BASES DO AUTORITARISMO BRASILEIRO

Simon Schwartzman

3ª edição revista e ampliada - Editora Campus, 1988 (2ª edição, 1982)

 




APRESENTAÇÃO

PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO

Capítulo 1: DA TEORIA POLÍTICA À REALIDADE HISTÓRICA

1. A Crise das Teorias de Representação

2. Um Marco de Referência: Capitalismo Ocidental e Patrimonialismo

3. A Perspectiva Politica: Cooptação e Representação

4. A Política como Fenômeno Espacial: as Quatro Regiões

5. Conclusão: da Teoria Política à Realidade Histórica

 

Capítulo 2: NEOPATRIMONIALISMO E A QUESTÃO DO ESTADO
 
1. A Questão do Estado

2. Patrimonialismo e Feudalismo

3. Neopatrimonialismo

4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais

5. Participação Política e Neopatrimonialismo

 

Capitulo 3: ORIGENS HISTÓRICAS: CENTRO E PERIFERIA SOB DOMINAÇÃO PORTUGUESA
 
1. O Setor Público e o Setor Privado

2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros

3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas

4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates

5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do Exército Nacional

 

Capitulo 4: DEPENDÊNCIA, EXPANSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA PATRIMONIAL
 
1. Dependência e Expansão Econômica dos Países "Novos"

2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina e Austrália

3.A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário e o Estado: Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento

4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel Do Estado

5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial

 

Capítulo 5: DO IMPÉRIO À REPÚBLICA: CENTRALIZAÇÃO, DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS E DESCENTRALIZAÇÃO
 
1. A Vida Política no Século XIX

2. De Províncias a Estados

3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano

4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul

5. São Paulo e Minas Gerais

6. A Revolução de 1930- Fatos e Ideologias

7. A Nova Centralização

 

Capitulo 6: A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM PERSPECTIVA
 
1. Uma Perspectiva de Análise

2. A Participação Política e o Sistema Partidário Após 1945

3. A Dinâmica do Sistema: os Resultados Eleitorais

4. A Crise Do Sistema

5. Conclusões: o Sistema Eleitoral e a Questão Institucional
 
BIBLIOGFAFIA


 

APRESENTAÇÃO

Poucos se surpreenderiam hoje com a afirmação de que o Brasil é um país de longa tradição autoritária. No entanto, o entendimento adequado dessa tradição cuja origem se prende aos padrões de relacionamento havido entre o Estado e a sociedade brasileira só começou a ser buscado de forma maia sistemática nos últimos quinze anos, em parte pelo traumatismo causado pelas experiências autoritárias mais recentes, e em parte também pela abertura de novos horizontes intelectuais e analíticos entre os estudiosos da realidade social e política do país. Este livro pretende ser uma contribuição para esse entendimento.

Bases do Autoritarismo Brasileiro deve ser entendido como um reexame aprofundado de São Paulo e o Estado Nacional, publicado em 1975.(1) Algumas partes do texto de 1975 foram mantidas, outras foram profundamente revistas e materiais novos foram acrescentados.(2) Em geral, esta é uma obra mais declaradamente teórica e conceitual, que pretende ser também mais abrangente e fundamentada.

São Paulo e o Estado Nacional foi escrito em um dos períodos de autoritarismo mais intenso da história brasileira, enquanto que o atual texto foi preparado durante a experiência de relativa abertura política do Governo Figueiredo. A experiência política vivida nestes últimos anos confirma a tese de que o entendimento da vida política brasileira passa necessariamente pela análise das contradições entre o centro econômico e mais organizado da "sociedade civil," no país, localizado em São Paulo, e o núcleo do poder central, muito mais fixado no eixo Rio de Janeiro - Brasília. Foi de São Paulo que surgiram as pressões sociais mais fortes contra os poderes concentrados no Governo federal, tanto por parte de grupos empresariais quanto pelo movimento sindical organizado; é em São Paulo, em última análise, que se joga a possibilidade de constituição de um sistema político mais aberto e estável, que possa dar ao processo de abertura uma base mais permanente.

Essa constatação, embora promissora, não deve obscurecer o fato de que, historicamente, a sociedade civil brasileira tem sido incapaz de criar um sistema político em condições de se contrapor efetivamente ao peso avassalador do poder central ou contrabalançá-lo. As razões dessa ressalva são muitas e serão examinadas em detalhe no livro. Uma delas, no entanto, é que a oposição ao autoritarismo tende freqüentemente a confundir e misturar dois tipos de problemas totalmente distintos, que vale a pena assinalar desde logo.

Por uma parte, está o contraste entre o Estado patrimonial, irracional, centralizador, autoritário, e os setores da sociedade que se pretendem autônomos, descentralizadores e representantes do racionalismo privado dos grupos sociais mais organizados. Por outra, no entanto, está o contraste entre as ideologia liberais de não-intervencionismo, privatismo, laissez-faíre, e as necessidades ineludíveis de planejamento governamental e intervenção do Estado na vida econômica e, social do país.

Ao juntar as duas dimensões em uma só, a oposição liberal defende, muito justamente, a tese de que o Estado não se deve sobrepor à sociedade e controlá-la, e de que é importante que os setores sociais mais dinâmicos e dotados de recursos próprios e autonomia tenham o direito e a oportunidade de se fazer ouvir e se fazer valer. Ao mesmo tempo, no entanto, essa perspectiva liberal nega a validade do planejamento social, da intervenção do Estado na vida econômica, da possibilidade de definição de valores sociais e nacionais que sejam superiores à simples agregação de interesses privatizados. Ela se confunde, assim, com a defesa do status quo, com a manutenção de privilégios econômicos, com o conservadorismo enfim. O reverso da medalha é a defesa extrema do intervencionismo governamental sem consideração para com os grupos sociais autônomos, sem mecanismos explícitos e eficientes de responsabilização dos governantes em relação aos governados, enfim, o autoritarismo.

O problema crucial dos Estados contemporâneos de origem burocrático-patrimonialista é de como fazer a transição de uma estrutura ineficiente, pesada e embebida por um sistema de valores ultrapassado e conservador, para uma estrutura ágil, moderna e capaz de levar a efeito, finalmente, a passagem do subdesenvolvimento e atraso ao desenvolvimento e justiça. O fundamental é que, nesse processo, tal sistema político em renovação não fique atado a suas bases mais arcaicas de sustentação. nem caia presa do liberalismo novecentista que gerou, em outros tempos e outros lugares, uma democracia que não chegamos a conhecer.

Por razões que este trabalho trata de entender, o fato é que, no Brasil, as ideologias políticas liberais tendem a se localizar predominantemente entre grupos sociais relativamente restritos, ainda que social e economicamente bem postos, e sempre tiveram um conteúdo social bastante reduzido. Os componentes conservadores do liberalismo brasileiro debilitam a legitimidade de suas bandeiras libertárias, que só adquirem maior ressonância em períodos de autoritarismo mais exacerbado; enquanto isto, o eventual conteúdo social e reformista com que se apresentam as diversas ideologias centralizadoras, em todo o espectro da sociedade, tende a se perder e a se esvaziar pelo seu inerente autoritarismo.

O equilíbrio político implantado a partir da República Velha combinava, em certo sentido, o pior de dois mundos, o do liberalismo novecentista e o do patrimonialismo burocrático ineficiente e autoritário O encaminhamento da atual crise política brasileira não pode ser feito a partir de uma ressurreição desse esquema, nem pela subjugação de um de seus lados pelo outro O que o país necessita é completar simultaneamente duas transições fundamentais Do lado do Estado deixar definitivamente para trás o ranço patrimonial ineficiente burocratizado e autoritário, em benefício de uma estrutura mais moderna eficiente aberta a informações e inovações, e consciente de suas responsabilidades de condução da sociedade brasileira. Do lado da sociedade deixar para trás o liberalismo esclerosado, a identificação falaciosa entre liberdade e privatismo, dando condições para o desenvolvimento e implantação de um sistema representativo mais real e diversificado.

Qual a possibilidade de que essas transformações ocorram? É difícil dizer, mas as condições para sua ocorrência são bastante claras: é necessário que as duas transformações se processem. O Estado necessita de novos, ativos e vigorosos interlocutores na sociedade para que possa efetivamente se modernizar e conduzir o país com plenitude; e a sociedade necessita de um Estado eficiente, capaz de desenvolver uma política social de interesse comum a longo prazo. Do lado do Estado, é necessário que ele assuma cada vez mais sua responsabilidade ante a sociedade, tanto no sentido de quem responde e dá satisfação de seus atos, como no sentido de quem assume a responsabilidade e se imbui da função social que deve desempenhar. Do lado da sociedade, é necessário que os grupos sociais mais articulados se compenetrem de que o Estado e o planejamento da vida social e econômica estão aqui para ficar, que não há mais lugar no mundo de hoje para a simples prevalência dos interesses privados sobre os interesses coletivos, e que por isso, em última análise, seus melhores interesses consistem em aceitar a existência de um Estado nacional que deve ser conduzido a níveis cada vez mais altos de bom funcionamento e acatamento explícito das necessidades sociais.

Deve ser possível, tarde ou cedo, chegar a esse novo pacto social entre Estado e sociedade, quando não seja pelo fato de que não parecem existir outras alternativas exceto o autoritarismo puro e simples.



PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO


Depois de vinte anos de regime militar, a Nova República encontrou o Brasil profundamente transformado. Ele é agora um pais muito mais urbanizado, industrializado e populoso do que nos anos 60. Ao mesmo tempo, as condições sociais parecem ter piorado: aumentou a desigualdade da renda, a criminalidade urbana parece fora de controle, os problemas de saúde pública são críticos. Quantas destas transformações se devem ao regime político que imperou nas últimas décadas? Quantas ocorreriam independentemente dele?

A experiência do autoritarismo gerou muitas análises e controvérsias a respeito de seu verdadeiro sentido. Teriam sido estes anos apenas um desagradável acidente em um processo inelutável de desenvolvimento econômico, social e político, tal como as teorias do desenvolvimento dos anos 50 e 60 fariam supor? Ou, ao contrário, teriam sido eles urna simples volta a um padrão recorrente e mais profundo da sociedade ou da cultura brasileira, por natureza autoritárias e incapazes de evoluir para uma ordem democrática estável? Como entender os anos de regime autoritário? É possível dizer que o Brasil parou em 1964, para sair, vinte anos depois, de um grande pesadelo? Ou será que as transformações ocorridas nesses anos foram suficientemente amplas e profundas, independentemente das intenções dos sucessivos governos militares, para que seja impossível pensar em um simples retomo aos tempos pré-64? E como interpretar a atual situação em que nos encontramos? Podemos supor que o padrão de desenvolvimento com desigualdade não passou de uma perversão dos regimes militares, a ser corrigida agora que vivemos em uma democracia? Ou, ao contrário, trata-se de uma característica mais permanente e profunda do autoritarismo brasileiro, e por isto fadada a persistir, fazendo com que o prognóstico de nossa incipiente democracia seja necessariamente pessimista?

É impossível responder a estas questões neste nível de generalidade. Para abordá-las, é necessário ter um entendimento adequado de nosso passado social e político, das mudanças profundas que ocorreram nas últimas décadas e das repercussões que esta bagagem acumulada ainda tem na maneira pela qual nossa sociedade se move. Ao final deste trabalho não teremos ainda condições de saber com segurança o que o futuro nos espera, mas teremos, pelo menos, urna idéia mais clara sobre as questões que estão em jogo.

Bases do autoritarismo brasileiro pretende ser uma contribuição para este esforço. Sua versão inicial, com o título São Paulo e o estado nacional, foi escrita e publicada no inicio dos anos 70, portanto em plena vigência do AI-5 e nos anos mais duros do regime militar. A atual versão, republicada com simples correções de detalhes, foi escrita no inicio dos anos 80, quando o processo de abertura política já se prenunciava como irreversível. O interesse contínuo que o livro tem encontrado ao longo desses anos parece confirmar que a temática do autoritarismo brasileiro não é um simples fenômeno passageiro, mas tem raízes profundas e implicações que não se desfazem por meros rearranjos institucionais. Reconhecer isto não significa supor que o Brasil padece de um estigma autoritário congênito, parlo qual não existe salvação. Mas significa, isto sim, que este passado e suas conseqüências presentes têm que ser vistos de frente, para que tenhamos realmente chance de um futuro mais promissor.

II

Uma das teses centrais deste livro é que o Brasil herdou um sistema político que não funciona como "representante" ou "agente" de grupos ou classes sociais determinados, mas que tem uma dinâmica própria e independente, que só pode ser entendida se exarminarmos a história da formação do Estado brasileiro. Esta tese parece incompreensível dentro de uma visão de corte marxista ou economicista convencional que tende a interpretar tudo o que ocorre em uma sociedade em termos de sua divisão de classes -, mas torna-se mais inteligível em uma perspectiva weberiana, que distingue e trata de maneira diferenciada os sistemas de classe, os sistemas de dominação política e os sistemas de privilégio social e status em uma sociedade. É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial, que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma "sociedade civil" (classes sociais, grupos religiosos, étnicos, lingüísticos, nobreza etc.) fraca e pouco articulada. O Brasil nunca teve uma nobreza digna deste nome, a Igreja foi quase sempre submissa ao poder civil, os ricos geralmente dependeram dos favores do Estado e os pobres, de sua magnamidade. Não se trata de afirmar que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade nada. O que se trata é de entender os padrões de relacionamento entre Estado e sociedade, que no Brasil tem se caracterizado, através dos séculos, por uma burocracia estatal pesada, todo-poderosa, mas ineficiente e pouco ágil, e uma sociedade acovardada, submetida mas, por isto mesmo, fugidia e freqüentemente rebelde.

Este padrão de predomínio do Estado leva a que ele se constitua, historicamente, com duas características predominantes. Primeiro, por um sistema burocrático e administrativo que denominamos, para seguir a tradição weberiana, de neopatrimonial, e que se caracteriza pela apropriação de funções, órgãos e rendas públicas por setores privados, que permanecem no entanto subordinados e dependentes do poder central, formando aquilo que Raymundo Faoro chamou de "estamento burocrático". Quando este tipo de administração se moderniza, e segmentos do antigo estamento burocrático vão-se profissionalizando e burocratizando, surge uma segunda característica do Estado brasileiro, que é o despotismo burocrático. Do imperador-sábio D. Pedro II aos militares da Escola Superior de Guerra, passando pelos positivistas do Sul e tecnocratas do Estado Novo, nossos governantes tendem a achar que tudo sabem, tudo podem, e não têm na realidade que dar muita atenção às formalidades da lei.

III

O jogo político que se desenvolve nestas condições consiste muito menos em um processo de representação de setores da sociedade junto ao Estado do que em uma negociação contínua entre o Estado neopatrimonial e todo tipo de setores sociais quanto à sua inclusão ou exclusão nas vias de acesso aos benefícios e privilégios controlados pelo Estado. Não é uma negociação entre iguais: "fora do poder não há salvação," dizia o velho político mineiro. A política é tanto mais importante quanto maior é o poder do Estado e, e por isto, na tradição brasileira, todas as questões - religiosas, econômicas, educacionais - passam sempre pelo crivo do poder público. Esta negociação continua leva a vários tipos de solução. Lideranças mais ativas são cooptadas pelo sistema político, e colocadas a seu serviço. O estamento burocrático brasileiro é permissivo, e incorpora com facilidade intelectuais, empresários, lideres religiosos e dirigentes sindicais Quando a cooptação se institucionaliza, ela assume, muitas vezes, características corporativistas, que consistem na tentativa de organizar os grupos funcionais e de interesse em instituições supervisionadas e controladas pelo Estado. É por mecanismos corporativistas que o Estado brasileiro tem buscado, desde pelo menos os anos 30 com grau relativo de sucesso, enquadrar os sindicatos, as associações patronais e as profissões liberais, incluindo ai todo o sistema de ensino superior.

O outro lado da cooptação é a exclusão, tanto dos processos políticos e decisórios quanto da eventual distribuição da riqueza social. O Estado Novo, ao mesmo tempo em que tratava de organizar e -cooptar o operariado urbano, excluía o campesinato de qualquer forma de acesso a seus benefícios. A exclusão do campesinato é somente o exemplo mais flagrante do processo de modernização conservadora que tem caracterizado o desenvolvimento brasileiro. O regime pós-64 tratou também de excluir os trabalhos urbanos os intelectuais e, em geral, as populações das grandes cidades de uma influência mais significativa na vida política do país. O sistema bicameral, em nome do principio federativo, sobre-representa no Senado os pequenos estados em detrimento das grandes concentrações populacionais do centro-sul, e distorções semelhantes também existem para a Câmara de Deputados. É um quadro que já vem da Constituição de 1946 e sobrevive ao regime militar.

Além de cooptar, enquadrar ou excluir pessoas e setores da sociedade, o Estado neocorporativista desenvolve uma atividade econômica que pode ser caracterizada como neomercantilista Como no mercantilismo dos velhos tempos, o Estado se intromete em empreendimentos econômicos de todo tipo, tem seus bancos, indústrias próprias e protegi das firmas de exportação e comercialização de produtos primários. Em parte, isto é feito através de suas próprias empresas; mais tradicionalmente, no entanto, a atividade neomercantilista se exerce pela distribuição de privilégios econômicos a grupos privados, nacionais ou internacionais, que estabelecem assim alianças de interesse com o estamento burocrático.

A última característica do Estado neocorporativista é seu aspecto plebiscitário, ou populista. O que caracteriza o populismo é a tentativa de estabelecer uma relação direta entre a liderança política e a "massa", o "povo", sem a intermediação de grupos sociais organizados O populismo plebiscitârio, como a experiência do fascismo europeu tão bem demonstrou é a outra cara do autoritarismo. A relação entre estas duas coisas, no entanto não é simples. Nunca se investiu tanto em relações públicas e publicidade no Brasil' quanto nos anos de governo militar. Mas isto não foi suficiente para dar a este regime uma dimensão populista, que foi, entretanto uma característica marcante de certos momentos do regime getulista. Existe além disto uma diferença profunda entre o populismo plebiscitário e o populismo de tipo fascista. O primeiro é pouco mais do que um instrumento de legitimação do poder, e, por isto, é geralmente mantido dentro de limites "convenientes". O segundo, porém, é utilizado para a própria conquista e manutenção do poder, uma situação cm que se torna difícil contê-lo em seus limites. O Estado brasileiro convive bem com o primeiro, mas tem horror às ameaças do segundo.

IV

Diante de um Estado com estas características, como se estrutura a sociedade? Em parte, ela segue uma dinâmica própria, que não se explica nem se entende pelo que ocorre a nível politico. o país passou, da escravatura para o trabalho livre, por um processo dramático de deslocamento populacional do campo para as grandes cidades e de estimulo à imigração, desenvolveu um parque industrial de grandes proporções na região centro-sul, e não se pode dizer que tudo isto ocorreu por de cisão ou intenção dos governos, ainda que o Estado neopatrimonial tratasse sempre de influenciar ou condicionar estes processos. Do ponto de vista político, no entanto, pode-se observar que a sociedade brasileira tende a ser, em geral, dependente do Estado para a obtenção de benefícios, sinecuras, autorizações, empregos, regulamentos, subvenções. A outra face da dependência é a clandestinidade. Como o Estado pretende controlar tudo (sem, no entanto, consegui-lo), comportamentos não regulados passam a ser vistos como ilegítimos, mas ao mesmo tempo aceitos de forma tácita e consensual: a economia Informal, o jogo do bicho, as religiões populares, o contrabando, o poder privado em suas diversas manifestações, os sistemas familiares que se constituem à margem das normas e da moral estabelecida. Com Isto, a vida quotidiana tende a ser desprovida de conteúdos éticos e normativos, uma situação endêmica de anomia, cujas conseqüências ainda não foram plenamente entendidas por nossos cientistas sociais.

O caso da Igreja Católica é interessante como ilustração destas relações entre o Estado e a sociedade. O que é a Igreja: Estado ou Sociedade? Na tradição portuguesa do padroado, transposta para o Brasil, a Igreja é parte do Estado, em uma simbiose na qual a religião cuidava dos ritos e da educação sem se intrometer, e na realidade legitimando o poder político constituído à sua revelia. A elite política brasileira sempre foi muito mais racionalista, maçom ou positivista do que propriamente católica, e as vezes em que a Igreja disputou o poder com o Estado - como quando da Questão Religiosa no século XIX a elite política reagiu com energia.

Nas décadas de 20 e 30 deste século a Igreja busca, pela primeira vez, se constituir em movimento social e intelectual autônomo e capaz de influenciar decisivamente a política do país, agindo, assim, do lado da sociedade. Ela termina, no entanto, cooptada pelo regime varguista, que lhe entrega o Ministério da Educação e lhe rouba, ao mesmo tempo, a bandeira do ensino privado, que só seria retomada, com timidez, no pós-guerra. O caráter semi-oficial, mas subalterno, da Igreja Católica, contribui muito para o formalismo e a pouca convicção que caracteriza grande parte do catolicismo tradicional brasileiro, em contraste com a intensidade das formas mais espontâneas e "clandestinas" de religiosidade popular. A redescoberta da sociedade vitaliza os movimentos de Ação Católica nos anos 60, se prolonga no envolvimento da Igreja com as questões de direitos humanos nos anos de autoritarismo militar e prossegue no envolvimento aparentemente irreversível de setores Importantes da Igreja com os movimentos comunitários do campo e das periferias urbanas. Uma das facetas importantes desta redescoberta é a tentativa de incluir na vida social e comunitária um conteúdo ético e moral que se tornara impossível de estimular a partir da tradicional identificação entre a Igreja e a ordem política estabelecida. Os sucessos, as dificuldades e os conflitos internos que a Igreja vem experimentando neste processo refletem os dilemas da superação de uma ordem política autoritária e hierárquica e sua superação por formas novas de organização e participação social.

V

O quadro esboçado até aqui descreve, em linhas muito amplas, a situação brasileira até o inicio da Segunda República, em meados do século XX, assim como alguns de seus desdobramentos mais visíveis. A partir dai a sociedade brasileira entra em grandes transformações onde o que mais se evidencia é um processo de crescimento demográfico acelerado que se faz acompanhar da intensificação dos processos migratórios do campo para as cidades. A economia rural mais tradicional e decadente, com sua combinação perversa de minifúndio-latifúndio, vai-se esvaziando aos poucos, sendo substituída pelas grandes lavouras mecanizadas de exportação, pelas grandes extensões de criação de gado, pela expansão de uma agricultura e pecuária de alta tecnologia e voltados ao mercado interno, e assim por diante. Os antigos meeiros e posseiros vão perdendo suas raízes, imigrando ou transformando-se em bóias-frias ou assalariados das grandes plantações de cana-de-açúcar e outras agroindústrias. É um processo intenso e violento, acompanhado do deslocamento forçado da população e por conflitos pela posse da terra. Com tudo isto, os problemas brasileiros dependem hoje muito menos do que ocorre no campo do que o que ocorre nos centros urbanos. O esvaziamento do campo permite sua modernização cada vez mais acelerada, a extensão do sistema previdenciário e da sindicalização ao setor rural, e outras transformações, fazem com que as diferenças entre campo e cidade no Brasil tendam a se reduzir.

A contrapartida do despovoamento do campo é o inchamento das cidades. A existência de "classes perigosas", setores populares que convivem com padrões altos de violência e ameaçam a segurança física das classes médias e altas, não chega a ser uma novidade no Brasil; ao contrário, estas "classes perigosas" têm sido uma constante na história do Rio de Janeiro, e constituem uma característica central de uma sociedade baseada no predomínio de centros político-administrativos desprovidos de adequada estrutura de emprego industrial. No entanto, os processos demográficos do pós-guerra acentuam este fenômeno e levam ao surgimento de novas formas de organização "clandestina" das sociedades urbanas, que vão das poderosas máquinas de política urbana ao crime organizado, passando por associações locais de todo tipo, e sem que as fronteiras entre elas se definam com clareza.

O pós-guerra assinala, além disto, o surgimento de uma classe média urbana significativa, que busca se proteger nas asas do emprego público ou na segurança das profissões liberais, mas se volta também para as oportunidades comerciais e industriais proporcionadas pelas grandes concentrações urbanas. Esta classe média força, aos poucos, a expansão do sistema educacional, particularmente de nível médio, que é atendido pela iniciativa privada, e o de nível superior, que é inicialmente proporcionado de forma gratuita pelo Estado, passando depois a ser atendido também pela livre iniciativa. Consolida-se em alguns centros, além disto, uma indústria voltada para o mercado interno, que serve de base a um crescente proletariado urbano. É este último o setor capitalista por excelência da sociedade brasileira, que, como sabemos, só incorpora uma pequena parte das populações urbanas, e se concentra principalmente na região de São Paulo. É também nesta região que surge, de forma mais marcada do que nunca na história do país, um setor industrial internacionalizado.

VI

Estas transformações tio intensas não poderiam deixar de colocar cm crise a relação de simbiose e dependência que havia se estabelecido no passado entre o Estado brasileiro e a sociedade civil. Entra em crise a administração patrimonial clássica, formalista, pesada, ineficiente e voltada para a distribuição de emprego: e privilégios. O Estado agora é chamado a gerir com eficiência grandes aglomerados urbanos, proporcionar infra-estrutura a uma economia moderna em expansão, regular um sistema financeiro extremamente complexo, e assim por diante. O antigo sistema corporativista, que implicava um pacto de conveniência mútua entre o Estado e alguns setores mais organizados da sociedade, também entra em colapso: o número de participantes aumenta, os recursos e privilégios a serem distribuídos figo crescem na mesma proporção. O "neomercantilismo" também sofre. Sua inerente ineficiência, os altos níveis de corrupção, tudo isto é aceito e tolerado quando a economia se expande, e o que uns ganham não chega a ser necessariamente retirado de outros. Porém, quando os recursos se tornam mais escassos, quando os mecanismos inflacionários de financiamento do dispêndio público colocam em risco a ordem econômica e social, aumenta a pressão por maior eficiência, racionalidade e previsibilidade das ações do governo.

Um dos setores onde a crise se manifesta com mais clareza é na previdência social. O mito de que o sistema previdenciário brasileiro é "um dos mais avançados do mundo" foi mantido por muitos anos graças à exclusão histórica das populações rurais ou ligadas ao setor informal da economia de seus benefícios, e, também, graças à exclusão da juventude e da baixa expectativa de vida de todos, o que significa poucos velhos e poucas doenças degenerativas. Só assim foi possível planejar um sistema previdenciário que aposenta pessoas aos 45 ou 50 anos de idade e oferece atendimento médico ilimitado. Ainda que exista, certamente, muito espaço para o aumento da eficiência da previdência social brasileira, pela racionalização de custos, mudanças nas fontes de financiamento e nas formas de atendimento ao público, figo há dúvida de que sua crise econômico-financeira é extremamente grave, e deverá levar a profundas revisões quanto à maneira pela qual a sociedade brasileira espera, tradicionalmente, receber os benefícios do Estado.

Entra em crise, finalmente, o sistema político de cooptação. A organização de setores mais ativos da sociedade em corporações subordinadas ao Estado é um arranjo cômodo quando estas corporações são relativamente fracas e pequenas, e o Estado tem condições de transferir para elas alguns privilégios e benefícios. Com o tempo, no entanto, estas corporações crescem, aumenta seu poder de reivindicação, enquanto diminui progressivamente a capacidade que o Estado tem de atender a suas demandas. No período pré-64 o antigo Partido Trabalhista Brasileiro, que controlava tradicionalmente o Ministério do Trabalho, perdeu aos poucos o controle do sistema sindical do país, e parte da radicalização política havida naqueles anos se explica pelo esforço do PTB em não se alienar completamente da liderança sindical que lhe escapava. Esta radicalização do movimento sindical corporativizado fez com que as propostas de criação de um sindicalismo livre e desatrelado da tutela governamental (e das vantagens do imposto sindical) nunca encontrassem maior apoio nos meios sindicais brasileiros. Nos anos 80 são as corporações de classe média funcionários públicos, professores, certas categorias de profissionais liberais que desenvolvem padrão semelhante de radicalização.

Em síntese, os mecanismos que haviam sido desenvolvidos no passado para garantir uma ordem política estável se transformam, com o correr do tempo, em fatores de instabilidade e perplexidade. Como se adaptar aos novos tempos? Que formatos institucionais, legalmente definidos ou de fato, podem ser estabelecidos para substituir os antigos, em um pacto social mais aberto e socialmente mais justo?

VII

A primeira reação à crise foi, como todos sabemos, a repressiva. Reprimiu-se, imediatamente, os direitos e as demandas por participação política e direito à reivindicação organizada de interesses. Não foi, desde logo, uma repressão neutra e generalizada, mas que beneficiou uns em detrimento de outros. A história dos vinte anos de governo militar mostra que, apesar de seu compromisso genérico com o que se pode denominar genericamente de "sistema capitalista", houve suficientes variações e contradições que fazem com que esta expressão, em si mesma, explique muito pouco. Tentou-se, em um primeiro momento, um modelo de racionalização capitalista mais clássico e ortodoxo, com o aumento da eficiência e a redução do peso do Estado, criação de instituições capitalistas modernas (mercados financeiros, Banco Central, grandes conglomerados industriais e financeiros etc.), e internacionalização da economia. Se estas foram as linhas principais dos primeiros anos de regime militar, elas foram substituídas depois por outras mais ajustadas a tradições do Estado brasileiro: crescimento do setor público, lançamento de grandes projetos e programas sociais ambiciosos, como o da padronização e generalização da previdência social e a erradicação do analfabetismo através do Mobral.

Ainda que a discussão sobre os fatores que conduziram ao fim do regime militar continue, é possível assinalar que a resposta desmobilizadora e repressiva à crise do antigo Estado patrimonial continha cm si mesma alguns limites bastante claros. Processos sociais tão amplos como os de esvaziamento do campo e superpovoamento das cidades são impossíveis de controlar, e os regimes militares nem sequer o tentaram. Obter legitimidade política e ideológica em um contexto de repressão e desmobilização é quase uma contradição em termos, que não pode ser superada pela simples manipulação de símbolos nacionais ou pelo uso mais ou menos competente dos meios de comunicação de massas.

Nada impede, também, o renascimento de velhos padrões patrimoniais e neomercantilistas em um contexto político autoritário e repressivo. Analistas tendem a atribuir ao governo Geisel um projeto de desenvolvimento sócio-econômico e político definido que deveria culminar no restabelecimento da ordem democrática em novas bases. O período seguinte, por outro lado, é normalmente reconhecido como aquele em que a apropriação privada da coisa pública mais se exacerbou em um contexto histórico, em que os grandes projetos do governo anterior entravam em hibernação ou eram abandonados. Em grande parte, esta diferença entre os dois últimos governos militares se explica pela mudança nas condições externas que afetaram os projetos governamentais (a segunda crise do petróleo, a crise da dívida etc.); e, em parte, pelas diferenças pessoais entre as personalidades envolvidas. Porém, o que mais chama a atenção não é tanto o contraste quanto a convivência relativamente pacífica entre padrões éticos aparentemente tão distintos, sugerindo que ambos fazem parte de uma síndrome comum, própria dos sistemas autoritários de base neopatrirnonialista.

O regime militar também chegou ao fim por uma dinâmica de conflitos internos que tendia, inevitavelmente, a incorporar novos atores às disputas pelo poder, fazendo que, mesmo nos períodos de autoritarismo mais intenso, o setor civil do sistema político do país não fosse completamente desarticulado. A existência destas disputas internas, e a manutenção de canais abertos entre o Estado e setores da elite política e econômica, é uma característica histórica do Estado patrimonial brasileiro que o regime militar não chegou a destruir, e acabou por alimentar as contradições que levaram à devolução pacífica do poder aos civis.

A transição negociada entre o regime militar e a Nova República implicava a contenção dos ímpetos renovadores expressos pelo movimento das "Diretas já" e pelo renascimento de certas lideranças populistas tradicionais e a entrega do poder a uma liderança civil mais tradicional e "confiável", capaz de se valer do populismo sem se deixar dominar por ele; e implicava também a contenção de algumas formas maís agressivas e arrivistas do poder econômico, em eventual aliança cornos setores militares mais vinculados ao sistema repressivo e de informações. Buscou-se um novo equilíbrio entre Estado e sociedade, que continuasse a dar primazia ao Estado, eventualmente modernizado e adaptado aos novos tempos. Apesar da reconhecida maestria com que este processo foi conduzido, permitindo inclusive que a aliança assim formada sobrevivesse à tragédia pessoal de Tancredo Neves, o fato é que a Nova República traz a aparência de ser uma realidade efêmera, ansiosamente pendente dos resultados das pesquisas de opinião pública, sobrevivendo graças á condução de um intenso calendário político-eleitoral que não governa totalmente e que parece exaurir quase todas as suas energias.

VIII

Esta visão panorâmica da evolução brasileira, nas últimas décadas, permite sugerir algumas respostas à pergunta inicial a respeito da irreversibilidade ou não dos processos de abertura política e democratização que estamos assistindo. Uma das teses defendidas a este respeito é de que os anos de autoritarismo já teriam cumprido sua função, que seria a de realizar, à sua maneira, o processo de transição da economia brasileira de um sistema proto-capitalista para uma economia capitalista plena. Uma vez cumprida esta função, o autoritarismo já não teria razão de ser. É uma tese difícil de ser sustentada a partir da perspectiva adotada neste livro, que pretende demonstrar que não existe um padrão uniforme de desenvolvimento, e que o entendimento de uma sociedade nem de longe se esgota na análise das transformações de seu sistema produtivo; ou, mais especificamente, que o Estado brasileiro tem características próprias, ligadas a suas origens patrimonialistas, que o tornam bastante distinto dos modelos dos países capitalistas ocidentais. Bastaria, além disto, uma simples visão da conjuntura econômica brasileira ao final de 1986, quando este texto está sendo escrito - o problema da dívida externa não-equacionada, a redução dos superávits comerciais, os gastos públicos ainda fora de controle -, para vermos que os anos futuros serão, certamente, turbulentos na área econômica, com inevitáveis repercussões ao nível político e social

Uma outra tese, certamente mais complexa que a anterior, é a que poderíamos chamar de "tese do transbordamento." Basicamente, ela consiste em afirmar que o crescimento e a modernização da sociedade brasileira nas últimas décadas foi de tal ordem que os sistemas tradicionais de controle político da sociedade, pela cooptação das lideranças e enquadramento corporativista dos setores organizados da população, ou pela mobilização populista do eleitorado, já seriam coisas do passado, e neste sentido a volta aos padrões tradicionais de dominação de nosso Estado neopatrimonial seria impensável

Trata-se de uma tese somente em parte verdadeira. É certo que a parafernália de controles políticos e institucionais que conhecemos, em parte constituída nos anos do Estado Novo, está começando a se desmoronar, e a sociedade brasileira se organiza hoje em uma pluralidade de formas não previstas e dificilmente enquadráveis em qualquer mecanismo estável de dominação estatal. O que não é certo é que este processo significa a consolidação da ascendência permanente da "sociedade civil" sobre o Estado, superando assim, de maneira definitiva, nosso passado autoritário. Para que isto fosse verdade, seria necessário não somente que as estruturas tradicionais de dominação tivessem "transbordado" - que não deixa de ser um fato -, mas também que a sociedade brasileira tivesse se tornado "mais madura" neste processo e o Estado, mais competente - duas premissas bastante problemáticas.

IX

Teorias sobre a "maturidade" dos cidadãos costumam vir em duas versões, uma de tipo evolucionista, outra de fundamento mais religioso. A primeira destas versões consiste em afirmar que, à medida que as sociedades se desenvolvem, e o povo se toma mais culto e educado, aumenta também seu nível de politização, seu grau de consciência política, sua maturidade. Como todas as teses evolucionistas, esta também tem duas vertentes, uma mais liberal, outra mais marxista e revolucionária. Pela vertente liberal, o processo de "amadurecimento" se relaciona basicamente com a educação a ser obtida nas escolas e a ser transmita pelas famílias. Na vertente mais revolucionária, o processo de amadurecimento político estaria diretamente relacionado com o desenvolvimento do capitalismo, que traria como conseqüência a transformação das antigas "classes em si" em "classes para si". Ambas as teorias têm em comum a noção de que o amadurecimento político não se dá de forma espontânea e automática, mas é um processo evolutivo que depende de um trabalho constante e permanente de educação e proselitismo, tanto para que as pessoas "evoluam"; na vertente liberal, quanto para que elas superem os condicionantes das ideologias hegemônicas e mascaradoras dos verdadeiros interesses, na segunda vertente.

As teorias de fundo mais religioso dispensam a evolução, e partem da tese de que o povo é naturalmente bom, justo e sábio. O problema com o regime brasileiro não estaria na "imaturidade" ou falta de consciência política do povo, mas sim nas manipulações das elites, que sistematicamente trataram de escamotear a realidade e apresentá-la de maneira falsa e deturpada. O verdadeiro trabalho político não seria o de educar e catequizar o povo, mas sim o de desmascarar seus inimigos explícitos ou ocultos. Esta visão religiosa da sabedoria popular se manifestou com muita clareza na idéia lançada por alguns setores, segundo a qual a Assembléia Constituinte de 1987 não deveria ser eleita pelos partidos convencionais, e sim formada, "diretamente", pelo povo. Havia a idéia de que os partidos políticos, memo nas condições de liberdade estabelecidas para as eleições de 1986, seriam necessariamente corrompidos e alienados; mas que o "povo", se pudesse se manifestar em sua pureza, poderia se expressar de maneira plena, fazendo com que o Brasil finalmente encontrasse o regime político de seus sonhos.

Os resultados das eleições de 1986 permitem testar algumas destas teses. Chama a atenção, nestas eleições, tanto o fracasso dos candidatos ideológicos quanto o dos candidatos cuja principal base eleitoral fosse o simples poder econômico ou a identificação de classe. A eleição paulista poderia ter-se polarizado entre o grande capitalista, Ermírio de Moraes, e a liderança operária organizada no Partido dos Trabalhadores; no entanto ela terminou sendo muito mais um conflito entre o líder municipalista Quércia e o arrivista Paulo Maluf. No Rio de Janeiro, a tentativa brizolista de polarizar as eleições entre "ricos" e "pobres" fracassou, levando com ela o candidato do PDT. Em Minas Gerais a polarização foi entre um político tradicional, mas rebelde, e outro de base populista, que contava com o apoio do governo do Estado. Entre os dois, foi punida a rebeldia. A vitória maciça do PMDB foi, em sua maior parte, a vitória do governo federal. É claro que este é o governo da República Nova; mas, em muitos estados, o peemedebista de hoje é o pedessista de ontem, e o governo é sempre governo.

Sem pretender esgotar a complexidade e variedade dos resultados eleitorais, e pensando não só nas eleições de governadores, mas também nas proporcionais, é possível dar uma lista dos atributos necessários para que um candidato fosse eleito. A primeira é que ele conseguisse, de alguma forma, furar a barreira do anonimato e se transformasse em um midia event, uma figura dos meios de comunicação de massas. É claro que dinheiro conta para isto, mas radialistas e comentaristas de televisão foram eleitos sem maiores dificuldades, assim como candidatos de pequenos partidos que souberam utilizar bem os horários gratuitos de propaganda eleitoral. O segundo tipo de candidato bem votado foi o que tinha urna base institucional bem estruturada: a política civil, um grupo religioso organizado. Alguns candidatos conseguiram boa votação ao se identificarem com um ou dois pontos de grande apelo ideológico para a classe média, como os "candidatos da pena de morte" do Rio de Janeiro e de São Paulo. Acima de tudo, no entanto, foram eleitos candidatos que, pela posição atual ou passada na máquina administrativa de seu estado ou município, conseguiram construir no passado redes de lealdades pessoais que agora se pagam, ou se renovam na esperança da continuidade. Para o eleitor que não fosse ligado aos meios de comunicação de massas, não fosse beneficiário de uma rede de favores públicos, não tivesse um tema que o identificasse fortemente com um candidato e nem tivesse um parente ou amigo concorrendo, as eleições majoritárias não chegaram a fazer muito sentido, o que explica o grande número de votos em branco. As eleições de 1986 significaram não só a derrota eleitoral dos candidatos ideológicos e programáticos, que tentaram basear sua campanha na problemática da Assembléia Constituinte, como também dos partidos que pretenderam uma definição ideológica mais clara - o Partido Socialista, o Partido dos Trabalhadores e os partidos comunistas.

O que esta análise sucinta revela é que a "maturidade do povo", tanto quanto sua hipotética sabedoria e bondade naturais, estão longe de proporcionar uma base sólida para a constituição de uma nova ordem democrática. Na realidade, o exemplo de outros países que lograram um sistema político-eleitoral estável revela que a questão fundamental não é a da "maturidade" do povo, mas a da natureza das instituições sociais, governamentais e partidárias existentes. Se estas instituições são bem constituídas e autônomas, elas conseguem traduzir as preferências eleitorais em mandatos políticos legítimos e regimes políticos responsáveis. O problema principal com os Estados de base neopatrimonial não é que eles mantenham o povo em situação dependente e alienada, mas, principalmente, que todas as formas de organização social que eles geram tendem a ser dependentes do poder público e orientadas para a obtenção de seus favores. O simples transbordarnento das estruturas de dominação mais tradicionais, e a criação de novas formas de organização política e social, não garante que este padrão de comportamento não se vá reproduzir.

X

Em última análise, se o Estado é todo-poderoso, nada mais racional do que buscar seus favores e proteção. A crise atual do Estado patrimonial brasileiro é que ele parece ter cada vez menos capacidade de atender às demandas que lhe são feitas, ou os interesses dos grupos que dele participam ou a ele se associam. Para usar uma expressão da moda, o Estado brasileiro enfrenta o problema da "ingovernabilidade" do país. levada às suas últimas conseqüências, esta ingovernabilidade pode vir a significar o colapso do Estado neopatrimonial tal como o conhecemos, e a conseqüente destruição de todas as formas de dependência que a sociedade civil tem desenvolvido em relação a ele. Esta situação limite dificilmente se colocaria, no entanto, já que o potencial repressivo de que o Estado dispõe tenderia a se manifestar muito antes que um colapso deste tipo se materializasse. A "ingovernabilidade" não é uma situação absoluta e extrema, mas pode se manifestar em graus e formas distintas, e países podem muito bem deslizar lentamente pela rampa inclinada do desgoverno sem maiores convulsões.

Os anos de regime militar serviram para mostrar que a ingovernabilidade afeta com freqüência os regimes fortes, fechados e imunes aos controles da imprensa, da opinião pública e dos partidos políticos. O que a democratização mostra é que ela não basta para que a governabilidade seja instaurada. A experiência dos poucos anos da Nova República já mostra como algumas decisões e ações são certamente mais fáceis do que outras. Decisões grandiosas e de grande impacto, quando possíveis, são sempre as preferidas (veja o Plano Cruzado). Políticas setoriais e de longo prazo (reforma agrária, eliminação dos subsídios agrícolas, reforma administrativa, os próprios ajustes do Plano Cruzado), no outro extremo, são quase impossíveis, pela paralisação provocada pelos interesses contrariados. Ações aparentemente "técnicas", de pouca visibilidade pública, são em princípio mais fáceis de serem conduzidas. Mas, freqüentemente, seu caráter técnico significa também que estas ações se subtraem facilmente ao controle político, e são suscetíveis à influencia de grupos de interesse especializados (decisões sobre mercado financeiro, políticas de exportação, subsídios, política nuclear, incentivos fiscais etc.).

O desenvolvimento de graus mais altos de governabilidade em um contexto de legitimidade política depende, tanto quanto a construção de uma ordem democrática estável, da constituição de uma série de instituições estáveis e auto-referidas que intermediem, por um lado, a opinião pública amorfa e manipulável e os interesses privados e setoriais capazes de mobilizá-la e, por outro, o Estado. Estas instituições são necessárias não somente do lado da "sociedade civil", como os partidos políticos, os meios de comunicação de massas, as associações profissionais e sindicais, os grupos de interesses organizado etc., como também do lado do Estado, através da constituição de um funcionalismo público motivado e cioso de suas responsabilidades, de um judiciário zeloso de sua competência e independência, e assim por diante.

É de se esperar que estas novas formas de Institucionalização surjam e se desenvolvam não pela simples boa intenção de algumas pessoas, mas pela própria lógica de interesses dos grupos envolvidos, na medida em que eles comecem a sentir a precariedade de sua dependência exclusiva dos favores e privilégios de um Estado neopatrimonial em crise. O resultado final deste processo, se ele for bem-sucedido, não será, possivelmente, um Estado controlado pela "sociedade civil", mas uma situação em que instituições públicas solidamente constituídas possam colocar freios e contrapesos efetivos tanto à volatilidade da opinião pública quanto ao abuso de poder do Estado e dos interesses privados. A opinião pública, os grupos de interesses e o poder político do Estado serão também essenciais neste contexto ideal, para manter sempre em xeque as tendências paralizadoras e conservadoras de qualquer sistema social que se institucionalize. Nestas condições, as fronteiras usuais entre "público", "privado", "Estado" e "sociedade" estarão profundamente alterados, assim como os conceitos que hoje utilizamos para seu entendimento.

XI

Vislumbrar a possibilidade de um encaminhamento adequado para os problemas políticos e institucionais do país não é o mesmo que afirmar que este caminho será seguido, e nem mesmo que ele é o mais provável. Se este caminho vier a ser efetivamente trilhado, existe uma série de questões e dilemas a serem enfrentados, dois dos quais merecem uma atenção especial, e servirão para concluir este prefácio.

Uma questão que se coloca com intensidade, é a dos mecanismos de inclusão ou exclusão dos setores hoje marginalizados do "Brasil moderno", em relação à sociedade futura que se pretende construir. Esta questão é por vezes colocada em termos de uma oposição entre um modelo de desenvolvimento internacionalizado, baseado no fluxo relativamente aberto de idéias, pessoas e mercadorias do Brasil com o resto do mundo e um modelo mais autárquico, fechado e, presumivelmente, mais autêntico e nacional. O que dá argumentos à segunda posição é a constatação de que o desenvolvimento do "Brasil moderno" tem-se caracterizado pela exclusão de grandes setores da população, afetando particularmente as regiões nordestinas, o interior e a população de cor. No seu extremo, esta posição vem acompanhada de um rechaço generalizado à civilização ocidental e seus valores de eficiência, racionalidade e individualidade, e sua substituição por valores supostamente mais autênticos de identidade étnica e cultural, afetividade e coletividade. Não falta, nesta perspectiva, os que sustentam que o Brasil possui os elementos de uma civilização superior à do racionalismo e materialismo ocidentais, que estaria tão-somente mascarada pelas manipulações das classes dominantes e seus aliados internacionais.

Quem conhece algo da história do Brasil sabe, porém, que não possuímos no passado um modelo de civilização próprio e mais autêntico para o qual possamos aspirar a retornar. Desde sua criação este pais tem sido um complemento - e, freqüentemente, uma imagem retorcida - dos impérios coloniais e dos centros mundiais, cujas influências culturais e interesses econômicos até aqui chegaram. A busca de um passado idealizado, apesar de provavelmente irrealista e ilusório em todos os casos, pode fazer algum sentido em países com um história distinta e uma cultura não ocidental identificável. Isto não significa, evidentemente, que não existam especificidades culturais próprias do país que não tenham valor e não possam florescer. Mas esta especificidade, para florescer e adquirir valor universal, há de residir nas maneiras próprias com que os brasileiros irão inserir-se no mundo moderno, e não no retorno nostálgico a formas culturais de um passado que não chegou a existir.

Assinalar o beco sem saída do nacionalismo cultural não significa ignorar a gravidade dos problemas de incorporação assinalados. O que é importante frisar em relação a esta discussão sobre a cultura brasileira é menos a solidez das teses nacionalistas e isolacionistas - que é quase inexistente - do que seu potencial de criação de formas explosivas de nacionalismo populista, em um contexto de altos níveis de exclusão social, causados por uma internacionalização da cultura e da economia caracterizada pelo uso de tecnologias complexas e em qualificações educacionais cada vez mais elevadas.

Esta discussão traz à tona uma questão que permaneceu latente até aqui, e que não ocupa o primeiro plano no próprio livro: a da dependência do Brasil em relação aos centros do capitalismo internacional contemporâneo. As chamadas "teorias da dependência", que existem de muitas formas, partem de um fato importante e conhecido - que países como o Brasil se constituíram, desde suas origens, como dependências de outros centros - para chegar muitas vezes a duas conclusões pelo menos paradoxais. A primeira é a de que o peso da dependência é tal que nada pode ser entendido em um país como o nosso a não ser a partir de sua inserção no contexto externo. Em sua forma mais extremada, a teoria da dependência assume feição claramente paranóica: países como o Brasil são uma tragédia só, e tudo isto por culpa única e exclusiva "deles." O que pretendemos mostrar, ao contrário, é que a dependência não exclui o fato de existir uma realidade própria, específica e interna ao país, que não se esgota nem se exaure nas relações com os centros capitalistas mais desenvolvidos. A outra conclusão paradoxal, que decorre da primeira, é a de que todos os problemas poderiam ser resolvidos pela superação das relações de dependência. Mas se, de fato, a dependência é tão constitutiva, fica difícil imaginar onde o país encontrará forças e recursos para superá-la. Se, ao contrário, entendermos que a realidade de um país com a complexidade do Brasil não se esgota nas suas relações externas, isto nos da condições de pensar nas coisas que podemos fazer com nossos recursos, ter uma visão menos persecutória do que nos cerca e, a partir daí, ter elementos para buscar reverter as situações de dependência que nos pareçam inadequadas.

XII

A conclusão geral de tudo o que foi dito até aqui é que o autoritarismo brasileiro, cujas bases se erguem a partir da própria formação inicial do Brasil como colônia portuguesa, e que evolui e se transforma ao longo de nossa história, não constitui em um traço congênito e insuperável de nossa nacionalidade, mas é certamente um condicionante poderoso em relação a nosso presente e futuro como país. A complexidade das questões envolvidas nesta discussão deve ser suficiente para deixar claro que, na realidade, o termo "autoritarismo" é pouco mais do que uma expressão de conveniência que utilizamos para nos referir a uma história cheia de contradições e contra-exemplos, onde, no entanto, um certo padrão parece predominar: o de um Estado hipertrofiado, burocratizado e ineficiente, ligado simbioticamente a uma sociedade debilitada, dependente e alienada. É da superação deste padrão histórico e de suas conseqüências que depende nosso futuro. E como o passado é contraditório e o futuro aberto e pronto para ser construído, é possível ser otimista.(3)


Notas

1. Schwartzman, 1975.

2. Gostaria de agradecer a assistência inestimável de Rosa Maria Araújo durante a realização deste trabalho, assim como a inteligente revisão do texto feita por Paulo César Farah.

