3ª edição revista e ampliada - Editora Campus, 1988
(2ª edição, 1982)
APRESENTAÇÃO
PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO
Capítulo 1: DA TEORIA POLÍTICA À REALIDADE HISTÓRICA
1. A Crise das Teorias de Representação
2. Um Marco de Referência: Capitalismo Ocidental
e Patrimonialismo
3. A Perspectiva Politica: Cooptação e Representação
4. A Política como Fenômeno Espacial: as Quatro
Regiões
5. Conclusão: da Teoria Política à Realidade Histórica
Capítulo 2: NEOPATRIMONIALISMO E A QUESTÃO DO ESTADO
1. A Questão do Estado
2. Patrimonialismo e Feudalismo
3. Neopatrimonialismo
4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais
5. Participação Política e Neopatrimonialismo
Capitulo 3: ORIGENS HISTÓRICAS: CENTRO E PERIFERIA
SOB DOMINAÇÃO PORTUGUESA
1. O Setor Público e o Setor Privado
2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros
3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas
4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates
5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do
Exército Nacional
Capitulo 4: DEPENDÊNCIA, EXPANSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA
PATRIMONIAL
1. Dependência e Expansão Econômica dos
Países "Novos"
2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina
e Austrália
3.A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário
e o Estado: Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento
4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel
Do Estado
5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial
Capítulo 5: DO IMPÉRIO À REPÚBLICA: CENTRALIZAÇÃO,
DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS E DESCENTRALIZAÇÃO
1. A Vida Política no Século XIX
2. De Províncias a Estados
3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano
4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do
Sul
5. São Paulo e Minas Gerais
6. A Revolução de 1930- Fatos e Ideologias
7. A Nova Centralização
Capitulo 6: A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM PERSPECTIVA
1. Uma Perspectiva de Análise
2. A Participação Política e o Sistema Partidário
Após 1945
3. A Dinâmica do Sistema: os Resultados Eleitorais
4. A Crise Do Sistema
5. Conclusões: o Sistema Eleitoral e a Questão
Institucional
BIBLIOGFAFIA
APRESENTAÇÃO
Poucos se surpreenderiam hoje com a afirmação de que o Brasil é um país de
longa tradição autoritária. No entanto, o entendimento adequado dessa tradição
cuja origem se prende aos padrões de relacionamento havido entre o Estado e
a sociedade brasileira só começou a ser buscado de forma maia sistemática nos
últimos quinze anos, em parte pelo traumatismo causado pelas experiências autoritárias
mais recentes, e em parte também pela abertura de novos horizontes intelectuais
e analíticos entre os estudiosos da realidade social e política do país. Este
livro pretende ser uma contribuição para esse entendimento.
Bases do Autoritarismo Brasileiro deve ser entendido como um reexame
aprofundado de São Paulo e o Estado Nacional, publicado em 1975.(1)
Algumas partes do texto de 1975 foram mantidas, outras foram profundamente revistas
e materiais novos foram acrescentados.(2) Em geral, esta é uma obra mais declaradamente
teórica e conceitual, que pretende ser também mais abrangente e fundamentada.
São Paulo e o Estado Nacional foi escrito em um dos períodos de autoritarismo
mais intenso da história brasileira, enquanto que o atual texto foi preparado
durante a experiência de relativa abertura política do Governo Figueiredo. A
experiência política vivida nestes últimos anos confirma a tese de que o entendimento
da vida política brasileira passa necessariamente pela análise das contradições
entre o centro econômico e mais organizado da "sociedade civil," no
país, localizado em São Paulo, e o núcleo do poder central, muito mais fixado
no eixo Rio de Janeiro - Brasília. Foi de São Paulo que surgiram as pressões
sociais mais fortes contra os poderes concentrados no Governo federal, tanto
por parte de grupos empresariais quanto pelo movimento sindical organizado;
é em São Paulo, em última análise, que se joga a possibilidade de constituição
de um sistema político mais aberto e estável, que possa dar ao processo de abertura
uma base mais permanente.
Essa constatação, embora promissora, não deve obscurecer o fato de que, historicamente,
a sociedade civil brasileira tem sido incapaz de criar um sistema político em
condições de se contrapor efetivamente ao peso avassalador do poder central
ou contrabalançá-lo. As razões dessa ressalva são muitas e serão examinadas
em detalhe no livro. Uma delas, no entanto, é que a oposição ao autoritarismo
tende freqüentemente a confundir e misturar dois tipos de problemas totalmente
distintos, que vale a pena assinalar desde logo.
Por uma parte, está o contraste entre o Estado patrimonial, irracional, centralizador,
autoritário, e os setores da sociedade que se pretendem autônomos, descentralizadores
e representantes do racionalismo privado dos grupos sociais mais organizados.
Por outra, no entanto, está o contraste entre as ideologia liberais de não-intervencionismo,
privatismo, laissez-faíre, e as necessidades ineludíveis de planejamento
governamental e intervenção do Estado na vida econômica e, social do país.
Ao juntar as duas dimensões em uma só, a oposição liberal defende, muito justamente,
a tese de que o Estado não se deve sobrepor à sociedade e controlá-la, e de
que é importante que os setores sociais mais dinâmicos e dotados de recursos
próprios e autonomia tenham o direito e a oportunidade de se fazer ouvir e se
fazer valer. Ao mesmo tempo, no entanto, essa perspectiva liberal nega a validade
do planejamento social, da intervenção do Estado na vida econômica, da possibilidade
de definição de valores sociais e nacionais que sejam superiores à simples agregação
de interesses privatizados. Ela se confunde, assim, com a defesa do status quo,
com a manutenção de privilégios econômicos, com o conservadorismo enfim. O reverso
da medalha é a defesa extrema do intervencionismo governamental sem consideração
para com os grupos sociais autônomos, sem mecanismos explícitos e eficientes
de responsabilização dos governantes em relação aos governados, enfim, o autoritarismo.
O problema crucial dos Estados contemporâneos de origem burocrático-patrimonialista
é de como fazer a transição de uma estrutura ineficiente, pesada e embebida
por um sistema de valores ultrapassado e conservador, para uma estrutura ágil,
moderna e capaz de levar a efeito, finalmente, a passagem do subdesenvolvimento
e atraso ao desenvolvimento e justiça. O fundamental é que, nesse processo,
tal sistema político em renovação não fique atado a suas bases mais arcaicas
de sustentação. nem caia presa do liberalismo novecentista que gerou, em outros
tempos e outros lugares, uma democracia que não chegamos a conhecer.
Por razões que este trabalho trata de entender, o fato é que, no Brasil, as
ideologias políticas liberais tendem a se localizar predominantemente entre
grupos sociais relativamente restritos, ainda que social e economicamente bem
postos, e sempre tiveram um conteúdo social bastante reduzido. Os componentes
conservadores do liberalismo brasileiro debilitam a legitimidade de suas bandeiras
libertárias, que só adquirem maior ressonância em períodos de autoritarismo
mais exacerbado; enquanto isto, o eventual conteúdo social e reformista com
que se apresentam as diversas ideologias centralizadoras, em todo o espectro
da sociedade, tende a se perder e a se esvaziar pelo seu inerente autoritarismo.
