ERVA MATE

 O NÉCTAR DOS DEUSES

 
 

Quando o tempo desenha com sua pena o ano de 1554, o General Irala, chegou a região de Guairá, situada à oeste do atual território do Paraná e encontrou lá uma tribo de guaranis pacíficos e hospitaleiros. Um dos hábitos destes indígenas lhe despertou muita curiosidade. Tratava-se do uso generalizado de uma bebida feita de folhas picotadas, tomadas dentro de um porongo, por intermédio de um canudo de taquara. Ao indagar sobre a origem daquela bebida, responderam os índios tratar-se da "caá-i", um hábito que teria sido inicialmente de uso exclusivo dos pajés em suas práticas de magia, mas que foi estendido aos outros guerreiros, em virtude de seus diversos benefícios.

 

 E, mesmo depois do término das guerras, o seu uso continuou, pois seus efeitos estimulantes, fortaleciam tanto o corpo quanto a alma.

 

"Caá" era o nome da ervateira e a "caá-i" era bebida do mate. Esta bebida nativa foi um estrondoso sucesso entre os soldados de Irala. E, quando retornaram a Assunção, levaram um carregamento da erva para apresentá-la aos amigos.

 

Esta bebida impressionou tanto os espanhóis por sua natureza curativa e revitalizante, que despertou o interesse dos comerciantes de Assunção que visavam antes de tudo, o lucro financeiro. Foi uma correria doida até os ervais e em pouco tempo, a cidade duplicou de tamanho e sua população de riqueza. Entretanto, tal consumo foi condenado pela Igreja Católica, em plena Inquisição, em função dos índios lhe atribuírem poderes mágicos que apontavam sua origem à deuses pagãos. Mas tal proibição, acompanhada de multas, prisão e queima da erva, não impediu que o hábito se disseminasse.    

 

                            


 

O MATE NO RIO GRANDE DO SUL

 

Se os soldados de Irala estivessem se dirigido para o atual Rio Grande do Sul e não para Guairá, aqui, teria ocorrido a descoberta do uso do mate pelos europeus.

 

Um expressivo número de tribos guaranis vivam ao longo dos Rios Ijuí, Jacuí e Camaquã. Para colheita da erva mate, eram empreendidas expedições à serraria vizinha da Lagoa dos Patos, no vale do Rio Pardo e nos descampados do Planalto.

 

Acredita-se que os carijós, no litoral, assim como os guenoas da Campanha, também fossem apreciadores de um gostoso mate, mas inexistindo nestas redondezas, bosques de "caá", este hábito somente poderia ser mantido por intercâmbio com os guaranis.

 

"Sem esta erva", testemunhou o Pe. Nusdorffer, no século XVII, "o índio não pode viver".

 

Enquanto os índios do Guairá empreendiam suas viagens aos ervais subindo o Paraná em grandes embarcações, os ervateiros das Missões rio-grandenses iam montados a cavalo, levando uma boa provisão da erva, além de quinhentas a mil reses, para seu sustento naquela viagem de cento e tantas léguas. E, depois de cumprida a tarefa, retornavam eles, acompanhados por toda a população, procuravam a Igreja para agradecer o sucesso do empreendimento.

 

                    

 

Os ervais missioneiros faziam parte do Tupambae, um campo comum, cujos produtos adviriam em proveito da coletividade.

 

"Cada dia, depois de ouvirem a missa e igualmente depois do rosário que se reza pela tarde, os que acudiram ao templo vão receber o mate, uma onça e meia pelo menos para cada pessoa, o qual lhe dá o mordomo em presença do cura e do corregedor. Aos que estão ocupados em serviço público, seja em ofícios, seja fora no campo, envia-lhes a quantidade de mate que parece proporcionada ao número de trabalhadores. Igualmente é preciso prover de erva aos que cuidam do gado nas estâncias e nas pastagens; e se alguns índios são enviados de viagem, não há de faltar nunca este artigo em suas provisões". Pe. Carlos Teschauer

 

Quando do Tratado de Madri de 1750 e da sua subseqüente Guerra Guaranítica, o uso do mate já tinha se tornado costume entre os dragões e demais soldados dos quartéis do Rio Grande e Rio Pardo.

