1836 - NASCE A REPÚBLICA RIO-GRANDENSE

 

          No decênio 1835/1845, a região sulina do país foi palco de uma campanha militar conhecida como Guerra dos Farrapos, cujas causas incluíam a rivalidade entre portugueses e brasileiros porque estes supunham que aqueles pretendiam reconduzir D. Pedro I ao trono do país. Ao longo desse período turbulento dois movimentos separatistas ganharam maior dimensão: a proclamação da República Rio-Grandense, na cidade gaúcha de Piratini, e a da República Juliana, em Laguna, Santa Catarina.

 

Com relação à primeira (também conhecida como República Piratini, termo incorreto porque se refere à sua capital) tudo começou em 10 de setembro de 1836, quando o coronel Antonio de Souza Netto, futuro comandante da vanguarda do exército de Osório na invasão do Paraguai, em 1866, foi incumbido por Bento Gonçalves da Silva do patrulhamento da região de Bagé. Ali, às margens do arroio Seival, sua tropa de 400 homens encontrou-se com soldados imperiais comandados pelo coronel João da Silva Tavares, mais tarde Visconde de Cerro Alegre, impondo-lhe fragorosa derrota. Segundo o historiador Arthur Ferreira Filho, na manhã do combate de Seival "Netto montado em seu cavalo, aperado (enfeitado) de prataria e de espada em punho, conduz sua Brigada Liberal na direção do adversário. Ao avistar a cavalaria imperial, ordenou a seus homens : - Não quero ouvir um só tiro. Vamos acabar com isto a espada e a lança!”. Nesse confronto os farrapos tiveram poucas baixas, enquanto do outro lado foram contados 180 mortos, 63 feridos e 100 prisioneiros.

 

Na manhã do dia seguinte, antes do nascer do sol, as tropas já esperavam o futuro general nos campos dos Menezes, à margem esquerda do rio Jaguarão. O comandante Netto apareceu a galope, postou-se ao centro da tropa, ergueu a espada e anunciou a proclamação da República com estas palavras que ficaram na história do Rio Grande do Sul:

        “Camaradas! Nós, que compomos a primeira brigada do exército liberal, devemos ser os primeiros a proclamar, como proclamamos, a independência desta província, a qual fica desligada das demais do Império e forma um Estado livre e independente, com o título de República Rio Grandense, e cujo manifesto às nações civilizadas se fará oportunamente. Camaradas! Gritemos pela primeira vez: Viva a República Rio Grandense! Viva a independência! Viva o exército republicano rio-grandense!”

 

Dias depois, em Piratini, a 6 de novembro, a Câmara Municipal da cidade, em sessão extraordinária, não só realizou a proclamação, mas também elegeu as autoridades. Bento Gonçalves, que estava preso, como presidente, e para substituí-lo durante sua ausência, José Gomes Vasconcelos Jardim. O cargo de vice-presidente foi preenchido por  Antônio Paulo de Fontoura, José Mariano de Matos, Domingos José de Almeida e Inácio José de Oliveira Gomes. Além disso, as leis do império foram adotadas em caráter provisório, criando-se ao mesmo tempo a bandeira da nova república, as secretarias da Justiça, do Interior, da Fazenda, da Guerra, da Marinha e do Exterior, e uma repartição central com o nome de Tesouro Público, que deveria instalar em cada município uma coletoria encarregada da arrecadação. Na oportunidade, foi lido o seguinte manifesto:  

  

          Rio-grandenses, quebrou-se o cetro da tirania, com que desde largo tempo nos oprimia o Governo do Brasil. Suas violências, suas injustiças e seus caprichos, que serão largamente expostos em um manifesto, fizeram ressoar em nosso horizonte o grito da independência, e este grito magnânimo desprendido no Seibal, Jaguarão e Piratini, muito em breve se estenderá em todos os ângulos do Estado. Ah! dia de prazer para os verdadeiros amigos da Liberdade; dia de glória para os rio-grandenses que amam sinceramente a sua Pátria. Uma nova época começa a renascer que gravada com letras de ouro nas páginas da história formará a grandeza deste vasto Continente.  Sim, a Nação rio-grandense é desde hoje imediatamente um estado livre. Seu nome se escreve já na lista das Nações independentes, e o Governo Republicano que adotastes, fará decerto a vossa ventura. Chamado por vossos sufrágios para desempenhar a primeira dignidade da República, vos agradeço a confiança com que me honrais, mas sinto que por falta de luzes não possa preencher como devo as funções do alto emprego com que fui investido. Todavia se não tenho grandes talentos para dirigir o leme do Estado, me sobram bons desejos. A opinião pública, essa rainha do Universo que decide da sorte dos impérios e das nações há de ser o Norte que guiará os atos da pública administração durante minha Presidência. Eu sou feitura vossa, e este titulo honroso me assegura a vossa franca cooperação para destruir os obstáculos que se oponham a nossa felicidade. Proclamando solenemente à face do Céu e da Terra nossa Independência política, destes um novo exemplo aos tiranos do quanto pode um povo brioso que quer ser livre.  As bases do grande edifício social estão já levantadas; o resto depende de vossas virtudes, vossa constância, vosso nobre coração e vosso patriotismo. Sustentai pois vossa obra; conheça o mundo que os rio-grandenses são donos da liberdade, unamo-nos, caros compatriotas, para destruir os inimigos do nosso sossego e da nossa prosperidade. A causa que defendemos é a causa da justiça contra a iniqüidade, é a causa dos povos contra seus opressores, e enfim é a causa dos rio-grandenses livres contra os escravos de uma corte viciosa e corrompida. Unamo-nos outra vez, vos digo, e os pendões da República tremularão triunfantes em toda sua redondeza. Todavia se por uma cruel fatalidade a deusa das vitórias não fecundar vossos esforços, pereçamos antes de entregar nossas mãos aos ferros do cativeiro. Converta-se este país em um ermo, e sobre suas cinzas, sobre nossos cadáveres insepultos e tintos ainda de sangue, que os tiranos tenham o prazer de contemplar com rosto enxuto as ruínas da pátria, mas ao menos não possam escarnecer da nossa desgraça. O nome dos rio-grandenses será então recordado com respeito pelas Nações do universo, que admiradas de tanto valor e tanto patriotismo dirão: Ali existia um povo infeliz, porém virtuoso; preferiu antes morrer livre, que viver escravo. Palácio do Governo de Piratini, 6 de novembro de 1836. - José Gomes de Vasconcelos Jardim.