
A RBS EM SANTA
CATARINA: ESTRATÉGIAS
POLÍTICAS, ECONÔMICAS E CULTURAIS NA CONQUISTA
DO MERCADO TELEVISIVO REGIONAL
Dulce Márcia Cruz
Fulbright Visting Scholar at the
UT-Austin Department of Radio, Television, and Film
TELEVISÃO E NEGÓCIO: O QUE A
REDE BRASIL SUL FAZ PARA CONSTRUIR O SEU IMPÉRIO
Radialista, professora de Rádio e Televisão
da Universidade Regional de Blumenau, é mestre em Sociologia
Política e doutoranda em Engenharia de Produção
da Universidade Federal de Santa Catarina.
O artigo descreve as múltiplas e bem
sucedidas estratégias que deram à gaúcha RBS,
Rede Brasil Sul de Comunicação, a liderança
no mercado televisivo de Santa Catarina. A trajetória da
RBS foi analisada sob três aspectos: o político, relacionado
ao seu papel social e ideológico; o econômico, ligado
às decisões sobre tecnologia, busca de audiência
e de verba publicitária; cultural, resultado da união
da programação da Globo com uma grande produção
local.
El articulo describe la multiplas y bien sucedidas
estrategias que dieron a la gaucha RBS, Red Brasil de Comunicacion,
la lideranza en el mercado televisivo de Santa Catarina. La trayetoria
de la RBS fue analisada bajo tres aspectos: el politico, relacionado
a su papel social y ideologico; el económico, ligado a las
decisiones sobre tecnologia, búsqueda de audiencia y de verba
publicitaria; el cultural, resultado de la unión entre la
programación de la Globo a un amplio espacio local.
The present paper describes the multiple and
successful strategies which allowed the "gaúcha"
RBS, Rede Brasil Sul de Comunicação (South Brazil
Communications Network) to become the leading network in the television
market in Santa Catarina state. RBS's trajectory was analyzed under
three aspects: the political, related to its social and ideological
role; the economic, related to the decisions about technology, the
conquest of the audience and of the largest share in advertising;
and cultural, resulting from the combination between Globo Network's
programming and an ample attention to local programming.
O objetivo principal deste trabalho é
analisar as estratégias políticas, econômicas
e culturais que levaram a Rede Brasil Sul de Comunicações,
a RBS, de propriedade da família gaúcha Sirotsky,
a assumir a liderança entre as emissoras de televisão
catarinenses. O que nos interessa demonstrar é que emissoras
de televisão (à frente dos grupos econômicos
dos quais fazem parte) têm uma atuação que ultrapassa
a produção de bens culturais, podendo se constituir
num espaço para um complexo de ações, especialmente
do tipo político organizativo, fato poucas vezes reconhecido.
Esta pesquisa nos parece relevante pela carência
de estudos sobre as redes de televisão regionais no Brasil.
Além disso, a RBS detém a maior audiência, a
maior verba publicitária e portanto, um grande peso político
em Santa Catarina. Pode-se acrescentar que a emissora se caracteriza
por priorizar o espaço local/regional em sua programação,
fato raro entre as afiliadas da Rede Globo.
Encontrar um quadro teórico que servisse
de suporte explicativo para o objeto de estudo foi uma das grandes
dificuldades deste trabalho. Diante da inexistência de um
referencial que respondesse de modo mais específico às
questões levantadas, foram adotados alguns conceitos gerais,
elaborados por vários autores que procuramos articular.
O primeiro conceito é o de indústria
cultural, do qual não se pode fugir ao se fazer referência
às manifestações culturais que se dirigem a
um público amplo e que visam o lucro pela produção
de bens culturais. De forma específica, cada setor que integra
a indústria cultural tem em comum características
como a padronização, a racionalidade das técnicas
produtivas e a produção em série. Elas acarretam
a existência de um público estandartizado, com necessidades
iguais que se satisfaz ao consumir cópias, ou bens culturais,
resultados de processos de reprodução em massa, planificados
e repetitivos. Ao contrário da indústria de bens materiais,
a produção de bens culturais, por suas próprias
características, une a estandartização e a
racionalização à criação individual.