 

Depois da Guerra Guaranítica efetuou-se a expulsão da Companhia de Jesus dos territórios europeus e coloniais de Portugal e da Espanha. Desde modo, os Trinta Povos das Missões de Guaranis perderam a unidade, subdividindo-se em quatro grandes províncias. Cada povo passou a ser gerido por uma espécie de administração mista, a cargo de um vigário e de um comandante militar.

 

Por volta de 1820 o hábito do chimarrão já se enraizara definitivamente nas cidades e nos campos da Capitania.

O grande papel que desempenhou a erva-mate na sociedade gaúcha pode der avaliado por sua presença dentre os símbolos nacionais farroupilhas. No brasão da República já encontrávamos ramos de erva-mate contornando o barrete frígio e perdura até hoje no brasão e na bandeira do Estado do Rio Grande do Sul.

 

          

 

Nos dias frios, os índios tomavam o chimarrão e nas estações cálidas bebiam a cada instante o tereré, mistura de erva-mate e água fria.

 

 


 

 

"Não é a luz bem nascida

Já eu junto do fogão

Me preparo para a lida

Tomando o meu chimarrão.

É ele o constante amigo

Que vem logo ter comigo

De dia ao primeiro alvor.

Da mente as névoas consome,

Mata a sede, ilude a fome

E a todo ser dá vigor."

         (Assis Brasil)    

 

 

 

 

 

 

 

LENDAS

 

VERSÃO INDÍGENA

 

      

 

Há muitos e muitos anos, no tempo dos Tapes, uma grande tribo de fala guarani estava de partida. Precisavam encontrar um outro lugar para morar onde a caça fosse farta e a terra fértil. Lentamente os índios foram deixando a aldeia onde haviam vivido tantos anos.

 

Quando não havia mais ninguém, pelo menos era o que parecia, de repente, pássaros voam assustados. O couro que cobria a entrada de uma cabana foi afastado e surge um velho índio, curvado pelo peso dos anos e com os cabelos completamente brancos. Atrás dele caminha uma linda jovem índia. Ele é um velho guerreiro sem forças para acompanhar a tribo em busca de novas terras. Ela chamava-se Yari e era sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu velho pai, certa que sozinho ele não iria sobreviver.

 

Numa triste tarde de inverno, o velho entretido colhendo algumas frutas, assustou-se quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensou que fosse uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, de olhos cor do céu e vestido com roupas coloridas.

 

 Aproximou-se e disse-lhe:

- Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousas um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?

 

- Sim, respondeu o velho índio, mesmo sabendo que sua comida era muito escassa.

 

 

Quando chegaram à sua cabana, ele apresentou ao visitante a sua filha.

Yari acendeu o fogo e preparou algo para o moço comer. O estranho comeu com muito apetite. O velho e a filha cederam-lhe a cabana e foram dormir em uma das outras abandonadas.

 

Ao amanhecer o velho índio encontrou o homem branco e fez tudo para que ele parasse. O outro, porém, respondeu-lhe que tinha percebido a necessidade dos pois e se propunha ajudar. Dito isso, embrenhou-se em direção à floresta. Depois de algum tempo retornou com várias caças.

 

- Vocês merecem muito mais! explicou o homem. Ninguém já me acolheu com tanta hospitalidade, me dando tudo o que possuíam.

 

Falou também que tinha sido enviado por Tupã, que encontrava-se muito preocupado com a sorte dos dois.

 

- Pela acolhida que recebi, lhes reservo o direito de atender a um pedido. Diga o que deseja!

 

 

O pobre velho queria um amigo que lhe fizesse companhia até o findar de seus dias, para que pudesse deixar de ser um fardo para sua doce e jovem filha.

O estranho levou-lhe então até uma erva mais estranha ainda dizendo:

 

- Esta é a erva-mate. Plante-a e deixa que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e poderá voltar a caçar e fazer o que quiser. Sua filha poderá então retornar a sua tribo.

 

Yari resolveu que de qualquer jeito jamais ficaria para fazer companhia ao pai. Pela sua dedicação e zelo, o enviado do tupã sorriu emocionado e disse:

 

- Por ser tão boa filha, a partir deste momento passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes.

 

 

Logo depois o estranho partiu, mas deixou na cabeça de Yari uma grande dúvida: como poderia ela, vivendo afastada das demais tribos divulgar o uso da tal erva? E o tempo foi passando...