3. Sou grato a Vanda Pereira Costa e Helena Maria Bousquet Bomeny pelos comentários críticos a este texto.

 

 

 



 

 

Capítulo 1
DA TEORIA POLÍTICA À REALIDADE HISTÓRICA

1. A Crise das Teorias de Representação

2. Um Marco de Referência: Capitalismo Ocidental e Patrimonialismo

3. A Perspectiva Politica: Cooptação e Representação

4. A Política Como Fenômeno Espacial: as Quatro Regiões

5. Conclusão: da Teoria Política à Realidade Histórica

Notas



1. A Crise das Teorias de Representação

O problema teórico inicial deste livro é clássico e bem conhecido: por que os acontecimentos políticos e partidários em um país como o Brasil não podem ser facilmente compreendidos e previstos em função de um modelo de polarização e conflito entre ricos e pobres, burgueses e proletários, exploradores e explorados, agricultura e indústria, financistas e industriais? Os fenômenos políticos parecem ser transparentes e facilmente inteligíveis quando podemos estabelecer uma conexão entre cada instituição e cada evento político, por uma parte, e um determinado grupo de interesse, setor ou classe social por outra. a maioria dos esforços de análise política, em todos os países, tende a buscar essas conexões. O conhecido debate entre "pluralistas" e "elitistas" na ciência política norte-americana, por exemplo, tem a ver com a pergunta de se os grupos de interesse são muitos ou poucos, concentrados ou dispersos, ad hoc ou permanentes; mas não coloca em dúvida o fato de que a política é sempre uma questão de "agregação de interesses."(1)

Apesar dessa tendência, a sociologia política já demonstrou, empiricamente e de forma bastante irrefutável, que as pessoas de modo geral não se interessam muito por política e que as eleições tendem a ser disputadas em torno de temas pouco relacionados com interesses explicitamente definidos ou em função de divisões quase-ideológicas do passado.(2) Essa situação, verificada nos sistemas políticos das chamadas democracias ocidentais, torna-se ainda mais aguda quando a mesma perspectiva é aplicada a um contexto como o brasileiro. Após procurar em vão pelos grupos políticos estruturados. que deveriam surgir e acompanhar o desenvolvimento da economia e sociedade brasileira um pesquisador intrigado nota que em sua pesquisa
os achados mais sugestivos... são aqueles relacionados com as relações indeterminadas entre o desenvolvimento e associabilidade, achados que na realidade envolvem a confirmação de uma hipótese nula. Primeiro, a transformação estrutural da sociedade brasileira não conduziu à formação de grupos de interesse autônomos, agressivos e com alto grau de interação, articulando demandas alternativas e competitivas.... Segundo, essas mudanças não parecem ter produzido coalizões multifacéticas de associações ao longo de linhas exclusivas e totalmente antagonísticas. O caso brasileiro coloca em questão os supostos ortodoxos das relações entre industrialização e conflito polarizado de classes. Terceiro, apesar da evidência conclusiva a respeito do aumento da associabilidade, não existe evidência de um aumento da influência desses grupos no processo de tomada de decisões em nível governamental. Em resumo, a predominância de grupos de pressão pode não ser um componente inevitável da modernização, tal como geralmente se pensa.(3)
Isso não significa, evidentemente, que a atividade política se dê em um mundo idílico onde não existem interesses em jogo. Acontece, porém, que os interesses manifestados na esfera política não são facilmente identificáveis com interesses econômicos bem determinados, como normalmente se pensa. O processo político, como este livro pretende evidenciar, tem objetivos e mecanismos próprios que, embora não sejam independentes e isolados dos processos que se desenvolvem na esfera produtiva, só podem ser entendidos em sua especificidade.

Se as explicações usuais, de tipo economicista, não conseguem explicar suficientemente o que ocorre no nível político, por que o antigo modelo de representação de grupos de interesse permanece vigente? Podemos dizer, numa primeira aproximação, que se trata de um modelo aparentemente tão claro, tão convincente, que permanece como um pano de fundo ao qual se referem todos os novos desenvolvimentos teóricos. Mas é possível mostrar também que, mais profundamente, isso se explica pelas origens históricas do pensamento social e político contemporâneos, baseado, praticamente todo ele, na experiência intelectual e política particular da Europa Ocidental, posterior, pelo menos, à Revolução Francesa.(4) As análises dos problemas de comportamento político, nos chamados "países em desenvolvimento", não têm geralmente o mesmo grau de sofisticação empírica e metodológica tipificada pelas escolas de Columbia e Michigan tendendo a cair em dois grandes grupos, um caracterizado pelo tema da "cultura política", outro pelo tema da "modernização". Em trabalho posterior, por exemplo, Phillipe Schmitter trata de entender o sistema político brasileiro em termos de "autoritarismo", propondo uma conexão entre um processo de desenvolvimento retardado em um contexto dependente, por um lado, e um sistema político autoritário permanente, por outro. Embora suas conclusões se assemelhem às minhas no que se refere à importância atribuida ao papel ativo do Estado na vida política ("die verselbstandigten Machte der Exekutivegewalt", conforme sua referência a Marx), existem três diferenças bem importantes. Primeiro, a identificação feita por Schmitter entre um elemento estrutural - o peso específico do Estado em uma sociedade - e uma característica de comportamento e "clima" político - o autoritarismo - conduz facilmente à velha porém nem sempre verdadeira noção liberal de que regimes não autoritários são somente aqueles em que o Estado não é ativo na vida social e econômica, contendo, além disso, certo ranço de explicação através de variáveis de "cultura política", a que me refiro mais adiante. Segundo, este autor não toma em consideração a divisão entre os aspectos político e econômico do desenvolvimento, com suas diferenças regionais, que são centrais nesta análise. Finalmente, ele sugere que esse tipo de regime é inerentemente incapaz de gerar desenvolvimento, já que se orienta para a manutenção do status quo em contextos de subdesenvolvimento e aspirações crescentes, o que a experiência brasileira, no entanto, assim como a de vários outros países de regime autoritário, desmente com clareza.(5)

Por sua vez, os teóricos da "cultura política" tendem a buscar nas particularidades de um determinado sistema político a explicação das diferenças entre a realidade e o modelo de representação de interesses. Essas peculiaridades são explicadas em termos de uma ampla gama de teorias psicológicas, antropológicas e psicanalíticas. Por exemplo, o trabalho clássico de Banfield sobre a Sicília "explica" a ausência de desenvolvimento naquela região pelo "amoralismo familista"; Lucien Pye recorre aos "complexos de inferioridade" dos birmaneses para "explicar" por que não implementam melhor seus interesses; McClelland fala na falta de um "need for achievement," e assim por diante.(6)

O resultado final tende a ser um tipo de explicação que recorre à "unicidade" ou "especificidade" da cultura política de um determinado país, deixando pouco espaço, assim, para explicações mais estruturais. Uma das principais dificuldades dessa abordagem é que ela leva à noção bastante desconfortável de que as nações são presas de sua cultura política e não tenderiam, assim, a evoluir para um estágio em que a vida política pudesse ser vivida e compreendida de forma "apropriada". Unia maneira de resolver esse problema é recorrer a teorias de desenvolvimento político ou, mais geralmente, de modernização social. aplicadas ao Brasil, essas teorias tendem a afirmar que o país "ainda" não desenvolveu condições adequadas para o surgimento de fortes grupos de interesse, que emergiriam quando aumentassem os níveis de diferenciação institucional, valores modernos etc.(7)

Um dos principais problemas dos modelos de modernização é a qualidade de suas predições. Em moda no principio da década de 1960, elas perderam muito do seu prestígio com a estagnação econômica da maioria dos países do mundo subdesenvolvido e a proliferação de regimes políticos não-representativos. Gino Germani, por exemplo,(8) havia previsto um processo contínuo e irreversível de expansão da participação política na América Latina que, obviamente, não ocorreu. Mas existe também um problema conceitual importante: essas teorias não conseguem explicar o que existe antes da ocorrência da modernização, já que todos os conceitos usados tendem a ser de tipo negativo: "indiferenciação," "difusidade de papéis," "falta de consciência," "pouca institucionalização" etc.

É importante notar que essa maneira de pensar existe tanto nas chamadas teorias "burguesas" de desenvolvimento político quanto nas análises políticas ditas "marxistas", que utilizam a expressão "classe em si" para caracterizar uma classe que "ainda" não está consciente de seus verdadeiros interesses. Em ambos os casos, existe uma noção mais ou menos explícita de que a passagem do estágio inicial (tradicional, primitivo, em si) para o final (moderno, para si) se faz através da industrialização (ou acumulação capitalista). Um exemplo recente da esquerda dessa vertente é um estudo da classe operária brasileira, que supõe ser ela a vanguarda do desenvolvimento social, econômico e político do país:
É o proletariado, objetivamente, este estrato dinâmico, o que não significa que, em sua maioria, já esteja consciente desta sua função na sociedade. Encontra-se, como apontamos atrás, em processo de alcançar o conhecimento desta condição, pelos fatores da ação intrínseca e extrínseca, fundamentalmente pelos últimos, o que pressupõe ainda uma longa caminhada na direção da total conscientização.(9)
Mais recentemente, essas teorias de desenvolvimento predeterminado passaram a admitir, mesmo em sua vertente liberal, a noção de um período "interveniente" de autoritarismo político no caminho entre tradicionalismo e modernidade. Mas, em geral, ambas as vertentes têm dificuldade em explicar a embaraçosa persistência e o inesperado comportamento desses regimes "intervenientes."(10)

Talvez a mais importante e óbvia razão para o fracasso dos modelos interpretativos mais correntes é que, se o Brasil não é certamente um país desenvolvido e industrializado como a Europa Ocidental ou os Estados Unidos, também tem pouco a ver com uma sociedade "tradicional" ou "feudal". O país foi, afinal de contas, colonizado por um dos principais centros de poder colonial de seu tempo e, desde sua independência, em 1822, manteve contatos intensos com os centros econômicos e culturais mais ativos do Ocidente, tais como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos. A população nativa encontrada pelos portugueses era bastante rarefeita e foi eficazmente eliminada, tornando o Brasil radicalmente distinto de outros países latino-americanos em que a administração colonial foi superimposta a uma sociedade nativa tradicional, densa e bem organizada. Houve, certamente, a importação do escravo africano, mas a escravidão se concentrava justamente nos setores mais capitalizados, que eram os mais modernos do país. Desde o fim do século XIX, o país transformou-se em um pólo de atração de correntes migratórias internacionais, principalmente da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha e, posteriormente, Japão. O que temos, em síntese, é um país que se tem transformado, de acordo com linhas próprias, em função do tipo de colonização que sofreu e das relações que manteve com os centros mais dinâmicos da economia internacional. Estas linhas próprias, ou "pautas" - algumas das quais trataremos de examinar mais adiante - são perfeitamente "modernas", ainda que não "desenvolvidas", e devem ser consideradas dentro de um marco conceitual específico e novo.

Existe uma série de fatos aparentemente perturbadores a respeito da história política brasileira, que fazem com que a necessidade de uma perspectiva teórica distinta seja ainda mais premente do que a discussão anterior possa sugerir. O primeiro e mais importante desses fatos é a falta constante de correspondência entre as instituições formais do país e sua realidade social e econômica agudamente apontada por Oliveira Viana, para quem a elite política brasileira, nos anos 20, estava ainda
nesta fase da filosofia política em que o Estado é concebido como uma estrutura estranha à sociedade, ajustado a eia vindo de cima como que por direito divino e não emanado dela, partilhando das suas condições materiais e de espírito vivendo a vida de sua "cultura" e sofrendo a influência de suas transformações.(11)
De acordo com essa perspectiva as elites são culturalmente alienadas, e o sistema político é criado não em função dos interesses e preferências de grupos sociais determinados, mas em função de modelos estrangeiros mais ou menos prestigiosos A conseqüência, de acordo com Oliveira Viana era não somente a falta de correspondência entre as estruturas informais de poder e o sistema formal de ordenação jurídica, mas também uma grande discrepância entre um modelo de organização política que pressupõe altos níveis de agregação de interesses e uma população preocupada com temas nacionais por uma parte, e uma cultura política em que os horizontes dificilmente ultrapassavam o nível local e os interesses mais imediatos, por outra.

A própria noção de que os grupos políticos devem representar interesses tende a ser vista como imprópria pela elite brasileira. Ao contrário, sempre prevaleceu a idéia de que partidos e políticos devem se colocar "acima dos interesses" e ter sempre em mira os objetivos da nação como um todo. Um questionário aplicado aos participantes da IV Convenção Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil em 1970 dá uma boa indicação deste fato. Quando perguntados sobre se os partidos políticos brasileiros deveriam representar diferentes grupos de interesse ou permanecer acima de interesses privados, a grande maioria optou pela última alternativa, uma atitude que parecia ser tão mais forte quanto maior fosse a idade do entrevistado:(12)

Quadro 1: Atitudes de Advogados Brasileiros em Relação aos Partidos Políticos
  Faixa de idade
Jovem Meia Idade Mais Velhos Total
Acreditam que os partidos devem representar grupos de interesse 23,5% 17,8% 0,0% 17,6%
Acreditam que os partidos devem permanecer acima de interesses privados 73,5% 82,2% 91,6% 80,4%
Não sabem/ não respondem 3,0% 0,0% 8,4% 2,0%
TOTAL (100%) (34) (56) (12) (102)
Fonte: ver nota 12.

A existência tão difundida dessa ideologia do interesse geral faz com que exista uma diferença profunda entre os níveis manifesto e efetivo da vida política, em contraste com o que ocorre, por exemplo, nos EUA, onde a organização dos grupos de interesse os mais variados na instituição do lobby é considerada normal e legítima. Mas seria equivocado supor que se trata de um simples fenômeno ideológico, uma superfície sob a qual nossa realidade política não se diferenciaria das demais, pois de fato, no Brasil, é geralmente difícil estabelecer conexões precisas e bem determinadas entre governantes e decisões governamentais, de um lado, e classes sociais e grupos de interesses específicos, de outro. Não há dúvida, certamente, de que nenhum governo brasileiro se propôs a alterar de forma realmente drástica o sistema de propriedade da terra; mas isso não significa, necessariamente, que esses governos tenham sido "controlados" pela elite rural, cuja força política tem, na realidade, decrescido de forma constante e progressiva nos últimos 40 ou 50 anos. Um outro exemplo é fato que o país tem atravessado períodos de industrialização intensa, com Vargas depois de 1937, com Juscelino Kubitschek depois de 1955, e novamente após 1964. Ninguém diria, no entanto, que estes tenham sido governos "dominados" ou "controlados" pela "burguesia industrial".(13) Em um terceiro exemplo, setores militares sempre tiveram grande participação na vida política brasileira, mas as tentativas de estabelecer um vínculo entre essa participação militar e as "classes médias" nunca passaram de um esforço pouco compensador para "explicar" a falta de correspondência entre a instituição militar e grupos de interesse sócio-econômicos claramente definidos.

Virgínio Santa Rosa (1933) foi talvez o primeiro a falar da origem dos militares, no caso os tenentes, nas "classes médias." Essa idéia, mais tarde retomada por San Tiago Dantas (1949) e Nélson Werneck Sodré (1949), passa daí em diante a fazer parte do folclore das ciências sociais brasileiras, uma vez que os estudos empíricos mais aprofundados mostram como ela tem pouco a ver com a realidade, e nenhum valor teórico ou explicativo.(14)

Impressionante e muito pouco compreendido é também o fato de o principal Estado da Federação brasileira, São Paulo, nunca ter desempenhado um papel político correspondente à sua importância econômica e demográfica no contexto nacional. São Paulo, desde o inicio do século XX, tem sido o setor maior, mais rico, mais industrializado e moderno do país. Existe ampla evidência, no entanto, de que esse desenvolvimento social e econômico progressivo tem sido acompanhado de relativa debilidade política. Um indicador disso é o tamanho reduzido dos partidos políticos nacionais (UDN, PSD, PTB) no Estado de São Paulo durante o período 1945-64; essa situação é ainda corroborada pelo fato de que, desde 1930, somente o frustrado Governo de Jânio Quadros se originou naquele Estado. A República Velha, até 1930, é geralmente considerada como o período em que a oligarquia política de São Paulo dividiu com a de Minas Gerais o controle do sistema político nacional. Mas, como veremos mais adiante, pareceria que, mesmo nesse período, a preeminência de São Paulo era muito menor do que seu peso econômico sugeriria.

Estudiosos do sistema político brasileiro que trabalham com o modelo de representação de classes ou de grupos têm, em geral, dificuldade em reconhecer ou entender essa surpreendente fragilidade política do centro econômico do país. Um dos principais estudiosos dos movimentos populistas no Brasil, Francisco Weffort, depois de dizer que "é evidente que as condições paulistas são especificas de uma grande cidade industrial que ocupa posição única no Brasil", afirma que, "exatamente por ser uma metrópole, ela se constitui em um 'modelo' para a análise da política de massas no Brasil." (15) O autor parece não considerar o fato de que São Paulo representa no país um caso único e atípico de industrialização e urbaniza ção simultâneas, o que afeta sua utilidade como "modelo" para o resto do Brasil. Não se trata aqui de um simples equívoco, mas de uma dificuldade conceitual de corrente do modelo analítico implícito, que supõe uma identidade entre crescimento econômico -urbanização - industrialização - participação política. Essa identidade fica ainda mais transparente no trecho em que Paul Singer assemelha o crescimento de Belo Horizonte, um caso extremo de urbanização sem industrialização, com o de São Paulo:
Belo Horizonte cresceu a uma taxa apenas pouco inferior [a São Paulo] - 6,8% - que revela o considerável impulso tomado pela sua industrialização.(16)
Mais adiante, tratando de explicar como São Paulo continuou crescendo, ao passo que a taxa de industrialização diminuiu, diz que "o crescimento da indústria acarreta forte expansão do setor terciário da economia". O modelo teórico implícito dificulta a percepção do fato, por outra parte óbvio, de que pode haver urbanização e terciarização sem industrialização; e que Belo Horizonte cresceu por razões administrativas, políticas e sociais, diante das quais a indústria é uma atividade de importância secundária e subsidiária. Quando não é possível assemelhar São Paulo ao resto do país, surge muitas vezes a tendência de considerá-lo como um "caso desviante" no quadro nacional; mas isso é certamente problemático quando se trata do próprio centro da economia nacional.

2. Um Marco de Referência: Capitalismo Ocidental e Patrimonialismo

No restante deste livro, os problemas discutidos até aqui serão tratados em dois níveis. Um é estrutural, e tem a ver com a maneira pela qual a sociedade se organiza para a produção, distribuição e realocação política de bens escassos. O outro, mais especificamente político, se refere às maneiras pelas quais os diferentes grupos na sociedade são ou não convocados e têm ou não têm reconhecidos seus direitos de participação no processo de decisões relativas à distribuição social da riqueza.

A abordagem estrutural é baseada na noção de que existe uma linha específica de desenvolvimento histórico originária da Europa feudal e que conduz às sociedades capitalistas ocidentais, modernas e desenvolvidas de hoje. Essa experiência particular tem servido de referência positiva ou negativa para o entendimento de um outro tipo de desenvolvimento histórico, aquele que parte de uma outra variante de sistemas políticos tradicionais - o patrimonialismo - e conduz a um tipo radicalmente distinto de sociedades contemporâneas: algumas subdesenvolvidas, outras socialistas, outras ainda com uma vivida experiência de autoritarismo e fascismo. Essa é, certamente, uma distinção muito genérica, e a realidade é muito mais complexa em suas nuanças infinitas. Mas é possível, ainda assim, afirmar que essa distinção de inspiração weberiana não foi suficientemente explorada a ponto de, pelo menos, colocar em questão o paradigma teórico dominante que, ainda que derivado da primeira tradição histórica, é aplicado para a segunda com grande perda de compreensão e poder explicativo.(17) Esses conceitos serão discutidos em detalhe mais adiante, mas pode ser conveniente ilustrar aqui a idéia para melhor clareza.

A ciência política foi dominada durante muito tempo pela idéia de que, assim como existe desenvolvimento econômico, existiria também um processo de "desenvolvimento político", definido a partir de um crescimento contínuo de participação política, direito de voto etc., em uma determinada sociedade.(18) Problemas de instabilidade política e de regimes fortemente centralizados ocorreriam, de acordo com esse ponto de vista, quando a velocidade em que cresce a habilidade de lutar por uma parte maior da riqueza nacional é superior à velocidade de crescimento dessa riqueza; ou, em termos políticos, quando o processo de "construção nacional" - e tudo o que isso implica em termos de incorporação de grupos marginais, difusão de valores modernos, difusão dos meios de comunicação de massa etc. - é mais rápido que o processo de desenvolvimento do Estado e de institucionalização de mecanismos políticos nacionais.

Esse tipo de raciocínio não leva em conta o fato de que, muitas vezes, as causas do desequilíbrio estão do outro lado, isto é, que instabilidade e autoritarismo não são, necessariamente, conseqüências de um "excesso" de demandas em um contexto de pouca industrialização e recursos limitados, mas, talvez na maioria dos casos, conseqüências de uma reduzida capacidade social de articulação e representação de interesses em um contexto de concentração "excessiva" de poder nas mãos do Estado. Quando isso ocorre, as tentativas de aumentar e articular a representação de interesses na sociedade são suprimidas e cooptadas, e o resultado é a debilidade e dependência contínuas dos grupos sociais articulados, em relação ao centro político.

A razão pela qual esses fatos tão simples e evidentes são tantas vezes ignorados tem a ver com o modelo da representação política. De acordo com este modelo explicativo, o Estado é, por definição, o representante de um determinado grupo ou classe "da sociedade", e a noção de que o Estado representa "a si mesmo", sem cor responder a uma determinada classe social que o maneje dos bastidores, fica impossível de conceber. Dessa forma, a análise do sistema politico em função da estrutura e comportamento do Estado e da burocracia governamental, em suas diversas manifestações, aparece como desprovida de conteúdo efetivo e é vista como simples exercício formalístico referido a uma entidade politica sem rosto e sem nome. Eu negaria, no entanto, que a análise política a partir do Estado implique a noção de uma estrutura política "parada no ar", independente e não relacionada com interesses e motivações econômicas. Nos sistemas patrimoniais tradicionais não havia diferença entre as esferas política e econômica da sociedade. A ligação Intima entre esses aspectos é também uma característica predominante de sociedades em que o aparato estatal é grande e multi-funcional e antecede, historicamente, ao surgi mento de grupos de interesse autônomos e articulados. Nesses contextos, a busca do poder político não é simplesmente feita para fazer prevalecer esta ou aquela política, mas visa à posse de um patrimônio de grande valor, o controle direto de uma fonte substancial de riqueza.(19)

A próxima seção se refere exatamente à discussão dessa questão dentro de um contexto de diferenciação regional. É suficiente, no momento, notar que, enquanto estrutura social complexa e organizada, com grande capacidade de produzir ou extrair recursos do meio externo ou de outras unidades sociais, a organização estatal é um aspecto da realidade tão digno de ser estudado e analisado quanto, por exemplo, os mercadores, os latifundiários, os capitalistas financeiros ou a classe operária. Tudo depende, é claro, do tamanho relativo da estrutura do Estado, sua força relativa e sua dependência em relação a outras unidades sociais, e do tipo de atividade que o Estado desempenha dentro do sistema produtivo da sociedade. Cada caso é diferente, e variações históricas vão desde o extremo das "sociedades hidráulicas" referidas por Witfogel, nas quais todo o sistema de produção social é controlado e dirigido pelo Estado, até as sociedades relativamente "desestatizadas" da Europa Ocidental do século XIX.. A divisão entre "Estado" e "sociedade civil", que coloca todas as atividades produtivas do lado da sociedade e todos os eventos políticos do lado do Estado, não passa de um evento histórico particular, que não deveria ser generalizado.

3. A Perspectiva Politica: Cooptação e Representação

O segundo nível de análise proposto neste livro é especificamente político. Não há dúvida de que o sistema político - entendido em um sentido restrito como a arena na qual recursos escassos são disputados por classes, grupos sociais e instituições correspondentes - tem importantes conseqüências para a sociedade como um todo. Essas conseqüências, entretanto, não podem ser entendidas simplesmente pela identificação das origens de classe dos detentores do poder, nem mesmo nos contextos mais clássicos de política representativa. Concretamente, existe uma grande diferença entre o regime democrático ocidental dominado por um partido "burguês" conservador e um regime político fascista no mesmo país, dominado, hipoteticamente, pela mesma burguesia. A relação empírica entre a organização de um sistema político e as características mais estruturais da sociedade, embora certamente exista, não deve ser utilizada em lugar da análise especificamente política; e esta não pode reduzir-se a um simples exercício analítico, cujas proposições derivariam logicamente do conhecimento das características estruturais da sociedade. Por isso, neste livro, será proposta uma relação íntima entre "patrimonialismo" uma característica estrutural - e "cooptação política" - elemento próprio do nível político - relação esta sugerida pela expressão "patrimonialismo político." Mas, uma vez estabelecida esta relação genérica, o importante é ver como ela varia, como se relaciona com outras formas de participação política e como afeta o processo de mudança social e política.

A expressão "cooptação política" é sugerida para referir-se a um sistema de participação política débil, dependente, controlado hierarquicamente, de cima para baixo. A primeira condição necessária para a existência de tal sistema é que algumas pessoas e grupos sociais, previamente fora da arena política, tratem de participar dela e fazer-se ouvir. A literatura política da Europa Ocidental fala em enfranchisement para referir-se ao processo de incorporação de grupos e classes ao sistema político.(20) O termo, que se poderia traduzir literalmente por "licenciamento", tem uma conotação de aquisição de direitos ou maioridade política e não possui significativamente, correspondência na língua portuguesa. Esse problema de linguagem aponta para sua segunda condição de existência: a de que os que controlam o sistema político tenham meios para comprar ou, de alguma forma, incorporar esses esforços de participação, de tal maneira que sejam estabelecidos vínculos de dependência entre os detentores do poder e as lideranças políticas emergentes. Assim, a participação política deixa de ser um direito e torna-se um benefício outorgado, em princípio revogável. Como em qualquer tipo ideal, esse arranjo ocorre todo o tempo, em todos os sistemas políticos abertos, e não é uma peculiaridade brasileira. Mas a cooptação política tende a predominar em contextos em que estruturas governamentais fortes e bem estabelecidas antecedem historicamente os esforços de mobilização política de grupos sociais. Quando isso ocorre, posições governamentais são buscadas não tanto como recursos para a implementação de interesses de tipo econômico, mas como forma de mobilidade social e ocupacional per se. Isso significa que a administração pública é vista como um bem em si mesmo, e a organização governamental tem as características de um patrimônio a ser explorado, e não de uma estrutura funcional a ser acionada para a obtenção de fins heterônimos. Uma vez que posições se tornam mais importantes que funções, o setor público tende, naturalmente, a inchar. Esse tipo de administração patrimonial tende a ser incompatível com participação política ativa e respostas governamentais eficientes a demandas da sociedade. Quando a necessidade o exige, no entanto, ela pode se prolongar na forma de estruturas político-partidárias que são organizadas, patrocinadas e conduzidas de cima para baixo, muitas vezes por processos de mobilização. Essa condição implica que cooptação é um fenômeno moderno, que ocorre no Brasil basicamente a partir do pós-guerra, já que a mobilização limitada do período anterior fazia com que houvesse pouco, efetivamente, para cooptar.

Existem outras duas importantes noções ligadas ao conceito de cooptação política. Primeiro, o peso, nesse tipo de arranjo político, está localizado no lado da administração central, na cidade, no lado "moderno" do país. Não há dúvida de que uma fração importante da elite política brasileira tem sido recrutada nas áreas rurais, mas já vimos que isso não pode ser ingenuamente interpretado como um processo de "representação" do campo junto ao governo central.(21) Desde o clássico estudo de Victor Nunes Leal sobre o coronelismo brasileiro, sabemos que existe na política "tradicional" brasileira uma relação simbiótica de dependência entre administração central e poder local, e que poder e dominação são geralmente impostos de cima para baixo, e raramente de baixo para cima. A República Velha, em muitos aspectos um período de grande poder dos chefes locais e regionais, foi também o período em que resultados eleitorais eram forjados sem maiores preocupações de decoro pelos partidos dominantes, conseguindo os governos centrais geralmente "eleger" seus candidatos. A política que normalmente se considera "tradicional" no contexto brasileiro não é rural, mas urbana, "moderna", e levada a cabo por uma elite com refinamento e habilidade necessários para controlar um aparelho estatal bastante complexo.

A outra noção ligada ao conceito de cooptação se relaciona com o fato de que não existe, quando ele predomina, muito lugar para representação de interesses no sentido do mais clássico modelo europeu do termo. O modelo clássico supõe que o desenvolvimento do capitalismo tende a gerar grupos de interesses ativos e militantes nos dois lados da divisão social do trabalho, burguesia e proletariado. O tipo de política que emerge desse confronto tem a ver com a regulação das relações de classe e, conseqüentemente, com a distribuição da riqueza entre elas. Nesse modelo, quando os políticos aumentam seu poder e prestígio, aumenta também a necessidade de as lideranças corresponderem às expectativas e demandas das bases que lhes outorgam poder. Eles podem tornar-se burocratas de seus partidos, mas dificilmente burocratas governamentais; e, se o fazem, tendem a perder suas bases de apoio político. No sistema de cooptação, pelo contrário, quanto mais íntima a participação do líder na burocracia governamental, maior sua força política, já que terá mais recursos para manter o controle de suas bases. Aí reside a explicação das repetidas vitórias eleitorais dos partidos de governo em regimes desse tipo, chegando muitas vezes a sistemas uni-partidários ou de partidos governamentais imbatíveis.

É possível mostrar que, se formas embrionárias de representação política existiram no Brasil, elas tenderam a concentrar-se na área de São Paulo. Nunca chegaram a ser suficientemente fortes para moldar o quadro político nacional, mas foram suficientemente significativas para manter o Estado de São Paulo como uma entidade politicamente diferenciada dentro do país. Tanto os sistemas de cooptação quanto os de representação têm seus lados conservador e liberal, ou de direita e esquerda, e essa perspectiva quádrupla é, possivelmente, o melhor ponto de vista para o entendimento do processo político brasileiro através do tempo.

Essa imagem do cenário político brasileiro como o de um confronto entre dois "sistemas" ou "estilos" de participação política não corresponde às noções usuais existentes sobre sua evolução, particularmente depois de 1945. De fato, o período de 1945-64 foi uma era de competição multi-partidária e também um período de crescente participação, mobilização política e de surgimento de oposições ideológicas. Se tomamos somente esse período, temos a nítida impressão de vermos o país evoluindo de um estágio mais "tradicional" a um mais "moderno", ou, de acordo com outra perspectiva, de uma situação de "classes em si" para outra de "classes para si". Um exame mais cuidadoso mostra, no entanto, que esse processo ocorreu no contexto da polaridade cooptação-representação, conduzindo, afinal, ao colapso do sistema representativo em 1964.

Parece que alguma forma de política de grupos de interesse (ou política de classe) está na raiz da maioria das versões contemporâneas de democracia política, e uma das conclusões que poderiam ser extraídas dessa análise seria, por exemplo, que existiria somente uma forma de levar o Brasil para um sistema mais aberto de participação política: fomentar o papel de São Paulo na política nacional, ao longo de toda sua estrutura de estratificação sócio-econômica, fazendo com que este sistema regional se expanda até predominar sobre as demais áreas do país, urbanas não industriais e rurais. É claro que as coisas não são tão simples assim, mas essa é certamente uma linha de especulação que ainda não foi explorada em toda sua extensão pelos que se preocupam em pensar nos destinos do "modelo brasileiro". Em termos gerais, reconhecer o papel limitado da política representativa no Brasil poderá conduzir, em última análise, a novas visões sobre como o sistema político poderia ser organizado no futuro, com alternativas que vão desde uma anti-utopia hobbesiana até modelos de descentralização e democratização intra-burocráticas e organizacionais.

Nenhuma análise da evolução política brasileira seria possível sem levar em consideração o papel nela desempenhado pelo setor militar. O comportamento político dos militares deve ser visto e entendido em termos característicos da instituição militar e suas relações com o sistema político como um todo, antes que em termos de uma suposta representação de interesses classistas via Forças Armadas. Isso não significa, evidentemente, que não seja possível, muitas vezes, determinar o componente classista ou estamental de um grupo militar especifico e que esse componente não tenha uma força explicativa considerável.(22) No caso do Brasil, além das características institucionais, existe a peculiaridade de que o Exército brasileiro tem fortes raízes gaúchas, e esse componente regional, quando tomado em devida conta, explica muito de seu papel na história política do país. É sabido que o Rio Grande do Sul tem sido, no tempo, a principal fonte de recrutamento da elite militar brasileira, um fato que examinaremos com vagar mais adiante.

4. A Política Como Fenômeno Espacial: as Quatro Regiões

Outra dimensão bastante óbvia dos fenômenos políticos que as analises convencionais costumam ignorar é o fato de que, sendo as nações entidades de base territorial, os processos políticos devem ser entendidos em termos de sua distribuição espacial. Essa é uma observação que se torna ainda mais importante quando se tem em conta que o processo de ocupação histórica das diversas partes de um país se dá de forma diferenciada, gerando problemas bastante específicos de incorporação, integração e rupturas entre diferentes regiões. Tema clássico do direito constitucional, esse aspecto tende muitas vezes a ser ignorado pela análise política, preocupada exclusivamente com os grupos de interesse e suas manifestações e motivações econômicas mais imediatas.

O processo de ocupação espacial do Brasil deve ser visto a partir do entendimento da própria história portuguesa, que parece jamais ter apresentado a estrutura descentralizada característica do tipo europeu clássico de organização feudal:
A nobreza, a seguirmos Antônio de Sousa, nunca chegou a criar raízes no campo, nem teve função civilizadora, função de direção e proteção dos moradores locais; apresentava-se, antes, como parasita da população e do poder central.(23)
O poder se concentrava na Casa de Avis, e isso auxilia a explicação do notável impulso empresarial de Portugal nos séculos XV e XVI. Vinda para o Brasil, a estrutura centralizada, burocrática e patrimonialista de governo foi transplantada, inicialmente com o estabelecimento do Governo Geral em 1548 e, muito mais tarde, com a mudança de toda a Corte portuguesa para o Rio, em 1808. Tornado independente cm 1822 por um membro da realeza portuguesa, a linha de continuidade nunca foi completamente quebrada, e isso é importante para a compreensão da institucionalização estável do Governo brasileiro durante o período colonial e, mais tarde, na segunda metade do século XIX. É digno de nota que, antes do estabelecimento do Governo Geral em 1548, institui-se um sistema de capitanias de características feudais, porém sem sucesso. Essas capitanias deveriam ser transmitidas de pais para filho, e a coroa portuguesa teve de readquirir uma delas, quando o Governo Geral estava prestes a ser criado.(24)

O sistema de capitanias não funcionou, dizem os historiadores; duas delas, porém, obtiveram algum êxito. Numa, Pernambuco, floresceu a cultura da cana-de-açúcar, tornando-se o principal produto da Colônia nos séculos XVI e XVII. A outra era São Vicente, mais tarde conhecida como província e, por fim, Estado de São Paulo.

Este breve exame delineia três de nossos principais tipos de regiões. Uma é a sede do governo, inicialmente Salvador e depois Rio de Janeiro. Esta é a área mais moderna do país, que mantém um contato mais direto com o modo de vida europeu, e onde a cultura e o consumo são mais acentuados. É, também, uma área de população marginal e de desemprego. De acordo com o Censo do Rio de Janeiro de 1890, por exemplo, cerca de 50% de sua força de trabalho estava empregada em "serviços domésticos" ou exercia "profissões não-declaradas". O fator racial, obviamente, estava relacionado a isto, uma vez que a escravatura fora abolida há apenas dois anos. Mas as diferenças não eram assim tão grandes: 76% dos negros e 53% dos mulatos pertenciam a esse grupo, mas também 43% dos brancos, o que representava 62,5% de toda a população "empregada."(25). Essa massa de população marginal representava, certamente, um incômodo para a elite, a qual, ocasionalmente, tinha que se haver com suas agitações.(26) Entretanto, comumente, o Rio apresentava um cenário de política popular e de participação da massa que pouco tinha a ver com a maneira pela qual as coisas eram realmente decididas, e nesse sentido não difere muito de outras capitais administrativas de sociedades não-industriais. Seus recursos econômicos provinham do comércio e do funcionalismo público, e sua vida política caracterizava-se por certo grau de tensão entre a pequena nobreza regional dependente, de um lado, e os burocratas e comerciantes, de outro, com ocasionais mobilizações das massas.

O Rio de Janeiro do século XIX e do inicio do século XX pode, de um modo geral, ser qualificado como uma "cidade pré-industrial." Tal conceito foi sugerido por Gideon Sjoberg para caracterizar as estruturas urbanas que se desenvolveram, segundo ele, em sociedades feudais, onde o desenvolvimento industrial não tivesse, ainda, se iniciado. Em uma nota de pé de página, Sjoberg procura reduzir a diferença entre cidades pré-industriais européias e não-européias:
Henri Pirenne, em Medieval cities, e outros observaram que as cidades européias cresceram em oposição e eram separadas da sociedade maior. Mas essa tese remonta a um exagero, no que diz respeito à Europa Medieval. A maioria das cidades industriais é parte integrante de estruturas sociais mais ampla.(27)
A principal dificuldade relativa ao conceito de cidade pré-industrial é, naturalmente, a teoria de desenvolvimento unilinear que ela implica, e que considera o sistema feudal como o único predecessor das sociedades modernas. Oliver C, Cox,(28) no entanto, afirma que, mesmo na Europa Medieval, as cidades se desenvolveram fora da estrutura feudal, além de considerar que o conceito de cidade pré-industrial de Sjoberg representa pouco mais que um conceito residual. A crítica de Cox é convincente, no que diz respeito à debilidade do argumento de Sjoberg, porém tem pouco a oferecer. A melhor indicação teórica, o que não é surpreendente, nos é oferecida por Max Weber, por meio da diferença, por ele estabelecida, entre a cidade ocidental e a oriental:(29)

Na qualidade de ponto focal de todo o país ou região, a residência do governante ou de qualquer corpo administrativo é o componente mais importante da estrutura e do funcionamento das cidades orientais:
Contrariamente, as cidades ocidentais são dotadas de uma "combinação de autonomia e autocefalia(30)." Elas são, em outras palavras, núcleos econômica e politicamente autônomos, alimentados pela atividade comercial ou industrial de seus cidadãos, que participam ativamente, de formas variadas, da condução de seus destinos. Aplicada ao Brasil, essa distinção permite ver o Rio de Janeiro como uma cidade muito mais próxima, historicamente, do modelo "oriental", sede política e administrativa do Império, enquanto que São Paulo, cidade desenvolvida de forma muito mais independente e isolada, se aproxima bastante do que seria o modelo clássico de cidade "ocidental".
O inverso da capital burocrática e urbana constitui o segundo tipo de região, chamada "tradicional." As regiões "tradicionais" brasileiras têm pouco em comum com o "tradicionalismo", constante da literatura padrão acerca do subdesenvolvimento e da modernização. Comumente, essa literatura considera como "tradicional" a sociedade camponesa ou, de alguma forma, não-industrial, que sofre o impacto da modernização e industrialização.(31) Supostamente, essas sociedades tradicionais se encontram em um estágio primitivo de desenvolvimento social e econômico, e a correspondente literatura sociológica trata dos obstáculos culturais, emocionais e sociais aos valores, estilos de vida e padrões de comportamento modernos.(32)

No Brasil, como em outros países, as áreas "tradicionais" não constituem regiões que ainda não se modernizaram, mas, ao contrário, regiões que experimentaram um período de progresso no passado, sofrendo, depois, um processo de declínio econômico e político. A antiga área de cultura da cana-de-açúcar, no Nordeste, e as antigas áreas mineiras de Minas Gerais são provavelmente os melhores exemplos do tradicionalismo brasileiro, e ambas as regiões tiveram um passado de riqueza e proeminência econômica nacional. Uma das questões mais obscuras - e ao mesmo tempo das mais interessantes - da história econômica e política do Brasil relaciona-se com o que acontece com essas áreas quando perdem sua capacidade exportadora.(33) No caso de Minas Gerais, a exaustão das atividades mineradoras, ocorrida por volta da segunda metade do século XVIII, deixou a província com a maior população do país, localizada sobretudo nas concentrações urbanas, e desprovida de uma atividade econômica importante de alta lucratividade.(34) Um outro remanescente foi a estrutura burocrática da administração colonial, e esse é, muito provavelmente, o berço da vocação política de Minas Gerais.

Existe um estudo norte-americano clássico, de autoria de V. O. Key, que trata de um sistema político que sobreviveu a um processo de forte decadência, após a Guerra Civil. Os onze estados sulistas analisados por Key tinham pelo menos um traço em comum com os estados brasileiros da Velha República, ou seja, o sistema uni-partidário. A análise de Key, relativa ao comportamento dos senadores sulinos, sugere um padrão bastante consistente: eles se unem quando a autonomia do Estado está em perigo, quando o status quo se acha ameaçado e quando o governo democrático nacional necessita de seu apoio. O arranjo nos é bastante familiar: os democratas sulinos apóiam o governo em troca do controle dos seus próprios estados. Sistema uni-partidário, controle oligárquico da máquina política do Estado, pequena participação popular, grandes propriedades rurais em uma economia em decadência, todas essas semelhanças com a tradicional Minas Gerais não são puras coincidências. A principal diferença, naturalmente, era a de que os Estados Confederados haviam sido derrotados pelo Norte industrializado, enquanto que, no Brasil, a hegemonia política do centro industrializado nunca foi claramente estabelecida.(35)

A menor unidade da vida política tradicional desse tipo é a comunidade local do interior, onde o chefe local (no Brasil, o coronel) exerce seu poder. Uma boa parte da literatura política brasileira tem se devotado ao exame dos padrões de tradicionalismo político nas bases do sistema.(36) As tentativas de teorização mais bem sucedidas são as que interpretam a proeminência política local e regional da política tradicional como sendo uma função do papel de intermediação desempenhado pelos líderes políticos entre os governos local, estadual e nacional.(37) É importante observar-se que essa interpretação não implica que o controle da terra, os vínculos familiares, fidelidades e sujeição pessoal não tenham um papel a cumprir. Todos esses elementos "tradicionais" com certeza se faziam presentes, mas funcionaram num contexto de decadência econômica e de predominância de governo burocrático ao nível estadual e nacional.

A terceira região, representada por São Paulo, forma a diferenciação mais importante. Desde o início da história do pais, a antiga Capitania de São Vicente se desenvolveu independentemente da administração central. São Vicente foi o primeiro núcleo de colonização que se moveu da costa para o interior, em total contradição com a política de expansão da Coroa portuguesa.(38) A história da expansão de São Vicente inclui as expedições de captura de índios que se embrenhavam cada vez mais para o Sul, até o choque militar com as missões jesuítas espanholas; as expedições de busca de ouro e pedras preciosas, até o choque com outras correntes migratórias provenientes do Norte que se dirigiam para as áreas mineiras, durante a Guerra dos Emboabas;(39) e a acentuada ausência da Província de São Paulo da vanguarda dos eventos nacionais, até a expansão da cultura do café no século XIX.

Mais adiante voltaremos à história do espetacular desenvolvimento de São Paulo, do final do século XIX em diante, e a seu papel político no cenário nacional. Basta lembrar aqui que o Censo de 1940 já mostra ser este o maior estado brasileiro em população, além de a principal fonte de impostos do Governo central e o foco de industrialização do país. Politicamente, no entanto, São Paulo desempenhou um papel inferior a seu tamanho e peso econômico relativos e, em 1932, foi o último estado brasileiro a se levantar em armas contra o Governo central.(40)

Esse padrão de relações entre os centros administrativos e econômicos não é uma peculiaridade do Brasil, sendo compartilhado por países que experimentaram certo desenvolvimento industrial no contexto de um Estado com fortes características patrimoniais. Juan Linz encontra na Espanha o mesmo "paradoxo" que encontramos no Brasil:
paradoxalmente, na recente história da Espanha, as regiões mais desenvolvidas se sentiram alienadas do cenário nacional. Dispondo de "poder econômico" e de bem-estar, sentiram se, justificadamente ou não, privadas de "poder político."(41)
As diferenças entre Madri e Barcelona, expressas na tabela que se segue, são surpreendentemente semelhantes às que podemos encontrar entre Rio e São Paulo:

Quadro 2. Espanha: Barcelona e Madri
  Espanha "burguesa" (Barcelona) Madrid
% da População do País (1960) 24,2% 7,7%
Renda per cápita (média nacional = 100) 164 131
Recrutamento de membros do gabinete no Governo de Franco. 0,85 (a) 6,25
Professores universitários. 0,58 (a) 3,24
Juízes 0,95 (a) 2,87
(a) Quociente entre a proporção nascida em cada uma das áreas e a proporção da população vivendo nestas áreas em 1910, ano aproximado do nascimento das elites.
Fonte: Ver nota 41.

Quadro 3. Brasil: Diferenças Regionais em Quatro Estados
  População em 1970 % da renda
  urbana total da Indústria da agricultura do setor público total
São Paulo 27,3 19,0 56,8 19,5 23,5 35,3
Minas Gerais 11,7 12,3 7,5 12,2 8,3 10,0
Guanabara 8,2 4,6 9,7 0,6 25,2 11,4
Rio Grande do Sul 6,8 7,1 5,9 12,6 8,9 8,5
Soma dos 4 estados 54,0 43,0 79,9 44,9 65,9 65,2
Brasil 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: Fundação IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1971.


A Itália parece ser um outro caso em questão, com as diferenças entre a área industrial do Norte, o Centro urbano e administrativo, e o Sul rural, como pode ser constatado na tabela seguinte.

Quadro 4. Itália: Famílias Residentes por Ramo de Atividade Econômica do Chefe da Família, por Regiões (%)
  População número de famílias cujos chefes trabalham em
    indústria agricultura outras atividades
Regiões
Setentrional 44,8 56,5 35,5 47,1
Central 18,5 17,5 16,0 224
Meridional 245 18,0 31,8 20,2
Insular 12,2 8,0 16,7 10,3
Total 100% 100% 100% 100%
Fonte: Calculado do Instituto Centrale de Statistica, Compendio Statistico Italiano (Roma), 1971, p. 21 e 28-29.

A. F. Organski leva em conta as descontinuidades regionais da Itália e relaciona a elas o surgimento do fascismo:
Algumas regiões se modernizam mais e mais rapidamente que outras, devido a vantagens em recursos, capacitação, comunicação com o mundo exterior, ou por outras razões. Algumas nações se modernizam politicamente e permanecem atrasadas economicamente. Outras nações são altamente urbanizadas, antes de se desenvolverem economicamente e de se modernizarem politicamente (...). No grau de simetria e de continuidade das mudanças desses três conjuntos de variáveis (modernização social, econômica e política), reside uma parte muito expressiva, certamente a principal, da explicação do surgimento dos sistemas fascistas, a duração de seu domínio, a variação de suas atitudes e comportamento políticos e a especificidade e cronologia do fim do sistema.(42)
O pressuposto do desenvolvimento unilinear, ainda que desigual, é talvez a principal fraqueza dessa análise. De fato, se "nenhuma nação se desenvolve de tal maneira que todas as regiões e todos os aspectos da vida nacional mantenham o mesmo ritmo de todo o resto", o que necessita ser explicado é a razão pela qual somente algumas dessas nações caem no padrão fascista de organização política. O fato é que as diferenças não constituem apenas uma questão de taxas variáveis de crescimento regional e funcional, mas principalmente uma questão de diferenças regionais, estruturais, refletidas nos desequilíbrios do desenvolvimento.

A quarta região, finalmente, é o Rio Grande do Sul, que historicamente tem desempenhado, no sistema nacional, um papel político bastante desproporcional a seu tamanho e importância econômica. No Rio Grande não impera a política tradicional, baseada nos compromissos e fidelidades locais de uma economia estagnada, que muitos consideram ser o cerne da política tradicional brasileira. Este estado nunca foi um pólo econômico dominante e não está no centro administrativo nacional. Pelo contrário, situa-se na fronteira, a milhares de quilômetros da capital do país. Essa marginalização geográfica, porém, parece ter colocado o estado bem no centro da política nacional, desde pelo menos fins do século XIX. Sua história se inicia com o estabelecimento da colônia portuguesa do Sacramento ás margens do rio da Prata, atacada, quase que imediatamente, pelo governador espanhol de Buenos Aires. Durante a maior parte do século XVII, a região se converteu no principal ponto de conflito entre os Impérios português e espanhol na América. Após a independência, a província reteve sua natureza militar, em razão dos conflitos entre Brasil e Argentina, pelo controle do que hoje é o Uruguai, bem como em razão dos movimentos revolucionários separatistas do Rio Grande, os quais sempre envolveram relações com os governantes e caudilhos argentinos e uruguaios.(43)

Stein Rokkan capta um importante aspecto do processo de construção nacional dos países europeus que, até certo ponto, se assemelha ao processo experimentado pelo Rio Grande. Ele mostra, principalmente, dois tipos de cidade s-estados se desenvolvendo na Europa: "As Confederações suíças e holandesas tinham características essencialmente defensivas: não havia um forte centro conquistador (...), mas uma cadeia de cidades estrategicamente localizadas, prontas a reunir seus recursos para a defesa de seus privilégios comerciais." A essas cidades "ocidentais" típicas ele opõe um outro tipo, desenvolvido nos confins do Antigo Império Romano. "Paradoxalmente," diz ele, "a história da Europa mostra a formação de centros na periferia." E, mais especificamente:
Estes centros de poder localizados nas regiões sudeste e nordeste dos territórios da Igreja Católica ergueram impérios cruzados nas fronteiras, para fazer face à religião do Sul. Isto auxilia a explicação da íntima simbiose da Igreja e do Estado nestes impérios: o poder militar do Estado foi um instrumento decisivo na luta pela expansão do cristianismo ocidental (...). Os impérios ibéricos trouxeram o mesmo fervor de ortodoxia através dos mares até o Novo Mundo: a conquista da América Latina produziu uma fusão ainda mais forte de instituições religiosas, políticas e econômicas.(44)
O Rio Grande parece ter desempenhado no Brasil um papel semelhante ao que Portugal e Espanha desempenharam na Europa cristã: como um posto militar de fronteira, desenvolveu sua própria ortodoxia, o positivismo - em uma combinação peculiar soma tradição militar local e a cultura boiadeira - e uma forte oligarquia estadual, que reunia forças tanto para a luta contra o inimigo espanhol e portenho quanto para a luta pela autonomia em relação ao Império brasileiro. A região era base da ala mais importante do Exército brasileiro, fornecendo, também, uma parte considerável dos seus quadros. Desempenhou um papel bastante ativo na vida política nacional, desde a criação do Partido Republicano Rio-Grandense em 1882, na derrubada do Império, em 1889, e dai em diante. Em 1930, chegou ao poder nacional com Vargas, que tinha sido anteriormente governador do Rio Grande do Sul, de acordo com os interesses de Borges de Medeiros, o chefe político do estado, e com ele os gaúchos literalmente atrelaram seus cavalos na capital nacional.(45) Vargas novamente, em 1950, Goulart, em 1961, Costa e Silva, Médici e Geisel, depois de 1964, todos esses presidentes gaúchos atestam a marcante vocação do Rio Grande para o poder nacional, através de seus filhos civis e militares.

Este breve esboço é por demais sucinto para registrar outros importantes aspectos do papel do Rio Grande do Sul na história brasileira, aos quais voltaremos. Seria importante levar em conta as divisões internas no estado e seu papel econômico especial como um supridor de bens no mercado nacional, assim como a importância da imigração européia para o desenvolvimento agrícola de alta produtividade dentro do estado.(46) Apesar desses pontos, contudo, permanece o fato de que o papel político do Rio Grande, a nível nacional, tem, historicamente, mais a ver com sua tradição militar, caudilhesca, revolucionária e oligárquica do que com os aspectos modernos e europeizados de sua economia e sociedade.

5. Conclusão: da Teoria Política à Realidade Histórica

A importância dos conceitos, sejam de teoria política ou quaisquer outros, se mede pela riqueza dos fenômenos que eles ajudam a entender ou prever. Na análise de fenômenos históricos, são melhores os conceitos que ajudam a dar sentido e significado a um conjunto maior de fatos e processos. É por isso que a simples discussão entre diferentes escolas conceituais, sem a prova esclarecedora de suas aplicações a análises concretas, tende a ser um exercício estéril e cansativo. Ainda que por uma só vez no entanto, vale a pena discutir brevemente o status teórico de alguns dos conceitos apresentados ou criticados neste texto.