O conceito de indústria cultural, no
entanto, vem carregado de uma significação autoritária
no que diz respeito ao objetivo de seus produtos. É preciso
relativizar a manipulação sofrida por leitores, ouvintes,
telespectadores, por parte dos "maquiavélicos"
donos dos meios de comunicação. Prova disso é
o constante acompanhamento feito pelas empresas da reação
dos consumidores em relação aos seus produtos. No
caso da televisão, por exemplo, roteiros de novelas são
considerados "obras abertas" porque são mudados
se as pesquisas com os telespectadores indicam essa necessidade.
Nesse sentido, o papel ideológico dos meios de comunicação
de massa é mais flexível, variando de acordo com a
conjuntura, mas sempre buscando criar uma aceitação
por parte dos dominados - em outros termos, os consumidores - de
uma determinada visão de mundo advinda da indústria
cultural.
Para entender quem cria e porque essa "visão
de mundo", utilizamos um conceito criado por Antonio Gramsci,
o de intelectuais orgânicos. Agentes principais na construção
do consenso "espontâneo", os intelectuais orgânicos
têm a função de garantir a manutenção
da hegemonia do grupo dominante, ou seja, conservar unido um bloco
social que não é homogêneo, através da
ideologia. São eles que fazem o vínculo entre a estrutura
econômica e a superestrutura política numa organização
social concreta, exercendo uma função diretiva e organizativa.
Estes dois planos superestruturais são assim definidos por
Gramsci (1989, p.11): "o que pode ser chamado de `sociedade
civil' (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente
de `privados') e o da sociedade política ou Estado, que correspondem
à função de `hegemonia' que o grupo dominante
exerce em toda a sociedade e àquela de domínio direto
ou de comando, que se expressa no Estado e no governo `jurídico'."
É é neste sentido que Gramsci os coloca atuando na
sociedade civil, num plano essencialmente ideológico.
Ao lado desse papel político, a televisão
tem ainda uma forte atuação no sentido de dinamizar
o fluxo de mercadorias dentro do sistema capitalista. Para analisar
esse papel econômico, recorremos à abordagem feita
por César Bolaño (1988), que propõe o estudo
da relação entre público (audiência),
mercado publicitário (anunciantes) e o mercado de TV (disputa
entre emissoras) para se entender como se dá a competição
pela verba publicitária, fundamental para a sobrevivência
das empresas. Bolaño sugere o uso do termo "barreiras
à entrada" para definir o Padrão de Qualidade,
estratégia fundamental da Rede Globo para diferenciar-se
na luta competitiva dentro do mercado de televisão.
A trajetória da RBS foi assim analisada
sob três aspectos: o político, determinando um papel
social e ideológico para suas ações; o econômico,
de onde saíram as decisões sobre inovação
tecnológica, busca de audiência e de verba publicitária;
e finalmente, o cultural, definindo que tipo de produto deveria
ser desenvolvido de forma racional para as necessidades do setor
televisivo. Esses fatores devem ser vistos de forma integrada, já
que implicaram em estratégias que visavam, não só
criar a rede de emissoras de TV da RBS em Santa Catarina, mas também
preparar as bases para a consolidação de todas as
atividades de comunicação do grupo no estado.
Nossa pesquisa compreende desde o período
de implantação e estruturação, em 1978,
da rede de televisão da RBS em Santa Catarina até
1993. Essa delimitação não é aleatória:
a chegada do grupo coincide com o desenvolvimento da indústria
cultural no estado e nele tem um papel fundamental, modernizante
e diretivo.
Em meados da década de 70, havia em
Santa Catarina apenas duas emissoras de televisão, administradas
de forma bastante amadora: a TV Cultura, de Florianópolis
e a TV Coligadas, de Blumenau. A primeira, repetindo a programação
da Tupi, não ultrapassava os limites da capital catarinense
e a segunda, que retransmitia a Globo, alcançava cerca de
dois terços do território estadual.
