PAYADAS SELECIONADAS DE JAYME CAETANO BRAUN

 

Jayme Caetano Braun é, hoje, um nome repetido em todos os quadrantes do Rio Grande...

Seus livros nada mais são do que instantâneos de algumas notas que o auto conservou. O mais perdeu-se e se perderá nas noites de galpão, nas reuniões sociais e nos encontros de payadores onde Jayme, de improviso, emocionado e de olhar penetrante, solta ao sabor de uma milonga o rosário de ouro das suas mais profundas composições. Ele é um repentista soberbo encarnando, nos momentos de exaltação, o panorama inteiro do Rio Grande.

Na pasmosa transfiguração do espírito revive nele, nestes momentos, o índio inculto, nas oferendas tribais, no soturno socalcar de couros estirados sobre troncos ocos, linguagem grave de evocações lendárias do selvagem galpão.

Revive o homem de chiripá e botas de garrão de touro, na inimitável expressão dos dias da conquista, onde se viviam momentos de couro cru e a lei era a faca, nas distâncias infinitas do pampa, quando os monarcas da amplidão transpunham distâncias ao ritmo de quatro-patas e, ao evoaçar de crinas de baguais recém-domados.

É o peão de estância, no seu linguajar grosseiro e pitoresco, a reviver pealos porteira afora e a decompor expressões desconhecidas da gramática, porque se geraram nos atropelos de campereadas, que não se repetem, sovando rédeas e pelegos.

Na misteriosa transubstanciação das rimas, abstrai o seu tipo físico e veste a expressão de domadores e vaqueanos, ao trote de garanhões poderosos, destilando ao compasso de patas a rima bárbara de horizontes chucros. Os que ouvem estranham-se de um Rio Grande com pasto, percebendo a bulha de tiradores e o tinido ancestral das esporas de ferro, riscando ilhargas de baguais. Afundam pelos descampados bravios do Continente de São Pedro, em caravoltas da História, remontando às jornadas da Colônia do Sacramento, onde se forjaram os gaúchos de três pátrias. Penetram os momentos das arriadas nas vaquerias do mar, no comércio bruto de couro e sebo, ao zunir de boleadeiras e laços e no rechinar de arreios, quando o homem se impunha às leis bárbaras de uma natureza crua, entre tropéis e manadas...

Depois, na transposição maravilhosa da inteligência, ele nos repõe nos nossos dias, frente ao fogo de um galpão evocativo, embebidos da visionária e impressionante retrospecção do passado, para nos sentirmos mais rio-grandenses e compreendermos que, somente a um homem a cavalo, poderia ser atribuída a tarefa de vigiar como sentinela este imenso Brasil.

Jayme nasceu em São Luiz Gonzaga mas, naquele momento, tremeram os alicerces dos quatro pontos cardeais do Rio Grande, porque nascia o grande e inimitável payador desta terra, que terá o calendário mudado para antes e depois de Jayme Braun.

1969, Porto Alegre

Balbino Marques da Rocha
(
Prefácio do livro "Potreiro de Guachos", de Jayme Caetano Braun)