 

Em uma tribo não muito distante dali, os índios estavam contentes com a fartura das caçadas.  Organizaram uma grande festa para comemorar, não faltava comida e muita bebida. Mas a bebida demais levou dois jovens índios a começaram a discutir. Tratava-se de Piraúna e Jaguaretê. Da discussão ao enfrentamento foi um passo.

No furor da briga Jaguaretê empunha um tacape e dá violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o. Jaguaretê foi então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto deveriam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Muito consciente que a tragédia só aconteceu por estarem os jovens sob o efeito da bebida, liberou o Jaguaretê, que foi então expulso da tribo e foi buscar sua sorte na seio da floresta e quem sabe nos braços de Anhangá, espírito mau da mata.

 

Conforme caminhava e o efeito do álcool era amenizado, mais se arrependia do mal que fizera.

 

Passadas muitas décadas, alguns índios daquela tribo, aventuravam-se na mata fechada em busca caça que já estava rara no local em que viviam. Entrando no sertão, no meio da floresta, encontraram uma cabana e foram aproximando-se com cuidado, mas mesmo assim foram pressentidos e saiu da cabana um homem muito forte e sorridente. Muito embora seus cabelos fossem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Identificou-se então como sendo Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo e que a bebida desconhecida era o mate.

 

                   

 

Contou que quando foi abandonado a sua sorte, muito andou e quando estava apertado de cansaço e remorso, jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou-se com a visão de uma índia de rara beleza que apiedando-se dele disse-lhe:

 

- Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa dos ervais. Tenho pena de você, pois não matou por gosto e agora arrepende-se amargamente pelo que fez. Para suportar seu exílio, eis aqui uma bebida que o deixará forte e lhe esclarecerá as idéias. 

Levou-o até uma estranha planta e voltou a dizer:

 

- Esta é a erva-mate. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu com o mate.

 

- Por tanto, jovens guerreiros, quero que leve alguns pés da erva-mate para a sua tribo e que nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.

 

Aqueles índios voltaram e contaram aos outros o que haviam ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos apreenderam e foi desta forma que seu uso chegou até nós.

 

              

 

Há porém, uma outra tradição assaz diversa sobre a aplicação e uso da erva-mate. Ela foi também um veículo dos mais eficazes usados na feitiçaria ou magia guaranítica. 

 

Narra-se que um feiticeiro foi ensinado por Anhangá como deveria beber a erva, quando quisesse consultá-lo. O pajé seguiu a risca as instruções e desde então fazia maravilhas. Passou a usá-la também como ingrediente nas suas feitiçarias.

 

Diziam os feiticeiros:

- "A erva me disse ou aquilo..", quando davam seus oráculos.

 

Os feiticeiros comunicaram seu mistério a outros e, pouco a pouco, o uso se tornou geral. Diziam que não havia coisa que se prestasse mais para causar dano. Esta bebida também servia de filtros e muitas mulheres fizeram deste negócio um comércio.

 

 

 

Ainda hoje se tem o costume, de quando se oferecer a cuia a um amigo, o dono da casa deve sugar os primeiros goles e jogá-los fora, pois por herança deste costume antigo, acredita-se que os primeiros sorvos não são bons. A alegação para tal feito é que o demônio Anhangá contamina a erva com seu maléfico influxo.

 

Deve-se atirar os primeiros goles da boca para as costas, um por cima do ombro direito e o outro por cima do esquerdo.

 

 


 

LENDAS CRISTÃS

 

 

Tem o uso da erva, no dizer de Granada, uma alta origem no que poderíamos chamar de mitologia cristã. Já desde o primeiro quartel do século XVI, corria na América do Sul a lenda da estada do Apóstolo São Tomé no Brasil e países vizinhos.

 

Conta-se que chegando ao Paraguai, viu imensos matos de árvores do mate. Os índios, porém, não lhe davam utilidade nenhuma, até olhavam-nas com certa repulsão, porque as tinham por venenosas.

 

São Tomé achou entre os guaranis muita disposição para receber a fé e as águas do batismo. O santo, vendo a dedicação deste povo, quis fazer-lhe um benefício ensinando-lhes o uso da erva. Atraída por sua palavra, tinham-no seguido, uma grande multidão, quando arrancou uma porção da erva e a ajuntou cuidadosamente. Depois fez uma fogueira, estendeu as folhas da erva de tal maneira sobre as brasas que sem queimá-las, as tostasse. Por intermédio da lenta ação do fogo, perderam as folhas da erva, por evaporação, as substâncias danosas que possuíam.

