A PROVÍNCIA CISPLATINA

Por Carlos Otávio Schneider

Foram poucos anos em que o Uruguay esteve anexo ao Rio Grande do Sul, na formação da Província Cisplatina.  De 1821 a 1825, as tempestades do Rio da Prata se fizeram sentir através dos conflitos entre o Império Português e o Império Espanhol, que culminou com a Declaratória de Independência da Banda Oriental de 25 de Agosto de 1825.  Bravos soldados e seguidores do Caudilho Juan Antônio Lavalleja, proclamando a Independência de Uruguay  na cidade de Florida.  Ora foi um nativo, um filho da terra, que, agrupando um núcleo de valentes soldados,  ascendeu ao céu da esperança em busca de sua autodeterminação.  E o Rio Grande do Sul?  Esta outra metade da Província Cisplatina, o que ocorreu?  Eis a interrogação.
O Brasil sempre foi uma farsa.  A proclamação da Independência “pro forma” foi de filho de português.  Melhor, filho do Rei de Portugal.  O Príncipe D. Pedro I.  Não foi um nativo da terra.  A teoria da dependência brasileira está sendo sustentado até hoje em obra específica de FHC desde 1960 quando buscou doutorado no Chile.

Reverberam sentimentos de inconformismos em todos os cantos da Pampa Meridional.  Porém um dos principais problemas da Banda Oriental redefinida sob símbolos teoricamente independentes foi que grande parte dos valores e figuras do velho artiguismo estavam se extinguindo, como conseqüência das guerras e atos de traições.

A maioria dos antigos caudilhos artiguistas nativos, haviam sido executados ou exilados  depois de certas derrotas bélicas antes de 1825. Andresito, filho de José Gervásio Artigas, foi feito prisioneiro  e veio morrer no território brasileiro; Gorgonio  Aguiar foi ao Paraguay onde terminou executado também, pelos “Francistas”. A maioria do que restou dos caudilhos artiguistas, havia perecido nas grandes matanças  perpetradas pelas tropas Portuguesas contra o exército Gaúcho.  Os ideais artiguistas somente permaneceram vivos na grande massa gaúcha que haviam logrado sobreviver das matanças dos protugueses.

Apenas cinco anos depois da grande derrota de 1820 pode pensar-se, que apesar de tudo, esta gauchada, liderada por J. Antônio Lavalleja, novamente tomava rumo de seu destino.  A Revolução de 1825,  concebia como um intento de libertar a Província Cisplatina do Brasil e da Argentina e reincorporá-la ao núcleo das Províncias Unidas,  surgiu como um renascer da antiga semente artiguista.

Assim estabelece  claramente uma correspondência diplomática entre o cônsul Inglês Thomas Samuel Hood e George Canning,  Diz o primeiro em expediente datado em 31 de janeiro de 1825: “. . . A maioria deles, são partidários de Artigas e seus oficiais, cuja meta é a total independência. . . uma divisão de possessões e propriedades e a igualdade sobre a base de fazer a todos igualmente pobres. . .”.

É provável que a maior parte da gauchada hajam previstos um promissor renascer do artiguismo, representado na figura de Juan Antônio Lavalleja e seus trinta e tantos soldados.  Seguramente influiu o ódio acumulado contra esse novo império português, que agora se chamava “Império do Brasil”, embora não houvesse trocado muita coisa no sistema imperial no Brasil.  Em todo caso, os gaúchos orientais se levantaram em massa e em pouco tempo encurralaram os brasileiros nas praças centrais no Uruguay.

Os Orientais declararam sua soberania frente as monarquias do mundo, voltando a formar parte das Províncias Unidas pela vontade popular, unindo se novamente ao povo irmão de origem espanhola conservando a soberania, como tinha que ser, de acordo com as principais regras herdadas do artiguismo.

Dasfortunadamente, não se pode seguir com o total feito. Outra vez, como é de costume, os oligarcas “portenhos” se utilizando de manobras diplomáticas, se aliaram aos ingleses e brasileiros para eliminar a nova semente que resistia da morte.  Desta vez, a idéia era acabar com dois “Payadores” com um só tiro.  De um lado, o porto competidor de Montevideo devia ser excluído da nação nascente americana do Sul para assegurar se o monopólio portuário de Buenos Ayres e, de outro, se asfixiaria as tendências “anarquistas” (diga se federalistas),  da gauchada oriental, assegurando que o artiguismo ficasse derrogado para sempre.