Existem vários níveis de explicitação e articulação possíveis de proposições em ciências sociais e, desde o clássico trabalho de Merton, é costume distingui-los por diversos nomes (metodologias, orientações sociológicas gerais, análises conceituais, interpretações post factum, generalizações empíricas e teorias propriamente ditas, estas definidas como conjunto de proposições logicamente relacionadas e empiricamente verificáveis).(47) "Modelo," em uma de suas acepções, é o mesmo que "teoria." aqui, no entanto, ao falarmos do "modelo de política representativa", estamos pensando em uma representação figurada e pouco explícita da realidade, utilizada como referência para análise.(48) Nesse sentido, a noção de modelo se aproxima da de "paradigma", tomada também em um sentido amplo como um conjunto de proposições, noções, critérios de verdade e supostos sobre o mundo que permeiam uma determinada atividade de conhecimento científico.(49)

É necessário levar em conta essas distinções por uma razão importante: no decurso deste livro, muitas idéias serão discutidas em termos de seus paradigmas implícitos, muito mais que em termos de suas formulações explícitas. Por exemplo, nenhum atento estudioso da realidade brasileira desconhece que existem diferenças profundas de tipo político entre Minas Gerais e São Paulo ou ignora que este último desempenhou um papel singular e especial na história política do país. No en tanto, como trato de mostrar, esse conhecimento não parece ter descido ao nível mais básico dos paradigmas explicativos que esses mesmos autores utilizam, o que os incapacita a incorporar essa realidade em suas explicações de uma forma não-casuística e circunstancial. Um outro exemplo é a referência à noção marxista que toma o sistema político como "super-estrutural", e algumas das conseqüências que derivam disso. é bem sabido que muitos autores que se consideram marxistas oferecem versões bastante mais complexas e sofisticadas dessa idéia e, ao deixar de analisá-los, pareceria que uma teoria simplista estivesse sendo montada aqui com o Intuito único e exclusivo de refutá-la posteriormente. O que importa neste contexto, no entanto, é que esse paradigma permanece e preside o entendimento de muitos autores, independentemente de sua ortodoxia marxista ou de seu grau de consciência do problema. Minha preocupação é apontar as dificuldades conceituais que esse paradigma ou modelo implícito traz para o entendimento adequado do papel do Estado no sistema político, e não alimentar a discussão sobre a ortodoxia possível desta ou daquela postura teórica, discussão que, sem dúvida, pode emergir como subproduto quando questões desse tipo são aventadas.

Um outro tipo de dificuldade conceitual pode surgir do uso que aqui é feito de entidades regionais, os estados, como unidades de análise. Já se disse que essa é uma maneira de substituir a realidade concreta das classes sociais pelo formalismo abstrato de entidades geográficas, ocultando, assim, as realidades políticas efetivas que interessam.

Essa objeção pode ser respondida em vários níveis. O primeiro e mais simples é que as classes sociais não são o único aspecto "real" do sistema social. Segundo, eventos sociais de toda espécie, incluindo aqueles relacionados com a estratificação social, tendem a se distribuir no espaço de forma desigual, e as informações relativas a eles tendem a ser recolhidas e apresentadas de acordo com unidades geográficas. Essas informações dão conteúdo sociológico, político e econômico às categorias geográficas, de tal forma que, quando são referidas, elas surgem carregadas de conotações de todo tipo. Nesse nível, portanto, unidades geográficas ou "ecológicas" não passam de uma maneira cômoda de referir-se a complexos sociais de outro tipo.

Em outro nível, no entanto, é possível sustentar que as unidades geográficas têm relevância social e política por seus próprios méritos. O exemplo mais óbvio é o próprio Estado nacional, circundado necessariamente por limites territoriais. Ainda que os modelos correntes de análise política falem em representação de interesses, não se deve perder de vista o fato de que os sistemas eleitorais democráticos sempre se basearam em representação territorial, geográfica, e não-funcional. A situação dos estados em nações federativas como os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina pode variar grandemente, em termos da autonomia dos estados e da relação entre esta autonomia e fenômenos políticos mais gerais.(50) No caso brasileiro, pode-se argumentar que o papel político dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul era muito mais saliente durante a República Velha do que durante o Império ou atualmente. Isso se refletia, certamente, na ordenação constitucional, que dava muito mais autonomia aos estados na Primeira República do que em outros períodos. O que importa realmente, no entanto, é que essa autonomia correspondia a um papel bem ativo desempenhado pelas unidades geográficas no sistema nacional. A explicação para essa atividade das regiões não se poderia limitar à análise das atribuições constitucionais existentes, que tiveram causas bem conhecidas e conseqüências bem determinadas. Isso significa que a questão da "realidade" das unidades regionais e ecológicas não é uma questão de definição legal ou conceitual, mas deve ser avaliada e decidida em cada caso.

Em termos mais gerais, a idéia é que variáveis e processos regionais devem ser estudados não em contraposição a outros elementos da estrutura social, mas em combinação com os mesmos, incluindo suas diferenciações de classe e grupo. Os desenvolvimentos mais recentes em economia regional, a preocupação generalizada com problemas de distribuição de renda e concentração da riqueza do Centro-Sul do país, a importância cada vez mais reconhecida dos problemas de relacionamento entre centro e periferia em todas as áreas do comportamento social, tudo isto deveria tornar desnecessário justificar uma abordagem regional dos problemas políticos. Mas, muitas vezes, a análise das regiões esbarra com o mesmo tipo de dificuldade que fazia tão difícil para os internacionalistas do princípio do século perceber a importância e relevância dos estados nacionais. Eles haviam descoberto uma verdade importante - que fatos econômicos não respeitam fronteiras - mas isto muitas vezes os cegava para a realidade do nacionalismo político e econômico que passaria a dominar as décadas seguintes. Existe hoje certo tipo de internacionalismo que percebe as linhas de divisão internacional de classes não dentro dos países, mas entre eles. Isto permite compatibilizar nacionalismo (do velho estilo) com internacionalismo (do novo), mas, a nível intra-nacional, só são percebidas as oposições regionais traduzíveis em termos classistas (estados ricos e pobres, exploradores e explorados etc.). O resultado, em geral, não é uma introdução adequada de variáveis geográficas na análise, mas sim uma aplicação empobrecida de veneráveis esquemas de análise classista a contextos pouco entendidos.

Em resumo, tomar as regiões em consideração, quando isto é feito de forma adequada, significa trazer à análise política os conceitos de distribuição espacial, limites e fronteiras, diferenças de desenvolvimento histórico, redes de comunicação e difusão de informações - enfim, todo tipo de descontinuidades espaciais que possam ter alguma influência em sistemas sociais de grande porte. Mas ainda, no caso brasileiro, a análise regional põe em foco fenômenos históricos de grande importância que tendem a ficar ocultos sob a imagem corrente de uma nação não-diferenciada, globalizada, "totalizada".(51)

Deve estar claro, a esta altura, que não pretendo oferecer uma interpretação da "singularidade" histórica do Brasil, mas exatamente o contrário: o objetivo é mostrar como a complexidade e aparente singularidade da realidade política brasileira pode ser abordada por meio de uma perspectiva analítica genérica e razoavelmente bem-articulada; e que não se trata de uma perspectiva teórica sui generis, mas que tem vínculos determináveis com teorias de autores consagrados e semelhanças não-circunstanciais com outras realidades nacionais. Isso significa que o objetivo principal aqui é o de explorar os limites dessa perspectiva, sua adequabilidade e poder explicativo e, ao mesmo tempo, mostrar algo de suas origens no pensamento social. Nos últimos anos vieram à luz muitos estudos importantes sobre a história, a política e a sociologia brasileira, e esse material será usado aqui em abundância. O eventual interesse deste trabalho não reside assim em novos dados e informações, que são poucos, mas nas propostas de organização dos conhecimentos e de interpretação dos fatos que apresenta.


Notas

1. As principais referencias a esta discussão incluem Dahl, R ., 1968, Polsby, N., 1963 e Bachrach, P., 1967.

2. São clássicas aqui as contribuições dos grupos de Michigan e Columbia, cujas obras seminais são Campbell, A., Converse, P., Miller Warren L. e Stokes, D, 1960; e Berelson, Bernard, Lazarsfeld, Paul F., e McPhee, W. N., 1956. Sobre a forma em que o público percebe os fenômenos políticos, cf. Converse, P., 1964. Sobre a autonomia dos temas políticos e sua persistência através do tempo, ver Pomper, G., 1967.

3. Schmitter, P. C., 1971; traduzido do original inglês. Os grifos são meus.

4. É neste sentido que Wanderley Guilherme dos Santos fala de um "paradigma clássico da análise política e social do Brasil", melhor tipificado, segundo ele, por Celso Furtado, 1965. A crítica de Wanderley Guilherme dos Santos consiste, essencialmente, em notar que esse paradigma não toma em consideração que "a dinâmica da competição política entre partidos, e facções dentro de partidos, não é um simples balé metafórico do que ocorre na economia". Ao contrário, as instituições políticas "moldam as maneiras pelas quais formas econômicas e sociais de competição se traduzem em alternativas de políticas que têm impacto definido sobre o desenvolvimento ulterior da estrutura social". (Cf. Santos, 1979.) O que diferencia iriais profundamente seu estudo do nosso é que ele se preocupa com as estruturas políticas engendradas pelo próprio processo de competição, e não com estruturas históricas e de mais longo prazo, que antecedem o próprio processo de competição em um momento dado. As duas perspectivas, evidentemente, não se excluem.

5. Schmitter, P. C., 1972.

6. As referências incluem Banfield, E., 1958; Pye, L., 1962; McClelland, D. C., 1961, Almond, G. A., e Verba, S., 1963; Mannoni, O,, 1956, e outros. O exemplo mais importante para o Brasil é, certamente, a obra de Oliveira Viana, que contém uma das primeiras e mais penetrantes análises da realidade política brasileira, em contraposição à sua fachada institucional. Suas explicações, no entanto, caem no âmbito elas análises de cultura política, com sobretons racistas e pseudo antropológicos, hoje fora de uso. Cf. Viana, Oliveira, 1949, e id., s.d.

7. Os textos evolucionistas mais conhecidos nessa linha são, provavelmente, os de Almond, G. A., Powell, B., 1966, e Lerner, Daniel, 1958.

8. Germani, G., 1962.

9. Vinhas, M., 1970, p. 271.

10. Um dos benefícios não planejados dos regimes fortes e autoritários nos países subdesenvolvidos tem sido um crescente esforço da teoria política para entendê-los. Referências sobre esses novos desenvolvimentos teóricos incluem os trabalhos de Barrington Moore, de Juan Linz, sobre a Espanha, os de Germani e Organski sobre o fascismo italiano, assim como o conceito de "representação não-democrática" sugerido por David Apter. Cf. Moore, B., 1966; Linz, Juan, 1964; Apter, D. E., 1968; Organski, A. F., 1969. Ver também o excelente trabalho de Schmitter, P. C., 1974.

11. Oliveira Viana (v. 2, 1949 p 22) antecipa assim, por décadas, as teorias de "localismo"e "familismo" que surgiram nos anos 50 e 60 como explicações para problemas de "atraso político", cuja referência mais notória é o trabalho de Banfield. Ver Banfield, E., 1958

12. Agradeço a Lúcia Gomes Klein pelo uso desses dados. O relatório global da pesquisa está em Lima ir., O. B. de, Gomes Klein, L. M., Martins, A. Soares, 1970.

13. Na verdade, os esforços no sentido de ajustar a realidade à teoria têm levado a afirmações desse tipo. Por exemplo, em sua análise da Revolução de 1930, que discutiremos mais adiante, Octávio Ianni afirma que "a revolução de 30, a despeito de não ter sido conduzida nem alimentada preponderantemente pelas burguesias industrial e financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser interpretada como um momento super-estrutural da 'acumulação primitiva', que funda a industrialização posterior (Cf Ianni, O. 1965 p. 135-6). Em outras palavras ela foi, objetivamente (o que significa, na realidade, de acordo com a subjetividade do analista). uma revolução burguesa, já que, ex post facto, ela conduziu à industrialização. Este tipo de interpretação dispensaria qualquer esforço para identificar, empiricamente, quem conduziu e alimentou o movimento de 30, ainda que saibamos que na-o foi nenhum dos atores sociais referidos acima.

14. Para a defesa da teoria das classes médias, ver ainda Nun, J., 1965. Para uma visão muito mais aprofundada, ver O'Donnell, G., 1972, Campos Coelho, E., 1976, Carvalho. J. M., 1977, e Costa Barros, A. 5., 1978. Ver também Huntington, S. S., 1957.

15. Weffort, F. C., 1965.

16. Singer, P., 1968. Os grifos são meus. As discrepâncias entre os processos de industrialização e urbanização são, em contraste, centrais na explicação que Neuma Aguiar busca para as variações nos níveis de mobilização política dos trabalhadores brasileiros. Cf. Aguiar, N., 1969.

17. O primeiro trabalho que trata de utilizar de forma sistemática a noção de patrimonialismo para o entendimento do sistema político brasileiro é, possivelmente, o de Raymundo Faoro (1958, 1975). Para uma utilização do conceito para a América Latina como um todo, ver Morse, Richard M., 1964, e Sarfatti, Magali, 1966. Para uma interpretação weberiana do sistema político imperial brasileiro, distinta da adotada aqui, ver Uricoechea, Fernando, 1978. Essa questão é aprofundada no cap. 2.

18. Se a idéia de desenvolvimento político linear se mostrou historicamente falsa, a noção teórica de estágios de aproximação a um ideal político continua vigorosa, como atestam os trabalhos de Fábio Wanderley Reis. Cf. Reis, F. W., 1974a e 1974b.

19. Este é, exatamente, o ponto de partida adotado por Maria do Carmo Campello de Sousa, 1976, em seu estudo sobre o sistema partidário brasileiro pós-1945. Unia de suas teses centrais é a de que "a existência de uma estrutura estatal centralizada antes do surgimento do sistema partidário constitui, por si mesma, uma dificuldade à sua institucionalização e um estímulo á política clientelística" (p. 36).

20. Para uma análise do processo de enfranchisement na Europa Ocidental. Cf. Bendix, R ., 1964, e Marshall, T. H., 1964.

21. É interessante notar que, na América Latina, praticamente não existem, nem nunca existiram, partidos políticos que se definam como "agrários ou rurais", o que tem certa mente a ver com o fato de que as elites de base rural nunca se viram como um grupo de interesse distinto e diferenciado do centro de poder nacional. Ver para isto, Schwartzman, S., 1966.

22. Um exemplo clássico de identificação entre o setor militar e origens estamentais bem definidas é o caso da Prússia. Ver, a respeito, Rosemberg, H., 1966.

23. Holanda, Sérgio Buarque de, vol I, 1960, p. 18.

24. "As doações de terra inalienáveis, transmitidas por herança ao filho mais velho, trouxeram para o Novo Mundo alguns dos resíduos do feudalismo, por muito tempo em declínio gradual na Península Ibérica." Burns, E. B., 1970, p. 24.

25. Dados recalculados a partir de Klein, S., H., 1969, p. 50. A fonte original é Diretoria Geral de Estatística, 1895, p. 416-21.

26. O Rio tem sido, tradicionalmente, o lugar para a mobilização popular em questões políticas. Um dos exemplos mais conhecidos é a campanha abolicionista no final do século XIX. Um outro exemplo foi a revolta da população contra a vacinação obrigatória contra a varíola, em 1904. Edgard Carone cita uma testemunha ocular do golpe de 1889 que estabeleceu a República, que é um bom exemplo da ausência e presença simultâneas do povo na vida política do Rio de Janeiro:
"Por ora, a cor do governo é puramente militar e deve ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois (...)." (De uma carta de Aristides lobo, um jornalista, citada por Carone, E., 1969.)
27. Sjoberg, G. 1960.

28. Cox, O. C., 1964, p. 133-44.

29. Weber, M., 1958.

30. Murvaer, V., 1966, p. 381-9.

31. A referência usual a respeito é Banfield, E. C., 1958, e Lerner, D., 1958. Está implícito no trabalho de Banfield o fato de que, à medida que um povo se torna menos atrasado, seu marco de referência se expande, indo do "familismo amoral" ao "respeito pela moral pública" (a presença de "respeito pela moral pública" nos estratos superiores norte-americanos foi testada, sem êxito, em Wilson, J. Q. e Banfield, E. C., 1964, p. 876-87). No que concerne a Lerner, não se pode, certamente, minimizar sua influência no que diz respeito à sociologia do desenvolvimento.

32. Por exemplo, Pye, L., 1962.

33. O processo de declínio econômico e os mecanismos de ajustamentos são o tema de Antônio Barros de Castro, Herança regional do desenvolvimento brasileiro. In: Castro, A. B., v. II, 1971. Ver Leff, N. H., 1972, para uma análise dos mecanismos econômicos subjacentes às crescentes desigualdades entre o Nordeste e Sudeste do Brasil.

34. Segundo o Censo de 1872, Minas Gerais concentrava 20,5% da população brasileira, contra 13,9% na Bahia e 8,4% em São Paulo. São Paulo assumiu a liderança apenas em 1940, com 17,4% da população total, contra 16,4% em Minas

35.Key, V. O., 1949, especialmente o cap. 16, "Solidarity in the Senate."

36. Para uma revisão dessa literatura, ver Carvalho, J. M., 1968. Gláucio A. D. Soares deixa claro, em seu livro, que o tipo tradicional do "coronel" é somente uma das formas possíveis de articulação da política local, mais típico de Minas do que, digamos, São Paulo. Cf. Soares, G. A. D., 1973.

37. A melhor interpretação teórica da vida política local do Brasil "tradicional" é, certamente, a de Cintra, A. O., 1971.

38. "Mas o caso de São Paulo, onde os colonos e seus descendentes, brancos ou mestiços, se voltarão antes para o interior do que para a marinha é, de qualquer forma, uma exceção. Em todo o restante do Brasil, a regra, por muito tempo ainda, é seguir o povoamento aqueles clássicos padrões da atividade colonizadora dos portugueses, regida pela conveniência mercantil e pela sua experiência africana e asiática." Cf. Holanda, S. B., v. 1, 1960, p. 129-30.

39. Ver, para uma descrição da "Guerra dos Emboabas", ocorrida em Minas Gerais por volta de 1700 contra os exploradores paulistas, Holanda, S. B., v. 1, 1960, p. 279-369.

40. Na realidade, Minas Gerais rebelou-se duas vezes contra o Governo central após 1932; primeiro, com o "Manifesto dos Mineiros", contra a ditadura de Vargas e, depois, com o Governo Magalhães Pinto, contra João Goulart, em 1964. Em ambos os casos, o Governo central foi logo deposto pelas Forças Armadas. O governador de São Paulo, Ademar de Barros, também se alçou contra o Governo central em 1964, mas é significativo o lato de que seu alinhamento com o movimento revolucionário predominante era tão precário que não lhe permitiu sequer sua sobrevivência política em nível regional.

41. Linz, J., 1966, p. 278 e seguintes. Ver tabelas comparativas relativas ao Brasil e à Espanha. Juan Linz fornece alguns dados soft que não podem ser reproduzidos com facilidade em relação ao Brasil. Entretanto, Alfred Stepan faz um nítido paralelo entre Madri-Barcelona e Rio-São Paulo, em relação ao recrutamento de cadetes para a Escola Militar brasileira. Ele mostra que, no período de 1964 a 1966, concentravam-se em São Paulo 18,3% da população brasileira, fornecendo, porém, apenas 8,26% dos cadetes das Forças Armadas, ou seja, uma razão de cerca de 5/10. A mesma razão em relação ao Rio atingiu 90/10, e 19/10, em relação ao Rio Grande do Sul. A razão relativa ao Rio Grande do Sul era bem mais alta em períodos anteriores. Stepan, A., 1971, p. 38.

42. Cf. Organski, A. F., 1969, p. 19-41.

43. O melhor estudo sobre a história política do Rio Grande do Sul do século XX é, certamente, o de Love, J. L., 1971. A bibliografia brasileira acerca do período inicial é bastante extensa. Um detalhado relato dos conflitos com as colônias espanholas e outros eventos ocorridos após, desde o estabelecimento da Colônia de Sacramento, nos é oferecido por Lima, A., 1935.

44. Rokkan, S., 1975.

45. Ver S. Romero (1912), no que respeita às relações entre os caudilhos do Rio Grande e as Forças Armadas. J. Love fornece um relato detalhado do papel do Rio Grande do Sul na "Questão Militar", que resultou, posteriormente, na queda do Império. Reproduz, também, uma fotografia cm que aparecem os gaúchos atrelando seus cavalos em um obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio, em novembro de 1930.

46. Com relação ao papel econômico do Rio Grande como supridor do mercado interno, ver o capítulo "Extremo Sul - o precoce desenvolvimento voltado para dentro," em Castro, A. B., 1971.

47. Cf. Merton, R K., 1967.

48. Para uma discussão sobre a utilização de "modelos" no sentido analógico, ainda que alta mente genéricos, cf. Deutsch, K. W., 1966a.

49. Merton utiliza o termo "paradigma" para referis-se a uma codificação explícita de uma teoria substantiva e procedimentos analíticos relacionados a ela, tal como ele mesmo o faz em relação à teoria funcionalista (Merton, R K., 1957 e 1967). O termo é utilizado em um sentido mais amplo por T. S. Khun (1962), para caracterizar a atividade científica "normal", que parte de uma série de supostos teóricos e epistemológicos dados e não questionados.

50. Ver, por exemplo, Hofferbert, R., 1966.

51. Como exemplos importantes da introdução de variáveis espaciais na análise sócio-política e econômica, ver os trabalhos de Velho, Octávio Guilherme, 1976, e especialmente Katzman, Martin T., 1977.

 



 

Capítulo 2
NEOPATRIMONIALISMO E A QUESTÃO DO ESTADO


1. A Questão do Estado

2. Patrimonialismo e Feudalismo

3. Neopatrimonialismo

4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais

5. Participação Política e Neopatrimonialismo

Notas


1. A Questão do Estado

Uma das diferenças centrais entre as democracias ocidentais e sociedades como a brasileira, cujas instituições políticas estão sujeitas a um processo aparentemente interminável de instabilidade, é a natureza distinta do Estado e das relações deste com os demais setores da sociedade. Não se trata de diferenças de tipo cultural, nem imutáveis, mas de realidades que se originam de processos históricos bem distintos, que, por isso, levam a resultados também diferentes. O objetivo deste capítulo é discutir essas questões em nível conceitual, para aplainar o caminho à análise posterior. Nele, chegaremos à conclusão de que a análise política Contemporânea deve recuperar o conceito de patrimonialismo, que, embora utilizado por Max Weber sobretudo para se referir a sociedades tradicionais de determinado tipo, parece-nos de grande atualidade e importância. A expressão "neopatrimonialismo" talvez seja adequada para aplicar-se ao sentido atual do conceito, como veremos mais adiante.

Em um texto bastante conhecido, Reinhard Bendix(1) chama a atenção para a existência de dois enfoques principais em teoria política, formulados, pelo menos, desde Maquiavel. O primeiro e o mais antigo deles, legado pelo próprio Maquiavel, vê os fatos e os eventos políticos como funções de habilidades e virtude do líder político, o Príncipe. De uma maneira mais geral, essa tradição leva à percepção do Estado como uma unidade que organiza os desejos e aspirações da sociedade como um todo, definindo seus objetivos e atuando para sua consecução. Os governantes não devem satisfação aos governados, e é como se não existisse qualquer resistência da estrutura social ao Príncipe: as únicas limitações á sua vontade são seus próprios caprichos e juízo. Naturalmente, essa é uma concepção extremada, que tem o Estado absolutista como referência empírica implícita.

A outra tradição teórica provém de Rousseau. Em sua concepção, o Estado atua por delegação do povo, segundo um contrato social explícito e bem-delimitado. A idéia de um contrato social possui, historicamente, um significado ideológico e normativo, já que se originou dentro de um contexto de luta contra o absolutismo. Mas tem, também; o valor sociológico de constituir uma proposição empírica relativa à maneira pela qual a política é conduzida, quando os grupos sociais são fortes e o governo fraco. A noção contratualista do Estado equivale a uma revolução coperniana do pensamento político, causando uma mudança de perspectiva que levou, muitas vezes, à própria negação do Estado como uma variável autônoma, digna da atenção do analista político. No extremo, ela tende a considerar o Estado como um simples locus sem textura própria, através do qual grupos ou classes dominantes exercem sua vontade.

A visão contratualista do Estado foi parte das ideologias políticas liberais que surgiram com a revolução burguesa e ganhou maior aceitação justamente nos países em que a revolução burguesa mais se aprofundou. E assim que, como observava J. P. Nettl, a teoria política anglo-saxônica tende a ser bastante "desestatizada", ou seja, o processo político é entendido como um jogo de interesses no qual o sistema de poder político não passa de um instrumento dócil na mão dos interesses dominantes que se articulam, essencialmente, na esfera da atividade econômica, ou seja, no mercado. Para ele,
a relativa "desestatização" da ciência social norte-americana coincide com a relativa "desestatização" dos Estados Unidos no longo período durante o qual a sociedade igualitária e pluralista, prevista com muita sensibilidade por de Tocqueville, estava se tornando realidade em um vasto continente. Basta ler Lipset ou Mitchell para que se possa verificar que um auto-exame sócio-político americano simplesmente não dá lugar a qualquer conceito válido de Estado.(2)
Como, no entanto, o Estado de hoje não é a mesma coisa do que o Estado do século XVIII, da mesma forma que o Estado brasileiro é profundamente distinto do Estado francês, ou soviético, torna-se necessário deixar de lado essa tradição do pensamento liberal e partir para uma perspectiva que tome em conta essas variações. Nessa nova perspectiva, o Estado não aparece apenas como um conceito referente à integração e soberania do povo de um determinado país em cujo caso a noção de diferentes níveis ou "graus de estatismo" não teria sentido -, mas, ao contrário, diz respeito a uma instituição específica dentro de um país, que não apenas executa funções de manutenção de fronteiras e de soberania, mas pode ser menor ou maior, mais forte ou mais fraca, independente ou controlada por outros grupos e instituições sociais. Em outras palavras, há a mudança de uma perspectiva funcional para uma perspectiva mais estrutural, isto é, o Estado é analisado como uma instituição dotada de estrutura e processo que lhe são próprios. Na tradição hegeliana e marxista, Estado e Sociedade são tomados como entidades distintas e freqüentemente contraditórias.(3) Hegel distingue a sociedade civil, que é o estado da necessidade, do Estado, que representa a vontade geral, a unidade de vida política. De maneira mais específica, para Hegel, a sociedade civil é o fenômeno do Estado, e o Estado a idéia da sociedade. Esta não é uma realidade imutável, mas o resultado de um longo processo histórico que se teria iniciado a partir de uma indiferenciação entre as duas esferas na Cidade Clássica grega e culminado no Estado prussiano sob o qual vivia Hegel. Nesse Estado, a Idéia se apresenta como o Soberano e a Constituição, sendo a mediação entre a Idéia e a sociedade exercida pelas várias instituições intermediárias, tais como a opinião pública, a representação de grupos civis no Estado, a burocracia etc.(4)

Para Hegel, portanto, o problema da conciliação entre o público e o privado, da liberdade individual e da unidade da vontade geral, já estava resolvido. Para Marx, no entanto, esse é um ponto central das contradições sociais e deveria ser resolvido pela ação revolucionária.

A primeira crítica de Marx à concepção hegeliana é a relação de dependência que Hegel estabelece entre a Sociedade Civil e o Estado. Para Marx, é a sociedade civil que é a realidade essencial, sendo o Estado somente seu fenômeno, sua aparência, porque é na sociedade civil que o homem trabalha e vive sua vida real. Dessa forma a concepção hegeliana, até então "de cabeça para baixo", é colocada sobre seus pés, e a análise das conexões reais entre o Estado e a Sociedade Civil leva à conclusão de que, na sociedade capitalista, o Estado é tão-somente o instrumento de dominação da burguesia.

Antes de chegar a esse ponto, Marx desenvolve a crítica das mediações que, segundo Hegel, faziam a ponte entre o Estado e a Sociedade Civil. Para Hegel, a burocracia era a alma do Estado, e as atividades individualizadas dos servidores públicos tinham o sentido de uma função universal. Para Marx, no entanto, os burocratas terminavam por fazer dessa função universal seu negócio particular. Para Hegel, um pressuposto básico para essa burocracia era a organização da sociedade civil em corporações autônomas. A escolha das autoridades e dos servidores públicos seria feita, assim, por um processo de escolha mista, iniciada pelos cidadãos e aprovada pelo Soberano. No dizer de Marx, no entanto, esse tipo de relacionamento entre sociedade civil e o Estado não levaria senão á criação de um outro tipo de corporação privada, a própria burocracia:
As corporações são o materialismo da burocracia, e a burocracia é o espiritualismo das corporações. A corporação é a burocracia da sociedade civil; a burocracia é a corporação do Estado... Quando a burocracia é um novo princípio, quando o interesse universal do Estado começa a tornar-se algo 'à parte' e, conseqüentemente um interesse 'efetivo', a burocracia entra em conflito com as corporações da mesma forma que qualquer conseqüência entra em conflito com seus pressupostos.
E mais adiante:
A burocracia se apropria da essência do Estado, da essência espiritual da sociedade, como sua propriedade privada. O espírito universal da burocracia é seu segredo, o mistério mantido dentro da própria burocracia pela hierarquia e mantido desde o exterior pelas suas características de corporação fechada. O espírito aberto e o sentimento de patriotismo são assim, para a burocracia, a traição a seu mistério. Dessa forma, seu conhecimento é fundado no princípio de autoridade, e seu sentimento é a deificação dessa autoridade. Mas, dentro da burocracia, esse espiritualismo se transforma em baixo materialismo, o materialismo da obediência passiva, do mecanismo da atividade formal fixa, da fé na autoridade, dos princípios, idéias e tradições rígidas. Para o burocrata, individualmente, os propósitos gerais do Estado se transformam em seu propósito particular de buscar posições cada vez mais altas e fazer carreira.(5)
Esse conceito de uma burocracia com interesses privados é compatível, naturalmente, com a concepção do Estado como uma arma política de uma determinada classe social a ser explicitada posteriormente por Marx; mas a preocupação com os aspectos corporativos do Estado e suas implicações leva a um tipo de análise política muito distinta daquela que se concentra nos aspectos funcionais desse Estado no processo de luta de classes. Marx parece ter evoluído da primeira para a segunda linha de preocupações entre a obra de juventude e a de maturidade. Segundo ainda J. P. Nettl,
Marx perdeu parcialmente o interesse no problema do Estado, quando se transportou intelectual e fisicamente da Europa para a Inglaterra e quando, ao escrever Das Kapital, se concentrou muito mais na análise "inglesa" das forças econômicas e conseqüentes relações de classes do que nos problemas de consciência e revolução ideológicas numa Europa dominada pelo Estado.(6)
O que é mais importante em tudo isto é que não se trata simplesmente de duas maneiras distintas de entender a questão do Estado, mas de duas maneiras historicamente diferentes de organização do 'Estado. O próprio Maquiavel chamava a atenção para a existência de dois tipos de governo, um exercido pelo "Príncipe e seus súditos" e o outro pelo "Príncipe e pelos barões".(7) Enquanto no primeiro tipo o Príncipe é a única fonte de poder, no último há direitos de influência política obtidos por hereditariedade e que não dependem das graças do Príncipe. Este segundo tipo de poder político caracteriza o estado de equilíbrio entre o poder central e o que mais recentemente seria denominado a "sociedade civil", cada qual com alguma autonomia de decisões e iniciativa, e com cada um tentando limitar e dirigir o comportamento do outro. O fato de que os "barões" constituam simplesmente um pequeno grupo de aristocratas é teoricamente menos importante do que a noção de que suas fontes de poder não provêm do Príncipe.

Uma vez estabelecida, essa dualidade de fontes de poder se expandirá e se diferenciará em várias direções. O importante aqui é a idéia de que essa não é uma simples questão de diferenciação funcional, na qual o Estado executa as funções políticas de autoridade e dominação vertical, enquanto os "barões" detêm as funções horizontais de solidariedade e de agregação e articulação de interesses. Na realidade, o que acontece é que a agregação e articulação de interesses particulares são levadas a efeito dentro das estruturas de autoridade, ao mesmo tempo que os sistemas de autoridade se desenvolvem no setor "privado" da sociedade e se estendem em direção ao controle do Estado. O equilíbrio real entre essas duas tendências varia e deve ser determinado historicamente. Aqui, é fundamental a noção de que as características de uma determinada estrutura estatal não podem ser completamente deduzidas das características de sua "sociedade civil" (ou, em outros termos, sua estrutura de classe), da mesma forma que uma sociedade não pode ser completamente entendida a partir das características formais de sua organização governamental, ou de sua "idéia".

2. Patrimonialismo e Feudalismo

O termo "patrimonialismo" - um conceito fundamental na sociologia de Max Weber - é usado para se referir a formas de dominação política em que não existem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e privada. Marx, embora não fale explicitamente de patrimonialismo, discute o conceito de "modo de produção asiático", que tem com ele um parentesco bastante próximo. O modo de produção asiático, tal como aparece nos Gründisse, se aplica a algumas das formas pré-capitalistas de organização econômica, que se caracterizam pela inexistência parcial ou total de propriedade privada ou, pelo menos, pela existência de um setor público predominante na economia:
Sendo o verdadeiro proprietário e a verdadeira condição da propriedade coletiva, a unidade pode, por si mesma, parecer distinta e acima da multidão de comunidades particulares: portanto, o indivíduo, de fato, não é proprietário.(8)
Marx distingue dois sub-tipos dessas formas pré-capitalistas. Um deles geralmente se baseia na organização de economias rurais em grande escala, comumente por meio de sistemas de irrigação nacionalmente integrados,(9) enquanto o outro se desenvolve mais fundamentado em centros urbanos, onde "a guerra é, pois, a grande tarefa coletiva, o grande trabalho comum, exigido seja para se assegurar as condições materiais de existência, seja para defender e perpetuar a ocupação".(10)

Não há necessidade de nos envolvermos aqui no debate, ainda aberto, que gira em torno do conceito de "asiatismo".(11) Basta ter-se em mente que esse tipo de organização econômica e política não se ajusta ao modelo evolutivo que vai da escravatura á servidão, passando pelo trabalho assalariado e pelo capitalismo, modelo ao qual pertence o conceito de política de grupos de interesse e que está mais ou menos implícito nas teorias de desenvolvimento social do "Estado desestatizado".(12) De fato, os Estados ocidentais que atingiram altos níveis de desenvolvimento durante este século seguiram mais ou menos esse padrão, e há uma grande correlação entre um sistema descentralizado e de características feudais do passado e o grande desenvolvimento econômico deste século. As "sociedades hidráulicas", os antigos impérios burocráticos e centralizados estavam muito acima da Europa medieval segundo quase todos padrões de desenvolvimento, mas é como se eles não tivessem podido se adaptar à moderna sociedade industrial. Enquanto isto, países com passado feudal (sendo o Japão o único país asiático que está mais próximo disso) foram muito mais capazes de adotar formas modernas e eficientes de organização. Portanto, e contrariamente ao que é algumas vezes sustentado, o feudalismo não parece ter constituído historicamente um fator de subdesenvolvimento. Ao contrário; sua ausência e o predomínio no passado de um Estado burocratizado e excessivamente grande é que parece terem sido determinantes do atraso relativo de muitos países no presente.(13)

Para Max Weber, patrimonialismo era um tipo de dominação tradicional, e isto conduz muitas vezes aqueles que tratam de aplicá-lo a sociedades contemporâneas diretamente aos conceitos de sociedades "modernas" ou sociedades "tradicionais". A tese aqui, no entanto, é que os elementos "tradicionais" não são os mais centrais no conceito weberiano. Vejamos, passo a passo, como seu raciocínio se desenvolve:
As raízes da dominação patriarcal se desenvolvem a partir da autoridade do senhor sobre a unidade familiar. Esta autoridade pessoal comparte com a dominação burocrática, que é feita de forma impessoal, sua estabilidade, seu caráter rotineiro e "de todos os dias". Mais ainda, ambas em última análise encontram seu apoio interno na aceitação de suas normas por parte dos súditos. Mas sob a dominação burocrática essas normas são estabelecidas racionalmente, referem-se a um sentido abstrato de legalidade e pressupõem um treinamento técnico dos que as manejam; na dominação patriarcal, as normas derivam da tradição, na crença na inviolabilidade daquilo que tem existido desde tempos imemoriais.(14)
Essa é, então, a distinção mais geral entre formas políticas tradicionais e modernas. Mais adiante, ele se refere a estruturas políticas patrimoniais:
falaremos de Estado patrimonial quando o príncipe organiza seu poder político sobre áreas extra-patrimoniais e súditos políticos - poder que não é discricionário nem mantido pela coerção física - exatamente como exerce seu poder patriarcal. A maioria de todos os grandes impérios continentais teve forte caráter patrimonial até o início c mesmo depois dos tempos modernos.(15)
Como sempre, Weber dá uma definição ideal-típica, quando se preocupa com a legitimidade da dominação patrimonial. O que importa aqui, no entanto, é a caracterização desse tipo específico e tão difundido de organização política, e que contrasta tão fortemente com a outra variante conhecida de dominação tradicional, o feudalismo. Para Weber,
a estrutura das relações feudais pode ser contrastada com a ampla gama de discricionaridade e correspondente instabilidade das posições de poder sob o regime de puro patrimonialismo. O feudalismo [ocidental] [Lehensfeudalitat] é um caso marginal de patrimonialismo que tende para relações estereotipadas e fixas entre senhores e vassalos. Da mesma forma que a unidade doméstica e seu comunismo patriarcal se transformam, na época da burguesia capitalista, em empresa associada baseada em contratos e direitos individuais específicos, assim também as grandes propriedades patrimoniais tendem a conduzir aos vínculos igualmente contratuais das relações feudais na idade da Cavalaria Militar.(16)
Uma diferença fundamental entre patrimonialismo e feudalismo, portanto, é a maior concentração de poder discricionário combinado com maior instabilidade nos sistemas patrimoniais. Além disso, existe outra diferença importante, que tem a ver com a forma pela qual esse poder é exercido:
Quando existe uma associação de "estamentos" [nos sistemas feudais], o senhor governa com a aluda de uma "aristocracia" autônoma e conseqüentemente comparte sua administração com ela; o senhor que administra de forma pessoal [no sistema patrimonial] é ajudado seja por pessoas de sua unidade familiar, seja por plebeus. Eles formam um estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio; materialmente, são totalmente dependentes do senhor, e não têm nenhuma forma própria de poder competitivo. Todas as formas de dominação patriarcal e patrimonial, de sultanismo despótico, e os estados burocráticos pertencem a esse último tipo. O estado burocrático é particularmente importante: em seu desenvolvimento mais racional, ele é característico, precisamente, do estado moderno(17)
3. Neopatrimonialismo

É precisamente neste sentido que os estados modernos que se formaram à margem da revolução burguesa podem ser considerados "patrimoniais". Este patrimonialismo moderno, ou "neopatrimonialismo", não é simplesmente uma forma de sobrevivência de estruturas tradicionais em sociedades contemporâneas, mas uma forma bastante atual de dominação política por um "estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio", ou seja, pela burocracia e a chamada "classe política".(18)

A linha de continuidade que Weber estabelece entre dominação patrimonial tradicional e dominação burocrática (que o leva a falar, muitas vezes, em "patrimonialismo burocrático") deve ser vista em contraste com a continuidade que parece existir entre feudalismo e dominação racional-legal, que surge historicamente associada à emergência do capitalismo. O que as duas primeiras têm em comum é que em ambas o poder central é absoluto e incontestável, ainda que organizado, sustentado e legitimado por sistemas completamente diferentes de normas e valores. Os dois últimos são similares de forma oposta: são ambos exemplos de relações contratuais estabelecidas entre unidades relativamente autônomas.

Visto de outra perspectiva, o que patrimonialismo e feudalismo têm em comum, por um lado, e neopatrimonialismo e dominação racional-legal por outro, é o aspecto "tradicional" dos primeiros e "moderno" dos segundos. É importante lembrar aqui o conceito weberiano de tradição, ou seja, "a crença na rotina de todos os dias como forma inviolável de conduta".(19) No outro extremo, os sistemas modernos seriam aqueles cujas normas seriam "baseadas na validade de um estatuto legal e na 'competência' funcional baseada em regras criadas racionalmente". Estamos, em resumo, diante de quatro tipos de dominação política definidos através de duas dimensões, como pode ser visto no quadro 5:

Quadro 5. Tipologia de dominação política em Weber
    Relação de poder
    absoluta contratual
Sistema normativo Tradicional patrimonialismo feudalismo
Moderno patrimonialismo burocrático (neopatrimonialismo) dominação racional-legal

A distinção que o quadro 5 estabelece entre dois tipos básicos de dominação política moderna não é feita por Weber, mas parece resultar de uma análise aprofundada de seus conceitos. O importante, aqui, é pensar se realmente se trata de dois tipos tão distintos. Afinal, para Weber, a burocracia era uma característica essencial das formas modernas de dominação política. Mas é a questão da ausência ou presença de um contrato que parece fundamental, contrato este que tem a ver com o processo histórico de formação dos sistemas políticos ocidentais modernos. Vejamos como Weber descreve este processo:
Assim como os italianos, e depois deles os ingleses, desenvolveram de maneira magistral as formas capitalistas modernas de organização econômica, também os bizantinos, e depois os italianos, seguidos pelos estados territoriais da época do absolutismo, e, superando a todos, os alemães aperfeiçoaram a organização burocrática, racional, funcional e especializada de todas as formas de dominação, da fábrica ao exército, à administração pública. Ate agora os alemães só foram superados nas técnicas de organização partidária, especialmente pelos americanos.(20)
Este trecho mostra que Weber compartia, de certa forma, a noção de que a Inglaterra tinha um Estado menos preeminente do que a Alemanha, ou seja, era mais "desestatizada". Mas, apesar das diferenças, todos os países referidos acima são países que se modernizaram através da introdução do capitalismo e do desenvolvimento de formas políticas da democracia de massas e liberal. A criação de formas de dominação "burocrática, racional funcional e especializada" não foi, para Weber, o simples resultado de um processo de desenvolvimento da ciência administrativa, mas teve uma dinâmica claramente política:
A organização burocrática geralmente chega ao poder através de uma diminuição das diferenças sociais e econômicas... A burocracia inevitavelmente acompanha a democracia de massas moderna, em contraste com o auto-governo de pequenas unidades homogêneas. Isto é um resultado de seu princípio característico: a regularidade abstrata do exercício da autoridade, que é um resultado da demanda por "igualdade ante a lei" no sentido pessoal e funcional e, conseqüentemente, do horror ao "privilégio", e da rejeição, por princípio, das decisões tomadas de forma casuística.(21)
Em síntese, pareceria que as formas modernas de dominação burocrática teriam surgido como resultado de duas forças conflitivas: a centralização crescente do poder e o aumento crescente da participação política nas modernas sociedades de massa. E assim que, "na Europa Ocidental, o poder patrimonial eventualmente promoveu a racionalidade formal da lei c da administração, o que se choca com a tendência natural dos governos patrimoniais de promoverem justiça substantiva e baseada no favoritismo pessoal" (Bendix). Isto é explicado como conseqüência, entre outras coisas, da necessidade de os governos centrais refrearem as pretensões de poder de seus vassalos e funcionários graduados o que favorecia a aliança entre os governos absolutistas e a burguesia ascendente. É' neste sentido que a dominação politica racional-legal é filha do casamento entre o patrimonialismo dos regimes absolutistas e a burguesia emergente: é uma forma de dominação de base contratual, bastante eficiente e adequada ás necessidades do capitalismo moderno.

Mas que ocorreria nos países onde não existiu uma burguesia ascendente com a mesma força e importância que a burguesia da Europa Ocidental? Continuariam "tradicionais"? Ou teriam desenvolvido uma forma própria de dominação moderna e racional, mas sem o componente contratual? Esta questão só pode ser entendida se tomamos em conta a distinção fundamental que Weber faz entre a racionalidade formal e a racionalidade substancial ou substantiva. Racionalidade formal é o mesmo que racionalidade legal, ou seja, uma série de normas explícitas de comportamento, ou "leis", que definem o que deve ou não ser feito pelo administrador em todas as circunstâncias. Em um sentido mais amplo, estas regras têm em vista implementar o contrato que limita o poder arbitrário de governantes e administradores: "a igualdade perante a lei e a demanda de garantias legais contra a arbitrariedade exige uma 'objetividade' formal e racional da administração, por oposição à discricionaridade pessoal que derivava de maneira livre e não regulada da 'graça' na dominação patrimonial antiga."(22)

Assim, da mesma maneira que a racionalidade formal se opõe à discricionaridade pessoal, característica do patrimonialismo antigo, ela também se opõe à racionalidade substantiva, que tende a maximizar um conjunto determinado de objetivos independentemente de regras e regulamentos formais. Weber relaciona o surgimento da demanda por este tipo de racionalidade substantiva nas sociedades modernas à emergência da opinião pública e seus instrumentos, e, de maneira mais específica, á democracia de tipo plebiscitário, tão temida por Alexis de Tocqueville.(23) Segundo esta perspectiva, a emergência de massas despossuídas e politicamente ativas colocaria em risco os sistemas políticos baseados em um conjunto de normas estritas e consensuais, que restringissem a ação dos governantes aos termos do pacto político que os legitima. Mas existe, além deste, um outro determinante da racionalidade substantiva, também apontado por Weber: é a "Razão de Estado", tal como é definida pelos detentores do poder. A combinação entre governos centrais comandados por suas "Razões de Estado" e massas passivas, destituídas e mobilizáveis é a receita mais acabada para os regimes patrimoniais burocráticos modernos. A mobilização destas massas dentro de um mesmo contexto de poder irrestrito é o caldo de cultura do que, depois de Weber, entraria para a história com o nome de fascismo.

Na realidade, Weber compartia da preocupação clássica de De Tocqueville a respeito das possibilidades totalitárias das sociedades de massa e burocratização universal. Ele concebia a possibilidade de emergirem sociedades modernas nas quais o contrato social, definido como "leis de atribuição de direitos", deixasse de existir. Nesta situação, como descreve Bendix,
todo o corpo de normas consiste exclusivamente em "regulamentos" (...) Todos os interesses privados que recebem proteção (...) o fazem como simples conseqüência da efetividade destes regulamentos (...) todas as formas jurídicas terminam absorvidas pela "administração", e se transformam em parte e parcela do "governo".(24)
Assim como a dominação racional-legal pode degenerar em totalitarismo burocrático, é possível para este tipo de burocracia subsistir somente com 'seu componente racional, mas sem seu componente legal. Este é, em uma palavra, o elo teórico que faltava para a compreensão adequada dos sistemas políticos neopatrimoniais: a existência de uma racionalidade de tipo exclusivamente "técnico", onde o papel do contrato social e da legalidade jurídica seja mínimo ou inexistente. A importância deste conceito para o estudo e o entendimento de sistemas políticos atuais que não os das democracias ocidentais é óbvia.

4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais

Já deve estar suficientemente claro, a esta altura, que as diferenças entre feudalismo, patrimonialismo e outras formas de dominação não são conseqüências de diferentes "culturas políticas", ou valores desta ou daquela natureza. Na realidade, a persistência de um sistema patrimonial ou de elementos patrimoniais em um sistema político moderno tem pouco a ver com "cultura", e muito com o sucesso ou fracasso do líder político em manter seu poder absoluto, em contraste com a capacidade de arregimentar forças próprias por parte dos subordinados. Esta situação, que depende em boa parte dos recursos de poder à disposição do centro de poder e de seus súditos, é descrita com muita propriedade por Richard M. Morse, que já em 1961 utilizava o conceito de patrimonialismo para melhor entender a realidade política latino-americana:
O líder patrimonial está sempre alerta e preocupado em limitar o crescimento de uma aristocracia rural dotada de privilégios hereditários Ele concede benefícios ou prebendas, como remuneração por serviços, a renda proporcionada pelos benefícios é um atributo do cargo, não do incumbente como pessoa. Maneiras características de manter intata a autoridade do líder incluem: limites na duração dos cargos reais, proibição de que funcionários adquiram laços familiares e econômicos em suas jurisdições, uso de inspetores e espiões para supervisar todos os níveis da administração, definição imprecisa de divisões funcionais e territoriais da administração, de tal forma que as jurisdições sejam competitivas e supervisionadas mutuamente. A autoridade do líder é orientada pela tradição, mas lhe permite reivindicar o direito ao poder pessoal total.(25)
Há algumas características do patrimonialismo que levam, mais ou menos diretamente, a divisões políticas, passíveis de surgir nos Estados que apresentam este tipo de dominação.

Em primeiro lugar, Estados patrimoniais tendem a se desenvolver como civilizações urbanas. Tais centros urbanos podem ser tanto a capital do império como uma cidade-Estado, com interesses comerciais e militares fora de suas fronteiras. De maneira característica, esses centros tendem a possuir uma considerável população flutuante e uma aristocracia que precisa estar lotada em qualquer dos escalões da burocracia governamental. O primeiro problema político do Estado patrimonial é, pois, o de manter as massas urbanas satisfeitas e dar à aristocracia urbana acesso a posições governamentais.

Em segundo lugar, há uma clássica tensão entre o governante e seus prepostos:
Todos os Estados patrimoniais do passado encerravam um padrão de descentralização determinado pela luta pelo poder entre o governante, seus servidores e prepostos.(26)
À medida que cresce o domínio patrimonial, também cresce a necessidade de se delegar poderes e autoridade, ao mesmo tempo que se reduz a factibilidade do controle central. Além disso, os mantenedores da delegação patrimonial tendem a receber seus postos como prebendas políticas e a usá-los como propriedade particular. Quando o Estado patrimonial se baseia na conquista e na ocupação militares, tal padrão leva ao desenvolvimento de corporações militares particulares ou pretorianas, as quais guardam mais lealdade aos seus próprios capitães do que ao governante. Quando o Estado patrimonial se baseia na agricultura, ocorre uma atomização regional, como o surgimento de sátrapas semi-autônomos.

Terceiro, há um padrão de beligerância contínua entre o Estado patrimonial e outros Estados vizinhos. É razoável supor-se que, de fato, a ocupação militar e a exploração direta sejam apenas casos extremos da expansão patrimonial militar. A história dos antigos impérios, inclusive do Império Romano, mostra um nítido padrão de expansão que inclui, em primeiro lugar, a ocupação militar, o saque e a escravização de parte da população local. Mais tarde, porém, ocorre o estabelecimento de um tipo de federação entre conquistadores e conquistados, muito freqüentemente com a manutenção das classes dominantes locais em suas posições. A conveniência desse arranjo é óbvia, pois a manutenção da estrutura econômica e política local assegura o fluxo contínuo de receitas em direção ao Estado patrimonial, através de tributos e impostos de todos os tipos, que não podem ser mantidos em conquistas predatórias. No entanto, a manutenção desse tipo de autonomia local significa também que algum poder permanece fora do Estado central e que tensões e conflitos podem ocorrer.

Uma situação não totalmente diferente se dá quando algumas formas de atividade autônoma surgem dentro de um domínio patrimonial, com consentimento ou intenção do governante ou sem eles. Neste caso, um padrão seria o surgimento de uma indústria ou agricultura voltada para o mercado externo, que pague pesados impostos ao Estado. O Estado estimula a sua atividade, ao mesmo tempo que funciona como um parasita, limitando e, eventualmente, aniquilando a atividade autônoma. Toda iniciativa provém do setor privado, com o Estado assumindo um papel quase que puramente fiscal. Esta situação é diferente daquela de um Estado patrimonial em uma sociedade do tipo "hidráulico", onde o governo desempenha um papel ativo na organização e administração da economia.

