JULGAMENTO DA REVOLUÇÃO

Por Roberto Marinho

Editorial publicado pelo jornal "O Globo" em 07 de Outubro de 1984

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das  lnstituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordemClique para ampliar social e corrupção generalizada. Quando a nossa redação foi invadida por tropas anti-revolucionárias, mantivemo-nos  firmes em nossa posição. Prosseguimos apoiando o movimento vitorioso desde os  primeiros  momentos de correção de rumos até o atual processo de abertura, que se deverá consolidar com a posse do novo presidente. Temos permanecidos fiéis aos seus objetivos, embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir o controle do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o Marechal Costa e Silva, "por exigência inelutável do povo brasileiro". Sem o povo não haveria revolução, mas apenas um 'pronunciamento"  ou "golpe" com o qual não estaríamos solidários. O Globo, desde a Aliança Liberal, quando lutou contra os vícios políticos da Primeira República, vem pugnando por uma autêntica democracia, e progresso econômico e social do País. Em 1964, teria de unir-se aos companheiros  jornalistas de jornadas anteriores, aos 'tenentes e bacharéis' que se mantinham coerentes com as tradições e os ideais de 1930, aos expedicionários da FEB que ocupavam a Chefia das Forças Armadas, aos quais sob a pressão de grandes marchas populares, mudando o curso de nossa história.  

Acompanhamos esse esforço de renovação em todas as suas fases. No período de ordenação de nossa economia, que se encerrou em 1977.  Nos meses dramáticos de 1968 em que a intensificação dos atos de  de terrorismo provocou a implantação do AI-5. Na expansão econômica de 1969 a 1972, quando o produto nacional bruto cresceu à taxa média anual de 10  %.  Assinale-se que, naquele primeiro decênio revolucionário, a inflação decrescera de 96 %  para 12,6 % ao ano, elevando-se  as exportações anuais de 1 bilhão e 300 mil dólares para mais de 12 bilhões de dólares. Na era do impacto da crise mundial do petróleo desencadeada em 1973 e repetida em 1979, a que se seguiram aumentos vertiginosos nas taxas de juros, impondo-nos , uma  sucessão de sacrifícios  para superar a nossa dependência externa de energia, a deterioração dos preços dos nossos produtos de exportação e a desorganização do sistema financeiro internacional. Essa conjunção de fatores que violaram a administração de nossas  contas externas obrigou- nos a desvalorizações cambiais de emergência que teriam fatalmente de resultar na exacerbação do processo inflacionário. Nas respostas que a sociedade e o governo brasileiros deram a  esses desafios, conseguindo no segundo decênio revolucionário que agora se completa, apesar das dificuldades, reduzir de 80 % para menos de 40% a dependência externa na importação de energia, elevando a produção de petróleo de 175 mil para 500 mil barris diários e a de álcool, de 680 milhões para 8 bilhões de litros; e simultaneamente aumentar a fabricação industrial em 85%, expandir a área plantada para produção de alimentos com 20 milhões de hectares a mais, criar 13 milhões de novos empregos, assegurar a presença de mais de 10 milhões de estudantes nos bancos escolares, ampliar a população economicamente ativa de 29 milhões para 45 milhões, 797 mil,  elevando as exportações anuais de 12 bilhões para 22 bilhões de dólares.      

Volvendo os olhos para as realizações nacionais dos últimos vinte anos, há que se reconhecer um avanço impressionante: em 1964, éramos a quadragésima nona economia mundial, com uma população de 80 milhões de pessoas e uma renda per capita de 900 dólares; somos hoje a oitava, com uma população de 130 milhões de pessoas, e uma renda média per capita de 2.500 dólares.      

O Presidente Castello Branco, em seu discurso e posse, anunciou que a Revolução visava  “ à arrancada para o desenvolvimento econômico, pela elevação moral e política". Dessa maneira, acima do progresso material, delineava-se o objetivo supremo da preservação dos princípios éticos e do restabelecimento do estado de direito. Em 24 de junho de 1978, o Presidente Geisel anunciou o fim dos atos de exceção, abrangendo o AI-5, o Decreto-Lei 477  e demais Atos Institucionais. Com isso, restauravam-se as garantias da magistratura e o instituto do habeas-corpus. Cessava a competência do Presidente para decretar o fechamento do Congresso e a intervenção nos Estados, fora das determinações constitucionais. Perdia o Executivo as atribuições de suspender os direitos políticos, cassar mandatos, demitir funcionários e reformar militares. Extinguiam-se as atividades da C.G.1 (Comissão Geral de Inquéritos) e o confisco sumário de bens. Desapareciam da legislação o banimento, a pena de morte, a prisão perpétua e a inelegibilidade perene dos cassados. Findava-se o período discricionário, significando que os anseios de liberalização  que Castello Branco e Costa e Silva   manifestaram  em diversas ocasiões e que Médici vislumbrou em seu primeiro pronunciamento finalmente se concretizavam.

Enquanto vários líderes oposicionistas pretenderam considerar aquelas medidas fundamentais como "meros paliativos", o então Deputado Tancredo Neves, líder do MDB na Câmara Federal, reconheceu que a determinação governamental  "foi além do esperado".

Ao assumir o Governo, o Presidente Figueiredo  jurou dar continuidade ao processo de redemocratização. A concessão da anistia ampla e  irrestrita, as eleições diretas para Governadores dos Estados, a colaboração federal com os novos Governos oposicionistas na defesa dos interesses maiores da coletividade, são demonstrações de que o presidente não falou  em vão.

Não há memória de que haja ocorrido aqui, ou em qualquer outro país, que um regime de força, consolidado há mais de dez anos, se tenha utilizado do seu próprio arbítrio para se auto-limitar, extinguindo os poderes de exceção, anistiando adversários, ensejando novos quadros partidários, em plena liberdade de imprensa. É esse, indubitavelmente, o maior feito da Revolução de 1964.

Neste momento em que se desenvolve o processo da sucessão presidencial, exige-se coerência de todos os que têm a missão de preservar as conquistas econômicas e políticas dos últimos decênios.    

O caminho para o aperfeiçoamento das instituições é reto. Não admite desvios aéticos, nem afastamento do povo.    

Adotar outros rumos ou retroceder  para atender a meras conveniências de facções ou assegurar a manutenção de privilégios seria  trair a Revolução no seu ato final.
                                                  
                                                                                   

 

 

Comentário:

Passados mais de quinze anos, atualmente o mesmo jornal, ainda sob a direção do mesmo Roberto Marinho, não mais considera a Revolução da mesma maneira com que ele anteriormente a definia e se referia  em letra maiúscula. Os tempos mudaram e os interesses também; agora a Revolução não passou de um golpe militar, nefasto ao País e culpado de todas as mazelas existentes, dos contrastes políticos, da corrupção, do desemprego, dos saques, dos assaltos a bancos, da falta de segurança interna e do abandono dos hospitais e escolas públicas, além das constantes campanhas difamatórias movidas contra as Forças Armadas.