O equilíbrio político implantado a partir da República Velha combinava, em
certo sentido, o pior de dois mundos, o do liberalismo novecentista e o do patrimonialismo
burocrático ineficiente e autoritário O encaminhamento da atual crise política
brasileira não pode ser feito a partir de uma ressurreição desse esquema, nem
pela subjugação de um de seus lados pelo outro O que o país necessita é completar
simultaneamente duas transições fundamentais Do lado do Estado deixar definitivamente
para trás o ranço patrimonial ineficiente burocratizado e autoritário, em benefício
de uma estrutura mais moderna eficiente aberta a informações e inovações, e
consciente de suas responsabilidades de condução da sociedade brasileira. Do
lado da sociedade deixar para trás o liberalismo esclerosado, a identificação
falaciosa entre liberdade e privatismo, dando condições para o desenvolvimento
e implantação de um sistema representativo mais real e diversificado.
Qual a possibilidade de que essas transformações ocorram? É difícil dizer,
mas as condições para sua ocorrência são bastante claras: é necessário que as
duas transformações se processem. O Estado necessita de novos, ativos e vigorosos
interlocutores na sociedade para que possa efetivamente se modernizar e conduzir
o país com plenitude; e a sociedade necessita de um Estado eficiente, capaz
de desenvolver uma política social de interesse comum a longo prazo. Do lado
do Estado, é necessário que ele assuma cada vez mais sua responsabilidade ante
a sociedade, tanto no sentido de quem responde e dá satisfação de seus atos,
como no sentido de quem assume a responsabilidade e se imbui da função social
que deve desempenhar. Do lado da sociedade, é necessário que os grupos sociais
mais articulados se compenetrem de que o Estado e o planejamento da vida social
e econômica estão aqui para ficar, que não há mais lugar no mundo de hoje para
a simples prevalência dos interesses privados sobre os interesses coletivos,
e que por isso, em última análise, seus melhores interesses consistem em aceitar
a existência de um Estado nacional que deve ser conduzido a níveis cada vez
mais altos de bom funcionamento e acatamento explícito das necessidades sociais.
Deve ser possível, tarde ou cedo, chegar a esse novo pacto social entre Estado
e sociedade, quando não seja pelo fato de que não parecem existir outras alternativas
exceto o autoritarismo puro e simples.
PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO
Depois de vinte anos de regime militar, a Nova República encontrou o Brasil
profundamente transformado. Ele é agora um pais muito mais urbanizado, industrializado
e populoso do que nos anos 60. Ao mesmo tempo, as condições sociais parecem
ter piorado: aumentou a desigualdade da renda, a criminalidade urbana parece
fora de controle, os problemas de saúde pública são críticos. Quantas destas
transformações se devem ao regime político que imperou nas últimas décadas?
Quantas ocorreriam independentemente dele?
A experiência do autoritarismo gerou muitas análises e controvérsias a respeito
de seu verdadeiro sentido. Teriam sido estes anos apenas um desagradável acidente
em um processo inelutável de desenvolvimento econômico, social e político, tal
como as teorias do desenvolvimento dos anos 50 e 60 fariam supor? Ou, ao contrário,
teriam sido eles urna simples volta a um padrão recorrente e mais profundo da
sociedade ou da cultura brasileira, por natureza autoritárias e incapazes de
evoluir para uma ordem democrática estável? Como entender os anos de regime
autoritário? É possível dizer que o Brasil parou em 1964, para sair, vinte anos
depois, de um grande pesadelo? Ou será que as transformações ocorridas nesses
anos foram suficientemente amplas e profundas, independentemente das intenções
dos sucessivos governos militares, para que seja impossível pensar em um simples
retomo aos tempos pré-64? E como interpretar a atual situação em que nos encontramos?
Podemos supor que o padrão de desenvolvimento com desigualdade não passou de
uma perversão dos regimes militares, a ser corrigida agora que vivemos em uma
democracia? Ou, ao contrário, trata-se de uma característica mais permanente
e profunda do autoritarismo brasileiro, e por isto fadada a persistir, fazendo
com que o prognóstico de nossa incipiente democracia seja necessariamente pessimista?
É impossível responder a estas questões neste nível de generalidade. Para abordá-las,
é necessário ter um entendimento adequado de nosso passado social e político,
das mudanças profundas que ocorreram nas últimas décadas e das repercussões
que esta bagagem acumulada ainda tem na maneira pela qual nossa sociedade se
move. Ao final deste trabalho não teremos ainda condições de saber com segurança
o que o futuro nos espera, mas teremos, pelo menos, urna idéia mais clara sobre
as questões que estão em jogo.
Bases do autoritarismo brasileiro pretende ser uma contribuição para
este esforço. Sua versão inicial, com o título São Paulo e o estado nacional,
foi escrita e publicada no inicio dos anos 70, portanto em plena vigência do
AI-5 e nos anos mais duros do regime militar. A atual versão, republicada com
simples correções de detalhes, foi escrita no inicio dos anos 80, quando o processo
de abertura política já se prenunciava como irreversível. O interesse contínuo
que o livro tem encontrado ao longo desses anos parece confirmar que a temática
do autoritarismo brasileiro não é um simples fenômeno passageiro, mas tem raízes
profundas e implicações que não se desfazem por meros rearranjos institucionais.
Reconhecer isto não significa supor que o Brasil padece de um estigma autoritário
congênito, parlo qual não existe salvação. Mas significa, isto sim, que este
passado e suas conseqüências presentes têm que ser vistos de frente, para que
tenhamos realmente chance de um futuro mais promissor.
II
Uma das teses centrais deste livro é que o Brasil herdou um sistema político
que não funciona como "representante" ou "agente" de grupos
ou classes sociais determinados, mas que tem uma dinâmica própria e independente,
que só pode ser entendida se exarminarmos a história da formação do Estado brasileiro.
Esta tese parece incompreensível dentro de uma visão de corte marxista ou economicista
convencional que tende a interpretar tudo o que ocorre em uma sociedade em termos
de sua divisão de classes -, mas torna-se mais inteligível em uma perspectiva
weberiana, que distingue e trata de maneira diferenciada os sistemas de classe,
os sistemas de dominação política e os sistemas de privilégio social e status
em uma sociedade. É pela perspectiva weberiana que podemos ver que o Estado
brasileiro tem como característica histórica predominante sua dimensão neopatrimonial,
que é uma forma de dominação política gerada no processo de transição para a
modernidade com o passivo de uma burocracia administrativa pesada e uma "sociedade
civil" (classes sociais, grupos religiosos, étnicos, lingüísticos, nobreza
etc.) fraca e pouco articulada. O Brasil nunca teve uma nobreza digna deste
nome, a Igreja foi quase sempre submissa ao poder civil, os ricos geralmente
dependeram dos favores do Estado e os pobres, de sua magnamidade. Não se trata
de afirmar que, no Brasil, o Estado é tudo e a sociedade nada. O que se trata
é de entender os padrões de relacionamento entre Estado e sociedade, que no
Brasil tem se caracterizado, através dos séculos, por uma burocracia estatal
pesada, todo-poderosa, mas ineficiente e pouco ágil, e uma sociedade acovardada,
submetida mas, por isto mesmo, fugidia e freqüentemente rebelde.
Este padrão de predomínio do Estado leva a que ele se constitua, historicamente,
com duas características predominantes. Primeiro, por um sistema burocrático
e administrativo que denominamos, para seguir a tradição weberiana, de neopatrimonial,
e que se caracteriza pela apropriação de funções, órgãos e rendas públicas por
setores privados, que permanecem no entanto subordinados e dependentes do poder
central, formando aquilo que Raymundo Faoro chamou de "estamento burocrático".
Quando este tipo de administração se moderniza, e segmentos do antigo estamento
burocrático vão-se profissionalizando e burocratizando, surge uma segunda característica
do Estado brasileiro, que é o despotismo burocrático. Do imperador-sábio D.