Parece razoavelmente claro, em vista da discussão precedente, que o patrimonialismo do tipo europeu ocidental, no período dos regimes absolutistas, era bastante diferente das outras versões. A principal diferença consiste no fato de que o patrimonialismo europeu ocidental se apoiava no surgimento da burguesia, no final do processo, o sistema de dominação legal, herdeiro dos regimes absolutistas, era fortemente contratual e bem apropriado ao capitalismo moderno. Seria, certamente, possível explicar as diferenças entre as sociedades caracterizadas como "estatizadas" ou "desestatizadas" através do equilíbrio variável entre a burguesia e os poderes patrimonialísticos, na luta contra os remanescentes da sociedade feudal e corporativista. É digno de nota o fato de que o próprio Weber parece não ter entrado em pormenores acerca das diferenças estruturais que poderiam explicar as variações da racionalidade e autoridade legais entre os países anglo-saxônicos e os da Europa Continental. Contudo, tais diferenças são mínimas, quando comparadas com os Estados que passaram de um sistema patrimonialístico original a um moderno Estado centralizado, sem o concurso de uma revolução "burguesa". Esses Estados são, é certo, capazes de se modernizar e racionalizar sua burocracia, mas sua base de poder e seus sistemas políticos serão, necessariamente, bem diferentes dos das democracias ocidentais. E eles são, naturalmente, a maioria dos países não-ocidentais de hoje em dia.

5. Participação Política e Neopatrimonialismo

Pensar em Estados modernos como possuindo forte componente neopatrimonial leva a reexaminar a questão da participação política nestes Estados. Nas sociedades tradicionais, a participação política estava limitada aos nobres, aos cavaleiros, ou "homens de bem". Nas sociedades modernas, a participação é estendida a todos, mas sua forma e intensidade variam, desde o eleitor bem-comportado que comparece voluntariamente às eleições até o militante que joga sua vida em manifestações de rua.

Aqui, novamente, Max Weber pode ser útil, com sua distinção clássica entre situações de classe e situações de status. O termo "classe" é utilizado para se referir a pessoas que compartem "a mesma oportunidade típica de acesso a bens de consumo, condições externas de vida e experiências de vida pessoais", em função de seu poder econômico. Uma "situação de classe" é, neste sentido, em última análise uma "situação de mercado". O sentido de "status" é melhor entendido em contraposição ao de classe:

Em contraste com a "situação de classe", determinada de forma puramente econômica, designamos como "situação de status" todos os componentes típicos do destino e da vida dos homens que é determinado por uma avaliação social específica, positiva ou negativa de honra... A estratificação por status ocorre de mãos dadas com a monopolização de oportunidades e bens materiais e ideais.(27)

A participação política pode estar relacionada tanto com situações de classe como com situações de status. A revolução política burguesa foi, em sua época, um movimento que visava quebrar os monopólios de bens e oportunidades baseados em privilégios de status, e colocar em seu lugar um sistema de estratificação baseado em critérios estritos de mercado.(28) Não é de se admirar, por isso, que a teoria política derivada da experiência da revolução burguesa entenda todas as formas de participação política como uma extensão das disputas entre diversas classes sociais pelo controle das oportunidades do mercado. Esta política de representação de interesses, no entanto, é somente um lado da moeda. Ao mesmo tempo em que a burguesia tratava de expandir ao máximo o alcance do mercado, eliminando os privilégios tanto da antiga aristocracia quanto os direitos e as garantias mínimas dos setores menos privilegiados da sociedade, uma reação contrária se estabelecia; a sociedade voltava a se organizar em grupos profissionais, sindicatos, corporações burocráticas de vários tipos, e cada qual tratava de estabelecer seus direitos e privilégios de forma a torná-los imunes às oscilações do mercado.(29)

Em geral, é possível afirmar que posições de privilégio, uma vez adquiridas, tendem a se subtrair do mercado e a se transformar em monopólios adscritos e imunes ao mercado; enquanto que existe sempre a tendência, por parte de grupos em ascendência social, a retirar posições menos privilegiadas do sistema de status e colocá-las no mercado. A tendência de quem está em posição inferior é a de ampliar o escopo do conflito político, trazer mais atores à arena, e alterar as relações de poder. Os de posição privilegiada, ao contrário, tendem a monopolizar a participação e as regras do jogo político aos que já participavam anteriormente. Este conflito pela abertura ou fechamento da arena política tem a ver tanto com a qualidade funcional dos participantes quanto com seu número. Em situações extremas de mercado, os temas políticos nunca são restritos a grupos funcionais ou profissionais especializados, mas tendem a ser discutidos e avaliados por toda a sociedade; a política é feita em termos territoriais; temas específicos São traduzidos em questões políticas amplas; e cada setor, grupo ou classe social se apodera dos recursos disputados na arena política segundo sua capacidade de mobilização econômica e política. No outro extremo, prevalece o monopólio; as posições de poder são estabelecidas de forma tal que existe pouco espaço para disputas, que, quando ocorrem, tendem a ser circunscritas e privatizadas por grupos funcionais e especializados. Trata-se, em síntese, da forma corporativa típica de participação e organização política. O termo "corporativismo" tem sido usado na literatura para se referir a esta forma de organização estamental da sociedade, e fez parte durante várias décadas das propostas políticas dos regimes autoritários, principalmente aqueles de inspiração católica conservadora. Não há dúvida, no entanto, que é necessário distinguir os sistemas corporativos de tipo autoritário, baseados no ordenamento hierárquico da sociedade por um Estado forte, daquelas formas de corporativismo resultantes da reorganização de setores importantes da sociedade, após os efeitos devastadores da revolução burguesa. No primeiro caso, estamos diante de um Estado forte, com componentes neopatrimoniais bastante claros, e que é capaz de impor sua vontade e seu ordenamento à sociedade civil. No segundo, estamos diante de uma sociedade que se organiza a partir de situações de mercado, e estabelece limites e parâmetros claros à ação do Estado.(30)

No caso brasileiro, a coexistência de um Estado com fortes características neopatrimoniais levou, no passado, à tentativa de organização da sociedade em termos corporativos tradicionais, criando uma estrutura legal de enquadramento e representação de classes que perdura até hoje. Ao mesmo tempo, no entanto, o mercado se expandia, a sociedade se tornava mais complexa, e formas autônomas de organização e participação política eram criadas. O termo "cooptação política", utilizado neste livro, busca captar o tipo de relacionamento entre estes dois sistemas de participação, ou seja, o processo pelo qual o Estado tratava, e ainda trata, de submeter a sua tutela formas autônomas de participação. Uma parte importante do sistema de cooptação criado a partir do regime Vargas foi o Ministério do Trabalho e o sistema previdenciário, mais tarde transformados em capital político do Partido Trabalhista Brasileiro. Era um sistema de tipo corporativo, na medida em que ligava todo um setor da sociedade ao Estado e tratava de proporcionar direitos sociais e econômicos especiais a seus participantes - aposentadoria, salário mínimo, assistência médica etc. - fora do mercado. Era um sistema controlado de cima, e com relativamente pouca participação nas bases, mas utilizado com bastante eficácia nas disputas eleitorais no mercado político aberto para garantir a continuidade dos detentores do poder. Os sistemas de cooptação ocupam um lugar intermediário entre os sistemas corporativos e a política aberta de grupos de interesse. Quando são efetivos, tendem a reduzir o conflito político pela limitação de seu escopo, ao estabelecer monopólios irredutíveis de privilégios. Eles criam, ao mesmo tempo, estruturas de participação política débeis, sem consistência interna e capacidade organizacional própria.

Quando a cooptação predomina, a política tende a girar em torno do Estado e de sua figura central. Richard Morse descreve esta situação com muita clareza, quando afirma que "os povos latino-americanos parecem preferir alienar, e na-o delegar, poderes a seus líderes escolhidos ou aceitos. (...) A sociedade é percebida na América Latina como composta de partes que se relacionam através de um centro patrimonial e simbólico, antes que diretamente umas às outras".(31)

Antes que alguém volte a pensar que se trata de uma característica da cultura política latino-americana, é bom lembrar que Reinhard Bendix afirmou praticamente a mesma coisa a respeito da Rússia czarista e Alemanha Oriental muitos anos antes. Em ambos os casos, a existência de Estado forte centralizado e de tipo patrimonial impediu a emergência de grupos políticos autônomos, não permitiu o estabelecimento de mecanismos de disputa política através de negociações diretas e estimulou a criação de relações de dependência entre o Estado central e os diversos grupos sociais, cada qual buscando seus privilégios especiais em um contexto de dependência e subordinação.(32)

Esta discussão conceitual deve ser suficiente para, quem sabe, rever a história da formação política do Brasil com novos olhos.


Notas

1. Bendix, R., 1966.

2. Nettl, J. P., 1968, p. 559-92.

3. A síntese do pensamento hegeliano e marxista a esse respeito, apresentada a seguir, baseia-se em J. Hippolite (1965), que se relere por sua vez à obra clássica de G. Lukács sobre o jovem Hegel.

4. Cf. Hegel, G. W., 1940, especialmente a partir da p. 255.

5. Cf. Marx, K., 1843. p. 184 e 186. A tradução para o português é minha.

6. Nettl, J. P., 1968, p. 572. A principal referência aqui feita é Kamenka, E., 1962.

7. Citado por Bendix, R., 1960, p. 360.

8. Publicado pela primeira vez na Rússia em 1930. Traduzido para o francês por Roger Dangeville como Fondements de la critique de l'économie politique (Marx, K., 1967). A referência foi extraída do v. 1, p. 437.

9. Neste contexto, a referência dos trabalhos de irrigação parece ser exemplificativa, para Wittfogel, entretanto, são parte essencial do que chamou, indiferentemente, "sociedade hidráulica" ou "despotismo oriental". Cf. Wittfogel, A. K., 1957.

10. Marx, K., 1967, p. 439.

11. Para um exame do conceito e de sua história e destino na literatura marxista, cf. Wittfogel, A. K., cap. 9,1957.

12. Este modelo aparece na Origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Engels. Ver sua discussão em Wittfogel, A. K., 1957, p. 382 e seguintes.

13. Na base dessa tese está, entre outras coisas, o debate criado por Barrington Moore (1966). Relevantes trabalhos anteriores que levaram à mesma noção incluem A. Gerschenkron (1962) e R Bendix (1956), que tratam do papel do Estado nas relações de classes da sociedade industrial. Ver uma referência mais ampla em Schwartzman, S. 1969, p. 36-41.

14. Weber, M., 1968, p. 1007. A tradução do inglês para o português dos textos citados neste capítulo é minha. A análise que se segue baseia-se em grande parte em Schwartzman, S., 1976.

15. Weber, M., 1968, p. 1013.

16. Weber, M., 1968, p. 1070.

17. Weber, M., 1958b, p. 82.

18. A expressão "neopatrimonialismo" é utilizada por S. N. Eisenstadt para o estudo de Estados modernos fora do Ocidente, mas com forte sentido de sobrevivência de formas tradicionais, o que não é o caso aqui. Cf. Eisenstadt, S. N., 1973. Esta ausência de "honra social por mérito próprio" é que torna inadequada a expressão "estamento burocrático", utilizada por Raymundo Faoro para sua análise do Estado brasileiro. Ver a respeito Faoro, Raymundo, 1958, e a discussão específica sobre isto em Carvalho, José Murilo de, 1979.

19. Weber M., 1958b, p. 296.

20. Weber, M., 1968, p. 1400.

21. Weber, M., 1968, p. 983

22. Weber M., 1958b, p. 220.

23. Tocqueville, 1968.

24. Bendix, R., 1960, p. 463.

25. Morse, R. M., 1964, p. 157.

26. Bendix, R., 1960, p. 348.

27. Weber, M., 1958b, p. 180-95. Ver também Bendix, R., 1960, p. 85-7.

28. Ver De Tocqueville, 1969.

29. Para uma análise clássica deste processo na Inglaterra, ver Polanyi, K., 1957.

30. Phillipe Schmitter denomina a estas duas formas "corporatismo de Estado" e "corporatismo societal". (Schmitter, P., 1974). Esta aproximação conceitual entre realidades historicamente tão à parte deixa de parecer tão absurda quando nos damos conta dos profundos vínculos que unem o pensamento conservador, o pensamento sociológico e as idéias de reorganização social que surgem após a revolução burguesa. Ver, a este respeito, Nisbet, R., 1966.

31. Morse, R. M., 1964, p. 173-6.

32. Bendix, R., 1956.

 

 

 



 

Capitulo 3
ORIGENS HISTÓRICAS: CENTRO E PERIFERIA SOB DOMINAÇÃO PORTUGUESA


1. O Setor Público e o Setor Privado

2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros

3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas

4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates

5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do Exército Nacional

Notas


1. O Setor Público e o Setor Privado

A historiografia brasileira a respeito dos períodos colonial e imperial é já extensa, e não há razão para reconstruir aqui o processo histórico de ocupação territorial e organização político-administrativa do regime colonial português. O que nos interessa especialmente são os aspectos deste processo que se relacionam com o sistema de clivagens regionais e as relações das regiões com o centro político e administrativo, que irão predominar ao longo de toda a história do país, assim como as formas pelas quais estas questões têm sido percebidas pelos estudiosos do assunto. Um tema central aqui é o das relações entre a "ordem pública" e a "ordem privada" ou, simplesmente, os setores público e privado na sociedade brasileira. Nestor Duarte, em A ordem privada e a organização política nacional, representa um dos extremos na interpretação do sistema político brasileiro até a independência, em 1822. Ele cita Oliveira Viana no que se refere ao poder centrífugo da aristocracia local, e vai mais adiante, dizendo que:
Se atentarmos melhor, porém, veremos que o fenômeno a salientar aqui não é o dessa descentralização, mas o da modificação da índole do próprio poder, que deixa de ser o da função política para ser o da função privada.
E, citando novamente:
São eles que governam, que legislam, são eles que justiçam, são eles que guerreiam contra as tribos bárbaras no interior, em defesa das populações que habitam as convizinhanças das suas casas fazendeiras, que são como os seus castelos feudais e as cortes dos seus senhorios.(1)
Noutras palavras, uma réplica do modelo feudal, tomado no sentido explícito do termo e considerado essencialmente imutável até o século XIX:
A grande paz do Império, o seu equilíbrio e o seu esteio estão nesse senhoriato territorial, que é a força econômica e o poder material do Estado... É ele também a única parcela "política" da população brasileira...(2)
A visão oposta é melhor expressa por Raymundo Faoro, em Os donos do poder. Retira ele da história de Portugal as origens de um Estado centralizado e patrimonial, transportado para o Brasil sob a proteção britânica após a ocupação de Lisboa por Junot, em 1808, e que já se encontrava presente na administração colonial:(3)
A diferença de estrutura das duas colonizações americanas [a portuguesa e a inglesa] decorria da diversa constituição do Estado, em uma e outra nação. Portugal, na era seiscentista, já se havia consolidado em Estado absoluto, governado por um estamento burocrático, centralizador. A Inglaterra, ao contrário, discrepando da orientação histórica continental, definiu-se numa transação capitalista industrial e feudal, repelindo a centralização burocrática.(4)
A seguir, Faoro discute longamente os mecanismos de controle da vida econômica e os limites da autonomia política da aristocracia local brasileira, concluindo que "nosso feudalismo era apenas uma figura de retórica". Não ignora, é claro, as tendências centrifugas que sempre existiram, e prossegue com um estudo detalhado do processo de centralização da administração colonial, processo esse que se acentuaria progressivamente até os fins do século XIX. Na segunda metade do século XVIII, o país assiste à passagem de um sistema econômico colonial de produção do açúcar, no Nordeste, para um sistema de mineração do ouro e do diamante no Centro, e um crescente enrijecimento do controle da administração colonial sobre a pujante, mas efêmera, economia da mineração. A política inicial de colonização no Brasil foi, de fato, a criação de feudos hereditários (capitanias) concedidos à exploração privada. Este sistema, porém, não chegou a se desenvolver plenamente, sendo substituído, logo em seguida, por um processo crescente de centralização administrativa. Como observa acuradamente Faoro, nunca houve um pacto político através do qual os altos escalões do sistema político representassem e governassem em nome de alguns setores da sociedade, o que é típico do modelo feudal.

A principal crítica que se pode fazer a Faoro é a sua tendência de atribuir ao patrimonialismo político brasileiro um caráter absoluto e imutável no tempo. Como observa Antônio Paim:
No afã de enfatizar a novidade que trouxe a debate, adotou uma atitude extremamente radical ao deixar de reconhecer o caráter modernizador que o patrimonialismo luso-brasileiro chegou a assumir em certos momentos de sua história. Mais grave, parece-me, a perda do sentido histórico da evolução do liberalismo na crítica â experiência do sistema representativo, sob o Império, desde que a efetiva desde o ponto de vista que a doutrina liberal veio a assumir muito mais tarde. Finalmente, ofuscado pela magnitude da própria descoberta, inclina-se por torná-la uma espécie de lei inexorável de nosso desenvolvimento, ou então uma herança a repudiar em sua inteireza.(5)
Efetivamente, o processo de centralização e crescimento do governo central se dava em um contexto de conflitos e pressões de todo tipo, e grande parte da história política do Brasil gira exatamente em torno do tema centralização vs. descentralização. É fundamental, para entender este problema, ter uma interpretação adequada da natureza da colonização portuguesa, que combinava uma tendência constante à centralização com a grande dispersão territorial dos postos de colonização, muitas vezes mais próximos da Europa que uns dos outros. Não admira, assim, que estes núcleos de colonização se desenvolvessem por conta própria e, freqüentemente, de forma contraditória. Um breve exame deste desenvolvimento é necessário.

2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros

Em um livro famoso, tempos atrás, Viana Moog tratava de explicar os diferentes resultados da colonização norte-americana e brasileira em termos das diferenças entre o pioneiro inglês, que vinha ao Novo Mundo se estabelecer com sua família, e o bandeirante português, que cruzava o interior brasileiro na busca de escravos e ouro. O bandeirante teria sido um aventureiro e predador cuja única preocupação seria enriquecer-se rapidamente e voltar o quanto antes para a civilização européia. Saindo de São Paulo, os bandeirantes cobriram mais da metade do continente sul-americano, e o historiador norte-americano E. Bradford Burns dá uma boa versão da imagem convencional existente a respeito deste período épico brasileiro:
A terra desafiava os bandeirantes. Eles atravessavam montanhas inóspitas e venciam rios turbulentos. Pântanos e densas florestas faziam pouco de seus esforços. Grandes áreas desertas lhes ensinavam a abençoar os freqüentes e incômodos riachos que pouco antes haviam amaldiçoado. E em toda parte encontravam a fome, único e inseparável companheiro de viagem.(6)
Viana Moog, no entanto, não aceitava esta imagem idealizada do explorador paulista. Para ele,
enquanto bandeirante e por causa das bandeiras, era o grande Estado [de São Paulo] um dos mais pobres e atrasados do Brasil. Somente depois, e muito depois, de efetivamente encerrado o ciclo das bandeiras é que São Paulo, com o advento do ciclo do café e da imigração de tipo pioneiro, que em fins do século dezenove desembarcava anualmente no porto de Santos para mais de 100.000 imigrantes, passou para a vanguarda da Federação.(7)
Para Viana Moog, a ambição e impaciência do bandeirante o retirava de sua base original junto à costa, deixando a capitania de São Vicente descuidada e atrasada, enquanto os estabelecimentos açucareiros no Nordeste prosperavam. É realmente digno de nota que o núcleo que deu início à maior parte do descobrimento e povoamento do território nacional tenha sido, ao mesmo tempo, um dos mais atrasados, para transformar-se, séculos depois, no centro econômico nacional. O próprio padrão geográfico já intriga: como explicar que, no século XVII, o centro da atividade econômica tenha se estabelecido no Nordeste, a capital política e administrativa na Bahia, enquanto que a expansão territorial se dava a partir do Sul, em São Paulo?

3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas

O mais notável em relação à expansão de São Paulo é exatamente a relativa insignificância do núcleo original, em comparação com o empreendimento colonial português na América. A expressão "São Paulo" se refere a toda a província ou estado, e somente por conveniência pode ser utilizada em referência a períodos mais antigos. O primeiro estabelecimento, São Vicente, localizado em uma área junto à costa, era passível de inundações, e isso levou sua população a se transferir para onde é hoje Santos. Em 1554, os jesuítas criaram o Colégio de São Paulo, terra adentro, em um lugar denominado Piratininga. A vila e depois a cidade de São Paulo se desenvolveu em sua vizinhança.(8)

O centro administrativo da colônia era Salvador, enquanto que seu pólo econômico inicial eram as plantações de cana-de-açúcar no Nordeste. Roberto Simonsen estimava que, em 1690, o Brasil tinha uma população livre de cerca de 100 mil, dos quais 15 mil residiam em São Paulo, 20 mil no Rio e os restantes 65% no Nordeste.(9) A população de toda a Província de São Paulo em 1653 é estimada em cerca de três mil pessoas, só superando a marca dos 100 mil em 1777. Os dados para a cidade de São Paulo indicam uma população de cerca de 20 mil em 1836 e ao redor de 30 mil no censo de 1872. Naquele ano, várias cidades brasil eiras já haviam superado o mar co de 100 mil. O quadro 6 dá uma idéia do desenvolvimento das cidades através do tempo.


A explicação para o ímpeto empresarial dos bandeirantes em direção ao interior do país tem sido feita, geralmente, em termos geopolíticos Caio Prado Jr., apesar de ser um historiador marxista, tende a uma explicação deste tipo:
Zona de passagem, São Paulo não chegou a formar, no período colonial vida própria a pequena mineração de lavagem que aí se praticou nos dois primeiros séculos a insignificante agricultura ensaiada, de caráter puramente local, não tiveram expressão alguma As grandes fontes da vida paulista serão o comércio de escravos indígenas, preados no alto sertão e vendidos nos centros agrícolas do litoral, comercio do gado que vem dos campos do Sul e por aí passa com destino a marinha, inclusive e sobretudo o Rio de janeiro finalmente quando se descobre o ouro em Minas Gerais, São Paulo será por algum tempo a única ou principal via de acesso para ele.
Ainda que dominante, esta interpretação tende a atribuir um papel passivo ao núcleo paulista, deixando de lado seu papel ativo e dominante.(10) O fato, no entanto, parece ser que São Paulo só se torna um posto comercial importante depois que os paulistas abrem as rotas para o interior, e é difícil conceber que este papel explorador tenha sido uma simples decorrência de contingências geográficas. Na busca de ouro e escravos, dezenas de vilas e cidades foram estabelecidas na grande área interiorana que é hoje Minas Gerais; o Sul e o Centro foram conquistados e, nesta marcha contínua para o interior, muitas vezes a população da cidade de São Paulo diminuía de tamanho.(11)

Que razões levariam pessoas a viajar da Europa para lugares tão remotos, nos séculos XVI e XVII? Alguns fatos parecem claros. Este tipo de imigrante não desejava ficar muito próximo do controle da administração colonial, e estava interessado em obter o máximo de lucro por seu esforço. Certos fatores parecem haver determinado a escolha das diferentes áreas de localização: a existência de uma baía adequada, primeiro, e também a presença de uma população autóctone que pudesse ser usada e explorada. São Vicente, e depois Santos, parecem ter preenchido estas condições, antes de se transformarem na rota "natural" para o interior.

A economia de São Paulo se beneficiou da ocupação holandesa de Pernambuco e das colônias portuguesas na África (Angola e Luanda) durante a época de unificação das coroas portuguesa e espanhola. Outras áreas de cultivo de açúcar tiveram que ser criadas fora de Pernambuco, e o comércio de escravos africanos teve que se restringir por causa do predomínio marítimo holandês. Assim, o preço do escravo índio subiu, e os paulistas se tornaram, por algum tempo, os principais supridores de mão-de-obra escrava para as plantações da Bahia, do Rio de Janeiro e da própria região paulista.

Afonso Taunay nos proporciona um sumário fascinante das narrativas de vários viajantes que visitaram São Paulo desde 1565.0 que eles revelam é um quadro vivido da autonomia, independência e insubordinação da cidade em relação à coroa portuguesa - um quadro que parece não mudar com o passar do tempo. No fim do século XVII, um destes viajantes, o engenheiro francês de nome Froger, escrevia:
A cidade de São Paulo é tributária, não súdita do Rei de Portugal. Situada a dez léguas da costa, teve como origem uma corja de bandidos de todas as nações que, pouco a pouco, ali formou uma grande cidade e uma espécie de República cuja lei é, sobretudo, não reconhecer governador nenhum.(12)
Esta imagem de uma "república de bandidos" parece haver sido muito difundida, e surge na obra de vários escritores da época. Para alguns, é difícil conciliar esta imagem com o fato de um elemento importante do núcleo paulista ter sido a missão jesuíta lá estabelecida em 1554. Na realidade, tanto os jesuítas como os paulistas pareciam buscar a mesma coisa, ou seja, o índio, ainda que com propósitos diferentes. Os esforços jesuítas de criar colônias nativas autônomas, as missões, entravam em conflito com o interesse dos bandeirantes em escravizá-los. É um conflito que se mantém todo o tempo, culminando com a expulsão dos jesuítas em 1640. Desde o início do século, no extremo sul, a guerra sangrenta entre as missões jesuítas e os bandeirantes já dramatizava este conflito.(13)

O ano de 1695 divide a história da expansão paulista em duas partes, quando o ouro é descoberto pela primeira vez na área de Minas Gerais. O período anterior era de isolamento e relativa independência, caracterizado pelas longas marchas para o interior e pelo comércio de escravos com os estabelecimentos agrícolas da costa e no Nordeste. No segundo período, da corrida do ouro, o domínio paulista chega a cobrir, em certo momento, mais da metade do atual território brasileiro.(14) Mas o conflito com a administração portuguesa era iminente, e não tardou.

Um exame do mapa ajuda a entender o rápido crescimento e a queda da supremacia paulista durante a corrida do ouro. No início, as únicas rotas para as minas vinham de São Paulo ou Parati, cidade portuária um pouco ao Norte. Somente em 1699 foi descoberto um caminho que ligava o Rio de Janeiro diretamente com as minas. Rotas comerciais desde a Bahia, utilizando o São Francisco, também foram estabelecidas, e os conflitos entre os colonizadores mais antigos e os recém-chegados começaram a crescer.

Os recém-chegados eram conhecidos como "emboabas", palavra de origem indígena que caracterizava as botas que usavam, e que os distinguia dos paulistas descalços. À diferença entre botas e pés descalços correspondiam outras diferenças em recursos e habilidades. Os paulistas eram brasileiros de várias gerações, muitas vezes mestiços, enquanto que os recém-chegados eram, em geral, portugueses. De acordo com Diogo de Vasconcelos, eles,
acima dos paulistas, gozavam da vantagem de ser conhecidos, e amparados pelos compatriotas opulentos das praças marítimas, que lhes forneciam a crédito instrumentos e escravos africanos, obreiros estes únicos, que podiam suportar as fadigas medonhas, de tal indústria desumana e cruel como foi a das minas.(15)
A identificação entre emboabas e portugueses se tornou cada vez mais patente à medida que passava o tempo, e o conflito entre os dois grupos adquiria proporções. Os emboabas se rebelam contra os paulistas, e seu líder, Nunes Viana, eleito pelos seus seguidores governador da província, define-se prontamente como aliado da coroa portuguesa. Vários anos após a guerra, ele declararia que os rebeldes
o obrigaram a aceitar o governo delas [minas] e o mando do exército que se formou contra aqueles povos [paulistas]; e pelo castigo das armas os reduziu à obediência das leis de Sua Majestade e de suas Reais Ordens.(16)
Um dos principais pontos de conflito se referia ao monopólio do mercado de carne na área de mineração, que a administração portuguesa concedeu a duas pessoas de fora. Um dos líderes paulistas foi acusado de "não ser fiel a seu rei, pois foi um dos que resistiu e impugnou o contrato das carnes nestas Minas".(17)

Seria demasiado simplista sugerir uma íntima identificação de perspectivas e intenção entre os mercadores portugueses que ali chegavam e a burocracia patrimonial portuguesa. Por exemplo, a história mostra a existência de conflitos constantes entre mercadores locais e a administração, em relação à preferência que a administração manifestava pelas grandes "Companhias de Comércio" da época, em detrimento dos pequenos comerciantes.(18) A proibição do tráfico de ouro em pó foi também um golpe para o pequeno comerciante no Rio de Janeiro. Nestes conflitos, a vontade do governo sempre prevalecia. No entanto, o comercio tinha que ser feito através dos centros administrativos, e as mercadorias tinham que ser transportadas em navios protegidos, controlados e, muitas vezes, escolhidos pela administração portuguesa. Assim, apesar de eventuais conflitos de interesse, a penetração do comércio em certa área sempre levava, em última análise, a um aumento da centralização governamental e da perda de autonomia dos comerciantes. O episódio da Guerra dos Emboabas marca, em última análise, o estabelecimento do controle da administração portuguesa sobre a área das Minas, à custa da perda da hegemonia paulista.

As diferenças sociais tão aparentes entre emboabas e paulistas são, talvez, a origem das explicações classistas do conflito, de acordo com as quais os paulistas representariam uma aristocracia feudal, camponesa (e descalça!), enquanto que os emboabas representariam a burguesia ascendente em luta pela liberdade de comércio.(19) Este tipo de interpretação se revela, no entanto, pouco convincente quando levamos em consideração as questões da ocupação territorial e a das relações entre grupos sociais e a coroa portuguesa. Por exemplo, quando os paulistas se organizam para o ataque final aos emboabas, em 1709, o planejamento e a decisão foram feitos pela Câmara Municipal de São Paulo, em uma demonstração de autonomia local e participação popular que muitos se surpreenderiam de encontrar no Brasil do início do século XVIII.(20) A imagem de uma guerra planejada em São Paulo, para ser feita em Minas, e em conflito com a administração na Bahia, é, talvez, o melhor cenário para visualizar este capítulo do estabelecimento da integração territorial brasileira.

4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates

Enquanto paulistas e recém-chegados lutavam nas áreas de mineração no Centro, um conflito paralelo se desenvolvia entre Olinda, cidade aristocrática e tradicional, e Recife, centro comercial ascendente: era a Guerra dos Mascates. O paralelo entre os dois conflitos passa geralmente despercebido, talvez porque o do Sul tenha vivido um dos primeiros capítulos da economia do ouro, enquanto que o do Nordeste marca o declínio da economia do açúcar. Mas ambos foram, sem dúvida, eventos importantes no estabelecimento do controle da administração patrimonial sobre o território brasileiro, ainda que com resultados diferentes.

A história da economia açucareira no Brasil é parte integrante e inseparável da história das relações políticas e econômicas entre as potências comerciais européias da época. Celso Furtado nos dá um excelente panorama da economia do açúcar no período colonial, com ênfase no papel da Holanda no refino e na comercialização do produto na Europa.(21) Para Celso Furtado, a economia açucareira no Brasil foi, desde o princípio, um empreendimento conjunto de interesses portugueses e holandeses, ainda que cada sócio tivesse objetivos distintos. Para os holandeses, a indústria açucareira era essencialmente um empreendimento comercial. Eles não somente se encarregavam do refino e distribuição do produto na Europa, como também financiavam instalações no Brasil e o tráfico de escravos, além de controlar o transporte do produto. Furtado se baseia em Noel Deer para afirmar que, se tomamos todos estes aspectos em conjunto, fica claro que a economia do açúcar era mais holandesa do que portuguesa, naqueles primeiros tempos.(22)

Por sua parte, os portugueses pareciam preocupados, principalmente, com o controle político e militar de seus territórios. Não tinham nem a iniciativa capitalista dos holandeses, nem a sorte dos espanhóis, que encontraram o ouro. Assim, os portugueses mantinham-se presos à expectativa do ouro e aos pequenos benefícios trazidos por seu papel relativamente menor na economia do açúcar. Seu objetivo principal era o controle político de seus territórios; alguns estabelecimentos militares e as plantações de cana-de-açúcar eram seus meios; e a perspectiva de um dia encontrar ouro, seu incentivo.

Esta simbiose entre portugueses e holandeses funcionou bem até a união de Portugal e Espanha, em 1580, sob Filipe da Espanha. A partir dai, os holandeses foram formalmente proibidos de participar do comércio açucareiro, e os espanhóis iniciaram a apreensão de seus barcos em portos portugueses. Em 1621 é criada a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, com a função de promover a colonização e o comércio através da conquista militar. Várias tentativas foram feitas de controlar militarmente a área do açúcar. Depois de frustrada tentativa de conquistar Salvador em 1624-5, uma base firme foi estabelecida na área de Pernambuco, de 1630 a 1654, ou seja, até 14 anos depois da restauração da independência portuguesa em relação à Espanha, em 1640.(23)

É esta história que dá o pano de fundo para a Guerra dos Mascates. O conflito tem como ponto de partida a questão da autonomia administrativa de Recife. A cidade tinha começado a se desenvolver sob a administração holandesa, que a preferiu, ao invés de Olinda, como sede de sua administração.(24) A guerra contra os ocupantes holandeses foi feita pelos locais, independentemente, e muitas vezes contra a vontade das autoridades portuguesas, que não queriam hostilizar os holandeses. Em 1654, parecia que Olinda teria restaurada sua antiga importância e independência. Recife, no entanto, crescia como pólo de atração para uma população de recém chegados, que começavam como pequenos comerciantes e terminavam financiando e comercializando a produção de açúcar. Um contemporâneo indignado descrevia a situação:
Em poder destes forasteiros ou mascates residia todo o comércio; eles portanto eram os que supriam os engenhos, e também os únicos que recebiam as caixas de açúcar. No fim das safras, cada senhor de engenho devia uma soma considerável ao mascate que lhe tinha suprido, e então este inflexível credor instantaneamente o apertava... Desta sorte, em poucos anos tornaram-se os mascates grossos capitalistas e, em vez de seguirem as pisadas dos primeiros que para Pernambuco vieram (que só do comércio cuidavam), intrometeram-se nos negócios públicos, introduziram-se no palácio dos governadores e, finalmente, propuseram-se para levar a efeito o seu intento, isto é, aniquilar a nobreza do país.(25)
Nem todos os autores, no entanto, estavam a favor dos olindenses. Um defensor dos mascates, escrevendo no início deste século, dizia que
nas duas grandes comoções por que passou Pernambuco, em 1654 e 1710, a nobreza sempre procedeu por motivos subalternos e para ela até desprimorosos, sendo em ambos o principal não pagar aos credores.(26)
Os aristocratas locais eram chamados pelos recém-chegados de "pés-rapados", uma semelhança com os paulistas em Minas que é circunstancial. A crescente importância econômica dos recém-chegados no Recife, que passam de pequenos comerciantes a financiadores, estava relacionada, sem dúvida, com a deterioração progressiva da economia do açúcar desde a segunda metade do século XVI.(27) Recife terminou, eventualmente, por se impor e adquirir o status administrativo de cidade, mas a esta altura os contatos de sua elite com o "Palácio dos Governadores" eram, sem dúvida, mais importantes como fonte de riqueza e poder que a exploração usurária de uma economia em decadência.

Pouco se sabe do processo pelo qual a antiga aristocracia do açúcar e os novos comerciantes se interpenetraram e conviveram durante o período de decadência, mas pode-se supor que, na medida em que a economia de mercado se reduzia, aumentava a importância do acesso às fontes de poder burocrático. É possível que a aristocracia do Nordeste tenha sofrido um processo similar ao que, mais tarde, sofreu a elite mineira com o fim do período do ouro; o fenômeno da "volta à economia natural" e a estruturas sócio-econômicas de tipo semi-feudal, sugerida por Celso Furtado, teria sido limitado, em boa medida, pela substituição de externalidades econômicas por externalidades políticas.

A derrota frente aos portugueses recém-chegados teve, para os paulistas, uma conseqüência que os diferenciou dos pernambucanos: isolados do resto do país, não desenvolveram em seu próprio estado uma estrutura política de dependência em relação à administração central, tal como a criada pela elite do açúcar. As características de isolamento da área de São Paulo foram, assim, preservadas, o que teve muita importância nos desenvolvimentos que iriam ocorrer um século e meio depois.

5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do Exército Nacional

São Paulo e Pernambuco parecem ter sido as duas tentativas principais de estabelecer uma ocupação essencialmente econômica, e não administrativa, no novo território. Além disto, economias subsidiárias de criação de gado foram criadas, sendo responsáveis pela progressiva ocupação do interior, mas sempre em função dos centros dinâmicos, ou do açúcar ou do ouro.(28)

O quadro da ocupação do território brasileiro deve ser completado com a história do estabelecimento de entrepostos militares nas fronteiras. O mais importante destes estabelecimentos foi, sem dúvida, a Colônia de Sacramento, criada no rio da Prata em 1680. Ela foi o início de uma longa e intermitente guerra com os espanhóis de Buenos Aires, dando à população do Rio Grande do Sul uma experiência única, no Brasil, de um estado continuo de violência e mobilização militar.(29) Um exame do mapa mostra que o Rio Grande do Sul tem sido, praticamente, a única fronteira viva do país. As fronteiras do Norte e do Oeste foram determinadas, em grande parte, pela capacidade dos bandeirantes em explorar o interior, mas também pela existência dos Andes e da floresta continental, que funcionavam como barreiras à expansão dos colonizadores espanhóis do Pacífico. Os estabelecimentos portugueses tendiam a se limitar à costa do Atlântico, e foi somente na área que é hoje o Uruguai que os dois empreendimentos coloniais colidiram efetivamente. A textura social e econômica da sociedade brasileira, ao longo da fronteira sulista, era fortemente influenciada por esta situação. Fernando Henrique Cardoso, em uma análise exaustiva da historiografia pertinente, sugere dois elementos que parecem caracterizar melhor a sociedade gaúcha. O primeiro é a influência generalizada da experiência militar na psicologia, estrutura econômica e organização social do Sul. As pressões psicológicas de um estado de beligerância contínua, combinadas com as características específicas da guerra de fronteira, levariam à necessidade de lideranças fortes, dotadas de coragem e audácia pessoais bem-definidas. A conseqüência teria sido a existência de uma ordem militar que não era necessariamente rígida, já que não se burocratizava, mas que se centrava em caudilhos fortes e personalísticos.(30) A vida econômica baseou-se, por muito tempo, em atividades predatórias contra os espanhóis, na captura do gado que pastava livremente pelos pampas, em ataques às missões jesuítas, e no contrabando entre os domínios espanhóis e portugueses. Gradualmente, a terra foi sendo distribuída entre os chefes e caudilhos militares, e a indústria do charque começou a se desenvolver, exportando para o Norte.

O segundo elemento que surge com a militarização de todos os aspectos da vida é a privatização das diversas formas de autoridade, civil ou militar. Caudilhos militares tinham suas próprias tropas, usadas em ataques privados a jesuítas, espanhóis ou outros, em tempos de paz, mas que podiam ser mobilizadas pela coroa portuguesa em tempos de guerra formal. A terra era distribuída de acordo com a influência e o poder militar, tanto quanto os privilégios de taxação e de administração da justiça.(31)

Esta "privatização" das atividades militares significava que o poder econômico e social decorria do status militar, mas que este status não era simplesmente outorgado pela administração, e sim decorrente de fontes independentes de riqueza e poder. Trata-se de uma situação de tensão constante entre a privatização do status político e militar e a publicização da ordem privada; e ela talvez explique a persistência da tradição militar e guerreira no Rio Grande muito depois de consolidada a fronteira com a Argentina. O decisão era o quanto o poder do caudilho dependia da sanção e do apoio do governo central. Em 1801, depois de 20 anos de paz que sucederam à assinatura do Tratado de Santo Ildefonso entre os países ibéricos, os gastos governamentais na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul eram mais de três vezes sua renda e, de acordo com um historiador,
grande parte deste mau resultado econômico era devida, sobretudo, à péssima administração governamental, à centralização da metrópole, e aos excessivos gastos que faziam no sustento do exército.(32)
A importância política da fronteira impediu que as coroas, primeiramente a portuguesa, e depois a brasileira, deixassem a Província do Rio Grande do Sul entregue a seus próprios chefes. A maior parte do contingente militar utilizado nos conflitos de fronteira era recrutada localmente, e Love nota que, ainda em 1852, cerca de 3/4 das tropas utilizadas no conflito com Rosas tinham origem gaúcha. Várias décadas depois, o Rio Grande fornecia cerca de 1/4 a 1/3 das forças territoriais brasileiras, e o número de oficiais de alta patente de origem gaúcha era muito maior do que o que se esperaria a partir do tamanho da população do estado.(33) O resultado desta situação foi que a política patrimonial e "privada" no Rio Grande esteve sempre orientada para os centros de poder regional e, principalmente, nacional. É claro que esta relação com o centro nem sempre foi amigável, e exatamente do Rio Grande partiu a única tentativa realmente séria de secessão política no Brasil do século XIX, com a Guerra dos Farrapos.

A vida do Rio Grande do Sul não se limitava, certamente, às aventuras de seus cavaleiros. Joseph Love distingue três regiões de colonização e povoamento na área: o litoral, as coxilhas e a campanha, sendo esta a que dá ao estado a imagem que tem no resto do Brasil. Um grupo importante de povoadores do litoral foram os açorianos, responsáveis por uma florescente economia tritícola. Não há dúvida, no entanto, de que a região da campanha não somente forneceu a imagem do gaúcho a cavalo, em sua estância, como também proporcionou ao estado sua liderança política e seu estilo, que impregnou fortemente as outras áreas de colonização da região. Fernando Henrique Cardoso mostra, por exemplo, como os colonos de Açores gradualmente trocaram os antigos hábitos camponeses de sua terra de origem por um tipo de patriarcalismo fortemente hierárquico e militarizado, predominante em toda a área.

No outro estabelecimento militar importante dos portugueses - o Rio de Janeiro - os franceses trataram de estabelecer sua "France Antartique", na primeira metade do século XVI. A área era rica em pau-brasil, o contato com os índios era possível e, por algum tempo, o controle francês pôde ser mantido. O estabelecimento francês é destruído em 1560 por Mem de Sá, e três anos depois Estácio de Sá cria o primeiro estabelecimento militar.

É interessante assinalar que a aventura política da Colônia do Sacramento foi financiada e apoiada não diretamente por Portugal, mas pela cidade do Rio de Janeiro.(34) Por algum tempo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro se interessou pelas possibilidades de comércio que a nova fronteira abriria, mas, depois, começaram as queixas a respeito do peso criado pelos conflitos do Sul. Gradualmente, o recrutamento militar passou a ser feito no próprio Sul, utilizando-se, para isto, de uma população de origem paulista, ou seja, bandeirantes que ali chegavam para as campanhas contra as missões.

O Nordeste decadente, a economia mineira em declínio, o centro administrativo do país concentrado no Rio de Janeiro, São Paulo isolado, o Rio Grande do Sul militarizado e em pé de guerra - são estes os núcleos principais deste país imenso que se manteria unido a duras penas no processo de independência. A unidade política não significa que contradições e conflitos não existam e perdurem através do tempo, como veremos mais adiante, 110 cap. 5. Antes, porém, é necessário examinar com algum detalhe o processo de expansão econômica mundial, do qual o Brasil participa no século XIX, e suas implicações para o processo político no país.


Notas

1. Duarte, N.,1 939, p. 169.

2. Ibid. p. 118-9.

3. O tema do patrimonialismo português já foi discutido anteriormente. Celso Láfer observa, em comunicação pessoal, a importância da inquisição portuguesa como mecanismo de centralização e apropriação patrimonialista de recursos em uma sociedade caracterizada pela descentralização da obtenção da riqueza. Lafer também evidencia, em uma análise de conteúdo de Os Lusíadas, como Portugal, em seus valores dominantes, estava muito mais próximo das cidades-estado renascentistas que da sociedade feudal e medieval que imperava até a época em grande parte da Europa. Ver Lafer C., 1965, e Saraiva, J. A., 1909 (este sobre a Inquisição). Para a análise moderna mais abrangente do padrão de colonização portuguesa, ver Lang, James, 1979.

4. Faoro, Raymundo, 1958, p. 53 e 65.

5. Paim, A., 1978.

6. Burns, E. B., 1970, p. 51.

7. Moog, V., 1954, p. 235.

8. A expansão paulista é um tema central da historiografia brasileira, especialmente entre historiadores de origem paulista, incluindo, entre os mais ilustres, Afonso E. Taunay. Outro paulista ilustre, Roberto Simonsen, proporciona um excelente sumário da expansão de São Paulo em sua obra clássica, a História econômica do Brasil (Simonsen, R., 1962). Um estudo moderno e bastante completo do desenvolvimento da cidade de São Paulo é o de Morse, R. M., 1970.

9. As estimativas de população da província são do Brigadeiro J. J. Machado de Oliveira, citado por Simonsen, R., 1962, p. 203 e seguintes. Os dados para a cidade enquanto tal são de Singer, P., 1968, p. 19-20.

10. Prado, Jr., C., 1945, p. 61. Esta interpretação de cunho geopolítico parece ser aceita sem discussão por P. Singer (1968), tanto quanto no capítulo sobre "As Bandeiras na expansão geográfica do Brasil," em Holanda, S. B., 1960, p. 273-306.

11. Cf. Holanda, S. B., 1966. Sobre a criação de cidades paulistas em Minas Gerais e o refluxo populacional para São Paulo, após o declínio do ouro, ver M. Leite (1961), que lista cerca de 60 cidades mineiras fundadas por paulistas.

12. Taunay. A. E. de 1924. É importante notar que. durante e logo após o período de unifica ção das coroas portuguesa e espanhola, a autonomia paulista se dava em um contexto de grande independência das câmaras municipais em relação aos poderes ibéricos. C. R. Boxer (1952), por exemplo, descreve em detalhe a revolta do Rio de 1660 contra o Capitão Geral Salvador de Sá, em um período de grande instabilidade da Coroa dos Braganças, ou seja, depois da restauração de 1640. A revolta contra os holandeses no Nordeste, que será discutida mais adiante, foi, acima de tudo, um empreendimento local, sem qualquer apoio ou encorajamento por parte dos Brangança. Somente em 1661, depois do tratado de paz entre a Holanda e Portugal, foi que a autoridade portuguesa começou a se impor mais efetivamente. São Paulo, no entanto, permaneceria à margem... [sou grato a Eulália Maria Lahmayer Lobo por chamar minha atenção para este ponto.]

13. Cf. Morner, M., 1953, para um estudo sobre as atividades dos jesuítas na parte sul do continente e seu conflito com as bandeiras paulistas. Para uma história detalhada da atuação da Companhia de Jesus no Brasil, ver o trabalho monumental de Leite, 5., 1938-50. O conflito entre os jesuítas e os portugueses era constante e atingiu seu ponto máximo com a expulsão da Companhia em 1759. Ver também Alden, Dauril, 1968, para maiores detalhes. Uma referência sobre os conflitos com os jesuítas no Nordeste brasileiro encontra-se em Kienen, M. C., 1954.

14. A jurisdição territorial de São Paulo atingiu seu ponto máximo em 1709, quando o governador do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque, chegou a ter autoridade sobre São Paulo, Rio, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul. Roberto Simonsen dá muita ênfase a esta grande expansão da jurisdição de São Paulo, observando ainda que "os primeiros governadores paulistas viram-se forçados a fixar suas residências em Vila da Nossa Senhora do Carmo, hoje Mariana, para ficarem mais próximos à zona de mineração". Interpretações sobre o verdadeiro papel do governo de Antônio de Albuquerque variam. Pedro Calmon, por exemplo, considera que 1709 foi, exatamente, o ano em que Minas Gerais e São Paulo realmente se separam como regiões unidas sob controle paulista. A versão de Simonsen sobre a hegemonia paulista é também apoiada por Sérgio Buarque de Holanda, para quem a separação entre as duas províncias só se torna efetiva em 1720. Tudo indica, no entanto, que a unificação sob Antônio de Albuquerque foi menos o apogeu que o início do declínio da hegemonia paulista, a partir, principalmente, do desfecho da Guerra dos Emboabas. Cf. Simonsen, R., 1962, p. 229; Calmon, P., P., 1959; Vasconcelos, D. de, 1948; e Holanda, S. B. dc, 1960, p. 306.

15. Vasconcelos, D. de, 1948, p. 29.

16. Calmon, P., 1959, p. 920.

17. Melo, J. S. dc, 1929, citado por Calmon, P., 1959, p. 968.

18. Um exemplo importante deste conflito foi a luta da Mesa do Bem Comum dos Mercadores, uma associação de comerciantes, contra os privilégios monopolistas outorgados pelos portugueses à Companhia Geral de Comércio, estudada por Lobo, E. M. L. 1965.

19. Cf. Golgher, I., 1956 e os comentários de Beiguelman, P. 1968, e Iglésias, F., 1957, a respeito do tema.

20. Uma descrição da participação da Câmara Municipal de São Paulo é dada por Calmon, P., 1959, p. 972-3.

21. Cf. Furtado, C., 1972.

22. Deer, N., 1949, p. 453, citado por Furtado, C., 1972.

23. Sobre os holandeses no Brasil, ver entre outros, Boxer, C. R., 1957.

24. 24 "Olinda, ao cair em mãos dos holandeses, possuía cerca de 2 mil moradores. Os bens dos religiosos, na cidade, eram ponderáveis. Contava cerca de centena e meia de clérigos, um colégio jesuíta, um convento beneditino, um carmelita, um mosteiro de freiras, uma misericórdia, duas igrejas e cinco ermidas. Eram numerosos, a crônica refere 200, os comerciantes abastados..." (Sodré, N. W., 1944, p. 142).

25. Leitão, Pe. Antônio Gonçalves, citado por Melo, M., 1941.

26. Ferrer, V., 1914, p. 44.

27. Celso Furtado liga a decadência da economia do açúcar no Brasil com o início da economia do açúcar no Caribe, que conduziu à expansão da produção mundial e ao declínio dos preços. Cf. Furtado, C., 1972, cap. 6.

28. Para a expansão da economia do gado no Brasil, cf. Prado Jr., C., 1945.

29. Cf. Love, J. L., 1971, para uma visão panorâmica destes conflitos, assim como Lima, A., 1935.

30. "Ao lado da tensão constante em que viviam as populações sulinas em face das guerras, guerrilhas e acordos infindáveis, que por si só seriam suficientes para tornar mais vigorosa a pressão da ordem militar sobre a ordem civil, as condições de luta naquelas fronteiras... tornavam a própria ordem militar não diria mais rígida, porém mais dependente, para a sua preservação, da existência de pessoas com qualidades e incentivos. (como a coragem pessoal e a ousadia diante do inimigo) que as tornavam, ao mesmo tempo, pouco aptas à submissão aos regulamentos e à rotina." Cardoso, F. H., 1962, p. 85.

31. F. H. Cardoso (1962, p. 107 e seguintes) trata de explicar as relações entre a administração colonial e o poder privado no Rio Grande em termos, precisamente, de poder patrimonial.

32. Lima, A., 1935, p. 108.

33. Love, J. L., 1971, p. 15.

34. Um relato, ano a ano, da formação do Rio de janeiro, é dado por Coaracy, V., 1965. Este autor apresenta também uma série de referencias em relação ao papel do Rio de janeiro na criação e manutenção da Colônia do Sacramento, p. 212-3 e outras partes.