A proposta dos ingleses foi sensível: “ Criar um pequeno país, independente, uma cidade/ estado em torno de Montevideo, a exemplo das cidades da Liga Asiática.  Esta república de Montevideo, seria muito pequena, uma espécie de “Hong Kong” ou até mesmo “Singapura” sul americana.  Neste sentido todas as potências em questão seriam gradualmente convidadas a concordar com o novo sistema, via acordo comercial.  Os brasileiros conservariam grande parte do território e Buenos Ayres conservaria o controle do Porto de Montevideo consolidando o domínio comercial do interior provincial e, os ingleses obteriam assim uma  “cidade - porto” que finalmente  serviria de base para sua conquista comercial do Sul da América que inexoravelmente parecia aproximar-se o tempo para tal feito.

Os agentes desta manobra  diplomática internacional, não convidaram  a participação dos orientais, que indiscutivelmente foram os que haviam peleado e foram os legítimos vencedores da guerra.

Um feito quase fortuito, impediu  que estes desígnios  se levassem  a prática totalmente.  Frutuoso Rivera, o velho lugar-tenente artiguista, que havia se incorporado às fileiras brasileiras, foi logo obrigado a voltar e se integrar o bando oriental, estava numa situação de desprestígio total devido a esta demonstração inconseqüente.

Talvez por esta razão se decidiu a levar a cabo uma ação desesperada.  Desobedecendo as ordens de Buenos Ayres e de Lavalleja, se lançou com quinhentos gaúchos de sua inteira confiança a enfrentar aos brasileiros com o objetivo de reconquistar o território dos sete povos  das missões orientais, um velho sonho artiguista, todavia vivo na memória da gauchada da Banda Oriental, e aplicando o antigo “Plano de Defesa”, elaborado por ele próprio, Artigas, em 1816.

A campanha foi um êxito total.  O Brasil era ( e continua sendo) um gigante com os pés de barro.  Apenas os gaúchos de Rivera cruzaram o Rio Negro, a gauchada oriental das comarcas do norte  e a indiada “tape” se lhe combateram sem vacilar.  Em pouco tempo, os orientais novamente se apropriaram do solo missioneiro ancestral, ameaçando os feitos e controle brasileiro de Porto Alegre e da Província de São Pedro do Sul.

A coroa Imperial brasileira reagiu, e imediatamente acelerou as negociações. O acordo se produziu e ao final de 1828, os orientais se inteiraram que uma nova entidade política independente  haveria de surgir  na Banda.   As Missões Orientais ficariam em poder do Império do Brasil.  A Banda Oriental seria delimitada de todo o território que vai de Santa Tecla ( hoje cidade de Bagé)  da nascente do Ibicuy, com um novo limite mais ao Sul, mais especificamente no Rio Cuareim.  Sem dúvida, a ação de Frutuoso Rivera havia adicionado várias dezenas de milhares de quilômetros quadrados ao novo país que vinha se negociando com o império inglês, com a cumplicidade de brasileiros e “portenhos”.

O “micro país” proposto pelos ingleses, terminou sendo um estado  de dimensões muito mais importantes do que se havia previsto no  princípio do movimento.  Se bem, Montevideo havia  cortado seus laços com as outras províncias, porém conservou um território relativamente extenso que lhe haveria de permitir no futuro, desenvolver um importante  rol agro -exportador, apesar de tudo.

Um segundo sub-produto de agigantamento  desta nova entidade política uruguaya, a raíz da campanha das Missões, foi a persistência de uma numerosa população gaúcha, que se bem numerada e cercada de seus irmãos, que permaneceram desde aquela época, sob ocupação brasileira,  haveria de determinar muitos elementos da história deste novo Uruguay e lhe haveria de conferir alguns dos aspectos centrais de sua identidade futura.

Inicia-se um jogo político na Bacia do Prata. Os interesses comerciais do jugo inglês se acentua sistematicamente a tal ponto de mais tarde proporem  uma parceria comercial com os republicanos gaúchos em 1845.