Uma das características da radiodifusão
em Santa Catarina sempre foi a estreita ligação com
a classe política e principalmente, com as duas oligarquias
estaduais, as famílias Ramos e Bornhausen, donas de várias
emissoras de rádio e dos maiores jornais do estado. Entretanto,
em 1976, os Ramos e os Bornhausen, competindo pela concessão
de um canal de televisão em Florianópolis, não
foram capazes de ganhar do grupo gaúcho RBS. Em menos de
três anos a partir da inauguração em 1979 da
TV Catarinense de Florianópolis, a RBS montou uma rede estadual
com a compra, antes mesmo de ser inaugurada, da emissora de Joinville,
da recém inaugurada televisão de Chapecó e
da pioneira TV Coligadas. Ao mesmo tempo, a RBS empreendeu uma série
de atividades junto à elite empresarial e política,
aos empresários de comunicação locais, ao mercado
publicitário e ao público, numa espécie de
"educação para o mercado". Para tentar
entender melhor o que aconteceu nesse período de reordenamento
do cenário televisivo de Santa Catarina, formulamos duas
questões. Como a RBS, sendo um grupo "de fora",
conseguiu ganhar a concessão da emissora de Florianópolis
e comprar os canais de televisão que lhe permitiram montar
uma rede estadual? Que estratégias usou para conquistar a
liderança que hoje detém entre as emissoras de televisão
catarinenses?
Uma hipótese principal foi elaborada
para tentar responder a estas indagações: a radiodifusão
em Santa Catarina, no final da década de 70, ainda não
estava estruturada nos moldes de uma indústria cultural como
a que se consolidava no eixo Rio/São Paulo. A chegada da
RBS impôs uma nova dinâmica competitiva dentro do setor,
antes de mais nada, por ser uma empresa administrada dentro de parâmetros
de eficiência, racionalidade e profissionalismo. Isto fez
com que alcançasse rapidamente a liderança entre as
emissoras de TV locais, assumindo, inclusive, um papel organizativo
dentro da indústria cultural estadual. Ela precisava desempenhar
esse papel para promover a modernização do mercado,
vista como condição necessária ao sucesso de
seus próprios negócios. O papel da Rede Globo não
pode ser menosprezado nesta trajetória e vale enumerar aqui
as semelhanças com a RBS. A televisão vista como um
negócio, um empreendimento comercial que deve dar lucro e
ser administrado em termos profissionais, a racionalização
dos processos de produção e a participação
ativa no momento político podem ser apontados como os principais
pontos em comum que agiram como elementos impulsionadores da expansão
dos dois grupos.
No intento de comprovar nossas hipóteses
optou-se por utilizar dois tipos de pesquisa: 1) levantamento de
documentação e dados escritos, 2) entrevistas com
informantes chaves, que participaram diretamente dos acontecimentos
da época estudada.
A documentação escrita foi obtida
nas seguintes fontes: a) da própria RBS; b) de arquivos de
órgãos públicos e instituições
particulares; c) de pesquisa hemerográfica; d) de pesquisa
bibliográfica. As entrevistas, ao todo 14, foram feitas visando
coletar o ponto de vista dos atores que viveram o processo. Mesmo
levando-se em conta as dificuldades metodológicas de se trabalhar
com depoimentos distantes no tempo do objeto de estudo, verificou-se
que, de forma geral, eles eram confirmados por informações
da época (jornais e dados oficiais) acrescentando nuances
que revelavam a riqueza do processo.
De uma maneira geral, existe na bibliografia
uma concordância sobre a importância decisiva da entrada
da Rede Globo no mercado televisivo brasileiro. Num primeiro momento
(1950-1964) que começou com a inauguração da
TV Tupi, a televisão tinha uma estrutura pouco compatível
com a lógica comercial, caracterizada pelos poucos aparelhos,
baixo investimento publicitário, precariedade dos equipamentos,
improvisação e pequeno alcance das emissoras da época.
O golpe militar de 1964 mudou essa situação através
da instalação de uma infra-estrutura de telecomunicações,
que integrou o Brasil via microondas e via satélite. A televisão
se tornou mais profissional, mais racional, e emissoras como a Excelsior
passaram a "vender cultura".
