GRAMPO FLAGRA A RELAÇÃO DA MÍDIA VENAL COM ESCROQUES
30 de Junho de 2001

Segundo o ex-colunista do "Globo" Ricardo Boechat, sua demissão do jornal – e da televisão do mesmo grupo – foi uma injustiça, visto que ele só fez o que todos fazem, isto é, combinar com um picareta notório uma "reportagem" para favorecer os interesses do patrão do desclassificado, submetendo o texto à apreciação dele. Ainda segundo Boechat, tratava-se apenas de "uma fonte". Por azar, o instrutivo colóquio estava sendo gravado, de onde foi parar nas páginas da "Veja" desta semana.

É evidente – basta ler a transcrição da fita – que não era nada disso. Boechat estava falando com um membro da mesma corriola que ele, Paulo Marinho, antes capanga do Opportunity, antro de negociatas ligado à quadrilha do Planalto e chefiado por Daniel Dantas, e agora jagunço do principal adversário de Dantas, Nelson Tanure. A gravação só pode ter sido feita – uma vez que ninguém mais teria interesse em efetuá-la - a mando de Dantas e do Opportunity, que entregou-a à "Veja". Esta a publicou para favorecer Dantas – como tem feito há tempos, bajulando-o frequentemente – e desgastar seu principal concorrente no ramo das revistinhas de fim de semana e da tv a cabo, isto é, a "Globo".

 

VIGARISTA

O vigarista com quem Boechat dialoga tão intimamente havia sido comprado por Tanure, testa-de-ferro dos canadenses da TIW e dono do "Jornal do Brasil", porque os canadenses queriam se livrar de Dantas e do Opportunity, dos quais são sócios em duas companhias de telefonia celular. Em suma, Dantas, com Marinho de assecla, tinha passado a perna nos canadenses, que agora queriam passar a perna em Dantas – por isso seu testa-de-ferro tirou Marinho do bolso de Dantas e enfiou-o no próprio, coisa fácil, pois trata-se de elemento que está permanentemente à venda. Para comprá-lo basta oferecer uma migalha maior. Não é um homem, mas um mercado vagabundo: não tem caráter; tem preço. E know-how em variadas patifarias.

 

ASSINATURA

Na véspera de uma assembléia da empresa, a Telpart, que controlava as companhias de telefonia celular, Boechat escreveu – e publicou no "Globo" – uma "reportagem" cujo objetivo era queimar Dantas e isolá-lo na reunião. Depois, como fracassasse o intento, a suposta reportagem serviu, como se fosse matéria isenta, para tentar influenciar a Justiça numa ação contra o Opportunity.

É essa "reportagem" que Boechat discute com Marinho. Porém, havia um problema: a direção do jornal tinha resolvido publicá-la como matéria assinada de Boechat. Por isso, ele confidencia a Marinho, aceitando o inevitável: "não adianta muito tentar dissimular esta relação [sua com Tanure]". Em seguida, conta que anteriormente escreveu, pela Agência Globo, uma nota não assinada sobre uma suposta demissão de um cunhado de Dantas do Conselho de Administração da Telpart, porém de nada adiantou o anonimato, pois, como resume Marinho, "eles identificaram em dois minutos que era sua a nota", forçando a TV Globo, segundo diz Boechat, a "botar no ar um desmentido com meu nome". Assim, Marinho aconselha Boechat, com a anuência deste, a assinar a matéria contra o Opportunity, acrescentando: "mas se os caras não colocarem com seu nome, você não vai reclamar por causa disso"...

No final, Marinho diz a Boechat: "Amanhã eu te ligo pra te dar notícia da matéria". Que notícia da matéria Marinho poderia dar ao próprio autor dela? A resposta de Boechat esclarece, aliás sem possibilidade de dúvida: "para saber se deu certo", ou seja, para saber se Tanure e Marinho conseguiram seus objetivos contra Dantas na assembléia da Telpart. Ou seja, a "reportagem" não tinha outra meta, senão ser usada por Tanure & TIW contra Dantas. Só isso e nada mais.

Como o leitor já terá há muito percebido, trata-se de uma briga de canalhas, testas-de-ferro e escroques. E a conversa entre Boechat e Marinho é papo de gente da mesma turma, usando a imprensa em prol dos interesses dos canadenses e de Tanure, e nada mais.

 

CORRIOLA

Porém, Boechat tem razão quando diz que todo mundo – isto é, o meio "jornalístico" em que circula – faz a mesma coisa. É evidente que essa mídia da qual Boechat é expoente – que coisa, hein? - serve a interesses, e não são os do povo, que nem existe para ela, mas o de negocistas, aproveitadores da propriedade pública e ladrões do Tesouro. O problema é que Boechat foi pego em flagrante. Portanto, foi para o olho da rua, pois é mais evidente ainda que essa mídia não pode admitir que serve a esses interesses, pois perderia a utilidade para eles. Assim é que a "Veja" recebeu as fitas. Por que elas foram entregues a ela? Porque Dantas e o Opportunity sabem perfeitamente a quem entregá-las. E por que ela as publicou? Porque essa turma sabe perfeitamente a que interesses deve favorecer, ora essa: os da sua corriola, e não os da outra corriola.

C.L.

 

Fonte: Jornal Hora do Povo, 29 de Junho de 2001