Pedro II aos militares da Escola Superior de Guerra, passando pelos positivistas
do Sul e tecnocratas do Estado Novo, nossos governantes tendem a achar que tudo
sabem, tudo podem, e não têm na realidade que dar muita atenção às formalidades
da lei.
III
O jogo político que se desenvolve nestas condições consiste muito menos em
um processo de representação de setores da sociedade junto ao Estado do que
em uma negociação contínua entre o Estado neopatrimonial e todo tipo de setores
sociais quanto à sua inclusão ou exclusão nas vias de acesso aos benefícios
e privilégios controlados pelo Estado. Não é uma negociação entre iguais: "fora
do poder não há salvação," dizia o velho político mineiro. A política é
tanto mais importante quanto maior é o poder do Estado e, e por isto, na tradição
brasileira, todas as questões - religiosas, econômicas, educacionais - passam
sempre pelo crivo do poder público. Esta negociação continua leva a vários tipos
de solução. Lideranças mais ativas são cooptadas pelo sistema político, e colocadas
a seu serviço. O estamento burocrático brasileiro é permissivo, e incorpora
com facilidade intelectuais, empresários, lideres religiosos e dirigentes sindicais
Quando a cooptação se institucionaliza, ela assume, muitas vezes, características
corporativistas, que consistem na tentativa de organizar os grupos funcionais
e de interesse em instituições supervisionadas e controladas pelo Estado. É
por mecanismos corporativistas que o Estado brasileiro tem buscado, desde pelo
menos os anos 30 com grau relativo de sucesso, enquadrar os sindicatos, as associações
patronais e as profissões liberais, incluindo ai todo o sistema de ensino superior.
O outro lado da cooptação é a exclusão, tanto dos processos políticos e decisórios
quanto da eventual distribuição da riqueza social. O Estado Novo, ao mesmo tempo
em que tratava de organizar e -cooptar o operariado urbano, excluía o campesinato
de qualquer forma de acesso a seus benefícios. A exclusão do campesinato é somente
o exemplo mais flagrante do processo de modernização conservadora que tem caracterizado
o desenvolvimento brasileiro. O regime pós-64 tratou também de excluir os trabalhos
urbanos os intelectuais e, em geral, as populações das grandes cidades de uma
influência mais significativa na vida política do país. O sistema bicameral,
em nome do principio federativo, sobre-representa no Senado os pequenos estados
em detrimento das grandes concentrações populacionais do centro-sul, e distorções
semelhantes também existem para a Câmara de Deputados. É um quadro que já vem
da Constituição de 1946 e sobrevive ao regime militar.
Além de cooptar, enquadrar ou excluir pessoas e setores da sociedade, o Estado
neocorporativista desenvolve uma atividade econômica que pode ser caracterizada
como neomercantilista Como no mercantilismo dos velhos tempos, o Estado se intromete
em empreendimentos econômicos de todo tipo, tem seus bancos, indústrias próprias
e protegi das firmas de exportação e comercialização de produtos primários.
Em parte, isto é feito através de suas próprias empresas; mais tradicionalmente,
no entanto, a atividade neomercantilista se exerce pela distribuição de privilégios
econômicos a grupos privados, nacionais ou internacionais, que estabelecem assim
alianças de interesse com o estamento burocrático.
A última característica do Estado neocorporativista é seu aspecto plebiscitário,
ou populista. O que caracteriza o populismo é a tentativa de estabelecer uma
relação direta entre a liderança política e a "massa", o "povo",
sem a intermediação de grupos sociais organizados O populismo plebiscitârio,
como a experiência do fascismo europeu tão bem demonstrou é a outra cara do
autoritarismo. A relação entre estas duas coisas, no entanto não é simples.
Nunca se investiu tanto em relações públicas e publicidade no Brasil' quanto
nos anos de governo militar. Mas isto não foi suficiente para dar a este regime
uma dimensão populista, que foi, entretanto uma característica marcante de certos
momentos do regime getulista. Existe além disto uma diferença profunda entre
o populismo plebiscitário e o populismo de tipo fascista. O primeiro é pouco
mais do que um instrumento de legitimação do poder, e, por isto, é geralmente
mantido dentro de limites "convenientes". O segundo, porém, é utilizado
para a própria conquista e manutenção do poder, uma situação cm que se torna
difícil contê-lo em seus limites. O Estado brasileiro convive bem com o primeiro,
mas tem horror às ameaças do segundo.
IV
Diante de um Estado com estas características, como se estrutura a sociedade?
Em parte, ela segue uma dinâmica própria, que não se explica nem se entende
pelo que ocorre a nível politico. o país passou, da escravatura para o trabalho
livre, por um processo dramático de deslocamento populacional do campo para
as grandes cidades e de estimulo à imigração, desenvolveu um parque industrial
de grandes proporções na região centro-sul, e não se pode dizer que tudo isto
ocorreu por de cisão ou intenção dos governos, ainda que o Estado neopatrimonial
tratasse sempre de influenciar ou condicionar estes processos. Do ponto de vista
político, no entanto, pode-se observar que a sociedade brasileira tende a ser,
em geral, dependente do Estado para a obtenção de benefícios, sinecuras, autorizações,
empregos, regulamentos, subvenções. A outra face da dependência é a clandestinidade.
Como o Estado pretende controlar tudo (sem, no entanto, consegui-lo), comportamentos
não regulados passam a ser vistos como ilegítimos, mas ao mesmo tempo aceitos
de forma tácita e consensual: a economia Informal, o jogo do bicho, as religiões
populares, o contrabando, o poder privado em suas diversas manifestações, os
sistemas familiares que se constituem à margem das normas e da moral estabelecida.
Com Isto, a vida quotidiana tende a ser desprovida de conteúdos éticos e normativos,
uma situação endêmica de anomia, cujas conseqüências ainda não foram plenamente
entendidas por nossos cientistas sociais.
O caso da Igreja Católica é interessante como ilustração destas relações entre
o Estado e a sociedade. O que é a Igreja: Estado ou Sociedade? Na tradição portuguesa
do padroado, transposta para o Brasil, a Igreja é parte do Estado, em uma simbiose
na qual a religião cuidava dos ritos e da educação sem se intrometer, e na realidade
legitimando o poder político constituído à sua revelia. A elite política brasileira
sempre foi muito mais racionalista, maçom ou positivista do que propriamente
católica, e as vezes em que a Igreja disputou o poder com o Estado - como quando
da Questão Religiosa no século XIX a elite política reagiu com energia.
Nas décadas de 20 e 30 deste século a Igreja busca, pela primeira vez, se constituir
em movimento social e intelectual autônomo e capaz de influenciar decisivamente
a política do país, agindo, assim, do lado da sociedade. Ela termina, no entanto,
cooptada pelo regime varguista, que lhe entrega o Ministério da Educação e lhe
rouba, ao mesmo tempo, a bandeira do ensino privado, que só seria retomada,
com timidez, no pós-guerra. O caráter semi-oficial, mas subalterno, da Igreja
Católica, contribui muito para o formalismo e a pouca convicção que caracteriza
grande parte do catolicismo tradicional brasileiro, em contraste com a intensidade
das formas mais espontâneas e "clandestinas" de religiosidade popular.
A redescoberta da sociedade vitaliza os movimentos de Ação Católica nos anos
60, se prolonga no envolvimento da Igreja com as questões de direitos humanos
nos anos de autoritarismo militar e prossegue no envolvimento aparentemente
irreversível de setores Importantes da Igreja com os movimentos comunitários
do campo e das periferias urbanas. Uma das facetas importantes desta redescoberta
é a tentativa de incluir na vida social e comunitária um conteúdo ético e moral
que se tornara impossível de estimular a partir da tradicional identificação
entre a Igreja e a ordem política estabelecida. Os sucessos, as dificuldades
e os conflitos internos que a Igreja vem experimentando neste processo refletem
os dilemas da superação de uma ordem política autoritária e hierárquica e sua
superação por formas novas de organização e participação social.
