A avaliação do Brasil era de que Pontes
não teria mais chances de voar com a Nasa por causa dos atrasos causados com a
tragédia da Columbia.
O vôo de um astronauta brasileiro estava
diretamente ligado ao cumprimento dos compromissos na ISS. Certamente, o
não-cumprimento dessas obrigações e a redução dos vôos após o acidente com a
Columbia tornaram pouco provável que (Pontes) conseguisse voar. Mas, ainda
assim, foi uma certa surpresa para os Estados Unidos saber que o Brasil tinha
recursos para pagar à Rússia por um vôo, mas não para financiar as contribuições
que prometera para a ISS.
A opção pelo vôo pago com a Rússia foi
bastante criticada no Brasil, inclusive dentro da comunidade científica. Alguns
chegaram a comparar Pontes a um turista espacial. O senhor concorda com
isso?
Sim. Ele esteve na estação apenas por
alguns dias, fez apenas algumas coisas... (pausa) Pensando bem, talvez isso seja
injusto. Até o lançamento da ISS, a maioria dos astronautas passava cerca de uma
semana no espaço, então sua experiência não foi tão diferente do que ocorria nos
anos 80 e 90. Mas, basicamente, ele esteve na estação como um
visitante.
O que o Brasil pode fazer para recuperar
seu prestígio na ISS?
Acho que já é tarde demais
para fazer qualquer coisa, a não ser se tornar um usuário da estação por meio de
experimentos. A ISS será um laboratório aberto a todos os usuários, e, se os
cientistas brasileiros tiverem bons projetos para propor, o País poderá
participar dessa maneira. Mas certamente é tarde demais para propor qualquer
tipo de equipamento, mesmo peças modestas, como o palete expresso (que fazia
parte do contrato original do Brasil).
Para um país como o Brasil, com recursos
limitados e graves problemas sociais, quais devem ser as prioridades de um
programa espacial?
O Programa Nacional de
Atividades Espaciais (PNAE, programa brasileiro) é bastante claro em suas
prioridades, que são observação da Terra, telecomunicações e capacidade de
lançamento. Não há nenhuma menção a vôos tripulados ou de participação em
projetos de exploração espacial. Acho que a ênfase nesses benefícios para a
sociedade brasileira é inteiramente apropriada, e é nessa direção que a maior
parte dos recursos deve ser alocada.
E quanto a outras missões espaciais, além
da ISS?
A discussão sobre participar em
explorações além da órbita da Terra deve ser secundária, mas não zero. Nesse
momento, a Nasa está discutindo projetos de exploração com 12 outras agências
espaciais (Alemanha, França, Inglaterra, Rússia, China, Canadá, Índia, Ucrânia,
Austrália, Coréia, Itália e Japão), e os únicos dois países que não participam
são Brasil e Israel. Me parece que seria do interesse do Brasil, ao menos,
participar das discussões. Afinal de contas, se a previsão de o País se tornar
uma potência industrial nas próximas décadas estiver correta, acho que o Brasil
vai querer ter um programa espacial completo.
E o Brasil seria bem-vindo nessas
discussões, mesmo depois do que aconteceu na ISS?
Acho que sim. O Brasil está com um olho roxo, mas não foi nocauteado. Os
Estados Unidos reconhecem a importância estratégica do Brasil no hemisfério e
não vão tomar atitudes que possam empurrar o País na direção da China, Rússia ou
outros potenciais adversários futuros.
Quem é:
John
Logsdon
Em 2003, participou do comitê de investigação do acidente com o ônibus espacial Columbia
Na área acadêmica, é professor e historiador de políticas espaciais
Como membro do Comitê de Conselho da Nasa, atua ao lado de especialistas que apóiam a administração da agência espacial americana
Fonte: DefesaNet