 



 

Capitulo 4
DEPENDÊNCIA, EXPANSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA PATRIMONIAL


1. Dependência e Expansão Econômica dos Países "Novos"

2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina e Austrália

3.A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário e o Estado: Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento

4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel Do Estado

5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial

Notas


1. Dependência e Expansão Econômica dos Países "Novos"

Um dos aspectos mais importantes da relação entre os países periféricos e os países centrais é o sistema de dependência econômica e interferência política que a acompanha. Menos óbvio, mas igualmente Importante, é como este tipo dc dependência externa se reflete na estrutura e nos processos políticos internos dos países periféricos. Dado que existem vários graus possíveis dc liberdade e possibilidades alternativas de ação, mesmo nas situações de dependência mais rígida, torna-se necessário saber quais as alternativas existentes em uma situação dada, bem como razões pelas quais uma alternativa específica foi adotada no lugar de outras. Assumir esta perspectiva não significa, certamente, negligenciar a importância das variáveis políticas e econômicas relacionadas com a dependência externa; significa, simplesmente, que a análise deverá ser feita sob o ponto de vista da unidade dependente, tomando o sistema externo como dado e recuperando, de certa maneira, a perspectiva a respeito da autonomia interna relativa e as possibilidades de escolha historicamente dadas ao país. Este capítulo deve ser visto a partir desta premissa, já que tem como objetivo examinar o Brasil no cômputo dos "países novos", em um contexto de expansão do mercado internacional e em função das alternativas de desenvolvimento sócio-político que estes eventualmente assumiram.

A principal atividade econômica no Brasil do século XVIII era a extração do ouro. Mas seu declínio foi rápido, indo de uma média anual de 14.600kg, em 1741-60, para uma média de somente 1.760kg de 1811 a 1820. As guerras napoleônicas e o inicio do comércio livre com a Inglaterra trouxeram uma prosperidade passageira para a agricultura do açúcar e do algodão, mas depois de 1815 os preços declinaram, e a independência política brasileira coincide com um período de recesso tanto de nossa economia quanto do sistema econômico internacional.(1) A estagnação econômica foi mais acentuada na primeira que na segunda metade do século. O período mais baixo da vida econômica correspondeu à época das guerras napoleônicas; mais adiante, no entanto, um novo produto de exportação, o café, entrava em um mercado mundial novamente em expansão.

Depois de aproximadamente um século de estagnação, o volume das exportações brasileiras quase sextuplicou, de 1860 até a Primeira Guerra Mundial. Este surto econômico se deveu principalmente à expansão das colheitas de café, que se tornaram, desde a segunda metade do século XIX, responsáveis por 48% das exportações do país. Este crescimento econômico não foi um fenômeno isolado, pois que ocorreu num contexto de rápida expansão do mercado internacional. De 1850 a 1880, o comércio mundial aumentou em 270%, de acordo com estimativas feitas por Ragnar Nurske; de 1880 a 1913, o aumento foi de 170%; mas o crescimento de 1928 a 1958 foi de apenas 57%. "O foco central da expansão econômica," diz Nurske,
foi, inicialmente, a Grã-Bretanha, cuja população, apesar da elevada emigração, triplicou no século XIX, enquanto a renda nacional parece ter decuplicado e o volume das importações ter-se multiplicado vinte vezes.(2)
Os países que mais diretamente se beneficiaram desta expansão foram "os de colonização recente", notadamente Canadá, Argentina, Uruguai, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e, é claro, os Estados Unidos. Segundo Nurske, a quota destes "novos países" (Canadá, Argentina, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia) nas importações britânicas subiu de 8% em 1857-9, a 18% em 1911-3. A quota de investimentos britânicos que se dirigiram a estas áreas elevou-se de 10% em 1870 a 45% em 1913.

O Brasil pertencia, se bem que como sócio menor, a este clube de "novos" países que receberam o impacto da expansão econômica inglesa. O Brasil tivera que pagar caro pelo reconhecimento internacional de sua independência e, pelo acordo econômico imposto pela Inglaterra em 1827,
a transferência dos privilégios especiais de que gozava a Inglaterra, durante séculos, no seu comércio com Portugal, foi garantida, e a continuidade de preeminência inglesa na vida econômica de seu velho aliado europeu foi assegurada na América portuguesa, a despeito da separação da colônia da metrópole. A linha da continuidade é notoriamente clara, vi gente desde os séculos XVII e XVIII e presente durante os anos de transição de 1810-1827, nas relações anglo-portuguesas.(3)
A Inglaterra não permaneceria como o principal mercado para os produtos agrícolas brasileiros nos fins do século XIX, mas era, certamente, o principal provedor de empréstimos e de investimentos de capital. Como salienta Manchester,
a Grã-Bretanha (...) nunca se empenhou em manter sua supremacia inicial no campo das exportações brasileiras; seu interesse primordial no Brasil era enquanto mercado para os produtos ingleses, e não como supridor de matérias-primas para consumo local.(4)
Os Estados Unidos tornaram-se o principal mercado para os produtos brasileiros depois da Guerra Civil e, no decorrer da Primeira Guerra, suplantaram a Inglaterra como principal fonte de investimentos de capital no país.

O desenvolvimento dos "novos países" obedeceu ao que os historiadores econômicos chamam Staple Theory, segundo a qual a economia se desenvolve com base em um produto principal de exportação, que se beneficia de vantagens internacionais relativas, devido à abundância de terras e à imigração de mão-de-obra.(5) Terras virgens para a produção de novos produtos absorvidos por um mercado internacional em expansão, disponibilidade de capital estrangeiro para financiar o transporte e a infra-estrutura comercial dos novos produtos, bem como a imigração de recursos humanos europeus provocaram um surto que bastaria para criar, a longo prazo, uma economia auto-suficiente e diferenciada. O que é difícil explicar é por que a Staple Theory se aplica tão bem a alguns países e não a outros; por que alguns dos "novos países", que começaram sua expansão econômica com o surto do comércio internacional no século XIX, encontram-se agora como sócios do clube dos desenvolvidos. ao passo que outros ficaram para trás.

Há informações e discussões abundantes sobre este problema, e não seria apropriado introduzir aqui todo este material. O importante, neste contexto, é verificar como esta dificuldade de transformar o impulso econômico do produto de exportação em crescimento auto-suficiente e diversificado prende-se aos tipos de diferenciações e divisões regionais e institucionais internas, que constituem o nosso centro de interesse. Principiamos pelo exame de uma comparação internacional bem-conhecida, entre a Argentina e a Austrália, e passamos, em seguida, à análise de como esta se aplica ao caso brasileiro.(6)

2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina e Austrália

Sem levar em conta diferenças menores nas estimativas estatísticas, é bem claro que as taxas de desenvolvimento da Argentina e da Austrália eram bastante semelhantes desde o inicio deste século. De acordo com Hector Dieguez, a renda per cápita argentina elevou-se 99% de 1904 a 1960-63, enquanto a australiana cresceu 1 13% no mesmo período. A diferença principal, é claro, se deve ao ponto de partida: estima-se que a renda per cápita da Austrália já era 1,75 vezes a da Argentina, no princípio do século.

O que interessa a Dieguez são menos as razões históricas desta diferença que os motivos por que o processo de industrialização no século XX não reduziu esta diferença; como pôde a Austrália manter e de fato aumentar sua vantagem relativa com o decorrer do tempo.

Desde que o desempenho global da economia australiana não foi significativamente melhor do que o da argentina, pode-se supor que ambos os países observaram um nível "razoável" de racionalidade econômica, constituindo a única vantagem da Austrália o ponto de partida mais elevado. Se procedermos a um exame detalhado, entretanto, fica claro que a Austrália contava com uma política estabelecida e intencional de defesa e estímulo de sua estrutura industrial, que faltava á Argentina. Era como se a vantagem relativa no mercado internacional pertencesse à Argentina e não á Austrália; como se a Austrália devesse empreender um grande esforço para manter os mesmos níveis de sucesso econômico que a Argentina alcançava com uma política de laissez-faire. Significa igualmente, é claro, que a Argentina provavelmente poderia equiparar-se à Austrália em termos absolutos se dispusesse de uma política de industrialização semelhante.

As razões para estas diferenças são, portanto, não econômicas, mas essencialmente sociológicas e políticas, do que está bastante ciente Dieguez:
Em minha opinião, a solidez político-institucional alcançada pela Austrália nas primeiras décadas deste século, o debilitamento do poder dos proprietários da terra, a ação política do movimento sindical e a presença do Partido Laborista foram elementos importantes para conseguir bastante cedo políticas de altos salários e leis sociais e, o que deve ser assinalado de maneira especial, para deslocar as atitudes dos proprietários rurais, substituindo as por uma atitude geral distinta em relação ao crescimento industrial, que se consolida na década de 20. Durante esta década, não se percebe na Argentina uma atitude equivalente em relação ao desenvolvimento industrial.(7)
A retrospectiva histórica por ele apresentada evidencia a existência de uma política bem-formulada e intencional de industrialização na Austrália, certamente ausente na Argentina. Menos convincentes, entretanto, são as ligações entre estas políticas e a força dos sindicatos e do Partido Trabalhista, implícitas na referência anterior.

É difícil avaliar o quanto se encontrava a Austrália á frente da Argentina em termos de organização e participação política durante as duas primeiras décadas deste século. O que se sabe é que na Argentina, em 1912, a Lei Saenz Peña promulgou o voto universal, permitindo altos níveis de participação política e a organização de partidos políticos radicais e socialistas. Ezequiel Gallo provê evidências que mostram que os grupos radicais e socialistas lutavam, como na Austrália, por níveis de vida mais elevados, mas contra tarifas e outras medidas protecionistas que pudessem auxiliar o desenvolvimento industrial do país. Tarifas mais elevadas representavam preços mais altos a curto prazo, e a concepção de que os interesses das classes média e operária são impulsionados quando a renda dos industriais cresce era certamente alheia As ideologias populares daquela época.
O Partido Socialista na Argentina opunha-se resolutamente a dois tipos de medidas: legislação tendente à desvalorização do peso argentino e qualquer tentativa de elevar as barreiras tarifarias. Ambas as medidas teriam um efeito contrário ao nível de vida dos trabalhadores (no caso das tarifas, é preciso lembrar que apesar da substituição de importações, uma parcela considerável de bens adquiridos pelos trabalhadores ainda era importada).(8)
Isto significa que o pouco desenvolvimento industrial alcançado pela Argentina não se devia á força destes setores políticos "modernos", mas era obtido quase que a seu despeito.

3. A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário e o Estado: Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento

A discussão levantada pela comparação entre a Argentina e a Austrália serve como ponto de partida para questionar uma teoria, ou modelo de desenvolvimento, que é ainda bastante difundida e aplicada sem maiores discussões para o Brasil e outros países igualmente dependentes e subdesenvolvidos. Basicamente, este modelo supõe uma oposição histórica entre os interesses do campo e da cidade, os primeiros favorecendo uma política econômica de laissez-faire e tradicionalista, e os segundos privilegiando uma política de industrialização e modernização, através de medidas de racionalização administrativa e de imposição de proteções alfandegárias â atividade industrial. O movimento operário teria como seu principal inimigo, neste modelo, não os industriais, mas os proprietários de terra, e a industrialização seria o resultado de uma aliança entre a burguesia ascendente, o proletariado e demais setores urbanos. O Estado não é, neste esquema interpretativo, mais do que o executor da política da coalizão dominante.(9)

A crítica a este modelo começa pelo fato de que não existe base empírica suficiente para comprovar a tese da hostilidade natural entre os setores agrícola e industrial destes países. O modelo funciona com a teoria dos custos comparados, segundo a qual, do ponto de vista da agricultura, seria mais barato e conveniente a importação de produtos manufaturados do que a sua produção no país, havendo disponibilidade de moeda estrangeira e inexistência de tradição industrial. O desenvolvimento de uma indústria nacional requereria barreiras tarifárias, tolerância de preços mais elevados e de qualidade inferior, além de outras medidas protecionistas que os agricultores não se interessariam em apoiar. Acrescente-se que o estabelecimento de tarifas protecionistas sempre acarreta riscos de reciprocidade e o fechamento do mercado internacional para os produtos de exportação. Embora correta em seus termos mais gerais, esta teoria não abrange todos os fatos. Na realidade, uma economia de exportação ativa não exclui, como não o fez em São Paulo, uma série de atividades industriais e urbanas. Encontram-se diretamente relacionadas as atividades de organização do transporte, beneficiamento e comércio. A economia monetária, estimulada por salários pagos no cultivo do café, também cria uma demanda por produtos que não poderiam ser facilmente importados do exterior:
A par dos tijolos, quase todos os gêneros de materiais de construção eram produzidos localmente por volta de 1920: telhas, cimento, pregos. canos de cerâmica, madeira serrada e até chapas de vidro e material de encanamento. Outros exemplos óbvios são cerveja, bebidas doces (e o vasilhame para engarrafá-las), sapatos, caldeiras, tecidos grosseiros. móveis, peças de cantaria, farinha, potes, panelas e chapéus.(10)
Uma terceira fonte de desenvolvimento manufatureiro foram as decisões dos comerciantes e importadores de financiarem a produção ou o acabamento de produtos, ao invés de importá-los. Esta combinação de exportações, importações e interesses manufatureiros se distancia bastante da imagem de um capitalismo urbano empresarial que luta contra os setores agrícolas "tradicionais". O fato é que uma agricultura de exportação ativa e dinâmica dificilmente pode ser considerada tradicional, quando examinada de perto. A correlação positiva entre economia de exportação e industrialização encontra-se explicitamente afirmada em Ezequiel Gallo:
A variável estratégica do processo de industrialização experimentado por estes países foi a expansão constante da demanda, que, por sua vez, resultou no aumento das rendas geradas pelo desempenho bem-sucedido do setor de exportação.(11)
Tarifas elevadas e crises externas são usualmente indicadas como fatores que, conjuntamente, fortalecem o desenvolvimento da indústria nacional. Em relação As tarifas, a idéia de uma oposição entre interesses agrícolas e industriais levaria a pensar que os primeiros se opusessem sistematicamente a estas tarifas, enquanto que os segundos as apoiassem. Mais ainda, levaria a pensar que a imposição destas tarifas teria sido uma conseqüência da vitória dos interesses industriais sobre os do campo.

Isto, entretanto, não aconteceu. Quando as tarifas eram estabelecidas no Brasil, o objetivo não era o de proteger a indústria. Warren Dean deixa isto bastante claro, ao assinalar que as tarifas alfandegárias surgiram no Brasil basicamente para angariar fundos para o governo, que delas extraia 70% de seus recursos em 1920. Os setores agrícolas não se opunham a estas tarifas, porque as alternativas, um tributo sobre a terra ou sobre a renda, seriam piores. "Se bem que uma tarifa dessa natureza fosse, por força, protecionista, sua intenção era meramente fiscal", conclui Dean.(12)

O significado político deste fato deve ser sublinhado. As tarifas eram aceitas de má vontade pelos agricultores, e seu objetivo não era proteger a indústria, e sim subsidiar as despesas crescentes da burocracia governamental, que triplicou de tamanho no período de maior descentralização política da história do país. A economia de exportação sustentou o Estado e, ao mesmo tempo, aceitou a proteção alfandegária para uma indústria que os exportadores não tencionavam particularmente apoiar. O sistema tarifário brasileiro, entre 1900 e 1934, foi casuístico, e proteções tarifárias específicas podiam ser obtidas mediante medidas particularísticas e reivindicações privadas. Assim, conclui Dean que o particularismo das reivindicações dos industriais por favores governamentais levou A sua dependência em relação à estrutura política existente.(13) Em resumo: se considerarmos o peso dos três setores - governo central, agricultores e industriais -, torna-se evidente que o primeiro certamente detinha o controle político da situação; os industriais eram o grupo mais fraco. Os agricultores detinham algum poder nas decisões relativas a em que setor o governo angariaria recursos, mas eram totalmente incapazes de impedir o crescimento contínuo da burocracia governamental patrimonialista.

Podemos introduzir aqui um outro elemento do modelo, os setores "modernos" (socialistas, classes médias, sindicatos). O senso comum tende a ligar estes grupos sociais "esquerdistas", modernos, ao setor social "progressista", os industriais, e a inferir uma oposição de interesses entre estes setores "modernos e progressistas", de um lado, e os setores agrícolas, de outro. É curioso como a oposição clássica e o ódio entre trabalhadores e burgueses parecem desaparecer no contexto do subdesenvolvimento, sob a égide do progressismo comum e de valores modernos.

A evidência empírica, entretanto, não apóia o que as ideologias do desenvolvimento esperariam. Os industriais brasileiros, de acordo com Dean, não estabeleceram uma política de desenvolvimento industrial bem-formulada, e não se preocuparam, de maneira alguma, com o progresso nacional como tal. Dependiam de favores particulares do governo, deviam dar demonstrações continuas de lealdade e de apoio e,
se haviam aliado não às classes médias reformistas, mas aos grandes proprietários e, invariavelmente, lhes ofereciam apoio político inquestionável. O industrialismo, com seu potencial de transformação social, foi de fato distorcido por uma aliança regressiva e oportunista com a classe menos propensa a favorecer esta transformação.(14)
Se aos industriais não agradavam os grupos "progressistas," a recíproca era certamente verdadeira. Nos primeiros tempos, o industrialismo brasileiro assemelhou-se, em sua aspereza para com a exploração do trabalho, ao britânico do século precedente; greves e outras formas de conflitos de classe ocorreram com intensidade no Brasil, nas primeiras décadas do século.(15) A classe média do país, que freqüentemente dependia da burocracia governamental e dos setores comerciais, tinha clara preferência pelos produtos estrangeiros e aliou-se a outros grupos sociais na denúncia secular da "artificialidade" da indústria nacional. O conflito de interesses entre industriais e importadores, que é de se esperar quando a indústria nacional principia a reivindicar proteção contra os produtos estrangeiros, é, assim, ampliado com uma aliança entre importadores e consumidores dos setores "médios" e baixos. Aqui, novamente, a análise do caso brasileiro coincide com o que Gallo descreve na Argentina. Apesar de um interesse objetivo dos grupos exportadores por tarifas baixas, a estabilização relativa dos níveis tarifários na Argentina ocorre somente durante o período de 1913-25, que coincide com o acesso do Partido Radical ao governo:
É importante reconhecer que, de 1916 até 1930, o poder politico passou ao partido geralmente identificado com as classes medias emergentes. A rigidez crescente da política tarifária coincide, assim, com o período em que o poder politico escapava das mãos das classes dominantes tradicionais. E, alem disso, foram precisamente os representantes dos novos partidos populares no congresso, radicais e socialistas, que mais ativamente se opuseram a qualquer tentativa de elevação das barreiras tarifárias.(16)
Se recordarmos as razões apresentadas por Hector Dieguez para o atraso relativo da Argentina, em comparação com a Austrália, é possível verificarmos que voltamos ao ponto de partida. Há uma contradição patente entre Gallo e Dieguez, mesmo quando admitimos que os fatores políticos considerados importantes por Dieguez - um movimento trabalhista poderoso, um partido trabalhista organizado, positivamente relacionados a atitudes favoráveis ao desenvolvimento industrial - funcionaram na Austrália. O que Gallo parece implicar é que a Argentina não formulou uma política de industrialização explícita, não porque faltassem alguns destes elementos, mas exatamente por que eles existiam.

Falta, finalmente, examinar a questão da relação entre crises externas e desenvolvimento industrial. As duas guerras mundiais e a crise de 1929 são vistas freqüentemente como circunstâncias que dificultam o comércio internacional, diminuem a disponibilidade de câmbio e de produtos estrangeiros e liberam a indústria nacional da competição internacional. O fato, entretanto, parece ter sido que no Brasil as crises mundiais exerceram um efeito principalmente depressivo na economia como um todo, incluindo o seu setor industrial, ainda que tivesse, também, o efeito de aumentar a demanda. Resumindo sua análise do caso brasileiro, Warren Dean afirma que,
em suma, a Primeira Guerra Mundial aumentou consideravelmente a procura de artigos manufaturados nacionais, mas tornou quase impossível a ampliação da capacidade produtiva para satisfazer a esta procura. As fortunas que se fizeram durante a guerra surgiram de novos ramos de exportações, da produção durante vinte e quatro horas por dia, ou de fusões e reorganizações. Novas fábricas e novas classes de manufatura não foram importantes. Poder-se-á até perguntar se a industrialização de São Paulo não se teria processado mais depressa se não tivesse havido guerra.(17)
É certo também, por outro lado, que as circunstâncias de guerra permitem uma política explícita, consciente e organizada de desenvolvimento industrial. No caso do Brasil, sabemos como as circunstâncias da Segunda Guerra Mundial permitiram a instalação no país de sua primeira indústria siderúrgica, Volta Redonda, a Fábrica Nacional de Motores, além de uma série de iniciativas pioneiras na área de tecnologia militar, inclusive a produção de sonares para a Marinha de Guerra.(18) No caso da Austrália, pareceria que sua participação no esforço de guerra, tanto na primeira quanto na segunda conflagração mundial, foi um fator decisivo na montagem de seu parque industrial.(19)

Esta discussão parece sugerir que, se as guerras e as grandes crises internacionais podem ter conseqüências negativas sobre a atividade econômica regular, ao restringir o crédito, dificultar os transportes e as comunicações internacionais, reduzir a disponibilidade de matérias-primas etc., elas podem também dar ocasião a um esforço político de organização e produção industrial de grandes conseqüências e impacto. Em outras palavras, a industrialização produzida em um contexto de crise internacional e guerra dificilmente pode ser explicada em termos econômicos, mas sim em termos políticos e institucionais.

4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel Do Estado

A análise até aqui revela dois elementos ausentes no modelo que estamos discutindo, ou, pelo menos, que não são sistematicamente considerados. O primeiro é o papel e as características do Estado, onde se insere o impulso externo; o segundo é uma consideração explícita da transição entre mecanismos de mercado, que expressam o jogo agregado de interesses individuais, e a formulação explícita de orientações políticas por grupos sociais organizados.

Os dois elementos encontram-se estreitamente relacionados. Há uma diferença significativa entre uma nova nação, como a Austrália, criada como uma extensão da economia britânica em expansão, e as "novas nações", como o Brasil ou a Argentina, nas quais o impulso econômico externo se implantou num contexto preexistente de patrimonialismo politico e dependência das atividades produtivas frente ao Estado patrimonial. Nestas "velhas novas nações", a condução da política nunca chegou ás mãos dos novos grupos econômicos, mesmo se os antigos setores de poder devessem mudar seu estilo e abrir o sistema politico a novas formas de participação. Na Argentina, a despeito da imigração internacional maciça, o poder politico permaneceu basicamente nas mãos da velha elite tradicional, que possuía imensos latifúndios para a pecuária e que controlava habilmente a maquinaria estatal.(20) No Brasil, o número de imigrantes foi menor, e eles se dirigiram sobretudo para São Paulo, uma área que fora marginal A formação da sociedade brasileira desde a Guerra dos Emboabas até A corrida do café, nos fins do século XIX. Esta divisão geográfica adicionou um elemento de regionalismo As diferenças econômicas e políticas entre São Paulo e o centro da vida política brasileira no Rio, que é fundamental para a explicação do que aconteceria ao processo politico do país durante a maioria das décadas seguintes.

A economia cafeeira no Brasil iniciou sua expansão em meados do século XIX e seguiu um padrão de abertura de fronteira, devido a uma combinação de produção crescente e exaustão progressiva das terras. Em 1859, quase 80% da produção brasileira de café provinham do Estado do Rio de Janeiro, 12,1% de São Paulo e 7,8% de Minas Gerais. Em 1902, São Paulo concentrava 65,2% da produção, Minas 22,8% e Rio de Janeiro apenas 9,7%.(21)

Como explicar esta dramática transferência geográfica, em um período de cinquenta anos? A resposta convencional é que havia em São Paulo grande disponibilidade de terras virgens e férteis, enquanto as de Minas Gerais já atingiam seu esgotamento. No entanto, esta explicação é claramente insatisfatória. Foi, certamente, verdadeiro que a qualidade dos solos paulistas era excepcionalmente favorável ao aumento da produção, que teve lugar no estado. Mas não é tão evidente que o solo em Minas Gerais fosse tão inferior, ou que as diferenças na qualidade das terras fossem tão mais importantes que as características sociais e políticas das áreas em que foi introduzido o café.(22) A explicação mais profunda do sucesso da agricultura paulista passa necessariamente pela análise da solução dada pelo Estado á questão da mão-de-obra, na transição do trabalho escravo para oi trabalho livre, em primeiro lugar, e na política de sustentação de preços ao nível internacional depois.(23)

A questão da mão-de-obra pode ser melhor entendida se compararmos o que ocorreu em São Paulo com o que ocorria na agricultura cafeeira mais tradicional. A melhor fonte para os estudos da natureza social das primeiras fazendas de café no Brasil é, sem dúvida, Vassouras, de Stanley J. Stein.(24) Pequeno vilarejo ao longo da via que ligava o Rio de Janeiro As áreas de mineração de ouro em Minas Gerais, Vassouras e seus arredores, no vale do rio Paraíba, tornaram-se uma região central de produção de café, na expansão que se desenrolou entre 1830 a 1850, elevando o volume das exportações do Rio de cerca de dois milhões para mais de dez milhões de arrobas durante o período. A decadência veio para Vassouras quase tão rapidamente quanto a riqueza e o progresso haviam chegado umas poucas décadas antes, e Stein nos oferece uma descrição detalhada e relevante do que ocorreu.

Uma parte substancial da decadência é explicada pela exaustão dos solos, envelhecimento dos cafeeiros, escasseamento de reservas de florestas virgens e erosão, todos conseqüência de técnicas de cultivo predatórias empregadas numa situação em que a terra era o fator de produção mais barato e abundante. Celso Furtado argumenta que esta era a maneira mais racional de agir, já que a deterioração das terras era compensada pelo montante de riqueza produzido pelo cultivo. Este tipo de raciocínio faz sentido do ponto de vista da economia do país como um todo, pois que a terra parecia inesgotável e a produção do país não deixava de aumentar.(25) Entretanto, do ponto de vista do agricultor individual de Vassouras e, sob este aspecto, para o município como um todo, a decadência econômica foi pesada e demonstrou ser impossível de ser superada. Os fazendeiros da região foram incapazes de conseguir novos trabalhadores para substituir os escravos envelhecidos e caros, e não dispuseram de capital para financiar suas colheitas, para substituir os velhos cafeeiros, ou para experimentar técnicas de cultivo mais racionais e menos predatórias.

O cultivo do café requer crédito, pois necessita de quatro anos de investimento inicial até que os cafeeiros recém-plantados frutifiquem. A fonte inicial de crédito provinha dos intermediários no Rio, que se encarregavam da comercialização do produto e que retinham os empréstimos, seus juros e seus lucros. Quando veio a decadência, a dependência dos agricultores em relação a estes intermediários aumentou e, em 1850, o Banco do Brasil começou a financiar diretamente os cafeicultores em dificuldades. O cafeicultor parecia confiar em sua influência política, seus títulos de nobreza e relações pessoais para evitar a pressão de seu credor oficial. Stein se refere a vários mecanismos mediante os quais os cafeicultores podiam manter "sua indiferença no cumprimento de obrigações assinadas que exigiam pagamento imediato de capital e juros".(26) E cita um observador da época como tendo afirmado que "em nenhum lugar do mundo - pelo menos não nas Índias Holandesas se proporciona aos agricultores tantas garantias legais para permitir-lhes cultivarem suas terras em paz, como no Brasil".(27) O apoio financeiro aos agricultores foi concedido durante certo tempo contra qualquer lógica econômica:
O fluxo ocorreu apesar da retração temporária dos mercados externos para o café, da competição do café mais barato produzido nas áreas afastadas do vale do Paraíba em São Paulo e da produção menos abundante das áreas endividadas da província.(28)
Este endividamento crescente e a dependência frente ao governo no Rio não deu ao agricultor liberdade de ação para solucionar o problema da mão-de-obra, que era crucial.(29) Depois de 1850, o tráfico de escravos da África se extinguiu e, desde então, até o final do regime da escravidão, em 1888, a substituição dos trabalhadores se tornou bastante difícil. O preço dos escravos quase dobrou de 18524, e aumentou exponencialmente até por volta de 1880, quando o sistema da escravatura principiou a desmoronar.(30) A despeito do substancial tráfico interno de escravos, o fato é que a mão-de-obra escrava envelheceu, a proporção de homens por mulheres se tornou mais equilibrada e a população cativa tornou-se mais um peso do que um recurso:
Este segmento crucial da força de trabalho agrícola, o grupo de idade entre 14 e 45 anos, diminuiu de um máximo de 62% do total da mão-de-obra de 1830-49, para 51% na década seguinte e, finalmente, para 35% nos últimos oito anos de escravidão.(31)
É difícil explicar a incapacidade do cafeicultor do Rio de resolver o problema da força de trabalho. Uma explicação comum refere-se As dificuldades de lidar conjuntamente com trabalhadores livres e escravos, uma vez que tal coexistência poderia significar para o trabalhador livre um rebaixamento insuportável à condição de escravo. O trabalho manual seria equiparado ao trabalho escravo, e nenhum trabalhador livre o aceitaria sem problemas.

Para que este mecanismo psicológico, entretanto, operasse, as barreiras sociais, econômicas e raciais entre escravos e trabalhadores da classe baixa deveriam ser muito mais marcadas do que eram no século XIX no Brasil.(32) Na realidade, outros regimes de trabalho haviam sido experimentados na área de Vassouras antes do final do sistema escravista, sem sucesso. Arrendamento, parceria e trabalho assalariado foram tentados com graus distintos de fracasso e, após a abolição da escravatura, a "organização dos remanescentes da fazenda produtora de café cristalizou-se na forma de parceria, suplementada por emprego por tarefa".(33)

O sistema de parceria implicava que o proprietário não necessitava preocupar-se demasiado com as atividades diárias da lavoura, enquanto os trabalhadores livres poderiam gozar de um simulacro de independência e pequena propriedade. Aqui, como em outras situações, um padrão de troca entre decadência econômica e dependência patrimonial pode ser observado. Todos os cafeicultores influentes de Vassouras possuíam títulos de nobreza no Brasil-Império, e o percentual de barões do café, em relação A totalidade de detentores de títulos, subiu de 21 a 26% de 1840 a 1870. Os títulos eram outorgados, segundo Stein, por "sua contribuição financeira na Guerra do Paraguai, ou sua importância local ou nacional no apoio ao regime imperial, ou seus atos filantrópicos".(34) Esta bastante generosa distribuição de títulos não-hereditários de nobreza constitui, certamente, uma indicação da importância que atribuíam os agricultores As suas relações com a sede do governo imperial. Esta relação não se limitava a uma questão de prestígio, mas, como vimos, encontrava-se estreitamente ligada As fontes de apoio econômico e financeiro que só poderiam encontrar no Rio de Janeiro.

O sistema de parceria permitiu que se combinassem agricultura de exportação e de subsistência, pois que o parceiro podia habitualmente cultivar um pedaço de terra para seu consumo próprio. Este aspecto, aliado A influência política do agricultor, aumentou a capacidade da fazenda mais tradicional de café para sobreviver ao impacto dos desequilíbrios econômicos de curto prazo, mas reduziu sua capacidade de influenciar o processo a longo prazo.

A diferença entre o que ocorreu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, por um lado, e em São Paulo, por outro, é notável. Em São Paulo, a produção do café foi estimulada por uma política ativa de atração de imigrantes europeus e de sua submissão a um sistema de exploração do trabalho bastante intenso, de características semelhantes As do capitalismo. Há dois padrões mais gerais de imigração no Brasil, um deles conhecido como "colonização" e o outro como "imigração" simplesmente. O primeiro, que tendeu a ser dirigido e induzido pelo governo central, foi uma tentativa de criar no país um campesinato de tipo europeu, independente e produtivo. O outro, mais diretamente promovido pelos agricultores de São Paulo e, posteriormente, pelo governo estadual, visava, especificamente, à provisão de mão-de-obra para as fazendas de café.(35) O padrão de "colonização" obteve êxito relativo nos estados sulinos do Rio Grande e Santa Catarina, onde se estabeleceram grandes colônias de alemães.(36) O de imigração, entretanto, foi o dominante, e São Paulo tornou-se, cada vez mais, a área promotora e de destino deste fluxo, como demonstram os quadros 7 e 8. (37)


Depois de 1889, quando se inicia o período republicano, o padrão das despesas federais e estaduais é errático, indicando que a divisão de atribuições entre os dois níveis de governo ainda estava por fazer. De 1889 a 1891, o governo federal parece assumir a responsabilidade das despesas com imigração; após esta data, a contribuição do Estado de São Paulo não é constante, mas foi sempre significativamente elevada. De 1902 a 1906, o governo central reduziu substancialmente sua participação no financiamento da imigração, deixando-o quase inteiramente a cargo de São Paulo. Após 1906, o problema da força de trabalho está praticamente superado em São Paulo. O padrão da imigração se modifica, os italianos cedem lugar aos portugueses e espanhóis, e o problema que aflige os fazendeiros de café já não é o trabalho, mas os preços no mercado internacional.

Um esforço sistemático para o controle da oferta e para influenciar os preços do café no mercado internacional principia, precisamente, em 1906, com o acordo de Taubaté, firmado pelos governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tentativa anterior de controle da oferta fora feita pelo governo de São Paulo quando, em 1902, proibiu o plantio de novos cafeeiros durante cinco anos.(38) Sabe-se, com segurança, que as iniciativas para o acordo de Taubaté e para as subseqüentes medidas de controle dos preços provieram dos cafeicultores paulistas; Delfim Netto relaciona estas iniciativas às diferenças nos sistemas de trabalho dos dois estados-líderes, Minas Gerais e São Paulo. O regime de trabalho em São Paulo era do tipo contratual e monetário ("colonato"), ao passo que no resto do país, especialmente em Minas Gerais, as relações de trabalho se baseavam na "parceria". As diferenças entre estes dois sistemas ressaltaram quando os preços caíram no mercado internacional, em princípios do século XX. O cafeicultor de São Paulo era mais vulnerável às flutuações de preços do que seu igual sob o regime da parceria, e esta é a razão por que, segundo Delfim Netto, "não é de surpreender que as pressões para a intervenção [federal] governamental (na economia do café] surgissem de São Paulo".(39)

O sistema republicano de 1889 iniciou-se, assim, com uma considerável descentralização de poder e com um estado-líder que começava por enfeixar em suas mãos a administração dos interesses de seus grupos dominantes em relação ao suprimento da força de trabalho, controle da produção, política de exportação, e assim por diante. Seria um equivoco, no entanto, supor que este processo levaria â progressiva constituição de uma política orientada principalmente pelos interesses destas classes dominantes e executada diretamente por ela. Os debates havidos na época no Congresso Nacional, os documentos da Sociedade Rural Brasileira, controlada pelos interesses do café, e outras fontes da época examinadas por Elisa Pereira Reis evidenciam que havia um esforço sistemático e constante de transferir ao governo federal a responsabilidade pela condução da política cafeeira do país - e, evidentemente, a absorção de seus custos - e que foi resistida durante muito tempo pelo governo. A autora resume sua análise dizendo que inicialmente a busca de apoio oficial para a defesa de seus interesses era vista pelos cafeicultores como uma medida temporária para compensar uma situação adversa no mercado internacional. Com o tempo, no entanto, a própria política de valorização foi transformando-a em um processo permanente.
Sob o impacto de crises recorrentes do mercado, as preferências pela ação do Estado em relação a esforços cooperativos os levaram a renovar suas demandas por intervenção estatal. Depois de três instâncias de "intervenção temporária", os fazendeiros passaram a fazer campanha pela ação permanente do Estado no mercado do café, o que finalmente conseguiram na década de 20. (...) As práticas de intervencionismo econômico reforçaram a dominação politica dos plantadores. Com este poder, os plantadores puderam superar a resistência inicial do executivo a intervir no mercado e reforçar as práticas monopolísticas que asseguravam preços artificialmente altos para o café. Uma vez que as oligarquias agrárias conseguiram garantir sua representação exclusiva na arena politica, o liberalismo econômico perdeu sua raison d'être. Como conseqüência, os princípios de laissez-faire, estabelecidos nas normas constitucionais, foram abandonados em beneficio da intervenção contínua do Estado no mercado.(40)
5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial

Esta coalizão conservadora entre a oligarquia rural e o Estado é muito importante para entendermos por que os interesses econômicos mais dinâmicos do país não conduziram a uma política de representação de interesses mais bem definida, e a uma maior abertura do sistema politico a outros setores sociais, como aparentemente ocorreu nos países capitalistas onde este tipo de coalizão não se deu. Segundo ainda Elisa Reis,
o fato de as elites agrárias terem sido capazes de impor seu domínio oligárquico sem resistência significativa por parte de interesses competitivos levou a uma superposição significativa entre as ordens pública e privada. Nestas circunstâncias o Estado, que havia expandido suas atividades em grande medida para atender às demandas das oligarquias dominantes, não tinha que responder a outros interesses sociais. Mesmo as divisões entre as elites agrárias não levavam à negociação pluralística, porque o federalismo no Brasil levava à segmentação de interesses. (...) O governo central tratava com as demandas regionais de forma fragmentada, favorecendo assim relações verticais em detrimento das relações horizontais.(41)
Se esta análise nos permite entender melhor o caráter conservador do sistema político gerado, entre outras coisas, a partir dos interesses cafeeiros, ela não é suficiente para explicarmos as diferenças entre o tipo de política que se originava de São Paulo, a que se originava de Minas Gerais e a que emanava do centro político do país no Rio de Janeiro. Na verdade, apesar de real, a coalizão de interesses entre as oligarquias rurais e o Estado é somente uma parte da história. É preciso considerar ainda que o fortalecimento de estruturas políticas não se deu a partir da expansão econômica de determinados setores, mas precisamente em função da decadência de outros. Vale a pena fazer um rápido retrospecto de nossa história sob esta perspectiva.

A história de Portugal mostra um padrão consistente de busca de apoio para o domínio político à custa de concessões econômicas à Inglaterra. Depois da independência em relação à Espanha, Portugal estabeleceu com a Inglaterra um pacto pelo qual esta concedia Aquela garantias políticas em troca de privilégios econômicos. O clímax desta relação de dependência foi, possivelmente, o Tratado de Methuen, de 1703. Com este trabalho, Portugal pôde garantir seu controle sobre o Amazonas, contra a França, e sobre a Colônia do Sacramento, contra a Espanha, mantendo, além disso, os mercados ingleses para o vinho português. O preço, no entanto, foi, no dizer de Celso Furtado, a renúncia ao desenvolvimento de uma indústria portuguesa e a transferência à Inglaterra do impulso dinâmico criado pela produção de ouro no Brasil.(42)

Alan K. Manchester oferece abundantes provas históricas de como este processo de troca permaneceu no Brasil após sua independência de Portugal, em 1822. Um dos tratados assinados entre o governo português exilado no Brasil em 1810 e a Inglaterra, garante privilégios a todos os tipos de produtos e a cidadãos ingleses em território português; outro, tratando de questões políticas, assegurava a união perpétua entre os dois países, incluindo a promessa britânica de "nunca reconhecer como soberano de Portugal qualquer príncipe que não seja o herdeiro legitimo da casa de Bragança", e acrescentava outras garantias políticas.(43) O mesmo padrão de troca de poder econômico por privilégio político era aparente na Argentina, onde, de acordo com a análise de Gallo e Cortes Conde, um padrão de crescimento "para fora", com emprego intensivo de capital estrangeiro, manteve os grupos políticos mais tradicionais relativamente seguros.

Em termos gerais, o traço característico da colonização portuguesa no Brasil parece ter consistido em um processo de centralização política que ocorria simultaneamente e era intensificado pela contínua decadência econômica em vários níveis e áreas. Celso Furtado mostra, em Formação Econômica do Brasil, como a economia do açúcar, no Nordeste, proporcionava a parte principal dos lucros para os holandeses, em troca da soberania portuguesa sobre o território brasileiro.

O mesmo processo parece haver existido regionalmente. Em Minas Gerais, um sistema cada vez mais estrito de controle fiscal sobre as áreas de mineração foi estabelecido depois da Guerra dos Emboabas, e o aumento do controle era proporcional à diminuição da produção.(44) No Sul, apesar do modesto sucesso da indústria do charque e do trigo, as atividades militares dirigidas por Lisboa e Rio nunca deixaram de ser preponderantes. O Rio de Janeiro, a capital administrativa do país desde 1763, tem vivido, desde então, dos benefícios oriundos da presença do governo colonial, da Coroa e, depois, do Império.

Dependência política derivada do status colonial, subordinação econômica a Portugal e Inglaterra, e centralização burocrática para a exploração de uma economia em decadência, tal é o quadro com o qual o Brasil entra no século XIX. Durante a maior parte do século XVIII o progresso do país foi medíocre e, na medida em que a economia estagnava, o processo de centralização e controle politico se acentuava.(45)

Estudos históricos deverão documentar os aspectos mais específicos da relações aqui sugeridas, entre decadência econômica e centralização política. Celso Furtado sugere que a economia açucareira do Nordeste foi capaz de resistir à queda dos preços internacionais de seu produto pela reversão a um tipo de economia de auto-suficiência que se aproxima, mais do que qualquer outra coisa, de uma versão brasileira de tradicionalismo feudal.(46) Se isto foi assim, o que se passou então, com as atividades administrativas e comerciais que dependiam desta economia em recessão? Os historiadores estão ainda por responder a isto.(47) Aconteceu, provavelmente, que, na medida em que os grupos comerciais mais dinâmicos partiam, a administração governamental se retraía a um tipo de ritualismo burocrático, tão familiar, de resto, à estrutura altamente centralizada e formal da administração portuguesa.

Em termos gerais, pois, o processo da colonização portuguesa parece ter consistido em dois movimentos típicos. Primeiro, a administração proporcionava todo tipo de facilidades para a iniciativa privada, produzindo, ao mesmo tempo, prosperidade econômica e dispersão de poder. Em um segundo momento, a administração aumentava seu controle através de uma série de restrições, levando a um conflito inevitável com os empreendedores privados. Esta centralização e crescimento de controles eram uma reação a uma redução da renda; isto parece ter acontecido com o açúcar, foi certamente o caso com a decadência da economia mineira no final do século XVIII e voltou a ocorrer no início do século XIX, com a tentativa das cortes portuguesas de reconduzir o Brasil a seu status colonial.(48)

O padrão de dependência externa, que deveria continuar através de todo o século, significou, assim, não apenas que os recursos e a riqueza nacional eram canalizados para o exterior, o que, em certo sentido, é conceitualmente trivial, mas também que, neste processo, o Estado patrimonial foi capaz de sobreviver ao limitar as oportunidades de organização e manifestação política independente por parte de grupos nacionais que detinham uma base produtiva própria, fossem industriais, capitalistas ou trabalhadores. Confrontados com um setor político dominante, que gozava do apoio de interesses econômicos estrangeiros poderosos, os grupos nacionais podiam implorar, pressionar ou reivindicar favores especiais e concessões dos detentores do poder político, mas nunca poderiam aspirar a conquistá-lo e submetê-lo a seus próprios fins. É por isso que a coalizão conservadora dos interesses dos cafeicultores com o governo federal não teve como resultado, a longo prazo, a subordinação da política federal aos interesses do café, mas, ao contrário, a progressiva dependência dos interesses do café em relação ao governo do Rio de Janeiro.

A conseqüência foi a falta daquela "vontade e determinação política" que os economistas e historiadores argentinos só detectaram haver na Austrália, e que poderia eventualmente transformar uma situação de privação relativa em uma política voluntária de industrialização e desenvolvimento. Apenas o próprio Estado foi capaz, quando as condições existiam, de tentar esta transformação, independentemente e às vezes às expensas dos partidos políticos e dos setores da "sociedade civil". Esta "falta de vontade e determinação política", é claro, não constitui um traço cultural ou psicológico, mas é resultado de uma situação de dependência interna que replicava, por assim dizer, a dependência externa do poder patrimonial em relação aos centros da economia mundial.

Podemos passar, agora, a um exame mais estritamente politico do processo interno que correspondeu a estas transformações estruturais.


Notas

1. Cf. Pinto, V. N., 1969, p. 132. Os dados acima são da mesma fonte

2. Nurske, R., 1968. A tradução é minha.

3. Manchester, A. K., 1933. A Tradução é minha.

4. Ibid. p. 334.

5. Sobre Staple Theory, ver Caves, R., 1965, e Watkins, M., 1963.

6. Alguns dentre os estudos comparativos sobre este tópico são os de Dieguez, H. L., 1968; Smithies, A., 1965, e Ferrer, A. e Wheelwright, E. L., s.d. Os resultados de um seminário especifico sobre o tema estão contidos em Fogarty, 3., Gallo, E. e Dieguez, H., 1979.

7. Dieguez, H. 1968, p. 16-7. A tradução é minha.

8. Gallo, E., 1970, p. 57-78. A tradução é minha.

9. Este modelo faz parte do "paradigma clássico" que Wanderley Guilherme dos Santos atribui, principalmente, a Celso Furtado (ver o cap. 1, nota 4, e Furtado, C., 1972). Para uma discussão de seus pressupostos históricos, ver Dean, W., 1971, principalmente os caps. 6 e 10; Baer, W. e Villela, A., 1972: Leff, N. H., 1969; e vários outros citados no trabalho de Baer e Villela.

10. Dean, W., 1971, p. 16. A tradução é minha.

11. Gallo, E., 1970. p. 53.

12. Dean, W., 1971, p. 79.

13. Ibid. p. 80.

14. Ibid. p. 81.

15. A respeito da repressão ao movimento operário nesta época, ver Pinheiro, Paulo S., 1979.

16. Gallo, E., 1970. p. 57. As fontes utilizadas por Gallo são Díaz Alejandro, C. F., 1967, e Cornblit, O., 1967.

17. Dean, W., 1971, p. 114.

18. Ver a este respeito Pinto, Ricardo G. Ferreira, 1978, e Schwartzman, S., 1979, p. 258-61.

19. Long, G., 1947, p. 20, citado por Dieguez, H., 1968.

20. Sumariando um estudo sobre a formação da Argentina contemporânea, R Cortes Conde e E. Gallo concluem que apesar de haver sido "bastante secularizado y fuera muy dinámico", a liderança política do país já estava demasiado consolidada no poder para ceder lugar aos grupos imigrantes emergentes: "Por el escaso poder económico y la relativa marginalidad de los grupos que podían haber asumido la dirección de una política industrialista, extranjeros en su mayoría, dentro de una sociedad ya estructurada y con la presencia de un grupo dirigente tradicional, resulta comprensible la dificultad de hacer aceptable una nueva política para la mayoría de la población. Esto diferencia a la Argentina de la mayor parte de las regiones de nuevo poblamiento, donde casi todos eran recién llegados y se encontraban en condiciones similares". O único crescimento possível era "hacia afuera", de maneira tal que as situações de poder consolidadas não fossem ameaçadas. Cf. Cortes Conde, R., e Gallo, E., 1967.

21. Cf. Reis, E. M. Pereira, 1972, p. 6.

22. Publicação oficial do Estado de Minas Gerais estima que, em 1929, existiam ainda, aproximadamente, 11 milhões de hectares de terras virgens apropriadas para o cultivo do café, e que apenas a metade destas terras seria suficiente para plantar mais de cinco milhões de cafeeiros, ou cerca do quíntuplo do que São Paulo plantava naquela época. Cf. Estado de Minas Gerais, 1929

23. Para uma análise excelente destes dois temas, ver Reis, E. M. Pereira, 1979. Sobre a política de valorização, ver também Delfim Netto, A., 1959.

24. Stein, S. J., 1957. Existe tradução brasileira posterior.

25. Furtado, C., 1972, p. 163. O uso predatório da terra era, para ele, racional não somente do ponto de vista individual como também do ponto de vista da sociedade em seu conjunto: "Se o aproveitamento da reserva esgotável de solos se faz para dar início a um processo de desenvolvimento econômico, não somente a geração presente, mas também as futuras - que receberão a reserva transformada em capital reprodutível - serão beneficiadas".

26. Stein, S. J., 1957, p. 241.

27. Ibid. p. 242.

28. Ibid. p. 244.

29. Cf. Furtado, C., caps. 21 a 24, 1972, para uma análise dos problemas da força de trabalho no Brasil, neste período. Para uma visão mais completa e atualizada da transição do trabalho escravo ao trabalho livre, ver Reis, E. M. Pereira, cap. 2, 1979.

30. Stein, S. J., 1957, p. 65 e 229.

31. Ibid. p. 78. A tradução é minha.

32. Herbert S. Klein, em um artigo, observa que existia no Brasil do século XIX um padrão de miscigenação racial e étnica intensivo, que contribuía para formar um grande contingente populacional livre de origem africana ou mestiça. O trabalho conclui com a afirmação de que "the fact that so many freedman were being manumitted at such a constant and rapid rate in the nineteenth century, during the greatest expansion o! the plantation economy, suggests the fundamental acceptance by white Brazilians of the possibility of a functioning interracial free labor society well before the institution of slavery was seriously challenged". Klein, H. S., 1969, p. 52.

33. Stein, S. J., 1957, p. 271.

34. Ibid. p. 122.

35. Uma descrição dos padrões de imigração no Brasil é apresentada por Diegues Jr., M., 1964. Neiva, A. H., 1945, constitui uma referencia bibliográfica básica. Dados de imigração de 1819 a 1947, por ano e país de origem, podem ser encontrados em Neiva, A. H., ibid., e Carneiro, J. F., 1950.

36. Ver Paula Lopes, R., para uma análise do padrão de "colonização", dominante no Sul do Brasil.

37. Ver Azevedo, S. A., 1941, para uma descrição detalhada do fluxo migratório e dos tipos de ocupação do solo em São Paulo.

38. Reis, E. M. Pereira, 1972, p. 8.

39. Delfim Netto, A., 1959, p. 43-4.A comparação entre o sistema de "colonato" e o de "parceria" é feita com base em Ramos, A., 1934.

40. Reis, E. M. Pereira, 1979, p. 166.

41. Ibid. p. 234.

42. Furtado, C., 1972, p. 34. Para as relações entre Brasil e Inglaterra, cf. Manchester, A. K., 1933, assim como o sumário dado por Furtado no cap. 7, "Encerramento da etapa colonial."

43. Manchester, A. K., 1933, p. 91.

44. Para uma descrição deste processo, ver Faoro, R., 1958.

45. A idéia de que a segunda metade do século XVIII foi de continua decadência econômica não é totalmente correta. Há um período de reflorescimento no fim do século, devido, principalmente, ao surgimento de novos produtos e à recuperação dos preços internacionais do açúcar. Este desenvolvimento é analisado por Alden, D., 1968, p. 381.

46. Cf. Furtado, C., 1972.

47. Esta análise é sugerida, ainda que não totalmente feita, em Castro. A. B., 1971.

48. Sobre a vinda da família real portuguesa ao Brasil e a atuação das cortes portuguesas, cf. Manchester, A. K., 1969, e Burns, B. E., 1970.

 

Capítulo 5
DO IMPÉRIO À REPÚBLICA: CENTRALIZAÇÃO, DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS E DESCENTRALIZAÇÃO


1. A Vida Política no Século XIX

2. De Províncias a Estados

3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano

4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul

5. São Paulo e Minas Gerais

6. A Revolução de 1930- Fatos e Ideologias

7. A Nova Centralização

Notas


1. A Vida Política no Século XIX

Uma das características mais notáveis do Brasil do século XIX é o estabelecimento de uma monarquia estável no país, que funciona sem maiores percalços de 1840 a 1889, tendo antes passado por um período de consolidação iniciado em 1808. Sem pretender reproduzir aqui a história deste período, vale a pena fixar algumas das suas características que se vinculam mais de perto à questão da formação do Estado e seu relacionamento com os demais setores da sociedade brasileira na época.

