PAULO FRANCIS TINHA AVISADO
07 de Fevereiro de 2005


por Augusto Nunes

 

O Brasil é muito jeca, repetia o grande Paulo Francis. Sempre foi. Já esbanjava jequice nos tempos em que celebrava a erudição tediosa de Ruy Barbosa e sua discurseira barroca, despejada em cataratas naquele congresso internacional do qual voltaria com o título de Águia de Haia, sabe Deus dado por quem. E só um jeca total se atreveria a eternizar num sambinha a proeza que, além do valor duvidoso, jamais foi comprovada: Ruy Barbosa foi à Inglaterra para ensinar inglês.

Jeca que festejou a glória do suposto mestre na língua de Shakespeare, jeca o país continua ao aceitar abulicamente a supressão da prova de inglês na fase eliminatória do ingresso no Instituto Rio Branco, encarregado de formar os diplomatas do Itamaraty. É uma contradição apenas aparente: a nação oscila entre o jeca deslumbradão e jeca orgulhoso da própria ignorância.

As diferenças entre os dois tipos são acessórias. "Questões de somenos", diria um Ruy Barbosa. O deslumbradão é aquele que acha que não há Hino Nacional mais bonito que o nosso, nem bandeira comparável à brasileira. O idiota feliz é o que acha que o melhor do Brasil é o brasileiro. Ou seja, o país inteiro, excluídas as elites metidas a besta.

Pra que falar inglês, francês ou qualquer estrangeirice? Aliás, que besteira é essa de falar português sem erros grosseiros, não esquecer os esses e erres? E pra que incensar a relevância de um diploma? O companheiro Lula não chegou à Presidência da República sem canudo universitário, e falando um português que, nas escolas primárias de antigamente, decerto induziria uma professora caridosa a reservar algumas horas extras para melhorar a cabeça daquele pernambuquinho esperto?

Historicamente jeca, a geléia geral que besunta estes tristes trópicos se vem superando sucessivamente desde o advento da Era Lula. Os cultos que me perdoem, mas o Brasil tem o presidente que merece. O que diria Francis das raquíticas metáforas futebolísticas? Dos discursos intermináveis e medíocres de quem quer ser Fidel Castro quando crescer? Das audiências concedidas no gabinete presidencial a sindicalistas vestidos de bermudas e chinelos? Do novo-riquismo constrangedor do primeiro casal? Da gastança em badulaques adequados a um sheik de Agadir?

Lula não tem paciência, disposição nem tempo a perder com o que lhe parece pura miudeza. Não despacha regularmente com ministros, não se demora em reuniões secas (nas molhadas, solta monólogos), não lê livro nenhum, não examina documentos oficiais, não vê filmes com legendas (só os falados em português), não vai ao teatro, não discute pendências (quem se acha o melhor presidente de todos os tempos não vai gastar minutos com críticos que nada sabem). O país está de doer. Lula está feliz.

O que diria Francis, Deus do céu, do discurso improvisado por Lula, semana passada, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre? Vaiado, ofereceu uma definição de "democracia" tão inteligível quanto hieroglifos aos olhos de um tapuia. Obcecado com a desconstrução da imagem do antecessor Fernando Henrique Cardoso, despejou números econômicos tão verossímeis quanto uma cédula de sete reais. E chamou de "companheiro Menem" o presidente argentino Néstor Kirchner. Outra gafe da pesada. Mais uma a enriquecer a coleção que já reúne centenas de relíquias.

Paulo Francis tinha inteira razão. Pois as coisas estão piorando. Oremos.

Publicado no site
nominino em 2 de fevereiro de 2004

Para ir mais longe:
www.nominimo.com.br