V
O quadro esboçado até aqui descreve, em linhas muito amplas, a situação brasileira
até o inicio da Segunda República, em meados do século XX, assim como alguns
de seus desdobramentos mais visíveis. A partir dai a sociedade brasileira entra
em grandes transformações onde o que mais se evidencia é um processo de crescimento
demográfico acelerado que se faz acompanhar da intensificação dos processos
migratórios do campo para as cidades. A economia rural mais tradicional e decadente,
com sua combinação perversa de minifúndio-latifúndio, vai-se esvaziando aos
poucos, sendo substituída pelas grandes lavouras mecanizadas de exportação,
pelas grandes extensões de criação de gado, pela expansão de uma agricultura
e pecuária de alta tecnologia e voltados ao mercado interno, e assim por diante.
Os antigos meeiros e posseiros vão perdendo suas raízes, imigrando ou transformando-se
em bóias-frias ou assalariados das grandes plantações de cana-de-açúcar e outras
agroindústrias. É um processo intenso e violento, acompanhado do deslocamento
forçado da população e por conflitos pela posse da terra. Com tudo isto, os
problemas brasileiros dependem hoje muito menos do que ocorre no campo do que
o que ocorre nos centros urbanos. O esvaziamento do campo permite sua modernização
cada vez mais acelerada, a extensão do sistema previdenciário e da sindicalização
ao setor rural, e outras transformações, fazem com que as diferenças entre campo
e cidade no Brasil tendam a se reduzir.
A contrapartida do despovoamento do campo é o inchamento das cidades. A existência
de "classes perigosas", setores populares que convivem com padrões
altos de violência e ameaçam a segurança física das classes médias e altas,
não chega a ser uma novidade no Brasil; ao contrário, estas "classes perigosas"
têm sido uma constante na história do Rio de Janeiro, e constituem uma característica
central de uma sociedade baseada no predomínio de centros político-administrativos
desprovidos de adequada estrutura de emprego industrial. No entanto, os processos
demográficos do pós-guerra acentuam este fenômeno e levam ao surgimento de novas
formas de organização "clandestina" das sociedades urbanas, que vão
das poderosas máquinas de política urbana ao crime organizado, passando por
associações locais de todo tipo, e sem que as fronteiras entre elas se definam
com clareza.
O pós-guerra assinala, além disto, o surgimento de uma classe média urbana
significativa, que busca se proteger nas asas do emprego público ou na segurança
das profissões liberais, mas se volta também para as oportunidades comerciais
e industriais proporcionadas pelas grandes concentrações urbanas. Esta classe
média força, aos poucos, a expansão do sistema educacional, particularmente
de nível médio, que é atendido pela iniciativa privada, e o de nível superior,
que é inicialmente proporcionado de forma gratuita pelo Estado, passando depois
a ser atendido também pela livre iniciativa. Consolida-se em alguns centros,
além disto, uma indústria voltada para o mercado interno, que serve de base
a um crescente proletariado urbano. É este último o setor capitalista por excelência
da sociedade brasileira, que, como sabemos, só incorpora uma pequena parte das
populações urbanas, e se concentra principalmente na região de São Paulo. É
também nesta região que surge, de forma mais marcada do que nunca na história
do país, um setor industrial internacionalizado.
VI
Estas transformações tio intensas não poderiam deixar de colocar cm crise a
relação de simbiose e dependência que havia se estabelecido no passado entre
o Estado brasileiro e a sociedade civil. Entra em crise a administração patrimonial
clássica, formalista, pesada, ineficiente e voltada para a distribuição de emprego:
e privilégios. O Estado agora é chamado a gerir com eficiência grandes aglomerados
urbanos, proporcionar infra-estrutura a uma economia moderna em expansão, regular
um sistema financeiro extremamente complexo, e assim por diante. O antigo sistema
corporativista, que implicava um pacto de conveniência mútua entre o Estado
e alguns setores mais organizados da sociedade, também entra em colapso: o número
de participantes aumenta, os recursos e privilégios a serem distribuídos figo
crescem na mesma proporção. O "neomercantilismo" também sofre. Sua
inerente ineficiência, os altos níveis de corrupção, tudo isto é aceito e tolerado
quando a economia se expande, e o que uns ganham não chega a ser necessariamente
retirado de outros. Porém, quando os recursos se tornam mais escassos, quando
os mecanismos inflacionários de financiamento do dispêndio público colocam em
risco a ordem econômica e social, aumenta a pressão por maior eficiência, racionalidade
e previsibilidade das ações do governo.
Um dos setores onde a crise se manifesta com mais clareza é na previdência
social. O mito de que o sistema previdenciário brasileiro é "um dos mais
avançados do mundo" foi mantido por muitos anos graças à exclusão histórica
das populações rurais ou ligadas ao setor informal da economia de seus benefícios,
e, também, graças à exclusão da juventude e da baixa expectativa de vida de
todos, o que significa poucos velhos e poucas doenças degenerativas. Só assim
foi possível planejar um sistema previdenciário que aposenta pessoas aos 45
ou 50 anos de idade e oferece atendimento médico ilimitado. Ainda que exista,
certamente, muito espaço para o aumento da eficiência da previdência social
brasileira, pela racionalização de custos, mudanças nas fontes de financiamento
e nas formas de atendimento ao público, figo há dúvida de que sua crise econômico-financeira
é extremamente grave, e deverá levar a profundas revisões quanto à maneira pela
qual a sociedade brasileira espera, tradicionalmente, receber os benefícios
do Estado.
Entra em crise, finalmente, o sistema político de cooptação. A organização
de setores mais ativos da sociedade em corporações subordinadas ao Estado é
um arranjo cômodo quando estas corporações são relativamente fracas e pequenas,
e o Estado tem condições de transferir para elas alguns privilégios e benefícios.
Com o tempo, no entanto, estas corporações crescem, aumenta seu poder de reivindicação,
enquanto diminui progressivamente a capacidade que o Estado tem de atender a
suas demandas. No período pré-64 o antigo Partido Trabalhista Brasileiro, que
controlava tradicionalmente o Ministério do Trabalho, perdeu aos poucos o controle
do sistema sindical do país, e parte da radicalização política havida naqueles
anos se explica pelo esforço do PTB em não se alienar completamente da liderança
sindical que lhe escapava. Esta radicalização do movimento sindical corporativizado
fez com que as propostas de criação de um sindicalismo livre e desatrelado da
tutela governamental (e das vantagens do imposto sindical) nunca encontrassem
maior apoio nos meios sindicais brasileiros. Nos anos 80 são as corporações
de classe média funcionários públicos, professores, certas categorias de profissionais
liberais que desenvolvem padrão semelhante de radicalização.
Em síntese, os mecanismos que haviam sido desenvolvidos no passado para garantir
uma ordem política estável se transformam, com o correr do tempo, em fatores
de instabilidade e perplexidade. Como se adaptar aos novos tempos? Que formatos
institucionais, legalmente definidos ou de fato, podem ser estabelecidos para
substituir os antigos, em um pacto social mais aberto e socialmente mais justo?