O período inicial do Império é caracterizado pelo conflito entre "brasileiros" e "portugueses", mais tarde traduzido em termos de um conflito entre os Partidos Liberal e Conservador. A dissolução da Assembléia Constituinte de 1823 é uma vitória dos "portugueses," assim como a abdicação de D. Pedro I, uma vitória dos "brasileiros." Após a abdicação, o país entra em um período de rebeliões regionais que ameaçam sua fragmentação política e territorial. No processo de consolidação política, o governo central teve que criar uma força militar relativamente independente das regiões em que estivesse estacionada e, desta forma, foi iniciada a formação de um exército nacional regular.

Tanto a Marinha quanto o Exército eram compostos, nos primórdios do Brasil independente, de portugueses e mercenários, mas a nacionalização do Exército parece ter ocorrido muito mais rapidamente. Um decreto, em 1831, reorganizou o Exército, fixando seu efetivo em dez mil homens, e o número de pessoas alistadas permaneceu entre 15 e 20 mil durante todo o século XIX, com exceção do período da Guerra do Paraguai. Havia cerca de 35 mil homens em armas em 1865, 83 mil em 1869, mas somente 15 mil em 1873; Esta diminuição esconde, entretanto, o processo de desenvolvimento de um exército profissional e organizado, incrementado a partir da derrota dos movimentos sediciosos do Período Regencial.(1) Estas sedições eclodiram, a partir de 183 i, na Bahia, Pernambuco, Pará e Rio Grande do Sul. Em 1839, ano que antecede à declaração de maioridade de D. Pedro II, ocorriam rebeliões nos quatro estados. Em 1845, no entanto, somente o movimento farroupilha no Rio Grande do Sul não estava totalmente dominado.(2) Não é, evidentemente, uma coincidência o fato de õ homem responsável pela eliminação das rebeliões ser também considerado o fundador e patrono do Exército brasileiro.

Apesar de diminuírem as rebeliões a partir da década de 1849, o Exército que foi organizado para conte-las continuou a manter altos os seus gastos, numa indicação clara da irreversibilidade do fortalecimento da instituição militar. Na década de 1830, estes gastos oscilavam entre 30 e 40% das despesas totais do governo central; no ano fiscal de 1939-40, atingiram 56%, diminuindo depois lentamente até um patamar ao redor dos 40% da despesa total, onde se mantiveram até 1870. Esta redução não significou, no entanto, uma diminuição de gastos absolutos, já que as despesas públicas cresceram sem interrupção durante todo este período.(3) De fato as despesas governamentais triplicaram nos dez primeiros anos que se seguiram à independência, aumentando progressivamente a partir daí.

Não se trata, tampouco, de um aumento simplesmente nominal, já que o valor da moeda brasileira se manteve estável em relação à libra inglesa durante a maior parte do século XIX.(4) Este aumento de gastos governamentais seguiu de perto a recuperação da economia brasileira na segunda metade do século, graças principalmente ao café; este crescimento também reflete a habilidade cada vez maior do governo central em extrair recursos em seu próprio beneficio.

Quem participava desta estrutura governamental em expansão? Eleitoralmente, renda e propriedade condicionaram o exercício de direitos políticos durante todo o Período Imperial.(5) O número de eleitores em 1872 era cerca de um milhão, o que representava 9% da população total do país.(6) Este número dá somente uma indicação muito geral dos limites alcançados pelo sistema de participação política, que além de limitado era sujeito a fraudes e irregularidades de todo tipo, situação que se manteve durante a Primeira República e permitia ao governo eleger os candidatos que queria.

A Assembléia Constituinte de 1823 representou, segundo a interpretação de Faoro, as tendências mais liberais e centrifugas das províncias, em contraposição às tendências mais centralizadoras do governo imperial. De maneira geral, o Congresso parece ter sido, tradicionalmente, o lugar em que a oposição descentralizadora tinha mais possibilidades de fazer-se ouvir, e isto talvez explique o fato de que os recursos à disposição da Câmara de Deputados tenham diminuído, em termos relativos, através do tempo.(7)

O orçamento legislativo era parte do orçamento total do Ministério do Império, sendo sempre muito menor do que os gastos da Família Real, que representava o maior item das despesas daquele ministério. Os gastos governamentais com o Legislativo nunca foram além de 1,6% do orçamento total e tenderam a aumentar minimamente entre a primeira e a segunda metade do período (0,75% de 1837 a 1864 e 1,1% de 1864 a 1889). É claro que estes números em si mesmos não expressam a força política do Legislativo, mas registram a imagem de um Executivo forte e centralizador, que foi capaz, pouco a pouco, de ir cooptando a oposição liberal ao establishment político da época.

Se a filiação partidária dos detentores de posições executivas e legislativas não nos diz muito sobre quem eles de fato representavam, os dados de origem regional podem ser um indicador melhor, pois, principalmente a partir do Segundo Reinado, parecem bastante significativos. Enquanto o centro de gravidade econômico e demográfico se movia para o Sul, a base política do governo parecia transferir-se para o Norte. São Paulo e Rio Grande do Sul eram claramente sub-representados, e não é por acaso que estes estados foram o foco da oposição republicana ao Império.(8) A alienação política das fontes emergentes de riqueza era similar á resistência encontrada pelas Forças Armadas em sua tentativa de desempenhar um papel político mais ativo. O fim do Império abre o caminho à descentralização política e a uma maior correspondência entre poder político e desenvolvimento social e econômico.

2. De Províncias a Estados

Com a República, as antigas províncias, agora estados, puderam desempenhar um papel mais ativo do que até então lhes era permitido. Uma vez consolidado, o novo regime republicano ficou famoso pela "Política dos Governadores", que supunha um comando dos governadores dos principais estados, São Paulo e Minas pelo menos, nas grandes decisões nacionais, a começar pela indicação dos candidatos à presidência.(9)

Uma visão da administração provincial durante o período do Império nos é proporcionada pelo trabalho pioneiro de Francisco Iglésias sobre o governo provincial de Minas Gerais.(10) O primeiro elemento que ressalta neste trabalho é o sistema hierárquico e centralizado de autoridade em nível nacional. Os presidentes de província eram nomeados pelo imperador e tinham sua lealdade e fidelidade totalmente orientadas para o governo central. Não era necessário ao presidente ser natural da província que governava ou estar de alguma forma a ela relacionado; com freqüência um mesmo homem ocupava a presidência de várias províncias em sua carreira política. "Não se sente, na Monarquia", diz Iglésias, "o espírito de região influindo no governo, como é comum na República. Os estadistas do tempo foram homens nacionais: ainda que expressivos de suas terras, com os traços de Pernambuco, Minas ou Rio Grande do Sul, não faziam o jogo regionalista na vida pública."(11)

A esta centralização extrema aliava-se uma alta rotatividade, uma indefinição de funções e uma ausência de políticas governamentais explícitas. Durante 65 anos Minas Gerais teve 122 períodos presidenciais, dando uma média de pouco mais de seis meses para cada administração. Estes pequenos mandatos eram degraus na carreira política dos homens públicos da época, que pertenciam a um dos partidos que se alternavam nos gabinetes imperiais e tinham como função precípua assegurar a vitória da sua agremiação nas eleições para o Congresso em suas províncias.(12)

Este sistema era, sem dúvida, muito ineficiente em termos de capacidade administrativa. Iglésias proporciona abundante evidência de críticas a ele endereçadas durante o Período Imperial. No entanto, ele parece ter sido suficientemente eficiente naquilo que era mais importante para o governo centralizado do Rio de Janeiro, ou seja, manter oi poder central livre de demandas regionais e assegurar a alternância pacífica no sistema bipartidário, que funcionava tão bem dentro de seus limites. Havia poucos meios ou instrumentos pelos quais a vida econômica e social das províncias pudesse ser influenciada e dirigida a partir de cima e, por outro lado, nenhuma atividade de agregação de interesses locais e nacionais podia ser realizada. Esta capacidade tão limitada de mútua influência era, exatamente, oi necessário para assegurar a autonomia do governo central.

José Murilo de Carvalho, em sua excelente caracterização da burocracia estabelecida pelo poder imperial, faz uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos na qual se vê que a burocracia brasileira tinha a forma de uma pirâmide invertida, com grande número de posições de nível nacional e poucas de nível local, ao contrário da estrutura norte-americana.(13) Isto revela que, no Brasil, sistemas autônomos de poder local, baseados na propriedade da terra e em laços familiares, podiam florescer e prosperar, mas dificilmente se articular como corpos políticos efetivos de nível regional. A ausência de canais estáveis de comunicação entre a autoridade política e a liderança local levava, muitas vezes, a choques violentos, dos quais a rebelião de Canudos é o exemplo mais famoso.(14) No nível da teoria política, esta situação levou a um sério mal-entendido no que diz respeito à natureza do sistema político brasileiro, ou seja, à noção de que os chefes locais eram a base e fonte de poder político regional e nacional, através de níveis sucessivos de agregação de interesses e articulação política. De acordo com esta perspectiva, os chefes locais far-se-iam representar na política regional e nacional por filhos e parentes educados nas universidades do Rio, São Paulo ou do exterior, que podiam absorver toda a retórica do liberalismo europeu sem renunciar a suas raízes rurais e tradicionais. A conseqüência teria sido um tipo de esquizofrenia política que separava o que era dito e escrito nos livros e leis da realidade em que o poder político realmente se apoiava. O estilo reconhecidamente retórico e abstrato do discurso político nacional, assim como de seus textos legais e constitucionais, tende a ser atribuído a esta discrepância entre uma fachada de integração e institucionalização política a nível nacional, e uma realidade de poder disperso e atomizado no nível local. O sistema político tinha, assim, a aparência de se basear em uma sociedade integrada a nível nacional, mas isto não passaria de uma tênue superestrutura encobrindo um sistema de poder familiar e privado.(15)

O problema teórico desta visão das coisas é que ela tende a desconsiderar a estrutura política nacional, como sendo algo praticamente insignificante. Não obstante, este sistema central foi capaz de manter a integridade territorial do país e dominar as tentativas de rebelião separatista que começaram a se manifestar logo após a Independência. Mais ainda, ele foi capaz de manter, depois da Regência, um regime muito mais centralizado do que os esforços de autonomia local poderiam fazer supor. A tese alternativa de que o poder era de fato centralizado e concentrado no nível do executivo permite entender melhor estes fatos, mas deixa fora do quadro as evidentes manifestações de poder privado e familístico tão abundantes na literatura. Na realidade, o debate entre as teorias da centralização e a do poder descentralizado está mal colocado. Não ocorria uma destas coisas, mas as duas. De um lado, um poder político centralizado e hierárquico, que não dependia de bases locais de sustentação, apoiando-se na própria máquina administrativa governamental para subsistir e se afirmar. De outro, um poder privado e autônomo difuso, que só adquiria expressão política quando era cooptado pelo Estado, e que entrava em uma trajetória de conflito e derrota quando pretendia se articular, minimamente que fosse, como força política autônoma e representativa de seus interesses. A transferência do eixo econômico do país para o Centro-Sul vai alterando, no entanto, esta situação. A médio prazo, o fim do Império significa, entre outras coisas, a incapacidade do governo monárquico para incorporar de alguma forma uma liderança regional que surgia de forma cada vez mais ativa e articulada. A longo prazo, no entanto, nem mesmo um sistema representativo tão oligárquico como a República Velha teve condições de se manter, ante as tentativas centralizadoras do Estado.

3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano

A Primeira República, que durou até 1930, não conduziu a um aumento do âmbito do sistema político, em termos de crescimento de participação política popular. É notável como o sistema de participação política pôde se manter estagnado enquanto praticamente todos os demais indicadores de desenvolvimento social e econômico cresciam exponencialmente, como se pode ver no gráfico a seguir:


Antes de 1930, a percentagem de votantes em relação à população total jamais ultrapassou os 3,5%, e os dados para as eleições parlamentares no Período Imperial eram pouco inferiores; somente em 1945, na verdade, é que cerca de 15% da população do país compareceu a uma eleição nacional.(16)

Este fato, combinado com o anedotário nacional sobre fraudes e corrupção eleitoral, levou à noção de que o Período Republicano representou a época de plena implementação de um sistema de poder oligárquico baseado nos grandes estados, que teria efetivamente substituído a centralização imperial. Edgar Carone, em sua obra sobre a Primeira República, compartilha desta idéia. Ele se refere ao "povo" como o "grande ausente" da Primeira República:
A implantação da República é o gesto de uma classe, reivindicação de um grupo em desenvolvimento (...) A Primeira República é o período em que os senhores do café ascendem ao poder, alcançam sua plenitude e depois declinam para seu ocaso.(17)
Carone tem consciência das dificuldades de ligar uma interpretação classista tão direta com fatos tão conhecidos como a presença dos militares e dos monarquistas na vida política da República Velha. Suas respostas tendem a ser historiográficas e casuísticas. Ele diz, por exemplo, que os militares desprezam os civis e que se dividiam entre os que desejavam o respeito às normas constitucionais e os que desejavam "coparticipar" do poder; terminando por considerar os militares como um "segmento das classes médias."(18)

O fato, no entanto, é que a participação militar no sistema político, àquela época, se relacionava mais com o sistema de clivagens regionais e com as mudanças na estrutura governamental que com a pretensa incorporação de "setores médios" no processo político. Isto se pode ver com clareza quando examinamos o movimento republicano que antecedeu à queda do Império, em suas vertentes ideológicas e regionais tão diferentes.

O inicio do movimento republicano no Brasil pode ser datado de 1870, com a publicação do Manifesto Republicano no Rio de Janeiro.(19) O manifesto responsabilizava o regime monárquico por todos os males do país e afirmava que a República traria a solução para tudo. No entanto, além da substituição do imperador por um presidente, o manifesto pouco propunha em termos de mudanças especificas da estrutura social e política do país. O único tema sugerido é o do aumento da autonomia dos estados, tese federalista que seria central em quase todo o movimento republicano.

O Manifesto Republicano foi, desde seu início, um esforço de conseguir o máximo de apoio para o movimento, e por isso deixou de lado os temas mais controvertidos. Estes, entretanto, viriam a aparecer em uma série de crises por que passou o republicanismo desde suas origens.

O movimento republicano no Rio se expressava através do jornal A República, que tendia a absorver toda a retórica da elite política da época, dividindo o mundo entre coisas boas ou más, corretas ou incorretas, mas nunca convenientes ou inconvenientes de acordo com certos interesses. Assim, o governo monárquico era considerado
tão mau, que por melhor que sela o homem, a realeza força-o a perder o que ele tem de bom; a monarquia é má para o país, estraga os homens, ata-lhes as mãos, corrompe o próprio rei.(20)
Ainda que estas pareçam ser as razões suficientes para arregimentar qualquer pessoa ao republicanismo, o fato é que a oposição republicana se baseava em fatos muito mais específicos e concretos.

Uma análise de conteúdo de jornais do Rio e São Paulo durante os últimos cinco anos do Império dá uma evidência inicial de dois tipos bem diferentes de oposição ao governo imperial.(21) Um destes jornais era A Província de São Paulo, e o outro O País, do Rio de Janeiro. O jornal carioca tendia a favorecer uma solução militar para a crise política e, de fato, pedia aos militares que interviessem contra o Império; o jornal de São Paulo, no entanto, era explicitamente contra a solução militar.

Esta diferença é fácil de entender. A Província de São Paulo refletia os setores daquele estado ligados à expansão do café, que tinham, já naquela época, uma capacidade de agregação de interesses que suplantava a de todas as demais províncias. A mudança de um regime monárquico para um regime militar não aumentaria a autonomia política por eles desejada, e poderia, na realidade, impedir que esta autonomia viesse a se consolidar. Quando, finalmente, se deu a solução militar, o conflito entre o Partido Republicano Paulista e o governo militar foi quase imediato, de uma forma que voltaria a se repetir intermitentemente no futuro.

A ideologia republicana que aparece na analise de conteúdo de A Província de São Paulo pode ser resumida em uma série de aspectos. Primeiro, o tema do federalismo era central e, não raro, mais importante que a própria idéia republicana. Um dos lideres republicanos paulistas, Prudente de Morais, foi eleito para a Assembléia Provincial pelo Partido Liberal [monarquista] em 1877, e, justificando sua indicação por esta agremiação, dizia que,
se for eleito, na Assembléia Provincial, procurarei antes de tudo ser um verdadeiro paulista, só aceitando ou indicando medidas que importarem a satisfaça-o das necessidades reais e que forem tendentes ao engrandecimento e prosperidade de nossa província...(22)
O segundo aspecto é que os paulistas tendiam a deixar de lado o tema da escravidão, que era, no entanto, fundamental para os republicanos mais radicais do Rio e outros centros urbanos. Em uma declaração formal feita em 1872, os republicanos paulistas diziam claramente que não forçariam o tema da escravidão, já que
O Partido Republicano, cujas tendências não são autoritárias, está bem longe de executar reformas que não sejam inspiradas pela nação.(23)
Nesta época, as plantações de café em São Paulo já iniciavam a rápida transição para o trabalho assalariado, fazendo com que o tema da abolição fosse menos difícil ali que em outras áreas do país.(24) Mesmo assim, prevaleceu uma atitude cuidadosa e não-conflitiva. O primeiro congresso do PRP afirmava, em 1873, o princípio da autonomia regional, de acordo com o qual cada estado deveria tratar do problema da escravidão de acordo com suas possibilidades e condições próprias de substituição do escravo pelo trabalhador livre, com o devido respeito pelos direitos de propriedade.

Em terceiro lugar, o movimento republicano em São Paulo era não-violento e bem-comportado, funcionando dentro das regras aceitas do jogo político daquela época. Os republicanos paulistas, não somente disputaram cadeiras das assembléias da província e nacional durante o Império, como também entraram em diversas coalizões com os Partidos Conservador e Liberal. Assim, Prudente de Morais foi eleito pelos liberais em 1877; em 1881, vários candidatos conservadores foram eleitos com apoio republicano;(25) em 1884, Campos Sales e Prudente de Morais, ambos líderes do Partido Republicano, foram eleitos para o Congresso com apoio conservador.(26) Este tipo de participação política continuou, e estima-se que, no final do Império, os republicanos comandavam já cerca de 1/4 dos votos eleitorais da província paulista.

O outro tipo de republicanismo foi, provavelmente, melhor caracterizado pelo político pernambucano Silva Jardim. Sua fonte de inspiração era muito mais Augusto Comte que Jefferson; absorvia do positivismo a noção de um regime centralizado, racional, modernizados e ditatorial, legitimado por plebiscitos, de evidente inspiração francesa. Em manifesto lançado em 1889, em oposição ao Partido Republicano oficial, Silva Jardim defendia uma presidência forte, criada pela aclamação do voto popular, submetida posteriormente ao sufrágio universal. E, em um outro, dizia que
(...) o regime republicano exerce-se no campo da ação prática pela concentração das forças políticas, isto é, pela ditadura, tio forte quanto responsável (...) na ditadura republicana, quem governa é um representante da opinião pública, por ela instituído ou sancionado.(27)
Não havia lugar para federalização ou descentralização de poder neste tipo de modelo político; e, dado que Silva Jardim não sofria influência direta de proprietários de terra e cafeicultores, podia aderir com facilidade e entusiasmo ao movimento abolicionista que começava a dominar o Rio de Janeiro.

Não é de surpreender que este tipo de republicano radical não encontrasse apoio entre os lideres do movimento republicano em São Paulo ou Minas Gerais. Na realidade, Silva Jardim entra em conflito aberto com o Partido Republicano, mas encontra um companheiro de viagem que se mostraria, com o tempo, mais importante que os partidos republicanos regionais: o Exército nacional.

É sabido que as idéias positivistas eram ensinadas na Escola Militar do Rio de Janeiro desde pelo menos 1850, e noções tais como o valor da técnica e da racionalização, anticlericalismo, centralização política e governo efetivo eram correntes entre os intelectuais militares na década de 1880.(28) Silva Jardim viu bem esta conexão quando, por exemplo, pedia abertamente o apoio militar para a causa republicana.(29) Mais importante que a militância pessoal de Silva Jardim, no entanto, foi o papel do republicanismo positivista no Rio Grande do Sul, sob a direção de Júlio de Castilhos, um positivista convicto, graças às relações tão próximas entre setores civil e militar naquele Estado. A República começa de fato no Rio Grande, estabelecendo um padrão de divisões regionais intimamente relacionado com os temas de centralização versus autonomia regional e governo civil versus governo militar, que iria permear a vida política do país nas décadas seguintes.

4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul

A tradição militar do Rio Grande do Sul teve uma influência decisiva no estabelecimento da Primeira República e em seu desenvolvimento. Esta tradição, que data da criação da Colônia do Sacramento na beira do rio da Prata em 1680, era claramente visível no século XIX. Foi ai que se deu o maior movimento secessionista da história do país, a Guerra dos Farrapos (1835-45). Três guerras - a Campanha Cisplatina de 1817-28, as campanhas platinas contra Rosas de 1849-52 e a Guerra do Paraguai de 1864-70 - tiveram este estado-província como base. Joseph Love trata de estimar a participação do Rio Grande nos esforços militares da época: segundo ele, cerca de 3/4 dos homens em armas contra Rosas eram gaúchos, e cerca de 34 mil homens do Rio Grande foram mobilizados para a Guerra do Paraguai mais de 1/4 do total. Cerca de 15 mil homens, mais de 1/4 do Exército brasileiro no período anterior e posterior da Guerra do Paraguai, ficavam regularmente estacionados no Rio Grande. Ainda de acordo com as fontes citadas por Love, o Rio Grande do Sul havia fornecido mais oficiais com nível de general-de-brigada ou superior do que qualquer outra província.(30)

A íntima relação entre as elites civis e militares do Rio Grande foi personificada pela figura proeminente de Manuel Luís Osório, que reuniu à liderança civil um papel relevante nas campanhas militares dos Farrapos e das guerras cisplatina e paraguaia. Seu sucessor na liderança gaúcha, Silveira Martins, não foi um militar, mas comandava seu partido em estilo militar.(31) Quando o movimento republicano começa no Rio Grande, sob a liderança de jovens educados na Faculdade de Direito de São Paulo (Assis Brasil, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado), ele assume quase imediatamente as posições radicais preconizadas por Silva Jardim forte oposição à escravidão, positivismo comtiano, retórica revolucionária e participação militar. Somente em um item, o da descentralização, ele se identificava com os paulistas e mineiros; seguia assim a tradição farroupilha de independência regional e, na realidade, proclamava a Revolução Farroupilha como a raiz e a inspiração da tradição republicana gaúcha. Esta inclinação secessionista não deve, no entanto, ser tomada como uma ideologia federalista, já que, uma vez no poder, os gaúchos se tornavam logo favoráveis à centralização governamental e à intervenção do governo central em outros estados.

As relações entre o republicanismo gaúcho e a corporação militar podem ser vistas claramente na seqüência de eventos que levou à queda do Império em 1889. Um problema de disciplina com um tenente-coronel transformou-se rapidamente em uma crise nacional, envolvendo questões de honra militar, subordinação dos militares à liderança civil etc. A Questão Militar de 1883 surgiu em um período de governo conservador, e uma série de oposições se justapuseram no conflito dai resultante - liberais versus conservadores, liderança civil versus liderança militar, militares profissionais versus lideres políticos militares e, finalmente, republicanos versus monarquistas. Isto criaria, inevitavelmente, um sistema bastante complexo de lealdades cruzadas, dificilmente interpretável de forma simples. O movimento republicano, liderado por Júlio de Castilhos e o jornal A Federação, estava, por um lado, contra a liderança liberal do estado representada por Silveira Martins; mas, ao mesmo tempo, se unia a Silveira Martins no apoio à oficialidade contra a autoridade monárquica civil. A participação do Rio Grande na Questão Militar é das mais importantes. O Visconde de Pelotas, senador liberal do Rio Grande e marechal, faz um violento discurso no Senado em 1886 contra o governo; Sena Madureira, pivô da crise em 1883, faz um pronunciamento no Rio Grande do Sul, condenando o ministro que o puniu em 1884. No final de 1886, o governador gaúcho, também um general daquele estado, assume a defesa pública de Sena Madureira: é Deodoro da Fonseca, que lideraria o golpe contra o Império em 1889. Júlio de Castilhos e seu jornal estavam presentes por toda parte, dando apoio e atiçando a chama do conflito entre a corporação militar e o governo civil; uma placa metálica que lhe foi presenteada pela oficialidade da guarnição de Porto Alegre o homenageava por seu "insuperável patriotismo na defesa dos sagrados direitos da classe militar".(32)

É importante ressaltar que as relações íntimas entre as lideranças civis e militares no Rio Grande não significavam uma efetiva fusão entre os dois setores. O Exército brasileiro, pelo menos desde a Guerra do Paraguai, estava adquirindo as características de um corpo profissional e institucionalizado dentro do governo, e a Questão Militar jamais poderia ser reduzida a um simples conflito entre a liderança política do Rio Grande e a Monarquia. Na realidade, os propagandistas republicanos mais extremados, incluindo Silva Jardim e Júlio de Castilhos, foram marginalizados do movimento de 15 de novembro:(33) afinal, este foi um movimento militar, em que os civis não deveriam intervir. Uma vez implantado o novo governo, no entanto, os civis começaram a se fazer ouvir, ainda que as relações entre os dois setores fossem sempre difíceis e complicadas.

A história do republicanismo no Rio Grande do Sul é marcada pelo conflito contínuo e sangrento entre os sucessores do antigo Partido Liberal, que organizaram o Partido Federalista sob a liderança de Silveira Martins, e o Partido Republicano liderado por Júlio de Castilhos. Castilhos sobe ao governo do estado sob Deodoro, cai quando se inicia o governo de Floriano em 1891, mas volta novamente ao poder pouco depois com o apoio do presidente da República e da guarnição militar de Porto Alegre. Centralização e controle do governo estadual, organizado de acordo com os princípios mais autoritários do modelo positivista, e apoio contínuo ao governo federal em troca de apoio militar e político, tais eram os principais elementos da força e da estratégia política de Castilhos. Enquanto os republicanos se estabeleciam como força política sediada em Porto Alegre e especializada no uso da máquina administrativa em seu favor, a oposição federalista, os maragatos, mantinha suas bases rurais de sustentação na região da fronteira, dando continuidade à tradição caudilhista e rebelde do Rio Grande.(34) Em geral, no entanto, as duas facções da elite política Rio Grandense compartilhavam da tendência ao apelo freqüente à insurreição armada, à aproximação entre civis e militares, assim como à busca de centralização e controle, quando no poder, ou descentralização e federalismo, quando fora dele. Apesar do vulto da imigração européia para o Rio Grande, que o transformaria em um dos estados mais modernos e europeizados do país, as facções políticas estaduais ignoravam as diferenças étnicas e, em geral, deixavam de incorporar os grupos imigrantes em suas disputas.(35) Neste sentido a experiência política rio grandense se assemelha à argentina, e difere fortemente da norte-americana, que tendia a incluir o imigrante na vida política local tão logo ele se estabelecia.

Não teria sentido entrar em detalhes da grande influência gaúcha durante a Primeira República, mas algumas referências adicionais podem ser úteis para completar o quadro. Joseph Love faz um cálculo do número de anos que nativos de cada estado brasileiro ocuparam ministérios da Primeira República, durante dois períodos: de 1889 a 1910 e de 1910 a 1930. Durante o primeiro período, a participação do Rio Grande foi pequena: somente 2,56 anos, contra 12,64 para Minas Gerais, 9,73 para Bahia e 9,02 para São Paulo. É curioso como São Paulo, o centro do republicanismo federalista, é relativamente marginal, e continua assim. Depois de 1910, o Rio Grande passa do 12 para o primeiro lugar com 18,13 anos, contra 16,09 para Minas Gerais e 12,37 para São Paulo. Se considerarmos somente os três ministérios mais importantes - Fazenda, Transporte e Justiça - o Rio Grande cai para o segundo lugar (15,14 contra 15,45 para Minas Gerais), enquanto São Paulo, sempre em terceiro, fica bem atrás com somente 6,71 anos.(36)

Em 1910 ocorreu a primeira eleição competitiva para o Executivo na história do país. Nela, o candidato da oposição, Rui Barbosa, apresentou o civilismo como tema de sua campanha. Esta foi também a primeira oportunidade em que um militar, Hermes da Fonseca, se apresentava como um candidato regular para a presidência. Hermes era, evidentemente, gaúcho, e obteve 48 dos 64 mil votos do Rio Grande. Rui Barbosa ganha em seu estado, a Bahia, com 75% dois votos, e em São Paulo com 74%. Estes dados não podem ser interpretados como representativos da "vontade popular", já que eram sujeitos a manipulações de todos os tipos, legais e ilegais. Mas indicam onde o governo central comandava o processo eleitoral, e onde a oposição tinha condições de se manifestar. Apesar de seu grande prestígio pessoal, Rui perde em todos os demais estados, exceto no Rio de Janeiro e Maranhão.

Uma vez no poder, Hermes trabalha intimamente com o gaúcho Pinheiro Machado na estruturação de um regime forte e intervencionista, assim como na formação de um novo partido, oi Partido Republicano Conservador.(37) Em São Paulo, Pinheiro Machado e Hermes da Fonseca trabalham juntos para quebrar a liderança política do estado. Em outros estados o entendimento não se dá, mas assim mesmo a política de "salvação nacional" cobre todo o país - Magoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piaui, Rio Grande do Sul, São Paulo.(38) Depois do Governo Hermes, somente Minas Gerais, que o apóia desde os inicio, Rio Grande e São Paulo continuam a desempenhar um papel significativo na política nacional.

5. São Paulo e Minas Gerais

É clássica a interpretação dos sistema político da Primeira República em termos do "eixo café com leite", isto é, as partes dos predomínio das oligarquias de Minas e São Paulo. De fato, a importância política de Sãos Paulo, apesar de grande, nunca esteve à altura de seu crescente peso econômico e demográfico. O Partido Republicano Paulista apoiou todos os candidatos presidenciais vitoriosos desde 1898, exceto Hermes da Fonseca, mas somente Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves (1902-1906) e Washington Luís (1926-30) eram daquele estado. A esta ausência da presidência nos períodos de 1910 a 1926 correspondeu uma participação reduzida nos ministérios, tal cosmo os dados de Love evidenciam.

Existem duras formas de explicar esta aparente marginalização de São Paulo. Uma é argumentar que indicadores tais cosmos cargos presidenciais ou ministeriais não são adequados, e que somente dados referidos a decisões específicas na arca de política econômica poderiam indicar a marginalização do estado. Assim, Valéria Pena argumenta a favor da existência de um poder político efetivo de São Paulo, baseada nos fatos de que em certos momentos o Banco dos Brasil dedicou cerca de 70% de seus recursos para apoiar a cafeicultura paulista.(39) Outra possibilidade é argumentar que, considerandos a descentralização dos sistema político na Primeira República, o acesso aos poder central não era realmente muitos importante para os propósitos da elite econômica e política paulista. Mário Wagner Vieira da Cunha, por exemplos, argumenta que a autonomia dos estados era muitos alta nos inicio, mas tendeu a decrescer mais para os final da Primeira República. A autonomia dos estados
amplia-se na República a ponto de livremente contraírem os estados empréstimos no estrangeiro, de cobrarem impostos de exportação, criarem barreiras fiscais interestaduais e manterem suas próprias forças armadas.
A transferência do centro dinâmico da economia mundial para os Estados Unidos, no entanto, fez com que surgisse
a necessidade de um entendimento de nação a nação, caindo quase em desuso o apelo a banqueiros particulares. A conquista da presidência da República apresentou-se como necessidade ineludível para a garantia econômica das oligarquias estaduais.(40)
Parece certo que setores paulistas. controlavam, efetivamente, a maioria dos mecanismos econômico-administrativos relacionados com os interesses do café. Já vimos que o Acordos de Taubaté, que inicia uma política econômica nacional a respeito dos produtos, foi uma iniciativa paulista. A primeira instituição governamental criada para controlar este setor da economia foi o Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café, que controlava o fluxos do produto para o Porto de Santos e financiava o armazenamento do excedente. Este instituto funciona de 1924 a 1931, mas a partir dai surgem organizações nacionais que controlam, com autonomia crescente, a economia cafeeira: o Conselho Nacional do Café (1931-3), o Departamento Nacional do Café (1933-46), o Departamento Econômico do Café (1946-52) e, finalmente, o Instituto Brasileiro do Café. Como evidencia muito bem Elisa Pereira Reis em suas pesquisas sobre o assunto, a nacionalização do controle da política do café foi uma reivindicação da própria lavoura cafeeira, que ao mesmo tempo em que conquistava o apoio federal para seus interesses econômicos ia alienando sua capacidade de ação e decisão próprias.(41)

Um outro indicador da concentração de poder no governo central pode ser visto se observarmos que na República Velha os impostos à exportação eram lançados pelos próprios estados e representavam cerca de 40% das rendas estaduais no período 1915-29. Ás importações, no entanto, eram taxadas pelo governo central e representavam cerca de 40 a 50% de sua renda até 1929.(42) Dado que a capacidade para importar é função da capacidade de exportar, a diferença entre os dois tipos de impostos representava de fato um mecanismo de transferência de renda dos estados exportadores para aqueles onde a força política podia influenciar na alocação de recursos federais. Esta situação era, sem dúvida, sentida e m São Paulo, onde a parábola da locomotiva e seus 20 vagões era corrente.

Em 1924 uma revolta militar surge em São Paulo, em articulação não muito perfeita com grupos militares do restos do país.(43) A revolta encontra apoio da Câmara de Comércio, cujo presidente, José Carlos de Macedo Soares, dá um testemunho vivo das queixas do estado:
Tinha São Paulo o direito de abandonar a Federação ao domínio - por vezes exclusivo - de estadistas menos adiantados, de permitir a politicagem utilitária do empreguismo desanimando todas as coragens cívicas, pelo apoio sistemático aos mandões regionais pela expropriação injusta dos mandatos? Pois bem a abstenção de São Paulo não se limitou aos cargos de nomear, que tem constituído o alvo e a ambição dc quase todos os homens públicos do país. Perdemos totalmente a influência legislativa, tanto na Câmara federal quanto no Senado. Fomos completamente excluídos de um dos poderes da República pois no Supremo Tribunal Federal, a esta hora, não ha um único juiz de São Paulo. Entretanto deles dizia Rui Barbosa: podemo-nos consolar da fraqueza de seus políticos, ao menos, com a serenidade impoluta dos seus magistrados. Não temos um só representante no Conselho Superior do Comércio. Na Diplomacia, como na Magistratura, na Marinha, como no Exército, nos poderes do Estado, por toda parte, em todos os postos de influência e de autoridade, São Paulo está sistematicamente excluído.(44)
O que é notável neste texto é a clareza com que distingue dois tipos de política que existiam nos país. Um, "o alvo e ambição de quase todos os homens públicos do país", são os "cargos de nomear", de estabelecer clientelas pela distribuição de empregos. Neste tipo de política o cargo públicos era algo para ter e gerir, para aumentar os prestígio e a riqueza dos políticos - uma espécie de patrimônio pessoal. O que os paulistas queriam, nos entanto, era outra coisa. Eles tinham seus próprios patrimônios, e estavam interessados em controlar os mecanismos de decisão, em poder influenciar as ações governamentais no sentido de facilitar e ajudar na consecução de seus objetivos econômicos próprios e privados. Para os paulistas, a política era uma forma de melhorar seus negócios; para quase todos os outros, a política era o seu negócio. E é nisto que reside a diferença e, em última análise, a marginalidade política daquele estado.

Outra expressão dos descontentamento paulista no período aparece em um livro publicado em 1930 por um altos funcionário da Secretaria de Finanças de São Paulo.(45) Fazendo usos de abundante informação estatística, ele sustenta que, no período 1922-4, São Paulo contribuiu com cerca de um terços do orçamento federal, enquanto que Minas recebia a maior parcela destes recursos. Entrando em detalhes, ele mostra, por exemplo, que em 1928 o Estado de São Paulo era responsável por 88% do sistema ferroviários estadual, enquanto em Minas Gerais, que possuía uma rede um pouco maior, 70% eram de propriedade federal. Naquele anos, Minas concentrava 28% da rede ferroviária federal em seu território, ao passo que somente 4% do total eram localizados em São Paulo. Sua análise cobre os gastos federais em correios, saúde e educação. Em todos os itens a conclusão é a mesma: a participação mineira nos gastos federais não tem relação com sua reduzida contribuição para a receita. Em um curioso apêndice, os autor chega a colocar em dúvida os dados que atribuíam a Minas Gerais uma população superior à de Sãos Paulo: com efeito, argumenta, dada a disparidade dos produtos entre os dois estados, ou os dados sobre população seriam um artifício dos políticos mineiros para conseguir mais recursos, ou os mineiros seriam preguiçosos e improdutivos.(46)

O estudo de Minas Gerais como uma região especifica dentro do sistema político nacional só tem adquirido maior relevância nos últimos anos. Em um trabalho muito citado de duas décadas atrás, Cid Rebelo Horta mostrava como a edite social e econômica mineira estava interligada em uma pequena rede de cerca de 30 famílias.(47) Estas 30 famílias controlavam a política do estado do nível local ao nacional, aonde faziam chegar sua influência.

A pesquisa recente de John Wirth sobre Minas Gerais(48) contribui de maneira decisiva para desfazer os mito de que a elite política mineira era, na República Velha, essencialmente rural. Ele mostra como esta elite era constituída, no seu topo, por um grupo de pessoas altamente educadas, e que viviam preferencialmente em centros urbanos. Estes homens tinham, certamente, vínculos estreitos com o campos, mas não estavam nos governos como representantes dos interesses rurais, com os quais não raro conflitavam. Em períodos de dificuldade econômica, seu poder político crescia, por sua especialização em atividades de mediação política entre o governo nacional e os grupos locais.

Comparado com São Paulo e Rio Grande do Sul, o Estado de Minas Gerais era economicamente mais débil e dependente do governo central. Esta seria a explicação de por que os mineiros se transformaram em especialistas em política local. Paradoxalmente, diz Wirth, "Minas não tinha outra escolha a não ser desempenhar um papel central em questões de interesse nacional".

O trabalho de Wirth traz ainda, incidentalmente, nova luz sobre a questão do papel da Igreja Católica na política de Minas Gerais e do Brasil. Geralmente pensa-se no catolicismo mineiro cosmo apenas um outro aspecto do tradicionalismo predominante no estado. Wirth mostra, nos entanto, que a elite política mineira tendia a ser leiga e agnóstica - e, neste sentido, coerente com a tradição predominantemente secular da liderança política brasileira. O catolicismo mineiro, em sua forma mais militante, foi na realidade o resultado de um movimento revivalista intenso, que levou a firmar o predomínio da Igreja Católica em questões de educação e que seria a base para a grande influência religiosa na educação brasileira estabelecida durante o Governo Vargas, dentro de um pacto entre a Igreja e o Estado promovido por Francisco Campos.

Em síntese, a estrutura familística fechada da elite política mineira, seu caráter educado, leigos e urbano, e sua participação tão ativa na política nacional são argumentos contra as teorias que buscam explicar sua influência política pelo seu controle da terra e dos sistemas de poder local. Na realidade, ela tipifica a estrutura de poder político estabelecida através do controle de mecanismos de mediação e controle das agencias de poder público, que na literatura brasileira aparece com o nome de coronelismo.

6. A Revolução de 1930 - Fatos e Ideologias

A sociedade e o sistema político brasileiro se tornam cada vez mais complexos quando avançamos além de 1930. Nesse ano, Vargas vem para o poder nacional após governar o Rio Grande, dando início a uma nova era na história do país. O ano de 1930 é geralmente considerado como marco inicial dos Brasil moderno, e, na realidade, os anos 30 evidenciaram um aumento significativo de vários índices de modernização. Dados precisos sãos difíceis de obter, já que não houve um censo nacional em 1930 e os de 1920 e 1940 não são comparáveis em uma série de aspectos. Estima-se, no entanto, que a população urbana dos pais aumentou de 10% para cerca de 30% de 1920 a 1940;(49) os gastos governamentais, que se mantiveram praticamente estáveis em termos per capita de 1907 a 1943, cresceram no entanto, substancialmente, em termos absolutos, depois de 1930.(50) Depois de 1930, os itens referidos a "gastos sociais" começaram a surgir no orçamento federal de forma individualizada, chegando a 10% do orçamento em 1940.(51) A estrutura ocupacional da população não mudou significativamente: o emprego na agricultura desceu de 69 para 61,1% entre 1920 e 1940, enquanto que o emprego industrial cresceu somente 1%, de 13% em 1920.(52)

Interpretações sobre a Revolução de 30 abundam,(53) já que existe uma noção corrente de que o entendimento de como o Brasil moderno se inicia é essencial, se queremos saber como o país é hoje. Os principais fatos podem ser resumidos em alguns itens. Primeiro, a revolução surge em função de uma crise no arranjo segundo o qual caberia a Minas Gerais a sucessão do paulista Washington Luís, uma vez que este queria eleger seu conterrâneo Júlio Prestes. Os principais estados entram em conflito: Minas Gerais e Rio Grande do Sul contra São Paulo e o governo federal. Era, aparentemente, o momento de São Paulo firmar sua hegemonia nacional. O candidato oficial e paulista ganha as eleições, mas termina por perder o poder para Vargas.

Segundo, a vitória de Vargas não foi, certamente, um simples fruto da campanha revolucionária, que durou 21 dias, de 3 a 24 de outubro. Ela foi decidida no dia em que os alto comando resolveu depor Washington Luís, mantendo, assim, relativamente intata a instituição militar. De qualquer forma, o impacto revolucionário da oficialidade jovem, os "tenentes", é grande, e eles vão constituir o grupo que circunda a Vargas, não como liderança especificamente militar, mas como liderança política e civil.

Terceiro, a campanha eleitoral de 1930 foi caracterizada pela presença da Aliança Liberal, que, pela primeira vez, apresentou uma plataforma criticando as oligarquias estaduais e a ineficiência governamental.(54)

Quarto, a Revolução de 1930 surgiu em um contexto de crise econômica gerada notadamente pelo impacto da crise mundial de 1929 sobre o comércio do café.

Existem duas interpretações predominantes dos movimento de 1930, segundo Bóris Fausto. A primeira se baseia em um modelos supostamente marxista. Para ele, o Brasil tradicional se caracteriza por um sistema feudal e um governo central dependente de suas bases rurais. Este sistema tradicional entra em contradição com uma burguesia urbana nascente, abrindo este confronto, no futuro, os caminho para a ascensão política do proletariado. Adaptada ao contexto de uma economia de exportação dependente do mercado internacional, esta interpretação identifica, em sua forma mais simples, o "feudal" com a agricultura extensiva de exportação, dentro de uma situação de dependência colonial ou semi-colonial; assim, a revolução burguesa aparece ao mesmo tempo como nacionalista e anti-imperialista. É desta forma que muitos autores vêem a Revolução de 30 como a tomada de poder pela burguesia, senão diretamente pelo menos em termos das conseqüências "objetivas" da política por ela seguida. Um exemplo típico parece ser o de Octávio Ianni, que diz que
a Revolução de 30, a despeito de não ter sido alimentada preponderanternente pelas burguesias industrial e financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser interpretada como um momento super-estrutural da acumulação primitiva, que funda a industrialização posterior.(55)
Esta é uma afirmação que se baseia na ocorrência de uma intensificação das atividades industriais no país depois de 1930. Mas este tipo de explicação ex-post-facto traz problema quando o autor deve explicar como o Estado que hipoteticamente mais se beneficiou da "acumulação primitiva" era também o centro da oposição a Vargas. A solução consiste, nos caso, em considerar que a oposição paulista, e mais especificamente a Revolução Constitucionalista de 1932, "não é um movimento contra-revolucionário senão com referência aos ideais dos componentes não-burgueses da Revolução de 30"... (56)

Um outro modelo substitui a burguesia pelas classes médias como fator dinâmico e explicativo da revolução. Entretanto, não se trata apenas de uma variante menor do primeiro, já que suas implicações são bem distintas. Os teóricos das classes médias pensam menos em termos do processo econômico de industrialização que no processo social de modernização, e "classes médias" ou "setores médios" são conceitos suficientemente amplos para abranger todos os grupos emergentes que não sejam um setor da elite política e/ou agrária, nem totalmente assimiláveis a ela.

O descontentamento crescente de jovens militares após 1920 é visto por muitos como um indicador do surgimento do setor médio, até então excluído do sistema político, e que agora passava a reivindicar maior participação. A Revolução de 1930 é entendida como um movimento essencialmente de classe média, que abriu as portas do sistema políticos a estes novos setores.(57) O que chama a atenção enquanto diferença essencial entre os dois tipos de explicação não é tantos apontarem para grupos sociais diferentes como principais atores da Revolução de 30, mas os fatos de apresentarem uma imagem diferente do papel do sistema políticos no processo de mudança. No primeiro caso, os fenômeno políticos nada mais é que um epifenômeno, modificado e explicado pela confrontação de dois setores do sistema econômico do país. No segundo caso, entretanto, os setores médios são vistos menos como uma classe econômico-social que como um estrato social que possui demandas de consumo, participação e poder politico. A participação política e o poder político são buscados não como meios para satisfazer os interesses econômicos de um dado setor da economia, mas como um objetivo em si mesmo, do qual derivariam outras formas de participação econômica e social. A esfera política passa a ter, assim, um poder de ação e uma força explicativa inadmissíveis no modelo anterior.

Estas duas teses apontam para duas abordagens intelectuais e ideológicas distintas na compreensão da história brasileira e, o que é mais importante, refletem duas tendências nos desenvolvimento da sociedade brasileira, geralmente consideradas como alternativas, mas nunca, cosmo deveriam ser, como um processo simultâneo de desenvolvimentos contraditório.

Como teorias explicativas, nenhuma das duas teses se sustenta. A tese das "classes médias" compartilha com a da "revolução burguesa" os dom da irrefutabilidade. Fora dos extremos superior e inferior da sociedade, todos são "classe média," um truísmo que não tem demasiado valor explicativo. A insistência em teorias de "classes médias" para a explicação de movimentos sociais na América Latina, incluindo a presença dos militares na arena política, é provavelmente uma seqüela de um esquema conceitual que não consegue sair das poucas alternativas de explicação baseadas em três ou quatro classes sociais e suas permutações. "Classes médias" ou, melhor ainda, "setores médios", é uma categoria residual que pode ser usada quando as outras explicações classistas evidentemente não o podem. Mas este tipo de pseudo-explicação vem algumas vezes de algo mais profundo do que esta dificuldade teórica e conceitual, como estamos vendo.

O trabalho de Bóris Fausto é bastante convincente, quando demonstra a impossibilidade das interpretações classistas do movimento de 1930. Teoricamente, no entanto, a análise historiográfica bem cuidada cede lugar a uma discussão não muito clara sobre as teorias "dualistas" de desenvolvimento político, tornando difícil compreender a ligação que o autor busca estabelecer entre as interpretações "dualista" e "classista" da história política brasileira.(58)

Na realidade, os pormenores das duas teorias importam menos do que o contexto ideológico em que surgiram e se desenvolveram. É suficiente assinalar a este respeito que, enquanto as teorias da "revolução burguesa" se originam de uma tradição de pensamento marxista que compartilha com a ideologia liberal a visão do sistema político cosmo algo passivo ou meramente "super-estrutural", as teorias da "classe média" partem de uma visão muitos mais voluntarista e ativista a respeito da ordem política, muito relacionada, na década de 30, com as experiências fascistas e totalitárias do período. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, toma as experiências bolchevista e fascista como exemplos da criação de estruturas de Estado eficientes e racionais, dirigidas pela intelectualidade e pelos setores médios, preocupadas com a destruição das estruturas tradicionais de poder; um exemplo que recomenda para o Brasil.(59) Azevedo Amaral, em uma outra vertente, vê o poder local no interior brasileiro como a força telúrica nacional, que, em aliança com os setores revolucionários, teria condições de limpar o país das oligarquias regionais, responsáveis por infestarem a nação com a idéia de um Estado liberal exótico e fictício. A Revolução de 30, neste contexto, é vista como um esforço de aproximação da nação com as suas fontes reais e como o começo de uma nova era. Este componente romântico encontra-se ausente de outros autores da mesma linha de pensamento, porém todos concordam com a idéia de um Estado Central que poderia vir a recuperar a sua autonomia após várias décadas de controle pelas oligarquias regionais.(60)

Estabelecido como um compromisso entre as oligarquias regionais e um grupo de jovens oficiais e intelectuais modernizantes, surgindo num momento em que ocorria um acréscimo nos níveis de participação política no país, o regime de Vargas logo afastou de si os grupos mais militantes, que se filiaram seja ao movimento integralista,(61) seja ao movimentos da Aliança Nacional Libertadora. Apesar da violenta oposição ideológica entre estes dois movimentos, ambos compartiam duas características importantes: tinham grande penetração nos meios estudantis e militares, e culminaram em tentativas fracassadas de golpe de Estado. (O voluntarismo e o tipo de recrutamento social do movimento comunista e aliancista na década de 30 talvez expliquem por que, enquanto a vertente de inspiração mais fascista e autoritária produzia uma abundante e rica literatura a respeito da sociedade brasileira nos anos 30, a interpretação marxista do período só tenha surgido no Brasil na década de 50 ou 60.)

7. A Nova Centralização

Disputas ideológicas à parte, o fato é que o regime inaugurado em 1930 constituiu, na verdade, uma mudança radical em relação aos anteriores, em termos de uma maior centralização e concentração do poder político. Seus lideres, um grupo extremamente jovem em relação ao regime deposto, não eram representantes nem da "burguesia", nem das "classes médias em ascensão". Eles se identificavam claramente com a tradição política e militar do Rio Grande e respondiam de forma difusa, incerta e indecisa às demandas oriundas dos setores mais urbanizados do país por medidas de bem-estar social e um aumento da eficiência e força administrativa, militar e econômica do Estados nacional. Ao mesmo tempo, tratavam de manter uma situação de equilíbrio e composição com as elites políticas remanescentes dos período anterior e que tinham aderido a Vargas.

As eleições presidenciais durante a Primeira República eram em geral não-competitivas (Rodrigues Alves em 1902, Afonso Pena em 1906, Epitácio Pessoa em 1918, Washington Luís em 1926). Quando existia competição, as divisões eram em geral inter-regionais, quase nunca dentro dos estados. Rui Barbosa, derrotado duas vezes em eleições competitivas, tinha sua base no Estado da Bahia, e Vargas se apoiou em 1930 em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. O quadro seguinte apresenta dados para a comparação entre estas eleições competitivas.(62)


O ano de 1910, como já vimos, presenciou a primeira eleição competitiva na República, da qual participou cerca de 1,6% da população total do país. Em 1914 o comparecimento foi de 2,14%, mas em 1926 (não indicado no quadro), houve somente um candidato, fazendo com que o comparecimento caísse para 2,06%. Somente em 1930, com a campanha da Aliança Liberal, é que o comparecimento supera o nível dos 5%. Ás eleições de 1930 foram as que mostraram maior competitividade dentro dos estados, e isto foi mais acentuado no Rio de Janeiro, onde o candidato vitorioso recebeu somente 51% dos votos. Em geral, no entanto, a pauta de uni-partidarismo em nível estadual é a mesma tanto nos estados vencedores quanto nos estados vencidos, com uma característica adicional: o nível de participação cresceu, em geral, nos estados opositores. Isto vem corroborar a noção de que a competitividade tende a ampliar o âmbito de participação política e significa um início de mudança em relação à norma até então absoluta de participação extremamente limitada.(63)

A ampliação da participação e a tentativa de firmar a hegemonia paulista em detrimento de Minas Gerais levaram a uma situação na qual o antigo sistema da República Velha não pudesse mais se manter, mas São Paulo nem por isso deixou de perder. O regime de Vargas acentuou cada vez mais a concentração do poder no nível federal, dando nova importância à presença dos militares no governo e aumentando a dependência das oligarquias regionais em relação ao governo central.