Foi a Globo quem aprofundou essas mudanças
graças a uma série de estratégias tais como
o investimento financeiro, técnico e administrativo do grupo
Time-Life; a criação de uma programação
única com a racionalização dos esquemas de
produção; um esquema gerencial moderno e o aproveitamento
das condições políticas favoráveis ao
seu crescimento. A entrada no ar do Jornal Nacional em 1969, marcou
o início de um longo período que se estendeu por toda
década seguinte, no qual a Globo assumiu a hegemonia entre
as emissoras do país. Criou o Padrão de Qualidade
que serviu como uma barreira à entrada aos novos competidores.
Apenas na década de 80, as outras redes chegaram a arranhar
em alguns horários a liderança global.
Com o fechamento da Excelsior em 1971, as
emissoras da família Sirotsky se afiliaram à Rede
Globo. Iniciada em 1957 com a compra da Rádio Gaúcha,
a Rede Brasil Sul possuía em 1972, cinco emissoras e 104
retransmissoras-repetidoras de TV, cobrindo todo o interior do Rio
Grande do Sul.[1] Pelas suas características, a RBS abriu uma
exceção dentro da política de "integração
nacional" representada pela programação centralizada
da Globo no eixo Rio/São Paulo. Para os gaúchos, ao
contrário do resto do país, a estratégia adotada
foi adicionar à programação nacional global
o toque local produzido pelas emissoras da RBS. É assim que,
em 1977, com oito geradoras no Rio Grande do Sul, a RBS se preparou
para ampliar seus negócios até Santa Catarina.
Em meados de 70, a RBS encomendou uma pesquisa
de marketing para decidir qual o melhor veículo para entrar
em Santa Catarina. A televisão foi a escolhida. Pesou na
escolha o fato de que se abriam possibilidades de novas concessões
de TV para o estado e melhor, não havia concorrência,
dada a precariedade da indústria cultural catarinense. Vigorava
ainda a improvisação dos cidadãos bem intencionados
que se esforçaram por trazer a televisão para Santa
Catarina. Oficialmente, a pioneira foi a TV Coligadas de Blumenau,
inaugurada em 1o. de setembro de 1969 pelas mãos de 229 acionistas.
Logo passou a retransmitir a Globo produzindo muito pouca programação
local. Em Florianópolis, a televisão chegou em maio
de 1970. Era a TV Cultura, formada por uma sociedade de 178 cidadãos
e que retransmitia a Tupi. A Coligadas e a Cultura foram as únicas
em Santa Catarina até 1979.
Entre 1978 e 1982, a RBS empreendeu uma série
do que chamamos estratégias de implantação
para formar uma rede com quatro emissoras de televisão nas
cidades mais importantes do estado. A única concedida diretamente
pelo governo federal à própria RBS foi a TV Catarinense,
de Florianópolis. Os outros três canais foram transferidos
à RBS por dois grupos de concessionários.
Para obter a concessão de Florianópolis,
em 1977, a RBS se articulou com as elites políticas de Santa
Catarina, derrotando os Ramos e os Borhausen que queriam juntos,
montar uma rede para retransmitir a Globo, tendo à frente
a TV Coligadas de Blumenau. A RBS usou também seus contatos
em Brasília e junto à própria Globo para conseguir
o canal. Antes mesmo de inaugurar a TV Catarinense em Florianópolis,
em 1o. maio de 1979, a RBS já tinha comprado através
de um "contrato de gaveta" a concessão da emissora
de Joinville, uma sociedade formada por 160 acionistas da cidade.
A TV Coligadas foi a seguinte. Seu acionista majoritário
era Mário Petrelli, considerado testa de ferro da família
Bornhausen. A emissora tinha perdido o contrato de afiliada da Globo
para a RBS. Como Petrelli comprara também a TV Cultura de
Florianópolis, os dois canais passaram a retransmitir a Tupi,
que acabou fechada em julho de 1980. Antes disso, em março
de 1980, Petrelli vendera 70% das ações da Coligadas
para a RBS. Com o dinheiro da venda, Petrelli montou a TV Cultura
de Chapecó, inaugurada em abril de 1982, retransmitindo o
SBT. Mas o ano ainda não acabara e a emissora foi vendida.