VII
A primeira reação à crise foi, como todos sabemos, a repressiva. Reprimiu-se,
imediatamente, os direitos e as demandas por participação política e direito
à reivindicação organizada de interesses. Não foi, desde logo, uma repressão
neutra e generalizada, mas que beneficiou uns em detrimento de outros. A história
dos vinte anos de governo militar mostra que, apesar de seu compromisso genérico
com o que se pode denominar genericamente de "sistema capitalista",
houve suficientes variações e contradições que fazem com que esta expressão,
em si mesma, explique muito pouco. Tentou-se, em um primeiro momento, um modelo
de racionalização capitalista mais clássico e ortodoxo, com o aumento da eficiência
e a redução do peso do Estado, criação de instituições capitalistas modernas
(mercados financeiros, Banco Central, grandes conglomerados industriais e financeiros
etc.), e internacionalização da economia. Se estas foram as linhas principais
dos primeiros anos de regime militar, elas foram substituídas depois por outras
mais ajustadas a tradições do Estado brasileiro: crescimento do setor público,
lançamento de grandes projetos e programas sociais ambiciosos, como o da padronização
e generalização da previdência social e a erradicação do analfabetismo através
do Mobral.
Ainda que a discussão sobre os fatores que conduziram ao fim do regime militar
continue, é possível assinalar que a resposta desmobilizadora e repressiva à
crise do antigo Estado patrimonial continha cm si mesma alguns limites bastante
claros. Processos sociais tão amplos como os de esvaziamento do campo e superpovoamento
das cidades são impossíveis de controlar, e os regimes militares nem sequer
o tentaram. Obter legitimidade política e ideológica em um contexto de repressão
e desmobilização é quase uma contradição em termos, que não pode ser superada
pela simples manipulação de símbolos nacionais ou pelo uso mais ou menos competente
dos meios de comunicação de massas.
Nada impede, também, o renascimento de velhos padrões patrimoniais e neomercantilistas
em um contexto político autoritário e repressivo. Analistas tendem a atribuir
ao governo Geisel um projeto de desenvolvimento sócio-econômico e político definido
que deveria culminar no restabelecimento da ordem democrática em novas bases.
O período seguinte, por outro lado, é normalmente reconhecido como aquele em
que a apropriação privada da coisa pública mais se exacerbou em um contexto
histórico, em que os grandes projetos do governo anterior entravam em hibernação
ou eram abandonados. Em grande parte, esta diferença entre os dois últimos governos
militares se explica pela mudança nas condições externas que afetaram os projetos
governamentais (a segunda crise do petróleo, a crise da dívida etc.); e, em
parte, pelas diferenças pessoais entre as personalidades envolvidas. Porém,
o que mais chama a atenção não é tanto o contraste quanto a convivência relativamente
pacífica entre padrões éticos aparentemente tão distintos, sugerindo que ambos
fazem parte de uma síndrome comum, própria dos sistemas autoritários de base
neopatrirnonialista.
O regime militar também chegou ao fim por uma dinâmica de conflitos internos
que tendia, inevitavelmente, a incorporar novos atores às disputas pelo poder,
fazendo que, mesmo nos períodos de autoritarismo mais intenso, o setor civil
do sistema político do país não fosse completamente desarticulado. A existência
destas disputas internas, e a manutenção de canais abertos entre o Estado e
setores da elite política e econômica, é uma característica histórica do Estado
patrimonial brasileiro que o regime militar não chegou a destruir, e acabou
por alimentar as contradições que levaram à devolução pacífica do poder aos
civis.
A transição negociada entre o regime militar e a Nova República implicava a
contenção dos ímpetos renovadores expressos pelo movimento das "Diretas
já" e pelo renascimento de certas lideranças populistas tradicionais e
a entrega do poder a uma liderança civil mais tradicional e "confiável",
capaz de se valer do populismo sem se deixar dominar por ele; e implicava também
a contenção de algumas formas maís agressivas e arrivistas do poder econômico,
em eventual aliança cornos setores militares mais vinculados ao sistema repressivo
e de informações. Buscou-se um novo equilíbrio entre Estado e sociedade, que
continuasse a dar primazia ao Estado, eventualmente modernizado e adaptado aos
novos tempos. Apesar da reconhecida maestria com que este processo foi conduzido,
permitindo inclusive que a aliança assim formada sobrevivesse à tragédia pessoal
de Tancredo Neves, o fato é que a Nova República traz a aparência de ser uma
realidade efêmera, ansiosamente pendente dos resultados das pesquisas de opinião
pública, sobrevivendo graças á condução de um intenso calendário político-eleitoral
que não governa totalmente e que parece exaurir quase todas as suas energias.
VIII
Esta visão panorâmica da evolução brasileira, nas últimas décadas, permite
sugerir algumas respostas à pergunta inicial a respeito da irreversibilidade
ou não dos processos de abertura política e democratização que estamos assistindo.
Uma das teses defendidas a este respeito é de que os anos de autoritarismo já
teriam cumprido sua função, que seria a de realizar, à sua maneira, o processo
de transição da economia brasileira de um sistema proto-capitalista para uma
economia capitalista plena. Uma vez cumprida esta função, o autoritarismo já
não teria razão de ser. É uma tese difícil de ser sustentada a partir da perspectiva
adotada neste livro, que pretende demonstrar que não existe um padrão uniforme
de desenvolvimento, e que o entendimento de uma sociedade nem de longe se esgota
na análise das transformações de seu sistema produtivo; ou, mais especificamente,
que o Estado brasileiro tem características próprias, ligadas a suas origens
patrimonialistas, que o tornam bastante distinto dos modelos dos países capitalistas
ocidentais. Bastaria, além disto, uma simples visão da conjuntura econômica
brasileira ao final de 1986, quando este texto está sendo escrito - o problema
da dívida externa não-equacionada, a redução dos superávits comerciais,
os gastos públicos ainda fora de controle -, para vermos que os anos futuros
serão, certamente, turbulentos na área econômica, com inevitáveis repercussões
ao nível político e social
Uma outra tese, certamente mais complexa que a anterior, é a que poderíamos
chamar de "tese do transbordamento." Basicamente, ela consiste em
afirmar que o crescimento e a modernização da sociedade brasileira nas últimas
décadas foi de tal ordem que os sistemas tradicionais de controle político da
sociedade, pela cooptação das lideranças e enquadramento corporativista dos
setores organizados da população, ou pela mobilização populista do eleitorado,
já seriam coisas do passado, e neste sentido a volta aos padrões tradicionais
de dominação de nosso Estado neopatrimonial seria impensável
Trata-se de uma tese somente em parte verdadeira. É certo que a parafernália
de controles políticos e institucionais que conhecemos, em parte constituída
nos anos do Estado Novo, está começando a se desmoronar, e a sociedade brasileira
se organiza hoje em uma pluralidade de formas não previstas e dificilmente enquadráveis
em qualquer mecanismo estável de dominação estatal. O que não é certo é que
este processo significa a consolidação da ascendência permanente da "sociedade
civil" sobre o Estado, superando assim, de maneira definitiva, nosso passado
autoritário. Para que isto fosse verdade, seria necessário não somente que as
estruturas tradicionais de dominação tivessem "transbordado" - que
não deixa de ser um fato -, mas também que a sociedade brasileira tivesse se
tornado "mais madura" neste processo e o Estado, mais competente -
duas premissas bastante problemáticas.
IX
Teorias sobre a "maturidade" dos cidadãos costumam vir
em duas versões, uma de tipo evolucionista, outra de fundamento mais religioso.