Benedito Valadares, que se transformou para muitos no símbolo do político mineiro oligarca e tradicional, dá um testemunho bastante francos a respeito de como iniciou e desenvolveu sua carreira política sob a sombra de Vargas, depois de 1930.(64) O elementos principal de sua estratégia política era a absoluta lealdade pessoal a Getúlio Neste pontos ele se opunha frontalmente à liderança política mineira do período anterior, cosmo por exemplos Antônio Carlos, que contava ainda com o direito à presidência que cabia a Minas Gerais depois de Washington Luís; e à nova liderança, representada por Virgílio de Melo Franco e mesmo Francisco Campos e Gustavo Capanema, que tiveram frustradas suas pretensões maiores à liderança política estadual e nacional.(65)

A indicação de Valadares para a interventoria em Minas foi uma grande surpresa para todos, e marcou os fim das pretensões autonomistas das elites do estado. Pelo seu depoimento, sua nomeação teria tido como causa inicial sua participação, certamente pouco notada, na luta contra os paulistas na Revolução Constitucionalista de 1932. Ele não se preocupa em justificar sua posição na defesa do regime varguista, e os fato de que fosse recompensados com a designação como representante pessoal de Vargas em Minas Gerais é suficiente para que ele sinta que tinha razão quanto aos benefícios da lealdade ao chefe. É curioso ver como Benedito Valadares justifica ter procurado a Getúlio depois da morte do presidente de Minas, Olegário Maciel. Para ele, esta morte
foi um choque tremendo, pois, além de o estimar muito, ficara desarvorado, sem o chefe ou guia tão necessário aos moços na vida pública. Artur Bernardes estava do outro lado, Antônio Carlos tinha seus preferidos. Os novos se engalfinhavam na competição politica...(66)
É então que Valadares busca Getúlio Vargas "procurando uma orientação," no Rio, e sai do encontro virtualmente como os homem de Getúlio em Minas. Uma vez no poder, ensaia algumas tentativas de agir por conta própria, e é particularmente ativo nas articulações que poderiam talvez levá-lo à presidência nas eleições programadas para 1938. Todo seu trabalho é no sentido de conseguir candidatos único, que seria ele, mas quando percebe que o golpe de 1937 está em marcha, adere. Benedito Valadares permaneceria na direção do estado até 1945, quando assume a liderança nacional do Partidos Social Democrático. É na sombra de Benedito que outros pessedistas, políticos mineiros famosos como Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro e José Maria de Alkimin, se desenvolveram e cresceram.

Este é, em resumo, o segredo do político mineiro que sobrevive à República Velha; não exatamente o representante das oligarquias rurais, não a expressão de interesses econômicos mal dissimulados, mas os agente do chefe do Estado, agindo de forma aberta, ou por trás da cortina, mas sempre num contexto onde os principal trunfos é os acesso aos centro dominante de poder econômicos e político, o governo federal. Menos do que um representante da oligarquia mineira, Benedito Valadares foi, na realidade, um dos principais instrumentos de seu debilitamento e redução de suas aspirações à liderança e autonomia. É bem verdade que, mais tarde, esta tática voltaria a trazer glória a Minas Gerais, com o predomínio político do PSD e o Governo de Kubitschek. Mas foi unia glória efêmera, baseada não no desenvolvimento de forças próprias, mas nos acesso aos benefícios e privilégios do governo central, que não poderiam ser mantidos indefinidamente.

Se em Minas Gerais a transição para a nova centralização varguista foi relativamente fácil, em São Paulo a situação era muitos mais difícil, não somente pelo fato de São Paulo ter estado nos lado perdedor da Revolução de 1930, mas principalmente porque havia muitos poucos em comum entre a nova liderança nacional e os interesses econômicos deste estado. Warren Dean conta, como anedota ilustrativa, o fato de que, quando João Alberto vem a São Paulo logo após 1930, trata de resolver os problemas trabalhistas no estado convocando um empresários e um trabalhador de cada empresa para uma reunião, não se dando conta de que a audiência chegaria a 11 mil...(67)

Em geral, a política econômica dos novo governo era liberal em termos econômicos, apoiando eventualmente demandas populistas que não agradavam em nada aos setores industriais de São Paulo. W. Dean resume a situação dizendo que
a mudança mais notável no ambiente econômico nos anos 30 foi a crescente intervenção do governo. Mas esta intervenção não tinha em vista acelerar o processo de industrialização, já que as alternativas possíveis da economia de exportação ainda não haviam se esgotado.(68)
Quando, depois de 1937, a perspectiva liberal se transforma em uma política explícita de crescimento econômico e industrialização, o caminho adotado não foi apoiar o sistema industrial paulista, e sim manter a iniciativa sob controle governamental. O governo não poderia, certamente, ignorar os recursos técnicos e humanos existentes em São Paulo, o que proporcionou uma certa identidade de interesses e uma aproximação entre governo e setores industriais; mas a iniciativa empresarial e o comando da situação permaneceram sempre sob a direção do primeiro.

Em 1932 já havia desvanecido a esperança daqueles que, mesmo em São Paulo, apoiaram a revolução liberal esperando que dela adviesse uma maior descentralização e o restabelecimento das autonomias regionais. Muitos aliados de Vargas em 30 se colocaram nas barricadas paulistas da Revolução Constitucionalista de 1932. Um deles era o gaúcho João Neves da Fontoura, líder da Aliança Liberal;(69) outro, o paulista Júlio de Mesquita Filho; outros ainda, Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano do Rio Grande, que havia colocado Vargas na liderança do estado e apoiado sua candidatura à presidência. Uma vez nos poder, com efeito, a lógica da situação parecia ser tal que a nova centralização conduzia, inevitavelmente, à alienação da liderança política mais tradicional. Campeões do federalismo mas promotores da centralização - tal parece ter sido o destino do político gaúcho...

As tendências no sentido de um aumento do poder do Executivo, de uma participação cada vez maior do Estado na vida social e econômica do país, da cooptação contínua das lideranças locais em todos os níveis e da subordinação da vida econômica ao processo político seriam firmemente estabelecidas durante o regime Vargas. Ao mesmo tempo, no entanto, as divisões inter-regionais se transformavam gradualmente em divisões intra-regionais e nacionais, em um processo iniciado no Rio de Janeiro e que continuaria a ser um fenômeno essencialmente urbano. A combinação de uma forte centralização com um sistema eleitoral de participação de massas deu as raízes do que se chamou mais tarde "populismo", e que predominaria após 1945.


Notas

1. Um breve relato da criação do Exército brasileiro é dado por Paiva, E. S. de, "A organização do Exército brasileiro," In: Holanda, S. B. de, 1960, p. 265~77. Uma história detalhada da criação da Marinha de Guerra no Brasil é dada por Maia, p. (1965), que evidencia suas origens portuguesas. Nunca houve perfeita harmonia entre o Exército nacional e a elite politica civil, que tratou de limitar seus poderes por vários meios, incluindo a criação da Guarda Nacional no século XIX, e a manutenção de polícias militares autônomas nos estados durante a República Velha, e mesmo posteriormente.

2. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil de, 1970. p. 62-8.

3. Ver a respeito os dados apresentados por Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Jr., Olavo Brasil de, 1970, p. 67; e Carreira, Liberato de Castro, 1883. Para uma discussão ampliada do processo de formação do Estado brasileiro, ver Carvalho, José Murilo de, 1975, particularmente o cap. 6, "State-buildlng activity: the extent of national power."

4. Dados sobre a equivalência entre as moedas brasileira e inglesa podem ser encontrados em Onody, O., 1960.

5. Faoro, R., 1958, p. 141 e seguintes.

6. Cf. Parahyba, M. A. de A. G., 1970.

7. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil de, 1970, p. 80.

8. Ibid. p. 81. Para um quadro similar mas discrepante, ver Carvalho, José Murilo de, a sair, cap. 5.

9. O trabalho historiográfico mais exaustivo sobre o período é, seguramente, a trilogia de Edgard Carone. Cf. Carone, E., 1969, 1970 e 1971.

10. Iglésias, F., 1958.

11. Ibid. p. 39.

12. Ibid. p. 47.

13. Carvalho, José Murilo, 1979.

14. Cunha, Euclides da, 1940.

15. Cf Cintra, A. O., 1971; Queirós, M. I. p. de 1956-7 e Duarte, N., 1939. Ver também Cintra, A. O., 1974.

16. Dados de Ramos, A. G., 1961, p. 32; Love, J. L., 1971, p. 119; e do Tribunal Superior Eleitoral, 1964-70.

17. Carone, E., 1969, p. 288.

18. Carone, E., 1971, p. XIII e XVI.

19. análise seguinte se baseia em grande parte nos materiais reunidos e apresentados por Boehrer, G. C. A., 1954 Trata-se de uma descrição detalhada da organização do movimento republicano no Brasil estado por estado, seguida de uma análise dos principais temas e pontos de conflito das plataformas republicana. É curioso como o autor assume, desde o inicio, que o movimento republicano se transformaria em um partido nacional, quando a realidade foi que os partidos estaduais permaneceram separados durante toda a República Velha.

20. A República, 13 dezembro 1870, citada por Boehrer, G. C. A., 1954, p. 37.

21. Cf. Magalhães, I. M., 1970, p. 173-8.

22. Carta aberta publicada em A Província de São Paulo, 4 agosto 1877, citada por Boehrer, G. C. .A.,p. 86.

23. Do manifesto transcrito em Boehrer, G. C. A., p. 266.

24. Para uma análise aprofundada dos aspectos demográficos, econômicos e políticos da abolição, ver Reis, E. M. Pereira, 1979, especialmente o cap. 2, "The Abolition of Slavery and Modernization in Late Nineteenth Century Brazil"

25. Boehrer, G. C. A., p. 98 e seguintes.

26. Ibid. p. 103.

27. Do Manifesto de 1888. transcrito em Boehrer, G. C. A., p. 233-4.

28. Boehrer, G. C. A., p. 229 e 283. Para a influência do positivismo no pensamento e na política brasileira, cf. Costa, João Cruz, 1956; Lins, Ivan, 1967; Paim, Antônio, 1974. Para o impacto do positivismo no âmbito científico e acadêmico, cf. Schwartzman, 5., 1979.

29. Existe bastante evidência de que os republicanos radicais apoiavam a ação política dos militares, e um exemplo disto é o apoio de Silva Jardim a Sena Madureira, na Questão Militar, conforme mostra Boehrer, G. C. A., p. 279-80. (Ver a discussão sobre a Questão Militar mais adiante.)

30. Love, J. L., 1971, p. 154. Grande parte da análise que se segue é baseada neste excelente estudo. O melhor trabalho sobre os militares na Primeira República é o de Carvalho, J. M. 1977.

31. Love, J. L., (ibid. p. 24) cita Silveira Martins dizendo que o "Partido Liberal Rio-Grandense se move como um regimento de Frederico, o Grande". Ver também Uricoechea, Fernando, 1978, para uma análise que confirma a importância especial da tradição militar gaúcha no século XIX.

32. Citado por Love, J. L., p. 31.

33. Cf. Boehrer, G. C. A., 1954, p. 286, e id. 1966, p. 43-57.

34. O nome "maragato", atribuído aos federalistas, parece ter sido originário de um lugar denominado Maragataria, uma passagem na fronteira Brasil-Uruguai. Este nome sugere que os federalistas mantinham fortes laços com aquele país, transferindo-se livremente para o outro lado da fronteira, onde podiam obter suprimentos, santuário, e também um mercado ilegal para seu gado. O próprio Silveira Martins nasceu no Uruguai. Para uma descrição dos conflitos entre Republicanos e Federalistas, ver Love, 1. L., 1971, cap. 3.

35. Love, J. L., 1971, p. 131.

36. Ibid. quadros 3, p. 123.

37. Carone, E., 1971, p. 256.

38. Ibid. p. 265. Pinheiro Machado é a figura central na análise que Love faz do papel do Rio Grande na República Velha. Ver principalmente o cap. 6 de seu livro, "Pinheiro and his party" (Love, J. L., 1971).

39. Pena, M. V. J., 1971, p. 43. A fonte é de um artigo de Juarez Távora publicados em O Estado de São Paulo e citado também por Fausto, B., 1970. p. 76. Vindo de um tenente revolucionário, o artigo pretendia ser um ataque às pretensões de poder em São Paulo.

40. Vieira da Cunha, M. W., 1963, p. 19-20. Para uma análise dos vínculos de São Paulo com o sistema econômico-financeiro internacional, ver Love, J. L.. 1973.

41. Ver esta discussão mais ampliada no capítulo anterior. Cf. Reis, E. M. Pereira, 1972 (p. 13 e seguintes) e 1979.

42. Silva, F. A. R da, 1971, p. 235-82.

43. Para a história da Revolta de 1924 , ver Carone , E., 1971, p. 373 e seguintes.

44. Soares, J. C. M., 1925, p. 12.

45. Romeiro, M. O., 1930.

46. Ibid. p. 102.

47. Horta, C. R., 1956.

48. Wirth, John D., 1977. Ver também Martins, A. Viana, 1978 c Fleischer, David V., 1972, 1977.

49. Um sumário do desenvolvimento sócio-econômico do país, a partir de 30, encontra-se em Schmitter, P. C., 1971, cap. 2, p. 20-46. Esta estimativa da urbanização é de Geiger, P. P., 1962.

50. Silva, F. A. R da, 1971, p. 245.

51. ibid. p. 256.

52. Schmitter, P. C., 1971, quadro 2.1, p. 23. Para dados mais detalhados sobre a industrializa ção nos anos 20 e 30, cf. Fausto, B., 1970, p. 19-28.

53. A bibliografia sobre a revolução de 30 é bastante extensa. A respeito do Tenentismo, ver entre outros Santa Rosa, V., 1933; Wirth, J. D., 1964; Silva, H., 1968.

54. Várias formas de organização política foram criadas posteriormente pelos setores mais radicais do movimento revolucionário, incluindo as Legiões de Outubro, o Clube 3 de Outubro e a Legião Revolucionária. Para uma análise destes movimentos, e mais especificamente do último. cf. Flynn, P., 1970, p. 71-106.

55. Ianni, O., 1965, p. 135-6.

56. Ibid. p. 138.

57. Os teóricos das classes médias Incluem a Santa Rosa, V., 1963, Ramos, A. G. 1961, e Jaguaribe, H., 1962. Para um sumário, ver Fausto, B. 1970, e Franco , C. A. P. M. et alii., 1970.

58. Um exemplo dos erros trazidos pela interpretação classista do movimento de 30, citado por Bóris Fausto, é o de Andrew Gunder Frank, que entre outras coisas tenta explicar o papel político do Rio Grande em 1930 pela presença de imigrantes europeus e certa industrialização incipiente no estado. Cf. Fausto, B., 1970; Franco, C. A. P. M. Oliveira, L. L., e Hime, M. A. A., 1970; Frank, A. G., 1967.

59. Santa Rosa, V., 1933.

60. Amaral, A., 1934. Para uma bibliografia completa e uma análise em profundidade de sua obra, ver o trabalho de Alcântara, A. B., 1967. Para um panorama de nomes e temas na história do pensamento social brasileiro, ver Santos, W. G., 1967.

61. Sobre o integralismo no Brasil, ver Trindade, Hélgio, 1974.

62. Sou grato à colaboração de Irene Rodrigo Otávio Moutinho no trabalho de levantamento dos resultados eleitorais na República Velha, pela utilização de inúmeras fontes, entre as quais os Anais do Congresso Nacional (Apuração da eleição de presidente e vice-presidente realizada a 1 de março de 1910). Os resultados eleitorais deviam ser confirmados pelo Congresso, o que era feito por critérios estritamente partidários. De forma geral, a análise dos dados eleitorais durante o período sugere que o montante de fraudes talvez seja melhor indicador de força política do que os próprios resultados oficiais. Rui Barbosa, por exemplo, foi capaz de demonstrar, para sua satisfação, que a vitória eleitoral seria sua, não fosse a falsificação de resultados. Em resumo, dados precisos sobre as eleições deste período são ao mesmo tempo difíceis de obter e pouco significativos politicamente.

63. Cf. Schattschneider, E. E., 1960, cap. l.

64. Valadares, B., 1966.

65. Sobre a política mineira nos primeiros anos da década de 30, cf. Bomeny, Helena Maria Bousquet, 1980.

66. Valadares, B., p. 36

67. Relatado por Dean, W., 1969, p. 183.

68. Dean, W., p. 205. Ver também, no mesmo autor, a descrição dos conflitos entre o Minas tério do Trabalho e os industriais paulistas logo após a revolta de 1932. p. 191-2.

69. Ver Fontoura, L. N. Da, 1963, para a narrativa de sua participação no movimento de 1930.

 



 

 

Capitulo 6
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM PERSPECTIVA


1. Uma Perspectiva de Análise

2. A Participação Política e o Sistema Partidário Após 1945

3. A Dinâmica do Sistema: os Resultados Eleitorais

4. A Crise Do Sistema

5. Conclusões: o Sistema Eleitoral e a Questão Institucional

Notas



1. Uma Perspectiva de Análise

Com exclusão das experiências eleitorais frustradas de 1930 e 1934, o período de 1945-64 foi o único na história política brasileira em que o país experimentou um sistema de participação política de massas. É possível, assim, assumir uma perspectiva histórica de longo prazo e afirmar que este foi um período excepcional, explicado, talvez, pela onda de liberalismo democrático que passou a imperar em toda a América Latina logo após a Segunda Guerra, e que durou, em média, 15 ou 20 anos, conforme o país. Ainda que isto seja verdade, esta experiência despertou no país um gosto pela liberdade política e a abertura de alternativas de participação, coisas que não poderiam e não deveriam ser esquecidas com facilidade. Conceitualmente, esta experiência coloca o tema de participação no centro da análise do sistema político nacional.

O estudo dos sistemas de participação política tem sido muitas vezes negligenciado devido a uma tendência bastante generalizada de considerar o fenômeno político como totalmente inerente ao seu contexto social e econômico e, assim, desprovido de existência própria. É curioso notar que duas tradições intelectuais aparentemente opostas levam ao mesmo resultado. Uma, norte-americana, deriva, conforme sugeriu Samuel P. Huntington, da falta de experiência com os problemas de instabilidade política, o que, por muito tempo, conduziu à noção de que um sistema político estável e eficiente seria decorrência natural do desenvolvimento econômico e do bem-estar social. É desta perspectiva que deve ser vista a famosa correlação encontrada por S. M. Lipset entre democracia e desenvolvimento, e que serviu de base a uma literatura tio extensa sobre "desenvolvimento político".(1) A outra tendência tem origem marxista e inclina-se a considerar a esfera política como uma conseqüência simples e direta de estruturas subjacentes de produção. É certo que existem autores, marxistas ou não que têm consciência do problema e tratam de equacioná-lo; mas a influência destas tendências parece ter sido grande o suficiente para difundir uma maneira de pensar que tem dificultado bastante a análise da questão.

O fato é que, a partir destas perspectivas, o sistema político enquanto tal é visto como desprovido de dinâmica e determinação próprias. De certo ponto de vista, é percebido como um instrumento de conflito de classe ou de consolidação de uma revolução social vitoriosa, enquanto outros vêem-no como simples operação técnica de administração e controle do poder. Cria-se, assim, um abismo conceitual entre os especialistas em economia e sociologia, para os quais o processo político é um simples resultado de fatos econômicos e sociais, e os especialistas em governo e administração pública, para os quais o processo político surge, muitas vezes, como um problema estritamente técnico, de management, sem muita relação com o que ocorre no resto da sociedade. É claro que as coisas não são tão simples assim, mas a profusão de estudos dedicados às influências "políticas" (no sentido de interesses econômicos e sociais) no processo governamental ou às influências também "políticas" (aqui significando governamentais) na vida econômica e social não são suficientes para eliminar os paradoxos de uma sociologia política ou de teorias do desenvolvimento despolitizadas. Isto fica bastante claro quando se trata de entender o processo político de um país como o Brasil.

A relação entre o que sucede ao nível sócio-econômico e ao nível do poder político não é nada simples, a começar pelo fato de que existem pelo menos duas mediações importantes entre estes dois níveis. Podemos, na realidade, considerar quatro níveis de análise factíveis de serem estudados independentemente, antes de serem vistos em inter-relação: o nível econômico, o da estrutura social, o do sistema de participação política e o de governo propriamente dito. Vistos em termos de processos históricos, é possível falar em um processo de desenvolvimento econômico, outro de mudança na estrutura social, outro de crescimento dos sistemas de participação e outro de transformações do sistema de poder. Dizer que estes processos são "autônomos" na-o significa. evidentemente, afirmar que eles são empiricamente independentes, mas, simplesmente, que nenhum deles poder ser entendido dedutivamente a partir dos demais.(2)

Com estas distinções em mente, é possível utilizar um conceito bastante restrito de desenvolvimento econômico, em termos de crescimento da renda per capita e do que isto implica em termos de modificações na tecnologia e na divisa-o setorial da força de trabalho.(3) O conceito de desenvolvimento social, que aparece muitas vezes na literatura sob o título de "modernização", refere-se ao aumento do bem estar de uma população de acordo com as pautas das sociedades modernas de consumo de massa - consumo de bens industrializados, educação, aumento da expectativa da vida, urbanização, consumo de jornais, uso de telefones e correios etc. Mais do que uma simples mudança em pautas de consumo e comportamento, o desenvolvimento social traz em si uma série de elementos fundamentais para a compreensão dos fenômenos sociais que dele decorrem: um aumento de comunicações, uma extensão gradativa da escala social de participação, do nível local ao nacional e internacional, um processo de mobilização social, no dizer de Karl Deutsch, que se reflete mais ou menos diretamente na área política como aumento de participação.

Esta distinção entre o econômico e o social pode ser em boa parte pensada em termos do distanciamento entre os sistemas de produção e os sistemas de consumo nas sociedades modernas. Tradicionalmente, o conceito de classe social é definido em termos da divisão social do trabalho, ou seja, da estrutura do sistema produtivo - e esta definição traz implícita a idéia de que os padrões de consumo, os interesses, as motivações e as ideologias dos diferentes grupos sociais podem ser entendidos e explicados através desta matriz produtiva básica. Existem, sem duvida, boas razões de ordem teórica e conceitual para questionar esta definição. Max Weber, por exemplo, estabelece uma distinção analítica bastante nítida entre o sistema de classes, definido de forma estrita em termos das relações sociais que se estabelecem a partir do mercado, e o sistema de status ou estamentos sociais, caracterizado por diferenças em prestigio social e monopólios de certos padrões de consumo.

Sem entrar na complexidade teórica desta discussão, vale a pena observar que uma das características mais notáveis das sociedades modernas é a redução progressiva do número de pessoas necessárias para a produção agrícola e industrial, em contraste com o aumento crescente dos sistemas de serviços e de consumo. Esta situação contrasta de maneira marcante com a época em que o sistema produtivo absorvia de uma ou outra maneira toda a população, e as oportunidades de consumo estavam estreitamente relacionadas com a participação das pessoas neste sistema. Nas sociedades modernas, as possibilidades e padrões de consumo são definidos por uma multiplicidade de fatores, dentre os quais a distribuição de benefícios feita pelo Estado, a segmentação do mercado de trabalho por critérios sociais, culturais e étnicos, os privilégios corporativos e profissionais conquistados por diferentes categorias técnicas e profissionais, a estratificação condicionada pelas credenciais distribuídas pelo sistema educacional e, evidentemente, a posição dos indivíduos no sistema de produção de mercadorias, conhecimento e serviços de todo tipo.

Assim como o social não é uma resultante simples do desenvolvimento econômico, tampouco a participação política deriva, de forma simples, do processo de transformação social.

Quando, em que medida e em que condições o processo de mobilização social se traduz em uma demanda de participação na vida pública? É bastante óbvio que não existe uma resposta simples para esta pergunta, que depende, essencialmente, de dois tipos de variáveis. O primeiro se refere à natureza do processo de modernização e mobilização social. A partir das concepções mais simples de Lerner, que via o aumento de participação política, na forma de comparecimento eleitoral, como um desenvolvimento linear dos processos de urbanização e alfabetização,(4) a análise mais contemporânea busca nos diversos tipos de assincronias e desequilíbrios de desenvolvimento social e econômico a raiz das variações na participação. Sem entrar muito nesta questão, já desenvolvida em outros contextos, é bastante evidente que uma situação em que o desenvolvimento econômico antecede e lidera o processo de modernização levará a um tipo de vivência política muito distinto daquele onde o processo de modernização é anterior, e não seguido, a não ser longinquamente, pelo desenvolvimento econômico.(5) No primeiro caso, a participação política tenderia a ser, aparentemente, mais ligada a demandas específicas, propugnando por uma ampliação progressiva das áreas de autonomia e participação, enquanto que no segundo estariam dadas as condições para uma ação política mais preocupada com a satisfação de fins que com a obtenção de meios, e o terreno seria muito mais fértil à trasladação da vida política a um nível simbólico e principista do que na situação anterior.

O segundo tipo de variável se refere às características mais próprias do sistema político. Um sistema político mais institucionalizado é mais capaz, em principio, de absorver como legítimas novas demandas de participação, enquanto que regimes mais rígidos tenderiam a sentir-se mais ameaçados e, por isso mesmo, a restringir as áreas de participação. O grau de "desenvolvimento" de um regime político só em parte depende do processo de mudança econômica e social e do nível de demandas de participação política que encontra no transcurso de sua história.

Existe uma solução de continuidade quando passamos do primeiro para o segundo tipo de variável, que corresponde quase que à passagem de uma escola de análise política à outra. No primeiro caso, a cadeia explicativa parte da sociedade civil e do sistema de produção para o político, que é visto tão-somente como urna resultante ("o sistema político é instrumento dos interesses da classe tal") ou um obstáculo ("as elites tradicionais não satisfazem às demandas crescentes da população...") ao que surge no nível da sociedade e da economia. O sistema político é conceituado, nesta perspectiva, com a ajuda de uma ou duas variáveis (esquerda - direita, liberal-autoritária etc.). No segundo caso, o modelo causal é invertido, e o sistema de poder passa a ser visto como algo muito mais complexo e determinante, enquanto as explicações e soluções são buscadas nos sistemas de autoridade, ordenações jurídicas, estruturas de comunicação e decisão, sistemas partidários etc. A necessidade de unir estas duas perspectivas é óbvia, ainda que as dificuldades não sejam poucas. A primeira abordagem surge ligada à tradição mais sistemática e analítica da sociologia empírica (o artigo de Karl W. Deutsch, referido anteriormente, é exemplar), enquanto que a segunda está muito mais ligada a uma tradição em que o jurídico e o histórico se conjugam, de forma pouco clara, com esforços de análise mais sistêmica.

É preciso observar, finalmente, que falar em "institucionalização" ou "desenvolvimento" político, no entanto, é ainda muito pouco. A análise dos sistemas políticos é em si mesma extremadamente complexa e requer pelo menos três tipos bastante diferenciados de consideração. O primeiro se refere às características mais estruturais da formação do Estado, seu papel e seu peso relativo no conjunto da sociedade. Esta é uma análise que requer, necessariamente, uma abordagem histórica. Assim, o fato relativamente fortuito da transferência da coroa portuguesa para o Brasil, por exemplo, deu ao Estado brasileiro um grau de institucionalização e um peso específico, único no contexto latino-americano, que explica muito da relativa estabilidade do sistema político brasileiro no século XIX. As diferenças de experiência colonial, da mesma maneira, marcam radicalmente o sistema político dos países da África situados ao sul do Saara, variando desde os últimos vestígios do colonialismo (Angola e Moçambique) até os experimentos de institucionalização mais acabados (Gana e Nigéria), passando pelos frutos das colonizações belga e francesa, das quais os dois Congos servem de exemplo.

Um outro tipo de consideração se refere à estrutura formal do sistema político, ou seja, à questão constitucional. O formalismo jurídico que muitas vezes cerca a análise deste aspecto dos Estados modernos leva freqüentemente o cientista social a desconsiderá-los. e perder de vista sua importância. No entanto, a divisão horizontal e vertical de poderes, a organização do sistema eleitoral, as garantias e mecanismos de preservação dos direitos das minorias, são aspectos fundamentais para o entendimento dos sistemas políticos, por suas conseqüências especificas e muitas vezes pouco compreendidas.

O terceiro tipo de análise se refere ao próprio processo de disputa, negociação, composição ou polarização que ocorre no interior do sistema político. A lógica da competição política não deriva simplesmente dos interesses subjacentes aos partidos, nem das regras formais de ordenamento jurídico do sistema político. Ela tem uma dinâmica própria que deve ser estudada em sua especificidade, com conseqüências bastante profundas para o funcionalismo ou eventual ruptura do sistema político em muitos de seus aspectos.(6)

É possível organizar a discussão até aqui em termos semelhantes aos da tentativa feita por Stein Rokkan e S. M. Lipset de utilizar as categorias funcionais de Talcott Parsons para análise dos sistemas políticos europeus.(7) Parsons, como é bem sabido, propõe uma divisão analítica dos sistemas sociais em quatro funções gerais da adaptação (A), realização de objetivos [goal achievement) (G), integração (1) e manutenção de normas ou latência (L) - que, aplicadas às sociedades complexas, se traduzem exatamente nos subsistemas econômico, governamental, de participação política e de educação e transmissão de valores (família, escola). O estudo de Lipset e Rokkan se refere à estrutura interna do subsistema de participação política, em termos de suas sub-divisões. Eles mostram como esta abordagem permite estudar e entender dois dos principais eixos de polarização política: o que une as funções de adaptação e integração (e que se refere a conflitos de tipo econômico-funcional) e o que une as funções de governo e manutenção de valores (o eixo centro-periferia). Uma outra alternativa, que propomos aqui, é a de pensar nos quatro subsistemas como quatro processos de transformação e desenvolvimento social. O problema da análise dos sistemas de participação política consistirá, então, em avaliar o que ocorre no subsistema de participação política em face das interações entre os outros três processos. Assim, é possível considerar o que se passa no subsistema adaptativo "A" como mudanças no processo de desenvolvimento econômico; as mudanças em ""G" como o processo de transformação e crescimento da estrutura do Estado, as mudanças em "L", como transformações no sistema de valores sociais, padrões de consumo e aspirações (que são geralmente medidas em termos de alterações nas taxas de educação e urbanização, e vistas como parte de um processo de "modernização"); e, finalmente, mudanças em "l", como aquelas relacionadas com a estrutura de participação política e social. se considerarmos que, em um contexto histórico dado, um destes processos pode assumir caráter dominante em relação aos demais, desenvolvendo-se por características próprias e influenciando o desenvolvimento dos outros, teremos condições de estabelecer um quadro sistemático de tipos alternativos de participação política:


Uma maneira simples de entender este esquema é pensar que, quando a atividade econômica independe e prepondera sobre a atividade especificamente política, o sistema de participação política consiste, essencialmente, em formas de representação de interesses. Ao contrário, quando é a atividade política que prepondera sobre a atividade econômica, definindo, inclusive, as oportunidades diferenciais de enriquecimento, o sistema de participação política consistirá, essencialmente, em uma disputa pelo controle do Estado ou pelo acesso a posições governamentais, independentemente de uma ideologia ou programa político explícito. Dito ainda de outra maneira, a primeira forma de participação política relaciona-se com decisões ou políticas (no sentido da palavra inglesa "policy"), enquanto que a segunda forma diz respeito a posições, os "cargos de nomear" a que se referia Macedo Soares. É claro que nenhuma destas formas de participação ocorre de forma pura e isolada, e o sistema de cooptação se estabelece exatamente quando tentativas embrionárias de representação de interesses são absorvidas, sistematicarnente, por uma política derivada do controle de posições governamentais.

2. A Participação Política e o Sistema Partidário Após 1945

A discussão até aqui desenvolvida, para fazer sentido, deve nos ajudar a entender um pouco melhor as características mais gerais do sistema político brasileiro constituído a partir de 1945, seu desenvolvimento e sua crise ao final de 1964, assim como as evoluções posteriores do sistema partidário do país. Este entendimento deveria poder ir além das análises simplesmente sociológicas, que buscam explicar a política em função das classes e outros grupos sociais, sem considerar o sistema político; mas, além disto, deveria ter mais profundidade que as análises meramente "internalistas" do sistema político-eleitoral, que, ao desconsiderarem os contextos social e de poder mais amplos em que a vida política se move, tendem com facilidade a verdades freqüentemente próximas de uma tautologia. E o que o texto que se segue pretende evitar.

Terminado o Estado Novo, os interventores nos estados e seus prefeitos nomeados se reuniram para dar forma ao Partido Social Democrático, enquanto os burocratas do sindicalismo e do sistema previdenciário oficiais formaram o Partido Trabalhista Brasileiro. Cada qual à sua maneira, estes foram partidos de "posições", partidos de governo, que funcionavam combinando recursos do poder com capacidade de cooptar as lideranças locais e sindicais ascendentes.(8) Em ambos os partidos, o poder eleitoral derivava do acesso a posições governamentais e centros de decisão. Geralmente os temas ideológicos ou de princípio eram secundários, e os interesses defendidos pelas lideranças se relacionavam com a distribuição de posições, sinecuras ou facilidades e privilégios de tipo político. Eram partidos que dependiam essencialmente, para subsistir, da companhia do poder, e que se desagregaram tão logo perderam o controle do Estado.

Havia vários tipos de oposição a este sistema hegemônico. A oposição liberal a Vargas, que combinava setores urbanos de classe média e intelectuais com líderes mais tradicionais, marginalizados do sistema pessedista dominante; setores militares, impacientes com a ineficiência e o clientelismo político, que eram o preço do sistema de cooptação; setores operários, que pugnavam por mais militância e envolvimento ideológico por parte de suas lideranças sindicais e partidárias; e setores militares, intelectuais e operários que tratavam de influenciar no sentido de uma política externa e interna mais definidamente nacionalista.

É possível sumariar tudo isto em termos da forma pela qual se obtinha o acesso a posições de governo e da forma pela qual essas posições eram mantidas ou buscadas. O sistema de cooptação era, alternativamente, considerado adequado em seu escopo, ou necessitando ser ampliado ou reduzido, conforme osetor político em questão. Tanto governo quanto oposição pareciam se alinhar ao longo de um contínuo de maior ou menor abertura e participação (e, neste sentido, um contínuo de tipo esquerda-direita), mas mantinham em comum o que estamos denominando, por falta de melhor termo, a "política de cooptação": a busca do controle de agências governamentais como fonte para o exercício do clientelismo, tanto para os que já possuíam poder, como para a incorporação de novos grupos, e também para a expulsão dos antigos.

A intensidade dos processos de urbanização, educação etc. (o que se denomina, em uma palavra, "modernização") acrescenta uma nova dimensão ao quadro político, consubstanciada em aumento das demandas de participação, crescente consciência de objetos políticos e busca de representação de interesses. É sobre este processo que se exerce, mais caracteristicamente, a política de cooptação, que é, essencialmente, uma política de controle e manipulação das formas emergentes de participação. A distinção entre uma política populista de cooptação e um processo político de mobilização popular fica clara quando comparamos a "radicalização a partir de cima" com os processos de demandas crescentes de participação. É possível supor que não existirá, em principio, mobilização induzida sem participação espontânea, ou, em outras palavras, cooptação, sem algum esforço de representação. Mas o que importa é o peso relativo das demandas crescentes de participação e sua capacidade de organização autônoma em relação à habilidade e aos recursos de que dispõe o sistema de cooptação. Os personagens políticos que se valeram do acesso a posições de governo para incentivar a criação de um sistema de mobilização radical em 1963-4 são um bom exemplo desta combinação. Mas o exemplo acabado desta mistura de mobilização, controle a partir de cima e falta de estruturas efetivas de representação de interesses é o fascismo.

Quando um sistema econômico, além de ser dinâmico, possui uma lógica e uma força internas que conformam o resto da sociedade, os grupos sociais e econômicos tendem a se organizar e influenciar as normas e mecanismos de decisão que determinam a distribuição dos recursos gerados pela sociedade. É este tipo de política que estamos denominando "política de representação", da qual os regimes políticos liberais da Europa Ocidental são o melhor exemplo, ainda que não o único possível. O principal elemento destes sistemas é a autonomia econômica e organizacional e a auto-referência dos grupos de interesse. No Brasil, este tipo de política nunca chegou a se desenvolver plenamente, mas adquiriu algumas formas embrionárias de existência na área paulista. Uma das formas que assumiu foram as ideologias liberais intransigentes, que rechaçavam toda e qualquer forma de intervenção do Estado na vida econômica ou na previdência social; outra, foram os movimentos sindicais de cunho mais claramente "tradeunionistas", que se preocupavam, essencialmente, com problemas salariais e se baseavam mais em sua organização própria que em seus contatos com o Ministério do Trabalho.(9) Finalmente, assumia a forma de movimentos populistas de tipo fortemente carismático, como o janismo, com pouca estrutura e autonomia nas bases, mas também com pouco controle direto e manipulação a partir de cima.

O que caracteriza a conversão de um conjunto de grupos de interesse relativamente bem-articulado em um sistema político de representação é a generalização das reivindicações e aspirações particulares na forma de movimentos políticos amplos e de objetivos diversificados. Esta transformação de demandas privadas em demandas generalizadas surge, segundo Schattschneider, quando o processo de disputa e negociação política requer e permite a incorporação de setores sociais progressivamente mais amplos na arena política.

É importante ter isto em mente quando nos perguntamos por que a área paulista não deu origem a partidos políticos bem-estruturados e de tipo representacional, como seu desenvolvimento econômico e sua relativa marginalidade política sugeririam. uma resposta possível é que os interesses econômicos da área tendiam, geralmente, a ser atendidos em termos específicos, não dando margem, assim, à formação de uma estrutura de demandas políticas mais permanente. Já vimos anteriormente como o setor de café pressionava no sentido de transferir ao governo central a responsabilidade pela proteção de seus interesses, e neste processo renunciava paulatinamente a sua autonomia.(10) Outra consideração é que grande parte da economia paulista era, e ainda é, fortemente orientada para o exterior, gerando um tipo de vínculo que tende a diminuir o interesse em questões de política interna que não a afetem diretamente.(11) De uma forma ou de outra, o resultado tendia a ser uma combinação de algumas formas de política representacional, bastante apatia e relativa marginalidade política por parte dos setores mais privilegiados, bem como radicalismo de tipo carismático ou esquerdista independente nos setores baixos. Quando a estabilidade deste arranjo era abalada, aumentava a participação, em geral através de uma ideologia de "lei e ordem" ou de um liberalismo que repudiava a política e a interferência governamental na sociedade como algo corrupto, prejudicial e ineficiente. Foi este, em última análise, o caldo de cultivo do janismo.

3. A Dinâmica do Sistema: os Resultados Eleitorais

A análise dos resultados eleitorais através do tempo é a melhor maneira tanto de testar a pertinência do esquema apresentado anteriormente quanto de examinar sua evolução e transformação através do tempo.

Uma primeira aproximação a estes dados é apresentada no quadro 10.(12) Todas as eleições presidenciais, exceto a de 1960, foram ganhas pela aliança PSD-PTB. Somente em 1950 é que a aliança se rompe, quando Vargas impõe seu nome, que não havia sido aprovado pela liderança do PSD. O resultado desta tentativa de independência é a derrota do candidato pessedista, Cristiano Machado, e um novo termo no vocabulário político brasileiro, a "cristianização" (os números entre parênteses para 1950 correspondem aos votos dados ao candidato do PSD que, evidentemente, não recebeu o apoio de seu próprio partido): A "cristianização" é uma demonstração, não somente do carisma pessoal de Vargas, como de seu comando sobre a clientela política, que supera a força da liderança de seu partido. Este acontecimento mostra, também, como a força pessoal de Vargas é predominantemente urbana e popular: é em Minas Gerais, exatamente, que Cristiano recebe maior votação relativa. A aliança volta ao equilíbrio quando a hegemonia se coloca nas mãos do PSD. com Juscelino Kubitschek. Em 1960, no entanto, o controle da aliança havia saldo totalmente do PSD. em benefício dos setores nacionalistas e sindicalistas que se lançam de forma mais clara e decidida em uma política de mobilização. É neste momento que grande parte da liderança pessedista "cristianiza" seu candidato, o General Lott, permitindo a vitória de Jânio e selando, também, sua própria ruína como partido hegemônico.


A participação de São Paulo no sistema criado por Vargas se dá, no início, através de Ademar de Barros, criatura política de Vargas naquele estado, surgida na cena política durante o Estado Novo. Em 1950, Ademar se sente suficientemente forte e marginalizado para criar seu próprio partido, o Partido Social Progressista, e se lança como candidato presidencial em 1955 e 1960, ganhando em São Paulo e Rio nas primeiras eleições, mas recebendo apenas 25% dos votos nacionais. Ademar foi sempre um candidato regional, excluído do sistema PSD-PTB versus UDN, e por isso. sem chances de chegar ao centro do poder.

A eleição de Jânio Quadros em 1960 é a primeira e única vitória paulista no período. Jânio surge sem nenhum apoio partidário, e sobe degrau por degrau desde a Câmara de Vereadores de São Paulo até a presidência. Tinha uni forte apelo personalista, seu programa se resumia em honestidade e severidade, e o símbolo da vassoura que ostentava contrastava claramente com sua figura suja e despenteada. Seu ingresso na política nacional se faz através da adoção de seu nome pela UDN, ainda que pouco houvesse de comum entre ele e este partido. Quando no governo, Jânio foi capaz de atrair a oposição de quase todos os grupos e setores, e sua renúncia, oito meses depois, deixaria o país em uma crise política de grande profundidade.(13)

A eleição de Quadros não significou que o sistema de representação política passasse a predominar sobre o de cooptação, mas que uma nova polarização, entre as tendências ao fechamento e as tendências à abertura de participação, começou a imperar. A prevalência do sistema de cooptação fica clara no nível da vice-presidência, onde João Goulart ganha do candidato de Jânio, que não compartia seu apelo carismático e mobilizador.

A erosão progressiva da hegemonia da aliança PSD-PTB pode ser vista com maior profundidade ainda no quadro 11, que fornece os resultados das eleições para a Câmara de Deputados. Este quadro mostra também o crescimento da votação atribuida a alianças e coalizões partidárias. O PSD nunca deixa de ser o maior partido, mas seu tamanho relativo diminui progressivamente com o passar do tempo. O sistema de alianças tem como efeito descaracterizar o sistema partidário, recebendo elas, em 1962, quase metade dos votos. Estas alianças têm resistido a uma análise que as "traduza" em termos de um sistema de polarização partidária coerente, e parecem se dar de maneira aleatória, atendendo a circunstâncias locais.(14) No quadro 12, votos dados às alianças são somados aos dos partidos dominantes em Minas, Guanabara e São Paulo, sendo estes resultados colocados sob a sigla do partido, mas entre parênteses. É uma maneira provisória de analisá-las, mas parece permitir algumas conclusões.


O primeiro fato digno de nota no quadro 12 é o virtual desaparecimento dos grandes partidos nacionais em São Paulo. Se examinarmos as alianças eleitorais neste estado, veremos que, nas eleições de 1958, o PSP fez uma aliança com o PSD, na qual este último era claramente minoritário (o PSD teve somente 181 mil votos para a Assembléia estadual naquele ano, contra 411 mil para o PSP). Em 1962, a aliança PSD-PSP perde para a aliança de dois partidos eminentemente regionais, o Partido Democrata Cristão e o Movimento Trabalhista Renovador, que também se beneficia da herança política de Jânio Quadros naquele estado. Tanto Ademar quanto Jânio são pessoas que visam diretamente ao sistema político nacional, mas esta "nacionalização" da política paulista tem como resultado, precisamente, a destruição do sistema político partidário nacional sem a criação de um outro sistema alternativo.


No Rio, em 1962, o PTB entra em aliança com o Partido Socialista e com o ilegal porém ativo Partido Comunista. Somente em Minas a configuração partidária nacional permanece estável, com a coalizão entre o pequeno PTB e o ainda menor PSP.

Tanto no Rio quanto em São Paulo, a eleição de 1962 para a Câmara de Deputados se caracteriza pela presença de fortes candidatos que polarizam os votos. Brizola, apoiado pela coalizão PTB-PSB, concentra 62,8% dos votos em sua coalizão, enquanto que Amaral Neto, da UDN, reúne 47,5% dos votos de seu partido. Em São Paulo, Emílio Carlos absorve 44% dos votos da aliança que o apóia. Em Minas, no entanto, o candidato mais votado, Sebastião país de Almeida, obtém somente 10,6% dos votos do PSD, chegando a um total de cerca de 80 mil, em contraste com os 169 mil de Brizola, 123 mil de Arnaral Neto e 154 mil de Emílio Carlos.

A concentração de votos nas eleições legislativas era um indicador das polarizações ideológicas que começavam a dominar o cenário político nos centros urbanos, e que eram mais reduzidas justamente em áreas mais rurais, como Minas Gerais.(15) A representação no Congresso era proporcional à população do estado, mas o direito de voto era restrito à população alfabetizada; isto dava força adicional ao eleitorado de estados rurais, que permaneceram bastante imunes ao processo crescente de mobilização política, tão acentuado no Rio, São Paulo e centros como Recife, Porto Alegre e mesmo Belo Horizonte. A eleição destes deputados super-votados fazia com que o padrão das eleições legislativas fosse próximo ao encontro nas eleições executivas, em que poucos nomes disputavam os cargos. Mas um hiato se interpunha e crescia entre estes casos excepcionais de legisladores super-votados e as eleições executivas nos grandes centros, por um lado, e os mecanismos eleitorais mais tradicionais para a eleição ao Congresso, que ainda predominavam em termos quantitativos, por outro. O fato de o sistema eleitoral para o legislativo ser capaz, em grande parte, de absorver o processo de mobilização sem se deixar afetar muito por ele explica a tentativa de implantação do sistema parlamentarista em 1961, assim como a legitimação dada pelo Congresso ao Governo Castelo Branco, em 1964, que implicou, ainda, a eleição do pessedista José Maria de Alkimin para vice-presidente da República. Tratava-se, no entanto, de uma faca de dois gumes: o conservadorismo do Congresso, que pareceria, em alguns momentos, destiná-lo a um papel crescente de controle e legitimação do Executivo, terminou por marginalizá-lo quase que totalmente do sistema político nacional após 1964 e, principalmente, 1968.

Em resumo, pode-se dizer que são identificáveis duas linhas principais de polarização do sistema político-partidário brasileiro a partir de 1945. Uma delas tinha contornos definidamente regionais, ainda que não de forma exclusiva, e corresponde ao que estamos denominando sistema de cooptação versus sistema de representação política. A outra se manifestava no interior de cada um dos pólos acima, como um corte transversal, aproximadamente de acordo com a dimensão esquerda-direita. No sistema de cooptação, é possível pensar que estes pólos são representados pelo PTB e pela UDN, esta principalmente em sua versão mineira. No sistema de representação, a esquerda era representada, em 1945 e logo depois, pelo Partido Comunista, que, logo após a guerra, chegou a reunir cerca de 20% dos votos em São Paulo, antes de ser declarado ilegal, em 1947. Outros partidos, também caracteristicamente paulistas, ou com setores paulistas claramente diferenciados, se aliavam no contínuo esquerda-direita, incluindo o Partido Socialista, o Democrata Cristão, o Social Progressista e, finalmente, os setores liberais mais conservadores que não chegaram a formar um movimento partidário explicitamente organizado.

É possível tentar uma esquematização do sistema partidário brasileiro nesta época, de acordo com a figura abaixo:


Nesta figura, as duas linhas de polarização do sistema político brasileiro aparecem como dois eixos perpendiculares em um plano. Horizontalmente, os partidos e grupos politicamente significativos estão organizados, da esquerda para a direita, de acordo com suas posições em termos de maior utilização de mecanismos políticos de cooptação ou representação; verticalmente, eles são distribuídos conforme o maior ou menor grau de mobilização ou restrição política que buscam.

É claro que um esquema político deste tipo força um pouco a realidade, e muitos exemplos podem ser encontrados que desconfirmem estas generalizações. O fato, no entanto, é que um esquema como este, apesar de suas imperfeições, ajuda a entender processos que de outra maneira ficariam ininteligíveis. Um exemplo disto é o caso do Partido Comunista que mostra, em sua história, uma curiosa combinação de duas tendências que correspondem exatamente à polaridade cooptação - representação. Em São Paulo, durante o período 1945-7, ele é aparentemente um partido operário de inspiração européia, bastante parecido com seus correspondentes na França ou na Itália, por exemplo. Entretanto, é sabido que sua liderança não tem origem predominantemente operária, e sim militar, a partir da conversão do capitão gaúcho Luís Carlos Prestes ao comunismo durante seu exílio na Argentina e, principalmente, a partir da insurreição de 1935. Isto explica, talvez, a relativa facilidade com que o Partido Comunista se Identificaria mais tarde com o movimento nacionalista e com a estrutura sindical oficialista, tratando de radicalizá-los com uma "ideologia de Estado",(16) muito mais do que através de uma ideologia classista que a experiência de sucesso eleitoral em São Paulo poderia sugerir.

Um bom teste desta classificação quatripartite é a análise do movimento operário e sindical brasileiro no período 1945-1964. Como em outros aspectos, as formas de organização e o comportamento político do movimento sindical em São Paulo sempre foram bastante diferentes das do resto do país. Após 1945, e até o Inicio dos anos 50, alguns dos setores mais militantes e radicais do movimento operário brasileiro estavam localizados em São Paulo - era o período em que o Partido Comunista era forte naquele estado e se confrontava abertamente com Getúlio Vargas, resistindo ao controle que o Partido Trabalhista exercia sobre o movimento sindical brasileiro em quase todo o país. Mais tarde, quando os movimentos trabalhista, nacionalista e comunista passaram a se unir dentro da estrutura sindical, uma grande variedade de organizações sindicais não-alinhadas começou a surgir em São Paulo, em oposição aos grupos dominantes em nível nacional. O conflito se torna claro na III Conferência Sindical Nacional realizada em São Paulo, em 1960, quando há uma cisão a respeito da tentativa de criar uma Central Sindical única em nível nacional. O resultado foi acentuar mais ainda a marginalidade do núcleo operário paulista em relação ao movimento operário nacional, durante os anos cruciais de 1960-3.

Assim como havia uma oposição "direitista" ao sistema PTB-Ministério do Trabalho, havia também uma oposição de "esquerda", que carregava a bandeira da abolição do imposto sindical e pleiteava a independência dos sindicatos em relação ao governo,(17) ambas localizadas predominantemente em São Paulo. Que a contradição entre os setores paulistas e nacionais não pode ser entendida simplesmente em termos de esquerda e direita fica evidente, quando lembramos que o imposto sindical, que simbolizava o sistema sindical aparentemente derrotado em 1964, nem por isso deixou de existir a partir de então.

Esta análise permite entender a quase destruição do sistema sindical brasileiro após 1964 e seu longo período de apatia e desorganização. Com algumas exceções conhecidas, só com os movimentos grevistas de 1979 e 1980 é que ele ressurge, agora livre da tutela ministerial e concentrado no Estado de São Paulo, nos setores mais capitalizados da indústria do país. O "novo sindicalismo" não é, portanto, tão novo assim, já que faz parte de uma tradição bastante anterior de resistência aos mecanismos tradicionais de cooptação política pelo Ministério do Trabalho por parte dos operários do centro econômico do país.

4. A Crise Do Sistema

O sistema de cooptação, representado pela aliança eleitoral PSD-PTB, principia a entrar em crise exatamente quando os níveis de educação, urbanização e industrialização do país começam a aumentar. Na medida em que crescia a participação social em várias esferas de atividade, também ganhava corpo a falta de interesse pelo sistema político partidário, o que se expressa no aumento progressivo dos votos nulos verificados nas eleições Isto é particularmente claro em São Paulo, nas eleições para o Congresso; as eleições presidenciais, que permitiam maior personalização e polarização de temas, refletem menos claramente esta alienação, conforme se verifica nos dados contidos no quadro 13.