 

 

O que serviu para grande consolação e regozijo dos índios guaranis foi que as folhas emitiam uma suave fragrância, circunstância que aguçou-lhes a curiosidade em relação a erva.

 

 Desfizeram as folhas tostadas e pondo-as em água produziram uma bebida de gosto tão agradável quanto proveitosa. É Lozano que narrou este episódio na sua história da conquista.

 

Segundo o mesmo autor, conferiu a São Tomé a esta erva, virtudes medicinais contra pestes e várias doenças. Conta, que certa vez uma terrível peste dizimou quase todos os povos guaranis. Os infelizes, recorreram a São Tomé, que andava pregando por aquelas regiões.

 

O santo apóstolo respondeu:

 

- "Em casa possuis o remédio; a misericórdia divina nunca desampara os justos".

 

Em seguida mandou trazer os ramos da erva-mate, tostou-os, triturou as folhas, colocou-as na água e bebeu, para que eles não receassem bebê-la também.

-"Bebei", acrescentou, "as folhas desta erva e com elas curareis todos os enfermos e, vós, os sãos, ficarão imunes à peste."

 

Obedeceram os índios e nenhum dos enfermos tornou a morrer, assim como não adoeceu mais ninguém.

 

 

 


 

 

OS AVIOS DO CHIMARRÃO

 

Denomina-se "avios do chimarrão" os apetrechos ou utensílios necessários para tomá-lo.

 

É tudo muito simples, você precisará de uma chaleira ou um vasilhame que possa ser levado ao fogo para aquecer a água (nunca ferver!). Fora isso, a cuia, a bomba e a erva.

 

A cuia (do guarani "iacuhi" = cabeça) faz as vezes de uma chícara ou taça de chá, mas não dispõe de alça e deve acomodar-se naturalmente na mão.

 

Tradicionalmete, utiliza-se como cuia o fruto seco de duas cucurbitáceas diferentes: a "lagenaria vulgaris", que dá o porongo propriamente dito, redondo e arredondado, e a "crescentia cujetare", que dá a cuia propriamente dita, achatada, para os uruguaios conhecida como "galleta".

 

Nas regiões produtoras, como o Planalto, a fartura do produto permitiu a popularização do porongo de boca larga, mas nas regiões aonde o produto chegava em morosas caretas e no lombo de cargueiros (Compahia rio-grandense, Uruguai, Argentina), ou se cortava o porongo "ao contrário" (ao contrário da maneira planaltina), deixando uma boca de no máximo uma polegada, ou se usava diretamente a cuia chata ou "galleta", pequenina e econômica.

Houve época em que se fabricavam cuias finas, de porcelana, de formato achatado, para uso no mate doce das casas de estância; e mais recentemente industrializam cuias de madeira, de vidro, de madeira recoberta com alumínio, etc.; mas nada se compara ao porongo ou a cuia tradicional.

 

A bomba consiste num canudo de 20 a 30 cm de comprimento por 5 a 10 mm de diâmetro, achatado numa extremidade (bocal) e apresentando, na outra, um bojo oco e crivado de furinhos.

 

No século XVII dois tipos de bomba eram conhecidas: a de prata, metal abundante então na América, e a taquara, confeccionada pelos indígenas e resultante de um paciencioso trançar de fibras de duas cores.

Atualmente é desconhecida a bomba vegetal: utiliza-se tão somente a bomba de "metal branco", entre os gaúchos menos abastados, e a bomba de prata, muitas vezes com relevo e bocal de ouro.

 

Um outro elemento, não essencial, poderia ser incluído entre os avios: o tripé, ou outra base qualquer, em que a cuia possa se firmar quando não está em uso.

 

 

Apesar de simples esses apetrechos são fundamentais e já rendeu até inspiração aos poetas gaúchos:

 

"Quanto aos furos de uma bomba

calibre não muito estreito;

do contrário, se o sujeito

se prende louco a chupar,

quando menos se dá conta,

de tanto que chupa e chupa,

o pobre diabo, num upa

pode do avesso virar!"

 

(Eugênio Severo)

 

 

 


Veja também:
Como preparar o Chimarrão

Como se bebe o Chimarrão