A primeira destas versões consiste em afirmar que, à medida que as sociedades
se desenvolvem, e o povo se toma mais culto e educado, aumenta também seu nível
de politização, seu grau de consciência política, sua maturidade. Como todas
as teses evolucionistas, esta também tem duas vertentes, uma mais liberal, outra
mais marxista e revolucionária. Pela vertente liberal, o processo de "amadurecimento"
se relaciona basicamente com a educação a ser obtida nas escolas e a ser transmita
pelas famílias. Na vertente mais revolucionária, o processo de amadurecimento
político estaria diretamente relacionado com o desenvolvimento do capitalismo,
que traria como conseqüência a transformação das antigas "classes em si"
em "classes para si". Ambas as teorias têm em comum a noção de que
o amadurecimento político não se dá de forma espontânea e automática, mas é
um processo evolutivo que depende de um trabalho constante e permanente de educação
e proselitismo, tanto para que as pessoas "evoluam"; na vertente liberal,
quanto para que elas superem os condicionantes das ideologias hegemônicas e
mascaradoras dos verdadeiros interesses, na segunda vertente.
As teorias de fundo mais religioso dispensam a evolução, e partem da tese de
que o povo é naturalmente bom, justo e sábio. O problema com o regime brasileiro
não estaria na "imaturidade" ou falta de consciência política do povo,
mas sim nas manipulações das elites, que sistematicamente trataram de escamotear
a realidade e apresentá-la de maneira falsa e deturpada. O verdadeiro trabalho
político não seria o de educar e catequizar o povo, mas sim o de desmascarar
seus inimigos explícitos ou ocultos. Esta visão religiosa da sabedoria popular
se manifestou com muita clareza na idéia lançada por alguns setores, segundo
a qual a Assembléia Constituinte de 1987 não deveria ser eleita pelos partidos
convencionais, e sim formada, "diretamente", pelo povo. Havia a idéia
de que os partidos políticos, memo nas condições de liberdade estabelecidas
para as eleições de 1986, seriam necessariamente corrompidos e alienados; mas
que o "povo", se pudesse se manifestar em sua pureza, poderia se expressar
de maneira plena, fazendo com que o Brasil finalmente encontrasse o regime político
de seus sonhos.
Os resultados das eleições de 1986 permitem testar algumas destas teses. Chama
a atenção, nestas eleições, tanto o fracasso dos candidatos ideológicos quanto
o dos candidatos cuja principal base eleitoral fosse o simples poder econômico
ou a identificação de classe. A eleição paulista poderia ter-se polarizado entre
o grande capitalista, Ermírio de Moraes, e a liderança operária organizada no
Partido dos Trabalhadores; no entanto ela terminou sendo muito mais um conflito
entre o líder municipalista Quércia e o arrivista Paulo Maluf. No Rio de Janeiro,
a tentativa brizolista de polarizar as eleições entre "ricos" e "pobres"
fracassou, levando com ela o candidato do PDT. Em Minas Gerais a polarização
foi entre um político tradicional, mas rebelde, e outro de base populista, que
contava com o apoio do governo do Estado. Entre os dois, foi punida a rebeldia.
A vitória maciça do PMDB foi, em sua maior parte, a vitória do governo federal.
É claro que este é o governo da República Nova; mas, em muitos estados, o peemedebista
de hoje é o pedessista de ontem, e o governo é sempre governo.
Sem pretender esgotar a complexidade e variedade dos resultados eleitorais,
e pensando não só nas eleições de governadores, mas também nas proporcionais,
é possível dar uma lista dos atributos necessários para que um candidato fosse
eleito. A primeira é que ele conseguisse, de alguma forma, furar a barreira
do anonimato e se transformasse em um midia event, uma figura dos meios
de comunicação de massas. É claro que dinheiro conta para isto, mas radialistas
e comentaristas de televisão foram eleitos sem maiores dificuldades, assim como
candidatos de pequenos partidos que souberam utilizar bem os horários gratuitos
de propaganda eleitoral. O segundo tipo de candidato bem votado foi o que tinha
urna base institucional bem estruturada: a política civil, um grupo religioso
organizado. Alguns candidatos conseguiram boa votação ao se identificarem com
um ou dois pontos de grande apelo ideológico para a classe média, como os "candidatos
da pena de morte" do Rio de Janeiro e de São Paulo. Acima de tudo, no entanto,
foram eleitos candidatos que, pela posição atual ou passada na máquina administrativa
de seu estado ou município, conseguiram construir no passado redes de lealdades
pessoais que agora se pagam, ou se renovam na esperança da continuidade. Para
o eleitor que não fosse ligado aos meios de comunicação de massas, não fosse
beneficiário de uma rede de favores públicos, não tivesse um tema que o identificasse
fortemente com um candidato e nem tivesse um parente ou amigo concorrendo, as
eleições majoritárias não chegaram a fazer muito sentido, o que explica o grande
número de votos em branco. As eleições de 1986 significaram não só a derrota
eleitoral dos candidatos ideológicos e programáticos, que tentaram basear sua
campanha na problemática da Assembléia Constituinte, como também dos partidos
que pretenderam uma definição ideológica mais clara - o Partido Socialista,
o Partido dos Trabalhadores e os partidos comunistas.
O que esta análise sucinta revela é que a "maturidade do povo", tanto
quanto sua hipotética sabedoria e bondade naturais, estão longe de proporcionar
uma base sólida para a constituição de uma nova ordem democrática. Na realidade,
o exemplo de outros países que lograram um sistema político-eleitoral estável
revela que a questão fundamental não é a da "maturidade" do povo,
mas a da natureza das instituições sociais, governamentais e partidárias existentes.
Se estas instituições são bem constituídas e autônomas, elas conseguem traduzir
as preferências eleitorais em mandatos políticos legítimos e regimes políticos
responsáveis. O problema principal com os Estados de base neopatrimonial não
é que eles mantenham o povo em situação dependente e alienada, mas, principalmente,
que todas as formas de organização social que eles geram tendem a ser dependentes
do poder público e orientadas para a obtenção de seus favores. O simples transbordarnento
das estruturas de dominação mais tradicionais, e a criação de novas formas de
organização política e social, não garante que este padrão de comportamento
não se vá reproduzir.
X
Em última análise, se o Estado é todo-poderoso, nada mais racional do que buscar
seus favores e proteção. A crise atual do Estado patrimonial brasileiro é que
ele parece ter cada vez menos capacidade de atender às demandas que lhe são
feitas, ou os interesses dos grupos que dele participam ou a ele se associam.
Para usar uma expressão da moda, o Estado brasileiro enfrenta o problema da
"ingovernabilidade" do país. levada às suas últimas conseqüências,
esta ingovernabilidade pode vir a significar o colapso do Estado neopatrimonial
tal como o conhecemos, e a conseqüente destruição de todas as formas de dependência
que a sociedade civil tem desenvolvido em relação a ele. Esta situação limite
dificilmente se colocaria, no entanto, já que o potencial repressivo de que
o Estado dispõe tenderia a se manifestar muito antes que um colapso deste tipo
se materializasse. A "ingovernabilidade" não é uma situação absoluta
e extrema, mas pode se manifestar em graus e formas distintas, e países podem
muito bem deslizar lentamente pela rampa inclinada do desgoverno sem maiores
convulsões.
Os anos de regime militar serviram para mostrar que a ingovernabilidade afeta
com freqüência os regimes fortes, fechados e imunes aos controles da imprensa,
da opinião pública e dos partidos políticos. O que a democratização mostra é
que ela não basta para que a governabilidade seja instaurada. A experiência
dos poucos anos da Nova República já mostra como algumas decisões e ações são
certamente mais fáceis do que outras. Decisões grandiosas e de grande impacto,
quando possíveis, são sempre as preferidas (veja o Plano Cruzado). Políticas
setoriais e de longo prazo (reforma agrária, eliminação dos subsídios agrícolas,
reforma administrativa, os próprios ajustes do Plano Cruzado), no outro extremo,
são quase impossíveis, pela paralisação provocada pelos interesses contrariados.