Tem-se neste instante uma situação modificada do mapa político Sul Americano.  Um novo país surge das mãos dos caudilhos gaúchos, irmanados em comunhão com os gaúchos da Província de São Pedro do Rio Grande. Em 1835, no dia 19 de setembro daquele ano, os ânimos se acirraram entre os imperiais brasileiros e republicanos gaúchos.  A Bacia do Prata estava em convulsão novamente.  A Ponte da Azenha de Porto Alegre é palco do início do conflito armado que passa a se chamar de Revolução Farroupilha até meados de 1836.  As 11 horas da noite, no Porto dos casais, um guerrilha  farroupilha bate o imperiais e o Visconde Camamu é um dos primeiros feridos.  Logo em seguida, chegaram reforços do acampamento  dos liberais, armando no local onde hoje é o cemitério São Miguel e Alma.  Enquanto isto, Gomes Jardim e Onófre Pires tinham apenas sessenta homens sob o seu comando. E as ordens de Bento Gonçalves  eram claras.  Deveriam esperar reforços antes de atacar, ao amanhecer. Era 20 de Setembro de 1835,  pela manhã, Onófre Pires, Bento Gonçalves, entre outros, tomam o Palácio Piratini em Porto Alegre.

Em direção oposta, a derrota na ponte, os caramurus já haviam atravessado o porteiro da várzea, atual Parque Farroupilha, e cruzado o velho portão da cidade, ao lado do quartel do 8º Batalhão de Caçadores.

Fernandes Braga, era Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande nomeado pelo Imperador do Brasil Dom Pedro II.  Advogado, intelectual formado em Coimbra, mas não era covarde. Mesmo sabendo do número de homens do exército farroupilha, resolveu resistir convocando  seus conselheiros civis e militares. Entre eles, o recém nomeado comandante da Guarda Nacional, brigadeiro Gaspar Mena Barreto.e o Vice Cônsul de Portugal. Escravos foram chamados para acender todas as luminárias dos salões onde é hoje o Palácio Piratini, brilhava como um grande farol, no gabinete do presidente Braga comentou: “Não pretendo entregar a capital sem luta, sejam os atacantes mil ou dez mil homens. Mas ardo em saber quem os comanda.

Deflagrada a guerra, espalha-se pela Província o feito revolucionário.  De 4 a 5 de outubro de 1836, Na ilha do Fanfa, é prisioneiro, Bento Gonçalves, Onófre Pires, Zambicari e o corneteiro  Nico entre outros e são levados para o Rio de Janeiro e enclausurados na Fortaleza de Santa Cruz. Neste local já estavam Corte Real, Pedro Boticário entre outros farroupilhas. Posteriormente como reclusos na Ilha de Itaparica na Bahia, de onde Bento Gonçalves consegue fugir mais tarde.

O mais importante surge em 1836. Em 11 de Setembro daquele ano, após a brilhante batalha do Seival, Souza Neto, no Campo do Menezes proclama a Independência da República Riograndense diante da 1ª Cavalaria Imperial.  Em 12 de Setembro do mesmo ano, a câmara municipal de Jaguarão, é a primeira câmara a reconhecer o feito farroupilha.

Em 21 de Agosto de 1838, o Tratado de Canguê firmado pelos imperiais farroupilhas na pessoa de Mariano de Matos e o Governo Oriental legitimamente eleito Dom Frutuoso Rivera representado por Adres Llamas e outro, expressa textualmente o reconhecimento do título da República Riograndense. No mesmo ato, o supremo presidente provincial oriental declara apoio a causa farroupilha, declarando guerra a todos os inimigos internos e externos da nova república.

A presença inglesa se faz sentir novamente, e desta vez se sabe claramente os objetivos  Em 1844 quando Vicente da Fontoura, no Rio de Janeiro com salvo conduto outorgado por Luiz Alves de Lima e Silva,  é procurado por um embaixador inglês chamado Hamilton.  Este lhe instruiu não aceitar qualquer tipo de acordo com o Império Brasileiro.  Este mesmo diplomata inglês, se reúne em 1845, mais precisamente em 23 de março daquele ano, em Montevideo, para outro acerto com os republicanos riograndenses. Propôs Hamilton o reconhecimento da República Riograndense em troca da abertura dos portos próximos à Uruguaiana ao comércio inglês.

Não há como desmembrar a história do Rio Grande do Sul e do Uruguay no campo ideológico.  Uruguay e Rio Grande do Sul sempre estiveram irmanados em torno do mesmo ideal.  São membros que num futuro  poderão compor o grande bloco dos PAÍSES DA BACIA DO PRATA.

 

 

Fontes de consulta:

ANTON, Danilo. “Uruguaypiri”. Rosebund Edições, 1994.

CHEUICHE, Alcy. “Guerra dos Farrapos”. Editora Mercado Aberto, 1985.

Entrevista com Carlos Mendihlarsu Blanco, Bisneto de Souza Neto, 1997,  por Carlos Schneider.