Em janeiro de 1983, a Cultura de Chapecó entrava em rede
com a RBS. No prazo enxuto de três anos, a RBS estendeu uma
rede de geradoras de TV em cada um dos quatro pólos político-econômicos
do estado.
Na aquisição das emissoras,
vários fatores pesaram: a inexperiência e falta de
capital para gerir o negócio dos donos da TV Joinville. Em
Florianópolis, os Sirotsky fizeram uma articulação
com as elites dominantes tanto de Brasília quanto do estado.
Teve peso o fato de não haver por parte dos gaúchos
uma filiação explícita a qualquer partido político,
mas sim uma amizade com o poder central, o que dava o aval para
o negócio e que facilitou sua expansão na etapa seguinte.
No caso da Coligadas, foi fatal a perda da programação
da Globo e a frustrada união com a TV Cultura, já
que, pouco tempo depois, ambas perdiam a Tupi. Chapecó entrou
no mesmo negócio, agravado pelo fato de não conseguir
se sustentar até que o SBT começasse a ganhar audiência.
Em todos os casos ficou evidente o despreparo dos administradores
locais, principalmente se comparados ao poder financeiro e técnico
da RBS, unido a um jogo de cintura político bastante eficiente.
Ao mesmo tempo em que articulava a formação
da rede, a RBS também empreendeu uma série de outras
ações no sentido não só de conquistar
a audiência, mas, de certo modo, de "colocar ordem na
casa". Era preciso impulsionar as mudanças necessárias
para que os negócios na área do mercado de bens culturais
começassem a fluir mais rapidamente. Para ganhar a confiança
do anunciante local, da elite política, econômica e
do público, a RBS empreendeu uma série de estratégias
políticas, agindo como intelectual orgânico no sentido
gramsciano.
Trabalhou para a modernização
e organização da midia e dos anunciantes do estado
através de seminários e eventos; atuou junto aos empresários
de televisão ao ajudar a criar a Associação
Catarinense de Empresários de Radiodifusão e também
participou ativamente no sindicato da classe, sendo a emissora de
TV mais presente nas diretorias das duas entidades. A relação
com as elites políticas e econômicas locais se deu
através de eventos criados pela RBS para homenageá-las.
Se deu também pelo emprego de funcionários públicos
em cargos importantes nas emissoras do grupo. Uma outra faceta dessa
relação foi o apoio dado na eleição
de Espiridião Amin ao governo do estado em 1982.
Mas a RBS sempre teve um olho na política
e outro no faturamento. Por isso, sua estratégia política
mais importante foi a do espaço aberto através de
programas como o Bom Dia Santa Catarina e o RBS Entrevista, criados
para dar voz e imagem à elite catarinense.
Para conquistar o público, a RBS também
usou sua programação. Ainda em 1979, o Jornal das
Sete era pautado pelo público que telefonava sugerindo assuntos
como buracos de rua, bairro, trânsito. Até 1993, esse
espaço era coberto pelo Plantão do RBS Cidade. O mais
importante espaço para assuntos de interesses da população
foi aberto pelo Jornal do Almoço, com uma hora de duração,
criado em novembro de 1979 e do qual ainda hoje faz parte a Rede
Regional de Notícias. Paralelamente à programação,
a RBS possuía um departamento de eventos, responsável
por uma intensa agenda de atividades junto à comunidade,
principalmente esportivas e culturais. Pode-se citar ainda as campanhas
ideológico/morais e as campanhas filantrópicas de
auxílio nos momentos de calamidade pública. Pode-se
ressaltar ainda o papel reservado à Fundação
Maurício Sirotsky que sempre atuou visando atender a criança
carente, trabalhando com instituições públicas
e privadas na construção de creches, em campanhas
de conscientização a favor do controle da natalidade,
do estatuto da criança e do adolescente, entre outras.