Ações aparentemente "técnicas", de pouca visibilidade pública, são
em princípio mais fáceis de serem conduzidas. Mas, freqüentemente, seu caráter
técnico significa também que estas ações se subtraem facilmente ao controle
político, e são suscetíveis à influencia de grupos de interesse especializados
(decisões sobre mercado financeiro, políticas de exportação, subsídios, política
nuclear, incentivos fiscais etc.).
O desenvolvimento de graus mais altos de governabilidade em um contexto de
legitimidade política depende, tanto quanto a construção de uma ordem democrática
estável, da constituição de uma série de instituições estáveis e auto-referidas
que intermediem, por um lado, a opinião pública amorfa e manipulável e os interesses
privados e setoriais capazes de mobilizá-la e, por outro, o Estado. Estas instituições
são necessárias não somente do lado da "sociedade civil", como os
partidos políticos, os meios de comunicação de massas, as associações profissionais
e sindicais, os grupos de interesses organizado etc., como também do lado do
Estado, através da constituição de um funcionalismo público motivado e cioso
de suas responsabilidades, de um judiciário zeloso de sua competência e independência,
e assim por diante.
É de se esperar que estas novas formas de Institucionalização surjam e se desenvolvam
não pela simples boa intenção de algumas pessoas, mas pela própria lógica de
interesses dos grupos envolvidos, na medida em que eles comecem a sentir a precariedade
de sua dependência exclusiva dos favores e privilégios de um Estado neopatrimonial
em crise. O resultado final deste processo, se ele for bem-sucedido, não será,
possivelmente, um Estado controlado pela "sociedade civil", mas uma
situação em que instituições públicas solidamente constituídas possam colocar
freios e contrapesos efetivos tanto à volatilidade da opinião pública quanto
ao abuso de poder do Estado e dos interesses privados. A opinião pública, os
grupos de interesses e o poder político do Estado serão também essenciais neste
contexto ideal, para manter sempre em xeque as tendências paralizadoras e conservadoras
de qualquer sistema social que se institucionalize. Nestas condições, as fronteiras
usuais entre "público", "privado", "Estado" e
"sociedade" estarão profundamente alterados, assim como os conceitos
que hoje utilizamos para seu entendimento.
XI
Vislumbrar a possibilidade de um encaminhamento adequado para os problemas
políticos e institucionais do país não é o mesmo que afirmar que este caminho
será seguido, e nem mesmo que ele é o mais provável. Se este caminho vier a
ser efetivamente trilhado, existe uma série de questões e dilemas a serem enfrentados,
dois dos quais merecem uma atenção especial, e servirão para concluir este prefácio.
Uma questão que se coloca com intensidade, é a dos mecanismos de inclusão ou
exclusão dos setores hoje marginalizados do "Brasil moderno", em relação
à sociedade futura que se pretende construir. Esta questão é por vezes colocada
em termos de uma oposição entre um modelo de desenvolvimento internacionalizado,
baseado no fluxo relativamente aberto de idéias, pessoas e mercadorias do Brasil
com o resto do mundo e um modelo mais autárquico, fechado e, presumivelmente,
mais autêntico e nacional. O que dá argumentos à segunda posição é a constatação
de que o desenvolvimento do "Brasil moderno" tem-se caracterizado
pela exclusão de grandes setores da população, afetando particularmente as regiões
nordestinas, o interior e a população de cor. No seu extremo, esta posição vem
acompanhada de um rechaço generalizado à civilização ocidental e seus valores
de eficiência, racionalidade e individualidade, e sua substituição por valores
supostamente mais autênticos de identidade étnica e cultural, afetividade e
coletividade. Não falta, nesta perspectiva, os que sustentam que o Brasil possui
os elementos de uma civilização superior à do racionalismo e materialismo ocidentais,
que estaria tão-somente mascarada pelas manipulações das classes dominantes
e seus aliados internacionais.
Quem conhece algo da história do Brasil sabe, porém, que não possuímos no passado
um modelo de civilização próprio e mais autêntico para o qual possamos aspirar
a retornar. Desde sua criação este pais tem sido um complemento - e, freqüentemente,
uma imagem retorcida - dos impérios coloniais e dos centros mundiais, cujas
influências culturais e interesses econômicos até aqui chegaram. A busca de
um passado idealizado, apesar de provavelmente irrealista e ilusório em todos
os casos, pode fazer algum sentido em países com um história distinta e uma
cultura não ocidental identificável. Isto não significa, evidentemente, que
não existam especificidades culturais próprias do país que não tenham valor
e não possam florescer. Mas esta especificidade, para florescer e adquirir valor
universal, há de residir nas maneiras próprias com que os brasileiros irão inserir-se
no mundo moderno, e não no retorno nostálgico a formas culturais de um passado
que não chegou a existir.
Assinalar o beco sem saída do nacionalismo cultural não significa ignorar a
gravidade dos problemas de incorporação assinalados. O que é importante frisar
em relação a esta discussão sobre a cultura brasileira é menos a solidez das
teses nacionalistas e isolacionistas - que é quase inexistente - do que seu
potencial de criação de formas explosivas de nacionalismo populista, em um contexto
de altos níveis de exclusão social, causados por uma internacionalização da
cultura e da economia caracterizada pelo uso de tecnologias complexas e em qualificações
educacionais cada vez mais elevadas.
Esta discussão traz à tona uma questão que permaneceu latente até aqui, e que
não ocupa o primeiro plano no próprio livro: a da dependência do Brasil em relação
aos centros do capitalismo internacional contemporâneo. As chamadas "teorias
da dependência", que existem de muitas formas, partem de um fato importante
e conhecido - que países como o Brasil se constituíram, desde suas origens,
como dependências de outros centros - para chegar muitas vezes a duas conclusões
pelo menos paradoxais. A primeira é a de que o peso da dependência é tal que
nada pode ser entendido em um país como o nosso a não ser a partir de sua inserção
no contexto externo. Em sua forma mais extremada, a teoria da dependência assume
feição claramente paranóica: países como o Brasil são uma tragédia só, e tudo
isto por culpa única e exclusiva "deles." O que pretendemos mostrar,
ao contrário, é que a dependência não exclui o fato de existir uma realidade
própria, específica e interna ao país, que não se esgota nem se exaure nas relações
com os centros capitalistas mais desenvolvidos. A outra conclusão paradoxal,
que decorre da primeira, é a de que todos os problemas poderiam ser resolvidos
pela superação das relações de dependência. Mas se, de fato, a dependência é
tão constitutiva, fica difícil imaginar onde o país encontrará forças e recursos
para superá-la. Se, ao contrário, entendermos que a realidade de um país com
a complexidade do Brasil não se esgota nas suas relações externas, isto nos
da condições de pensar nas coisas que podemos fazer com nossos recursos, ter
uma visão menos persecutória do que nos cerca e, a partir daí, ter elementos
para buscar reverter as situações de dependência que nos pareçam inadequadas.
