A MENTIRA DO CRESCIMENTO
INDUSTRIAL
Nilson Araújo de Souza desmonta a falácia da atividade industrial recorde em janeiro, demonstrando que ela está decrescendo há cinco meses, provocando nos empresários expectativa de estagnação e demissões
Por Nilson Araújo * O governismo na mídia parece não ter limites. Está sempre à cata de factóides na tentativa de mostrar que as coisas vão indo muito bem no reino da economia brasileira. O objetivo, certamente, é tentar demonstrar que a política econômica de FHC está dando certo. Para isso, vale tudo, inclusive dizer que a economia está crescendo, quando já está evidente sua desaceleração. O último factóide virou manchete: "Atividade industrial é recorde em janeiro". Sucede um título menor: "Pesquisa da CNI aponta otimismo do empresário". Aqui cabe perfeitamente a recomendação do saudoso Aloysio Biondi: esquecer a manchete e procurar os fatos reais e as notícias relevantes nas partes mais escondidas das matérias ou dos próprios cadernos. Na busca de demonstrar o recordismo da atividade industrial em janeiro, a matéria exclui explicitamente os anos de 1987 e de 1995 ("sem levar em conta 1987 e 1995"). Nesses dois anos, a utilização de capacidade instalada na indústria no mês de janeiro foi superior à de janeiro deste ano: 84% e 83%, respectivamente, contra 82% neste ano. Alegam que se devem excluir aqueles anos porque sofreram impacto dos planos Cruzado e Real. E daí? Qual o problema? Janeiro deste ano sofreu o impacto da desvalorização do real, que, como sabemos, estimulou o crescimento da produção industrial para suprir o aumento das exportações. Além disso, em janeiro de 1987, o impacto já não era do Plano Cruzado, mas do anti-Cruzado baixado em novembro de 1986 e que provocou desaceleração da economia. Apesar disso, a "atividade industrial" foi maior do que a de janeiro deste ano. Não há, portanto, qualquer recordismo na "atividade industrial" em janeiro que se finda. Não se deve, ademais, dar um crédito absoluto à estimativa feita pela Fundação Getúlio Vargas para o nível de utilização da capacidade instalada nesse mês. Por uma razão simples: a "sondagem" foi divulgada antes de terminar o mês - portanto, foi feita sem levar em consideração o conjunto do mês. O espaço para chutômetro é muito grande. Aliás, as próprias "estimativas" da FGV são questionáveis: enquanto, por exemplo, "estimava" um índice de ocupação da capacidade instalada na indústria em torno de 82% para o ano passado, a estimativa da representante do setor, a Confederação Nacional da Indústria, estava em 77% (publicada na mesma página da matéria anterior). Em mais alguns meses, quando os dados do período já estiverem devidamente pesquisados e analisados, saberemos a verdade, mas, aí, como também dizia Aloysio Biondi, a notícia verdadeira será esquecida ou relegada para espaços escônditos. Lá dentro da matéria, fica claro por que esse afã de propagandear que as coisas vão indo bem. A utilização de capacidade instalada na indústria neste mês de janeiro está menor do que a do primeiro trimestre do ano passado (83% contra 82%) e repete a média do ano passado. O próprio responsável pela pesquisa na FGV, Salomão Quadros da Silva, declarou, segundo o articulista, "que o período de pico de recuperação da indústria já passou e a taxa vem mantendo desde o ano passado o mesmo patamar de ocupação". Isto está na matéria encabeçada pela manchete citada acima. Por que, então, a manchete sensacionalista? Para esconder o que o próprio pesquisador da FGV reconheceu: a produção industrial está desacelerando. Para falar a verdade, desde agosto do ano passado. Quanto ao otimismo dos empresários, não existe indício algum na pesquisa que permita essa conclusão. No caso do emprego, 21% dos entrevistados afirmam que vão demitir trabalhadores no primeiro trimestre contra apenas 17% que afirmam que irão fazer contratações. E, quanto à produção industrial, estão praticamente empatados os que esperam aumento da produção com os que esperam diminuição: 35% contra 32%. O resto espera estagnação da produção. Onde está o "otimismo do empresário"? O governismo na mídia às vezes chega a ser mais realista do que o rei. Paciência... O que se há de fazer? (*) Nilson Araújo é doutor em Economia, com pós-doutoramento na USP, e presidente do Instituto do Trabalho Dante Pellacani. Fonte: Jornal Hora do Povo, 06 de Fevereiro de 2001.
Abaixo, o exemplo de otimismo vazio de um
jornal do grupo RBS (Rede Bobo Sul):
|