No mercado televisivo, o avanço tecnológico
é um fator de sobrevivência e peça fundamental
na competição com outras emissoras. Quando veio para
Santa Catarina, a RBS possuía capital e experiência
para montar uma rede de emissoras. Isso quer dizer capacidade de
investimento em inovação tecnológica suficiente
para sobressair-se, diferenciar-se e criar barreiras à entrada
dos outros competidores em três sentidos: na produção
de programas, na distribuição do produto e na linguagem
como exigência do mercado competitivo.
Como exemplo significativo da competência
de produção, acompanhada do Padrão Global de
Qualidade na linguagem dos programas, podem ser citados os preparativos
e a inauguração da TV Catarinense de Florianópolis.
Um ano antes de inaugurar, a RBS já se equipava tecnicamente,
distribuindo as retransmissoras pelas principais cidades do estado,
ao mesmo tempo que começava a treinar mão-de-obra
local para trabalhar na emissora. Ao mesmo tempo, iniciou um grande
trabalho de marketing visando derrubar as resistências quanto aos
"gaúchos". Qualidade técnica de som, de
imagem, de programação nacional e de produção
local com grande investimento no jornalismo, fizeram com que alcançasse
a liderança de audiência já na primeira semana
no ar.
Por trás do sucesso da RBSTV pode-se
dizer que há um "modelo": emissoras geradoras situadas
nas cidades mais importantes, acompanhadas de um sistema de captação
de anúncios publicitários visando uma maior proximidade
com os pequenos e médios anunciantes. Desde o início,
a RBS buscou a cobertura total do território através
de uma extensa rede própria de microondas, acompanhada do
incentivo à instalação de retransmissoras pelas
prefeituras e completada com a utilização da infra-estrutura
da Embratel. Com isso, a RBS conseguia cobrir todo o estado de Santa
Catarina ao mesmo tempo em que se fazia presente nas sucursais comerciais,
instaladas para a captação de anúncios publicitários
nas principais cidades catarinenses.
Como geradoras de programas, as emissoras
de televisão da RBS também transmitiam comerciais
locais, que podiam, tanto patrocinar programas locais, como blocos
locais dos programas regionais, bem como intervalos comerciais regionais
durante os programas nacionais. A grande diferença que a
RBS oferecia era o preço acessível e a possibilidade
dos anunciantes chegarem diretamente aos seus consumidores, ao financiar
programas locais em horários periféricos, produzidos
a baixo custo.
A compensação do esforço
é dada pela audiência. Segundo as pesquisas, a RBS
mantém-se desde o início na liderança de audiência
em todas as suas emissoras catarinenses, tanto quando transmite
sua própria produção, quanto quando retransmite
a programação da Rede Globo.
A possibilidade de financiamento regional
de sua produção era parte fundamental dentro do esquema
armado pela RBS. Ele só foi possível, no entanto,
pelo que chamamos de estratégias culturais, ou seja: o resultado
da união da programação local com a programação
nacional da Rede Globo. Consideramos que a RBS desenvolveu essa
fórmula porque historicamente no Brasil não se sobrevive
apenas com produção local. Como os custos são
muito altos, a RBS planejava a conquista de seus espaços
dentro da Globo e decidia pela produção de um programa
através do seguinte raciocínio: se o que for colocado
no ar é melhor do que o que já está no ar,
se tem mais viabilidade econômica, se agrega mais audiência,
só assim será realizado. Por esse formato de rede,
a produção da matriz, muito mais cara, é exibida
nos horários de maior audiência. Os programas locais
ficam com os horários periféricos, de audiência
menor, assim, os anúncios são mais baratos e, conseqüentemente,
têm seu custo de produção também reduzido.
A análise que norteia essa estratégia
está baseada na concepção de que a programação
local permite o envolvimento com a comunidade, o que acaba revertendo
em uma participação mais forte no mercado publicitário.
A audiência da RBS mostra que o esquema tem dado certo. Quando
comparada com audiência da Globo no mesmo horário de
programação local, a RBS na maioria dos casos, somava
mais pontos, chegando a dobrar nos momentos em que concorria com
o programa Xou da Xuxa. Essa liderança era fundamental para
a RBS. Em 1987, a televisão representava 50% dentro dos lucros
de uma rede que dominava 70% do mercado, tanto o de Porto Alegre
quanto o de Florianópolis.