Os dados sobre comparecimento eleitoral devem ser examinados tendo-se em vista a proibição do voto ao analfabeto (cerca de 50% da população) e a estrutura etária (cerca de 50% abaixo dos 18 anos). Assim, somente cerca de 25% da população é, em principio, eleitora, variando muito essa porcentagem conforme o nível educacional e de idade da população de cada estado. E outro elemento importante, que torna impossível comparar estes dados com os de outros países, é a obrigatoriedade do voto. Para os setores mais educados e urbanos, o custo de não votar se torna, com o tempo, tão elevado, que a proporção de votantes em relação aos eleitores registrados acaba refletindo a atualização dos registros eleitorais, antes que as disposições dos eleitores. O mesmo não se aplica aos votos nulos e em branco, que indicam realmente falta de interesse e motivação para com o sistema eleitoral, se assumimos que o sistema não está tão acima da compreensão do eleitor alfabetizado O aumento de 3,2 a 21,1% é uma indicação global, mas importante, da perda progressiva de correspondência entre o sistema político-partidário e os interesses e motivações dos eleitores.(18)

A participação de São Paulo no sistema político eleitoral parece apresentar duas tendências simultâneas. Primeiro, um desinteresse pela política ao nível nacional, que tende a acentuar-se cada vez mais. Segundo, e simultaneamente, uma mobilização crescente num contexto em que proliferam formas de organização social e política. Há uma contradição entre estas duas tendências. Os grupos mais capazes de se organizarem na defesa de seus interesses tendem a alienar-se da atividade político-partidária, principalmente ao nível nacional. Ao nível local, há lugar para uma tentativa de réplica dos mecanismos de cooptação, através de Ademar de Barros, que é bem-sucedida eleitoralmente, mas se revela incapaz de incorporar os grupos sociais e econômicos mais autônomos e ativos, não chegando com isso a conferir aos setores organizados da sociedade paulista uma expressão legítima no quadro político nacional.

A vitória de Jânio Quadros e João Goulart, em 1960, une, por um breve período,'os dois sistemas, de uma forma duplamente inovadora. Em primeiro lugar, o sistema partidário paulista, até então marginal ou caudatário dos partidos políticos nacionais, passa ao primeiro plano, com a UDN aderindo a Jânio Trata-se de um verdadeiro processo de "nacionalização" da política, que coloca em segundo plano as clivagens regionais e ofusca a diferença entre os sistemas de cooptação e representação, até então bastante estanques. Em segundo lugar, esta nacionalização da política se dá através de um processo de mobilização crescente e polarização ideológica em nível nacional. O padrão de distribuição de votos para as eleições deixa de ser o de Minas Gerais, como foi até 1954, e passa claramente a ser o da Guanabara, que tipifica a eleição presidencial de 1960.

O sistema eleitoral, baseado na cooptação de lideres políticos, no paternalismo e no isolamento político do centro econômico e dos núcleos urbanos, não resistiu ao crescimento da mobilização e à nacionalização da política, que fizeram do peso eleitoral de São Paulo o fator decisivo da vitória. A cooptação política através da mobilização progressiva das massas urbanas foi tentada mas fracassou, por falta de apoio econômico, militar e internacional. A alternativa adotada foi, finalmente, a da restrição forçada da participação política, concentrando o poder nas mãos do Executivo e retirando-o do processo eleitoral. A participação ficaria, assim, limitada ao Legislativo, onde formas mais tradicionais de controle do eleitorado pareciam ainda prevalecer.

A crise de 1964 tem sido objeto de uma literatura crescente. Da mesma forma que ocorre com a Revolução de 1930, diferentes interpretações do que teria havido em 1964 levam a distintas conclusões a respeito do sistema político brasileiro, e até mesmo da natureza do fenômeno político em geral. Será que o país, por suas características históricas próprias, não tem condições de possuir um sistema partidário eficaz? A crise de 1964 foi uma crise de conjuntura, ou representou uma transformação profunda do sistema político brasileiro, e como tal irreversível?

Para Maria do Carmo Campelo de Souza, a resposta é clara. De maneira geral, diz ela, "numa sociedade relativamente desenvolvida e complexa, o sistema partida rio é instrumentalidade institucional dificilmente substituível".(19) No caso do Brasil, ela encontra que "os indícios de fragilidade e desagregação coexistem com os de fortalecimento e realinhamento do sistema partidário." Para ela, ver só um dos la dos da questão "revela incapacidade de apreender os processos de transformação do sistema partidário como processos objetivos, produzidos pela vigência efetiva de um sistema de representação eleitoral e partidária". Em outras palavras, o processo de desenvolvimento social não somente desagrega o sistema partidário, como leva também a um realinhamento e à organização de um novo sistema. É este processo de realinhamento que estava sendo, supostamente, gestado, quando a crise ocorreu.

A análise da crise propriamente dita é o objeto central da análise de Wanderley Guilherme dos Santos, que trata de explicá-la como conseqüência da segmentação e polarização ocorridas no sistema político, com reflexos bem caracterizados no âmbito do Parlamento. "A fragmentação dos recursos políticos entre um grande número de atores extremamente radicalizados constituiu, como variável independente, o palco para a paralisia institucional."(20) Esta situação teria impedido que continuasse a funcionar, no Brasil, um sistema de coalizões parlamentares cambiantes que, até então, tinham permitido o funcionamento razoavelmente eficaz do poder Executivo, e sua convivência com o Legislativo. Estas coalizões, mostram seus dados, deixavam de lado a aliança clássica entre o PSD e o PTB, eleitoralmente a mais visível, unindo inimigos aparentes na defesa de causas comuns. No período de Juscelino Kubitschek, por exemplo, fica claro que "a coalizão parlamentar de fato responsável pela estabilidade do período não estava de nenhuma forma fixada ao longo do eixo PSD/PTB e seus aliados vs. UDN e seus aliados".(21) A existência desta estabilidade parlamentar também permitia que o governo preservasse importantes áreas de sua administração do sistema de espólio político, que passou a abranger todo o governo nos anos críticos da presidência de João Goulart. A conclusão foi a paralisia, tendo como conseqüência o aumento da radicalização e fragmentação política, e finalmente a queda do governo.(22)

A análise da crise política de 1964, assim como a própria compreensão do processo político brasileiro como um todo, não estaria completa sem um esforço no sentido de entender em maior profundidade o funcionamento e as características mais gerais de desenvolvimento do próprio Estado brasileiro como estrutura complexa que tem como parte central o setor militar. Os paradigmas políticos tradicionais tendem a tratar o Estado como uma "caixa preta" que responde, dc forma mais ou menos automática, às pressões e demandas da sociedade civil, e não é estranha a esta perspectiva a insistência de muitos autores em entenderem os militares como um grupo de "classe média". Uma resenha da bibliografia de ciência política brasileira feita por Bolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso mostra que estudos sobre o funcionamento do Estado brasileiro enquanto centro decisório só ganham impulso a partir da década de 1 970.(23) Análises da Instituição militar em termos de sua organização e peso próprios são ainda mais raras, devido, talvez, à própria dificuldade de acesso inerente ao tema.(24)

Em seu conjunto, estes estudos deixam bastante claro que o problema do autoritarismo e da democracia não pode ser entendido como simples resultante de processos sociais gerais, nem se esgota na lógica interna do confronto das racionalidades individuais e grupais no seio do sistema político-partidário. A experiência histórica indica que os países que conseguiram instituir sistemas político-partidários estáveis contaram, via de regra, com a participação inicial ativa da burguesia ascendente no esforço de controle, racionalização e subordinação relativa da autoridade política aos interesses sociais. Este papel foi rapidamente sendo compartido por outros grupos e setores sociais, como as minorias religiosas, os interesses rurais, as corporações e grupos profissionais e, obviamente, o proletariado organizado. Não é por acaso que existe na ciência política brasileira uma crescente literatura sobre o papel político da burguesia, num esforço de tratar de identificar, em nosso caso, a repetição do processo histórico europeu.(25) No entanto, a análise da estrutura burocrático-patrimonial do Estado brasileiro, e suas conseqüências ao nível da participação política, mostram que esta é uma esperança vã. A democracia brasileira, para chegar a se constituir de forma realmente sólida, necessita que a sociedade possa se organizar de forma autônoma sobre novas bases, além das matrizes classistas tradicionais, a burguesia e o proletariado. É possível encontrar muitos sinais encorajadores destas formas emergentes de participação, no novo associativismo que surge nas grandes cidades, na renovada consciência política e social das associações profissionais, no novo sindicalismo, e assim por diante. Isto, no entanto, não é suficiente, e ainda é cedo, em 1981, para prever um futuro que divirja de forma radical da tradição centralizadora e autoritária que tem sido a marca da história política do país. Uma discussão sobre o sentido mais profundo da experiência eleitoral pós-64 ajudará, como conclusão, a colocar este tema em perspectiva.

5. Conclusões: o Sistema Eleitoral e a Questão Institucional

Recapitulemos. O fulcro da tese de "cooptação e representação" é o qüestionamento da maneira de pensar que vê o sistema político como baseado exclusivamente em mecanismos de "representação de interesses", e que, por conseguinte, somente consegue entender o Estado como agente de um setor ou de uma constelação específica de setores da "sociedade", definidos essencialmente em termos classistas e econômicos.(26) A isto se contrapõe o fato de que a maioria das sociedades não-ocidentais tem uma organização política e estatal que é parte importante, senão predominante, do próprio sistema produtivo, e que por isso não pode ser vista como atuando em nome de outras classes ou setores. Na medida em que existem, na sociedade brasileira, dois pólos principais de organização social - o de tipo privado capitalista e o de tipo patrimonial - burocrático - o jogo político, quando se dá, expressa esta contradição estrutural, na forma de dois "estilos" de atuação e participação política - "representação" e "cooptação" (o que significa, obviamente, que não há nem uma nem outra quando o sistema de participação política não se pode manifestar).

O modelo de representação política foi, por muito tempo, quase que a única perspectiva analítica aceita dentro da sociologia eleitoral que se pretendia estruturar, com explicações baseadas na percepção das necessidades do sistema social a partir de sua matriz produtiva, em contraposição a perspectivas de tipo "culturalista" ou "idealista". Este esquema explicativo supõe uma sociedade organizada em grupos de interesse de diversos tipos (classes, setores, estamentos etc.) que se dispõem para a defesa de seus interesses na esfera pública. Sua elaboração parte, grosso modo, da realidade histórica dos sistemas político-partidários da Europa Ocidental, e corresponde a um modelo teórico explicativo concomitante, que entende a sociedade como definida essencialmente a partir de uma matriz fornecida pela divisão social do trabalho, que dá os contornos das diversas categorias e interesses sociais, que por sua vez se expressam na arena política. Este modelo teórico pode surgir com diversos graus de complexidade e sofisticação, abrangendo desde a idéia mais singela (e por isso poderosa) de que o sistema político e o Estado são meras "superestruturas" do sistema econômico, até os modelos mais complexos que tratam de incorporar conceitualmente a- presença cada vez mais marcante do Estado nas sociedades ocidentais modernas, lançando mão, então, de conceitos como "fração de classe", "autonomia relativa", "aparelho ideológico" etc.

A sociologia política, e mais especificamente a sociologia eleitoral, que se desenvolveu como disciplina justamente nos países em que existem os regimes políticos representativos mais bem-sucedidos, tende em parte a confirmar e em parte a questionar seriamente este modelo explicativo.

A confirmação consiste no achado mais ou menos universal de que o "status sócio-econômico" tende a ser o melhor preditor das atitudes políticas das pessoas. Tipicamente, o conceito de "status sócio-econômico" deriva da noção de classe, mas tende a ser definido como um contínuo em um sistema de estratificação (medido usualmente pela combinação da educação formal, prestígio profissional e nível de renda da pessoa). Transformado em um contínuo, este conceito deixa de lado a questão muitas vezes bizantina de definir quantas e quais classes "realmente existem" em uma sociedade, e estabelece um relacionamento mais ou menos direto entre posição social e preferências político-partidárias.

A relativa desconfirmação do modelo teórico de política representativa apóia. se primeiro na debilidade das relações acima indicadas. As relações existem, mas são baixas ("0,30 é o número mágico dos estudos eleitorais", diz a respeito Adam Przeworski).(27) Um conjunto de relações deste tipo, vinculadas a um conceito contínuo de estratificação social, leva a uma teoria "atenuada" de política representativa, que corresponde, por sua vez, ao contexto político norte-americano e europeu dos anos 50 e 60, quando estes estudos foram feitos. A política é ainda a representação de interesses, mas os interesses são múltiplos, muitas vezes conflitivos, o nível de informação dos cidadãos é baixo porque o custo da informação política é alto, e sua utilidade marginal, baixa), e isto permite o funcionamento relativamente tranqüilo do sistema representativo das democracias ocidentais, dirigido por elites mais atentas.

A desconfirmação se acentua mais ainda quando comparações internacionais sistemáticas começam a ser feitas. Normalmente, as correlações entre atitudes políticas e status sócio-econômico tendem a se manter dentro de cada pais, mas existem grandes variações em termos de intensidade de envolvimento político, grau de correlação entre atributos sócio-econômicos e atitudes, e linhas de polarização dentro das sociedades etc. Como explicar esta diversidade?

A literatura costuma mostrar três estratégias possíveis. A primeira é utilizar o conceito de "cultura política", que de alguma forma recupera o conceito já em desuso de "caráter nacional". Existiria, assim, uma cultura "machista" no México, "autoritária" na Alemanha, "individualista" no Brasil, "cívica" nos países escandinavos etc. Fábio Wanderley Reis faz uma crítica absolutamente pertinente ao conceito de "cultura política": "quando utilizada para a explicação da evolução política de longo prazo ou mesmo secular de um país, como se dá em algumas de suas aplicações ao caso brasileiro, aquela noção exige que se atribua aos componentes da 'cultura política' um grau inaceitável de permanência e autonomia relativamente ao substrato estrutural que lhes corresponde."(28)

A outra estratégia consiste em tomar em consideração as características do sistema político-partidário, das leis eleitorais, das possibilidades de enfranchisement etc. Por exemplo, Gláucio Soares, ao tratar de explicar o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro no período de 1945-64,(29) utiliza-se tanto das variáveis de tipo classista (mostrando, por exemplo, bases do PTB nos setores operários mais modernos e urbanizados) quanto de variáveis estruturais, como os efeitos das leis restritivas ao voto do analfabeto. A própria lógica da competição em diversos modelos de organização política - bi ou pluri-partidários, de base funcional ou territorial, de âmbito local, estadual ou nacional - implica graus distintos de radicalização dos partidos, conteúdo ideológico ou não dos programas, participação da população etc.

É claro que o principal problema desta abordagem é o fato de ela tomar a estrutura político-partidária como dada e partir daí para a explicação dos comportamentos individuais. Ela permite, sem dúvida, explicar comportamentos a curto prazo, e pode ser a via mais eficaz para desenvolver modelos preditivos de grande precisão, principalmente se apoiada em estudos de sociologia eleitoral empiricamente bem feitos; mas é impotente para prever mudanças no próprio sistema eleitoral, tem unia perspectiva de tempo muito limitada (ou supõe implicitamente a intemporalidade), e por isso suas falhas na predição de resultados eleitorais são, muitas vezes, tão surpreendentes quanto seus sucessos.

A terceira estratégia, que considero a mais indicada, é essencialmente histórica. Ela trata de ver como as ideologias, as polarizações políticas, os sistemas eleitorais, as percepções e avaliações dos fenômenos políticos pelos diversos grupos da população, que existem hoje, são resultados de experiências e buscas de solução para problemas e conflitos de ontem, que caracterizam o contexto no qual são tratadas estas questões em função dos objetivos políticos desejados para amanhã.

A incorporação da perspectiva histórica traz grandes vantagens e grandes problemas. As vantagens são que a realidade, colocada pelos sociólogos empíricos em frios números e na mente refrigerada dos computadores, ou preservada em formol pelos teóricos da cultura política e do caráter nacional, readquire subitamente vida, drama, emoção. O problema é que o analista pode se encontrar, repentinamente, desarmado. Cada evento se explica pelo evento anterior, todas as informações - os dados econômicos, as conspirações, os acidentes, os segredos de alcova - são importantes, e podem eventualmente mostrar a "verdadeira" causa de cada evento. É claro que este tipo. de situação é inaceitável, já que toda a explicação causal que pretende superar a imediaticidade dos fatos aspira a uma teoria, ou modelo explicativo mais genérico. Este modelo explicativo pode muitas vezes estar implícito, outras não - a história como produto das grandes personalidades, das conspirações judaicas ou franco-maçônicas, das manipulações dos irnperialisiiios, das lutas de classe.

Neste contexto é importante recuperar a problemática teórica das relações entre Estado e sociedade, para o entendimento dos processos históricos das sociedades contemporânea. Pensar em termos destes dois macro-conceitos e suas relações não é uma questão de "moda intelectual" mais ou menos aleatória, mas o ponto de partida mais fundamental para unia análise dos processos sócio-políticos da história moderna e contemporânea. Pensar em "sociedade", ou mais especificamente em "sociedade civil", implica pensar no desenvolvimento das cidades e da burguesia na Europa, na expansão da economia e sociedade de mercado, no desenvolvi mento dos sindicatos etc. Pensar em "Estado" implica, por unia parte, pensar no "comitê executivo" do setor dominante da sociedade; mas implica, também, pensar na criação de grandes estruturas organizacionais capazes de mobilizar recursos e desenvolver grandes capacidades extrativas e produtivas, incorporando grande parte da riqueza territorial e de seus recursos humanos etc. Este Estado nada tem de "abstrato", "sem raízes", formal. Por isso mesmo, seu peso específico, seu relacionamento com a burguesia, a aristocracia rural, os sindicatos e outros atores importantes da sociedade, não podem ser definidos a priori, mas dependem de uma análise empírica em cada caso. Assim como existem teorias a respeito da tendência ao crescimento e expansão do capitalismo, da tendência à extinção de sociedades baseadas em agricultura tradicional etc., existem também teorias relativas à tendência ao crescimento do Estado, à lógica de poder das burocracias públicas civis e militares etc. Cada uma destas teorias falha, evidentemente, na medida em que não toma o outro lado em consideração. Dai o surgimento da necessidade de teorias que incorporem estas duas lógicas, que examinem o inter-relacionamento destes dois processos seculares e façam derivar daí proposições para o entendimento de situações históricas particulares.

É desta forma que interpretações e formulações centrais para o entendimento dos processos históricos podem ser trazidas à colocação e experimentadas para a explicação de processos históricos e, a partir deles, de conjunturas políticas localizadas no tempo. Dai a vantagem em acentuar a importância da temática da análise Estado-sociedade, dado que ela permite combinar a análise histórica com a teoria social, ou pelo menos com um corpo importante, no meu ver central, da teoria social relativa aos processos históricos contemporâneos.

É por isso que considero que Fernando Henrique Cardoso, em uma primeira reação às idéias aqui sugeridas, cometeu um erro ao acusar de simplismo esta tentativa de acentuar o foco dos problemas e suas ligações com a problemática conceitual teórica, que as proposições sobre a análise Estado-sociedade significavam.(30)

Em textos posteriores, no entanto, Cardoso passa a incorporar a análise da questão do Estado de forma muito mais explícita e sistemática, partindo da idéia de que "a análise sobre os processos políticos contemporâneos precisa reavaliar as relações entre sociedade civil e Estado e discutir mais a fundo a visão herdada da tradição européia de que a relação classe-partido-Estado se dá nesta ordem e com um nível de autonomia institucional que supõe uma sociedade civil ativa e autônoma".(31)

É a partir desta nova perspectiva que deve ser visto Partidos e Deputados em São Paulo,(32) certamente um dos melhores estudos sobre o sistema político-eleitoral brasileiro já feitos. Seria impossível analisar aqui toda a riqueza de contribuições e sugestões que este texto contém. Limitar-me-ei, portanto, a comentar uma série de teses e passagens que me parecem particularmente ligadas à tem ática aqui discutida.

Em primeiro lugar, chama a atenção a análise da formação do populismo paulista. Para o autor, o populismo é, aparentemente, uma "perversão do sistema representativo", que teria surgido pelas limitações ao sistema democrático representativo impostas, principalmente, a partir de 1947. No entanto, é claro que isto não explica tudo. Referindo-se à inexistência de um partido trabalhista fortemente organizado no Estado de São Paulo, ele diz que "o controle do trabalhismo por Getúlio Vargas e depois por João Goulart requeria na luta interna do PTB uma seção paulista relativamente fraca". E continua: "Foi neste contexto de marginalização dos setores ideológicos que poderiam influenciar o comportamento das massas, do populismo e da falência partidária do trabalhismo por causa de interesses de grupos que lutavam pelo controle nacional do PTB, que se desenvolveu o processo eleitoral paulista."(33)

A questão da insignificância eleitoral dos grandes partidos nacionais em São Paulo - PSD, PTB, UDN - é central para o entendimento do sistema político-eleitoral brasileiro pós 1945, e é uma pena que Cardoso não tenha aprofundado a análise sugerida pela referência à "luta interna" dentro do PTB. No meu entender, o importante era que o PTB, como partido governamental (de "cooptação"), não poderia aceitar dentro de si um setor operário e sindical realmente forte e estruturado, como seria de se esperar que se formasse na área industrial de São Paulo. Este tipo de trabalhismo de base - representativo - levaria a uma inversão do predomínio político do centro administrativo-burocrático nacional sobre o centro econômico do país. É por isso, e não por aspectos circunstanciais de uma luta interna não-especificada, que nem os partidos conservadores, nem os partidos liberais ou trabalhistas de expressão nacional puderam se organizar e firmar uma base de apoio sólida em São Paulo.

Isto não explica, entretanto, a razão da inexistência de grandes partidos representacionais em São Paulo. Em primeiro lugar, há que considerar que este tipo de partido tinha sua força, ainda que limitada, no grande estado. PSB, PDC, PRP, a própria UDN paulista, além do Partido Comunista, foram formas de organização política independente que ali floresceram.

Mais importante do que estes, no entanto, foi o PSP. "De fato", diz Cardoso, "o PSP foi criado, um pouco como o PSD nacional, a partir do aparelho estatal. Entretanto, ele expressou, desde o início, um fenômeno de 'insubordinação paulista'. Os depoimentos trazidos à colação mostram que o PSP combinava este fisiologismo com a participação de grupos econômicos em rápida ascensão, e grupos sociais menos privilegiados ligados a um sistema clientelístico - era o 'partido dos turcos', o primeiro partido que fez de São Paulo a ligação entre um novo estilo de capitalismo e as camadas populares ou pequeno-burguesas que na-o eram captadas pelos conteúdos mais radicais..."(34)

Esta análise dá, creio, a chave do problema: o PSP cresce em uma economia em expansão, onde o aparelho estatal no nível de São Paulo também, crescia em termos de recursos e capacidade de intervenção na sociedade paulista, e por isso nunca chega a ser nem tipicamente um partido clientelista, ligado fisiologicamente ao Estado, nem tipicamente representacional, dependente de grupos de interesse autônomos.

A partir da caracterização geral dos partidos paulistas anteriores a 1966, duas perguntas cruciais se colocam: como entender e interpretam a vitória do MDB em 1974? Que sentido atribuir a esta vitória e que dimensões analisar, tendo em vista os desenvolvimentos futuros?

O voto do MDB tem dois sentidos principais, encontráveis em São Paulo tanto quanto em outros estados em que se fizeram pesquisas eleitorais. Por uma parte, ele é um voto de protesto contra o sistema, contra o Estado. "Desde o passado", diz Cardoso, "o Estado surge como pólo aglutinador quase único da sociedade. 'O relacionamento entre estes dois termos do processo histórico dava-se através de elites que (...) manipulavam legendas e favores para obter o intercâmbio entre eleitores e massa por um lado e partidos e Estado pelo outro. Uma desconfiança básica e, por vezes, a apatia, continuavam a permear o comportamento político das massas. Um fenômeno como o janismo servia de catalisador momentâneo desta desconfiança. Era quase unia alternativa de repúdio a 'tudo que aí está", um caldo de cultura para, independentemente do próprio líder, criar um eventual fascismo."(35) É um eleitorado reativo, que nunca se enquadrou nos limites estreitos do sistema partidário, que faz uso da oportunidade de votar para assinalar seu protesto.

Mas o segundo componente é igualmente importante: como assinala muito bem Bolivar Lamounier,(36) o voto do MDB não é simplesmente um voto negativista e indiferenciado, um "voto cacareco". Ainda que o MDB ganhe em toda a cidade de São Paulo, a variação geográfica dos votos reflete "a continuidade de clivagens sócio-ecológicas básicas", que combinam o voto de oposição tradicional com o voto de novas áreas urbanas periféricas. Trabalhando com duas variáveis clássicas de estratificação, educação e idade, Lamounier mostra como a idade permite explicar 11% de diferença no voto á favor do MDB (os mais velhos votam pela Arena) e a educação outros 12% (os mais educados votam pela Arena). A diferença entre a votação pela Arena entre jovens pouco educados e pessoas maduras bem-educadas é de 30% (12,4% e 50,4%, respectivamente), grau tão alto de variabilidade explicada quanto os encontráveis nos melhores estudos eleitorais. Por suá vez Cardoso mostra em seu estudo como ás bases eleitorais dos eleitos pelo MDB têm muito mais apoio em instituições de classe e setores sociais especificamente definidos que a dos eleitos da Arena, que se basearam principalmente na máquina administrativa do Governo Laudo Natel. Esta mesma estruturação do voto emedebista, e sua continuidade com o sistema político-partidário anterior a 1966, é encontrada por Hélgio Trindade em seu estudo sobre Porto Alegre.(37)

A questão do sentido do voto do MDB requer, alem do exame de seus correlatos sócio-econômicos e ecológicos, á análise do sentido atribuído a este voto. O estudo de São Paulo mostra que os votantes do MDB se diferenciam claramente dos arenistas em sua preferência pelo voto direto, pelo governo eleito, e em sua crença na sabedoria do povo. Para Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis encontra níveis impressionantemente altos de falta de informação política entre os eleitores de ambos os partidos, mas também um predomínio daquelas atitudes que indicam, principalmente entre os emedebistas, "postura crítica com respeito às condições existentes no país, manifestando preferência por uma forma conseqüentemente democrática de organização política e rechaço ao quadro da rigidez política que vem caracterizando a vida brasileira".(38)

O voto do MDB é, assim, em parte, a continuidade dos vínculos político-partidários anteriores a 1966 e, em parte, um voto de protesto, de tipo essencialmente político. Este voto de protesto adquire a feição de um voto contra o Estado, ou o governo, não só porque este governo representa certos interesses, mas porque é governo centralizado e autoritário. Alguns eleitores, diz Lamounier, se referem "a essa curiosa figura, ao que tudo indica recente, da imaginação política popular: a oposição entre governo e povo". É difícil saber por que Lamounier acha "curiosa" esta atitude historicamente tão presente na política brasileira. Para Wanderley Reis, "o fato incontestável é que a identificação maciça com o MDB se deveu às condições que lhe criaram a imagem do anti-governo e anti-elitismo e lhe permitiram emergir como o símbolo de um novo estado de coisas."(39)

Como partir da verificação do sentido e características do voto nas eleições de 1974 para uma visão prospectiva a respeito do sistema político brasileiro? É óbvio, pelo menos para mim, que os estudos eleitorais não se esgotam em si mesmos, que não há muito interesse em poder predizer, ex-post-facto, 30% da variabilidade do comportamento eleitoral em função de algumas variáveis de background. É claro que os estudos ganham interesse quando identificam certos padrões de comportamento que se mantém mesmo quando o sistema político-partidário e o clima eleitoral se alteram. E seu interesse aumenta ainda mais se eles nos permitem ganhar uma perspectiva sobre a evolução e o futuro do sistema político do país.

Fábio Wanderley Reis tem este objetivo analítico claramente em vista, quando busca no voto emedebista de 1974 o sentido de um "voto constitucional". "A desinformação com respeito a certos aspectos da conjuntura político-econômica do país", diz ele, "está longe de poder ser vista como resultando em comportamento errático diante das urnas". Apesar da falta de informação, o voto do MDB é o voto de oposição, caracterizando-se por alguns temas específicos referidos às regras de participação do jogo político, e neste nível haveria consciência clara por parte do eleitorado. Na medida em que uma "consciência constitucional" estivesse realmente se formando e consolidando no país, isto colocaria em dúvida a viabilidade de qualquer projeto político que pretendesse uma base de sustentação social sólida e ao mesmo tempo buscasse contornar o problema da reformulação das regras do jogo político, com seus respectivos direitos e garantias.

Fernando Henrique Cardoso também busca uma sociedade que se organiza de forma sólida e autônoma, e que possa, assim, fundar um regime político aberto e participatório - mas encontra dificuldades por todas as partes. Ele sabe que o peso do voto de oposição tem muito de efeito circunstancial do próprio sistema bipartidário: "a lógica do bipartidarismo, somada a certo grau de liberdade e ao convencimento de que as eleições seriam para valer, levaria à vitória estrondosa do 'partido popular'. Este, no caso, foi o MDB."(40)

Mas para que o MDB possa ser realmente um partido de representação de interesses, "o caminho a percorrer é enorme", sendo preciso que "ele agregue, de fato, interesses das classes que nele votaram, que se organize e se vincule aos setores civis que apoiaram a linguagem que ele usou".(41) O MDB, além de estar longe de fazer isto, mostra ainda tendências à oligarquização interna, que limitam as possibilidades de representação de interesses em seu próprio seio. Esta oligarquização "deu-se porque o condicionamento político nacional a favorece, dada a descrença que ela gera no sistema partidário e o descanso conseqüente na seleção de candidatos, bem como o desinteresse por parte de eventuais candidatos e das bases na renovação de quadros".(42) Isto não deixa de ser verdade, mas ignora o teorema geral de Michels segundo o qual a tendência à oligarquização tem a ver com o próprio funcionamento interno das organizações político-partidárias. Pareceria, no entanto, que o MDB seria um partido de alta representatividade, não fosse o "condicionamento político nacional". E os partidos de antes de 1964?

Seria possível citar uma série de passagens onde para o autor o positivo é a participação política representativa, e o negativo são as formas clientelísticas, burocráticas etc. de indução da participação política por máquinas governamentais ou mesmo partidárias. O MDB estaria longe de corporificar estes aspectos positivos, mas poderia representar uma tendência. E a Arena? O normal seria que ela se transformasse em um "partido conservador moderno", que também fizesse a representação de seus respectivos interesses, vinculando "este modernismo das classes dominantes - que desde logo deve reconhecer-se como ligado à grande empresa - aos setores da classe média urbana que eventualmente poderiam dar sustentação político-eleitoral ao partido do governo"(43)

Eis pois, finalmente, a proposta normativa de Fernando Henrique Cardoso, que não difere essencialmente da de Fábio Wanderley Reis: a implantação de um sistema representativo tanto à esquerda como à direita, a Arena representando "a grande empresa", o MDB os setores populares etc. Como sistema bi ou multi-partidário, é o antigo sistema representativo que se apresenta como único candidato, senão possível, pelo menos desejável para dar salda ao impasse político com o qual nos confrontamos. E o Estado? Ele se entregará docilmente aos ganhadores das liças eleitorais, a cada qual quanto lhe toque?

Acredito que, assim como certas ideologias políticas se reduzem ã Constante lamentação sobre a imoralidade dos políticos, a corrupção dos governantes ou a falta de consciência política dos eleitores, também a sociologia eleitoral que se limite a detetar as deficiências do sistema político representativo só pode terminar como. uma sociologia de lamentação. No entanto, esta não é a única, nem necessariamente, a melhor perspectiva possível. Seria conveniente colocar aqui, com certo detalhe, os termos de uma perspectiva alternativa, que me parece mais de acordo com a experiência histórica brasileira e seu possível encaminhamento. Partimos da questão da representa ção política. A representação política supõe a existência de grupos autônomos, orientados em função de interesses próprios e definidos internamente, seja qual for sua base de identificação - econômica, étnica, lingüística, religiosa etc O que a análise histórica sugere é que as elites regionais no Centro, Nordeste e, em certa medida, no Sul do país, tendem historicamente a se preocupar menos com a representação de seus interesses no centro político nacional do que com seu acesso a posições de poder e prestígio em um regime político centralizado. Os esforços eventuais de autonomia local tendem geralmente a ser facilmente ou cooptados pelo centro, ou suprimido pelas elites locais com o apoio do governo central.

Isto leva a um segundo aspecto, relacionado ao primeiro, que é o da natureza da atividade política. Um regime político baseado na centralização do poder e cooptação de setores mais ativos tende á excessiva burocratização e á política de distribuição de recursos entre clientelas eleitorais, enquanto que uma política de tipo representativo tende a responder de forma mais direta e explícita às demandas de seus constituintes e, por isso, a ser mais clara na definição de objetivos e políticas governamentais.

É importante pensar nestas categorias não como entidades estanques, mas como elementos de um processo. A política cartorial e clientelística deve ser vista, assim, como uma resposta de uma administração centralizada de base patrimonialista a uma demanda crescente de participação por parte de grupos antes excluídos dos benefícios do poder. Ao cooptar, o centro se enfraquece, mas ao mesmo tempo tira a autonomia e independência dos cooptados, que de constituintes se transformam em clientes. A conseqüência é a formação de um sistema político pesado, irracional em suas decisões, que se torna presa de uma teia cada vez maior e mais complexa de compromissos e acomodações, até o ponto de ruptura. O Estado patrimonialista, clientelista, acomodador, é visto como uma reminiscência do passado, do tradicional, do conservador, e a necessidade de sua substituição por um novo tipo de ordenamento jurídico-político se impõe.

É aqui que o dilema dos dois modelos de organização política volta a surgir, e aqui também a visão de processo é essencial. Por um lado, o modelo representativista aparece como ideologia anti-estatal; é o liberalismo à outrance, que vê no Estado a fonte de todos os males, que propõe transformar definitivamente os clientes em constituintes, em fontes de poder, e o Estado em simples instrumento da vontade da maioria organizada. No Brasil, é a ideologia liberal que ainda há pouco se fazia ouvir através do Partido Libertador ou do udenismo clássico. Por outro lado é a tentativa de liberar o Estado de suas peias. O mal não estaria em sua participação ativa na vida nacional, mas sim em seus Compromissos, seus clientes, sua sujeição, enfim, à "política partidária".

Cada lado tem sua razão, e o quadro só começa a se definir com mais clareza quando se toma em consideração um terceiro tipo de questão, que é a do papel da administração central na promoção do desenvolvimento econômico e social do país. 9 que podemos observar aqui é que, no Brasil, pelo menos desde 1937, o Estado tem sempre desempenhado um papel ativo e agressivo na implementação de algum tipo de política de desenvolvimento econômico e social, embora fustigado pela crítica liberal anti-intervencionista. É fácil ver como a crítica liberal não se limita aos aspectos freqüentemente irracionais, ineficientes e corruptos da política, mas se refere à própria noção da necessidade social de planejamento e coordenação national de recursos. A partir deste ponto de vista, a oposição ao Estado centralizado surge como uma versa-o retardada do liberalismo econômico do século XIX, florescendo em um enclave mais privilegiado de um país subdesenvolvido, dependente e organizado segundo moldes político-administrativos patrimoniais.

Eis, assim, um aparente paradoxo, que ressurge hoje em toda a discussão dos problemas de planejamento centralizado e distensão política: uma identificação de autoritarismo com racionalidade e eficiência, por uma parte, e entre participação política, liberdade, ineficiência e manutenção de situações de privilégio, por outra. Não será esta uma maneira equivocada de ver o problema?

O fato é que o sistema político liberal pode ser tanto na forma de garantir a participação de setores cada vez maiores da sociedade na definição dos objetivos nacionais quanto, ao contrário, uma forma de garantir a prevalência de interesses estabelecidos em detrimento de setores sociais menos articulados. Por outra parte, sistemas políticos centralizados podem tanto ser uma forma de limitar a distribuição do produto social a um grupo restrito quanto, ao contrário, garantir que a vontade geral prevaleça sobre interesses minoritários mais articulados.

É possível pensar em duas maneiras de ver o quadro político brasileiro, que derivam destas duas perspectivas e suas bases sócio-econômicas. A primeira, liberal e anti-estatal, pensa no Estado como se legitimando através de um sistema democrático de representação de interesses, e produzindo, essencialmente, uma sociedade segura para o florescimento da iniciativa individual e a eficiência do sistema capitalista competitivo. Ela critica, assim, a tendência oposta como baseada no autoritarismo político, e tendo como produto a política de clientelismo e favoritismo pessoal.

A segunda ideologia política, simétrica a esta, é intervencionista e centralizadora, e vê como fundamento de legitimação do governo a existência de uma política orientada para a maximização de objetivos coletivos e nacionais. Seu produto é um Estado centralizado, eficiente, utilizando as técnicas mais avançadas de planejamento econômico. Ela critica, assim, a política representativa como a que defende interesses privados e particularistas, e a livre iniciativa como a manutenção de desigualdades sociais e regionais. O debate político entre as duas tendências se refere, assim, ao sentido verdadeiro de cada face da moeda. E certo que a bandeira de representação política não passa de urna camuflagem para a defesa de interesses e privilégios de pequenos grupos? Todo o discurso político em termos de objetivos coletivos e nacionais não seria, na realidade, senão uma racionalização para o autoritarismo político? Os esforços de planejamento central e eficiência governamental não seriam, na realidade, simples roupagem para as políticas patrimonialistas e clientelísticas de sempre?

O importante é notar que não somente as apreciações e avaliações diferem, mas que cada uma das versões apreende um aspecto importante da realidade político-administrativa brasileira. É verdade que o Estado brasileiro tem sido, historicamente, o centro de onde emana o clientelismo político e a ineficiência, mas é também certo que, através da estrutura governamental, alguns objetivos importantes e a longo prazo têm sido estabelecidos e alcançados. É verdade que a bandeira da representação política e da descentralização tem sido historicamente relacionada com a política de interesses privatistas - mas é também verdade que ela tem sido útil para garantir a vigência de alguns valores básicos de liberdade e pluralidade, e com isto aumentar cada vez mais o leque de beneficiários presentes e futuros do desenvolvimento social.

O importante - e este é o problema político central que o país confronta - é unificar estas duas tendências no que elas têm de positivo. Este resultado - um sistema político eficiente, moderno, de ampla base de sustentação social, e buscando a realização de objetivos globais a longo prazo -- só pode surgir quando a representação política deixe de se identificar como apoio e a manutenção de interesses privados limitados, e, ao mesmo tempo, quando o Estado deixe definitivamente de ser uma burocracia patrimonial preocupada essencialmente com sua sobrevivência e se transforme em um agente efetivo e responsável de interesses sociais amplos.

Esta unificação deve ser efetivada, inclusive, no espaço, ou seja, quando as duas tendências deixem de responder a clivagens políticas diferenciadas geograficamente. Isto significaria dar uma base representativa adequada ao processo de coordenação e planejamento nacional, de tal forma que este processo seja adequadamente controlado para evitar a ineficiência e o autoritarismo, e, ao mesmo tempo, fazer com que a política representativa seja de tal forma relacionada com os interesses mais gerais da sociedade que estes prevaleçam sobre a lógica dos interesses particulares de grupos privilegiados.

Existe, assim, um duplo trabalho a ser desenvolvido: transformar as estruturas e atitudes políticas nos dois lados da divisão regional e ideológica do país; desburocratizar, tornar menos autoritária e clientelística a ação do Estado, e tornar menos privatista e conservadora a política representativa. É difícil prever como este trabalho evoluirá e não há dúvida de que, em sua essência, estes serão os termos do debate político que nos espera.

Na realidade, a questão do relacionamento entre o liberalismo político e as formas mais capitalistas de organização social encontra sua discussão mais plena nos termos sugeridos por César Guimarães. Essencialmente, ele mostra que, conforme o momento histórico do surgimento do capitalismo, em suas relações com organizações políticas estatais preexistentes, diferentes conseqüências políticas podem emergir. O primeiro tipo sugerido de "capitalismo politicamente implementado" corresponde ao modelo clássico de política representativa. Nos outros dois, no entanto, pareceria que a bandeira liberal deixa de existir, ou passa a figurar somente como uma justificação ideológica que encobre uma orientação política autoritária. Esta expressão, na realidade - "capitalismo autoritário" - é utilizada por Otávio Guilherme Velho em seu trabalho Modos de desenvolvimento capitalista, campesinato e fronteira em movimento.(44)

Um último ponto, que creio importante assinalar, é que os estudos eleitorais são somente uma das vias, e não necessariamente a mais importante, para o entendimento dos processos políticos, tanto em si mesmos quanto em função da efetivação de valores que o analista possa ter. Conhecemos suficientemente, hoje, de sociologia eleitoral para não nos iludirmos quanto à capacidade de os sistemas eleitorais gerarem e garantirem formas políticas adequadas. Pessoalmente, acredito que a existência de sistemas eleitorais competitivos é uma condição necessária, mas nunca suficiente, para garantir uma sociedade quanto a formas abusivas de oligarquização e monopolização de recursos sociais e econômicos por grupos restritos.

Se isto é assim, os estudos eleitorais deveriam ser colocados em um contexto que examinasse de forma bem mais ampla as possibilidades de participação social que a sociedade brasileira vem ou não oferecendo, não só na esfera estritamente político-partidária, mas também em outras formas de participação no setor produtivo, na organização do espaço residencial e habitacional - as sociedades de bairros, por exemplo -, no sistema de consumo, no sistema educacional e de circulação de informações, em estruturas organizacionais administrativas dentro do governo ou fora dele, em relação ao sistema judiciário etc. A separação entre unia "esfera política" e as demais esferas da vida social transforma a vida política em um ritual vazio de conteúdo, dispendioso e essencialmente inútil para governantes e governados. É na medida em que a sociedade desenvolve a capacidade de participação de seus cidadãos em muitas áreas diferentes, reestabelecendo de forma efetiva o vínculo perdido e oculto pela tradição liberal entre Estado e Sociedade, que o sistema eleitoral pode, eventualmente, recobrar ou conquistar o seu sentido de manifestação consciente e estruturada de valores sociais. Até lá - ruim com ele, pior sem ele - o funcionamento contínuo do sistema eleitoral e seu estudo livre de mitos poderão, esperamos, contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade cada vez menos injusta e mais eqüitativa.


Notas

1. Cf. Lipset, S. M., 1967, c Huntington, 5., 1968, p. 7.

2. A incapacidade em considerar estes quatro níveis de análise separadamente é responsável por muitos equívocos na literatura sobre problemas de desenvolvimento. Celso Furtado, por exemplo, em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina (Furtado, C., 1966), diagnostica bem a crise no nível econômico e as dificuldades no nível do poder, mas não tem nada mais elaborado a dizer no nível da estrutura social (refere-se a isto com a expressão vaga de "massas heterogêneas") e da participação política (dá por suposta a necessidade e viabilidade de uma ideologia de desenvolvimento). Ver a discussão sobre o livro de Furtado em Schwartzman, S., 1967.

3. O conceito de "desenvolvimento econômico" medido nestes termos, ou em termos de con sumo de energia per capita, é intencionalmente quantitativo. Existem vantagens analíticas em considerar o desenvolvimento, ou crescimento econômico, independentemente de outras variáveis tais como as de distribuição da renda, estrutura da produção, sistema de propriedade, relações econômicas externas etc., cujas relações empíricas com o crescimento podem então ser estabelecidas.

4. A linearidade aparece também nos correlatos políticos que S. N. Eisenstadt atribui ao processo de modernização, ou seja, a diferenciação institucional continua e "uma quebra na auto-suficiência e fechamento dos diferentes grupos e camadas sociais, que são trazidos para um centro institucional e societal comum mais unificado, e começam a influenciar a esfera institucional e simbólica da sociedade". Há aqui a idéia de um processo de ampliação da esfera de participação similar ao sugerido por Germani (participação restrita, ampliada, total). Este aumento na escala de participação política parece ser inegável, mas não descreve todas as alternativas possíveis de participação. Eisenstadt, S. N., 1966 e Germani, G., 1962.

5. Análises dos "avanços" e "atrasos" no processo de desenvolvimento, sugeridas entre outras partes no artigo pioneiro de Karl W. Deutsch sobre mobilização social, têm sido desenvolvidas independentemente por uma série de autores, com resultados geralmente recompensadores. Um trabalho neste sentido é o de Rosalind e Ivo K. Feierabend, que desenvolve um índice de frustração pela comparação entre indicadores de "criação de desejos" e de "satisfação de desejos" (educação, comunicações de massas, urbanização, por um lado, e crescimento econômico por outro). Outra linha de pesquisas, de orientação mais estrutural, é a das equipes da Fundación Bariloche e do Instituto de Sociologia da Universidade de Zurich, sob a direção de Peter Heintz e Manuel Mora y Araujo. Ver Deutsch, K. W., 1966b; Feierabcnd, R. e J. K., 1966; Helntz, P., 1970; Schwartzman, 5., 1972; Mora y Araujo, M., 1972; Kaztman, R., 1972; Passos, A., 1968a.

6. Esta é uma abordagem bastante nova no contexto brasileiro. Os dois exemplos mais importantes nesta linha sido os trabalhos de Santos, Wanderley Guilherme dos, 1979, e Lima Ir., Olavo Brasil de, 1980.

7. Rokkan, S. e Lipset, S. M., 1967. Este é um excelente exemplo de como um esquema conceitual, pensado inicialmente em termos de uma teoria funcionalista adaptativa, pode ser utilizado com proveito na análise de processos históricos dinâmicos.

8. Para uma descrição da história da organização dos partidos políticos brasileiros pós-1945. ver Peterson, P. i., 1962. Para o entendimento do sistema de poder local, ver Leal, V. N., 1948; e o trabalho de Cintra, A. O.,, 1971; e Soares, G. A. D., 1973, cap. VI. O melhor sumário a respeito das relações entre o sistema sindical e o sistema político brasileiro é possivelmente o de Schmitter, P. C., 1971, capts. 5 e 8.

9. Hélio Jaguaribe já propunha, pelo menos desde 1962, uma distinção entre um setor "cartorial" e um setor mais econômico nos diversos estratos sócio-econômicos brasileiros, inclusive o sindical, que é bem semelhante à sugerida aqui. Cf. Jaguaribe, H., 1962.

10. Reis, E. M. Pereira, 1979.

11. Ver sobre isto Love, J. L., 1973.

12. Para a coleta, organização e análise destes dados, contamos com a colaboração de Lúcia Gomes Klein

13. Para uma análise da renúncia de Quadros em termos do processo político brasileiro mais geral, ver o trabalho de Jaguaribe, H., 1961.

14. Lima Jr., Olavo Brasil de, 1980, faz uma análise minuciosa das alianças eleitorais tanto nível estadual quanto federal, e mostra que elas não obedeciam nem a critérios ideológicos, nem a motivações irracionais, mas a uma lógica de maximização de resultados que dependia essencialmente do tamanho dos partidos em cada estado e eleição. Isto são impede, evidentemente, que elas tenham tido um sentido mais profundo, como indicação de uma transformação a longo prazo pela qual o sistema vinha passando.

15. Cumpre notar que o fenômeno da concentração de votos para o Legislativo já existia antes desta época, no Rio de Janeiro. Assim, em 1945, Getúlio Vargas obtinha 24,1% dos votos da cidade do Rio de Janeiro na eleição para o Congresso, e seu filho, Lutero Vargas, chegou a 14,5% em 1950. Carlos Lacerda obteve 24,2% dos votos do Rio de Janeiro em 1954, e ele e Lutero reuniram 42,5% dos votos da cidade naquele ano. Em 1958, Lacerda volta a reproduzir feito semelhante, com 15,4% dos votos. Este fenômeno carioca relacionado a Vargas e seu principal opositor não encontra paralelo, no entanto, no resto do país até o início da década de 60.

16. A noção de "Ideologia de Estado" é central na análise que faz Bolivar Lamounier das ideologias políticas no Brasil. Cf. Lamounier, B., 1974 e 1977.

17. Ilustra bem esse processo a história da tentativa de criação de uma central sindical única no Brasil, descrita por Schmitter, p. c., 1971, p. 190-3. Em uma nota de rodapé, Schmitter se refere a uma enquete feita pela Conferência Nacional de Círculos Operários, organização de inspiração católica, com dados a respeito da recém criada Confederação Nacional dos Trabalhadores. Os resultados mostram que sua força era maior em Pernambuco (71% dos sindicatos), depois Pará, Piauí (61%), Maranhão (59%), Guanabara (47%), e finalmente Rio de Janeiro (47%). São Paulo fica bem mais distante, no último lugar, mostrando que a força desta federação, pretensamente nacional, se correlacionava quase perfeita, mas negativamente, cóm a industrialização dos estados brasileiros.

18. para uma tentativa mais ampla de Interpretar os votos nulos e em branco, ver Schwartzman, S., 1973b. Nesse texto, se sugeria que os votos nulos e em branco não sido simplesmente anômicos, mas possuem um conteúdo de protesto contra o sistema político. Entretanto, como observa muito bem maria do Carmo Campello de Souza (1976), é impossível comprovar esta idéia a partir dos próprios dados de abstenção, que podem refletir tanto a marginalização dos setores "modernos" quanto a incorporação de setores mais tradicionais e rurais ao sistema eleitoral. De qualquer forma, a noção de que estes votos representavam um debilitamento no sistema parece ser suficientemente clara.

19. Souza, M. C. C., 1976.

20. Santos, Wanderley Guilherme dos, 1979, p. 41. Ver também, sobre paralisia governamental, Heintz, Peter, 1964.

21. Ibid. p. 145. Ver, para uma analise de coalizões cambiantes na votação da criação da Sudene, Hirshmann, Albert, 1963.

22. "Toda a administração do Estado, sob Goulart, foi aparentemente transformada em um maço de cartas disponíveis para o uso exclusivo no jogo de influências políticas" (Santos, Wanderley, Guilherme dos, 1979, p. 17).

23. Lamounier, B. e Cardoso, F. 11., 1978. As referencias incluem os trabalhos de Vieira da Cunha, M. W., 1963; Daland, R . T., 1969, Lafer, C., 1970, Leff, N., 1968, Martins, L., 1973, e Wirth, J. D., 1970. Ver também Barros, A. S. C., 1969; Boschi, R. e Diniz, E., 1978. e Lessa, C., 1978.

24. Os principais estudos são os de Stepan, A., 1971, Coelho, E . C., 1976; e Barros, A. S. C 1978.

25. Veja, por exemplo, Boschi, Renato, 1979.

26. Esta seção se baseia em "As eleições e o problema institucional," publicando em Dados, 4, 1977 (Schwartzman, S., 1977), que inclui uma parte mais polêmica e comentários de Fernando Henrique Cardoso e Fábio Wanderley Reis.

27. Przeworski, A. e Sprague, 3., 1975.

28. Reis, F. W., 1974, p. 53.

29. Soares, G., 1973.

30. Cardoso, F. H., 1973. Seus comentários se referem a Schwartzman, S., 1970.

31. Cardoso, F. H., 1974.

32. Cardoso, F. H., 1975.

33. ibid., p. 47.

34. ibid. p. 50.

35. Ibid, p. 56

36. Lamounier, B., 1975.

37. Trindade, H., 1975.

38. Reis, F. W., s/d, p. 14. Ver também Reis, F. W., 1975.

39. Reis, F. W., s/d, p. 15

40. Cardoso, F. M., 1975, p. 19.

41. Ibid. p. 19.

42. Ibid. p. 23.

43. Ibid. p. 43.

44. Cf. Guimarães, C., 1977, e Velho, O. G., 1976.

 



 

 

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