Em relação à Globo, basta
dizer que a RBS não só em Santa Catarina, como também
no Rio Grande do Sul, é a afiliada que sempre buscou abrir
espaços locais dentro da rígida programação
nacional transmitindo o maior número de horas de programação
local. E apesar de menor, a RBS ocupa uma posição
privilegiada dentro da Globo, através de muita troca e cooperação.
Pode-se citar como exemplo em termos de produção,
o programa Campo e Lavoura, que inspirou o Globo Rural; em termos
administrativos, o esquema de geradoras da RBS passou a ser seguido
pela Globo em suas emissoras do interior de São Paulo a partir
do final da década de 80; em termos profissionais e tecnológicos,
as duas redes trabalhavam em conjunto, para que não houvesse
muita diferença quando a programação mudava
de nacional para local. Paralelamente a essa dimensão
de cooperação e trabalho conjunto, a relação
com a Globo nunca deixou de ser conflituosa. Mesmo tendo condições
técnicas e operacionais para tanto, a RBS afirmava que não
pretendia realizar e vender produtos de TV para outros, e se reservava
o papel de oferecer prestação de serviços e
geração de informações regionais. Essa
definição determinou o planejamento da expansão
do grupo. Descartada a competição na área da
produção de programas, o conflito vivido com a Globo
deveria acontecer em termos de conquista territorial. Nesse sentido,
a hipótese de barreira intransponível representada
pelo Paraná pode ser verdadeira, já que a Globo possuía
metade da Rede Paranaense de Televisão. Assim, as alternativas
encontradas foram o crescimento nas áreas de comunicação
e informática, tanto dentro como fora do país. A compra
de jornais em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, concessões
de TV a Cabo (MMDS), a entrada no setor da telefonia móvel,
além da investida no Mercosul e Europa, confirmam essa análise.
Em termos substantivos, podemos concluir que
a nossa hipótese inicial se confirmou. O sucesso da RBS não
se deveu apenas à Rede Globo ou ao acaso, mas sim ao planejamento
e à execução das estratégias mencionadas.
Quanto ao referencial teórico utilizado,
pudemos perceber as dificuldades de se estudar a TV enquanto empresa.
É preciso ver a televisão além da mera produção
de bens culturais ou da relação do receptor frente
a essas mensagens, para entender qual é a lógica de
funcionamento de uma emissora de televisão e a multiplicidade
de ações que ela precisa empreender para conquistar
a audiência e o anunciante. Nesse sentido, o conceito de intelectual
orgânico nos pareceu adequado ao ser utilizado principalmente
para entender a RBS agindo ativamente na organização
de sua classe, na modernização do mercado televisivo,
na reprodução de uma visão de mundo e até
no esforço de agilizar a integração de mercados
tais como o do Mercosul. Entendemos ainda que o estudo do mercado
concorrencial televisivo precisa incorporar as estratégias
políticas e culturais para que possa compreender melhor a
dinâmica competitiva do setor.
Em termos empíricos, concluímos
que realmente existem poucos estudos sobre TV regional. Da mesma
forma que detém o monopólio de televisão no
país, a Globo parece que dirige os temas da pesquisa acadêmica
para o eixo Rio/São Paulo. É preciso lembrar ainda,
que o modelo de emissoras geradoras da RBS só é possível
pela existência da legislação brasileira sobre
telecomunicações, que permite que apenas uma família
possua 17 emissoras de televisão e de rádio sem que
nada lhes impeça.
Esperamos que este trabalho contribua para
colocar um pouco de luz sobre o que um grupo de comunicação
precisa fazer para conquistar a credibilidade e a confiança
da sociedade civil. Conhecer melhor essas estratégias talvez
ajude na democratização das telecomunicações
neste país.
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da Propaganda em Santa Catarina. Florianópolis,
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1 Emissoras ou geradoras são concessões de
televisão que podem produzir e transmitir programação
própria. Retransmissoras e repetidoras são estações
com equipamento para retransmitir ou repetir som e imagem para regiões
distantes das geradoras.
Brazil Center Institute of Latin
American Studies The University of Texas at Austin Sid Richardson
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