XII
A conclusão geral de tudo o que foi dito até aqui é que o autoritarismo
brasileiro, cujas bases se erguem a partir da própria formação inicial do Brasil
como colônia portuguesa, e que evolui e se transforma ao longo de nossa história,
não constitui em um traço congênito e insuperável de nossa nacionalidade, mas
é certamente um condicionante poderoso em relação a nosso presente e futuro
como país. A complexidade das questões envolvidas nesta discussão deve ser suficiente
para deixar claro que, na realidade, o termo "autoritarismo" é pouco
mais do que uma expressão de conveniência que utilizamos para nos referir a
uma história cheia de contradições e contra-exemplos, onde, no entanto, um certo
padrão parece predominar: o de um Estado hipertrofiado, burocratizado e ineficiente,
ligado simbioticamente a uma sociedade debilitada, dependente e alienada. É
da superação deste padrão histórico e de suas conseqüências que depende nosso
futuro. E como o passado é contraditório e o futuro aberto e pronto para ser
construído, é possível ser otimista.(3) Notas
1. Schwartzman, 1975.
2. Gostaria de agradecer a assistência inestimável de Rosa
Maria Araújo durante a realização deste trabalho, assim como a inteligente revisão
do texto feita por Paulo César Farah.
3. Sou grato a Vanda Pereira Costa e Helena Maria Bousquet
Bomeny pelos comentários críticos a este texto.
Capítulo 1 DA TEORIA POLÍTICA À REALIDADE HISTÓRICA
1. A Crise das Teorias de Representação
2. Um Marco de Referência: Capitalismo
Ocidental e Patrimonialismo
3. A Perspectiva Politica: Cooptação e
Representação
4. A Política Como Fenômeno Espacial: as
Quatro Regiões
5. Conclusão: da Teoria Política à
Realidade Histórica
Notas
1. A Crise das Teorias de
Representação
O problema teórico inicial deste livro é clássico e bem
conhecido: por que os acontecimentos políticos e partidários em
um país como o Brasil não podem ser facilmente compreendidos e
previstos em função de um modelo de polarização e conflito
entre ricos e pobres, burgueses e proletários, exploradores e
explorados, agricultura e indústria, financistas e industriais?
Os fenômenos políticos parecem ser transparentes e facilmente
inteligíveis quando podemos estabelecer uma conexão entre cada
instituição e cada evento político, por uma parte, e um
determinado grupo de interesse, setor ou classe social por outra.
a maioria dos esforços de análise política, em todos os
países, tende a buscar essas conexões. O conhecido debate entre
"pluralistas" e "elitistas" na ciência
política norte-americana, por exemplo, tem a ver com a pergunta
de se os grupos de interesse são muitos ou poucos, concentrados
ou dispersos, ad hoc ou permanentes; mas não coloca em
dúvida o fato de que a política é sempre uma questão de
"agregação de interesses."(1)
Apesar dessa tendência, a sociologia política já
demonstrou, empiricamente e de forma bastante irrefutável, que
as pessoas de modo geral não se interessam muito por política e
que as eleições tendem a ser disputadas em torno de temas pouco
relacionados com interesses explicitamente definidos ou em
função de divisões quase-ideológicas do passado.(2) Essa situação, verificada nos
sistemas políticos das chamadas democracias ocidentais, torna-se
ainda mais aguda quando a mesma perspectiva é aplicada a um
contexto como o brasileiro. Após procurar em vão pelos grupos
políticos estruturados. que deveriam surgir e acompanhar o
desenvolvimento da economia e sociedade brasileira um pesquisador
intrigado nota que em sua pesquisa
os achados mais sugestivos...
são aqueles relacionados com as relações indeterminadas entre o desenvolvimento
e associabilidade, achados que na realidade envolvem a confirmação de uma hipótese
nula. Primeiro, a transformação estrutural da sociedade brasileira não conduziu
à formação de grupos de interesse autônomos, agressivos e com alto grau de interação,
articulando demandas alternativas e competitivas.... Segundo, essas mudanças
não parecem ter produzido coalizões multifacéticas de associações ao longo de
linhas exclusivas e totalmente antagonísticas. O caso brasileiro coloca em questão
os supostos ortodoxos das relações entre industrialização e conflito polarizado
de classes. Terceiro, apesar da evidência conclusiva a respeito do aumento da
associabilidade, não existe evidência de um aumento da influência desses grupos
no processo de tomada de decisões em nível governamental. Em resumo, a predominância
de grupos de pressão pode não ser um componente inevitável da modernização,
tal como geralmente se pensa.(3)
Isso não significa, evidentemente, que a atividade política se dê em um mundo
idílico onde não existem interesses em jogo. Acontece, porém, que os interesses
manifestados na esfera política não são facilmente identificáveis com interesses
econômicos bem determinados, como normalmente se pensa. O processo político, como
este livro pretende evidenciar, tem objetivos e mecanismos próprios que, embora
não sejam independentes e isolados dos processos que se desenvolvem na esfera
produtiva, só podem ser entendidos em sua especificidade.
Se as explicações usuais, de tipo economicista, não
conseguem explicar suficientemente o que ocorre no nível
político, por que o antigo modelo de representação de grupos
de interesse permanece vigente? Podemos dizer, numa primeira
aproximação, que se trata de um modelo aparentemente tão
claro, tão convincente, que permanece como um pano de fundo ao
qual se referem todos os novos desenvolvimentos teóricos. Mas é
possível mostrar também que, mais profundamente, isso se
explica pelas origens históricas do pensamento social e
político contemporâneos, baseado, praticamente todo ele, na
experiência intelectual e política particular da Europa
Ocidental, posterior, pelo menos, à Revolução Francesa.(4) As análises dos problemas de
comportamento político, nos chamados "países em
desenvolvimento", não têm geralmente o mesmo grau de
sofisticação empírica e metodológica tipificada pelas escolas
de Columbia e Michigan tendendo a cair em dois grandes grupos, um
caracterizado pelo tema da "cultura política", outro
pelo tema da "modernização". Em trabalho posterior,
por exemplo, Phillipe Schmitter trata de entender o sistema
político brasileiro em termos de "autoritarismo",
propondo uma conexão entre um processo de desenvolvimento
retardado em um contexto dependente, por um lado, e um sistema
político autoritário permanente, por outro. Embora suas
conclusões se assemelhem às minhas no que se refere à
importância atribuida ao papel ativo do Estado na vida política
("die verselbstandigten Machte der Exekutivegewalt",
conforme sua referência a Marx), existem três diferenças bem
importantes. Primeiro, a identificação feita por Schmitter
entre um elemento estrutural - o peso específico do Estado em
uma sociedade - e uma característica de comportamento e
"clima" político - o autoritarismo - conduz facilmente
à velha porém nem sempre verdadeira noção liberal de que
regimes não autoritários são somente aqueles em que o Estado
não é ativo na vida social e econômica, contendo, além disso,
certo ranço de explicação através de variáveis de
"cultura política", a que me refiro mais adiante.
Segundo, este autor não toma em consideração a divisão entre
os aspectos político e econômico do desenvolvimento, com suas
diferenças regionais, que são centrais nesta análise.
Finalmente, ele sugere que esse tipo de regime é inerentemente
incapaz de gerar desenvolvimento, já que se orienta para a
manutenção do status quo em contextos de subdesenvolvimento e
aspirações crescentes, o que a experiência brasileira, no
entanto, assim como a de vários outros países de regime
autoritário, desmente com clareza.(5)
Por sua vez, os teóricos da "cultura política"
tendem a buscar nas particularidades de um determinado sistema
político a explicação das diferenças entre a realidade e o
modelo de representação de interesses. Essas peculiaridades
são explicadas em termos de uma ampla gama de teorias
psicológicas, antropológicas e psicanalíticas. Por exemplo, o
trabalho clássico de Banfield sobre a Sicília
"explica" a ausência de desenvolvimento naquela
região pelo "amoralismo familista"; Lucien Pye recorre
aos "complexos de inferioridade" dos birmaneses para
"explicar" por que não implementam melhor seus
interesses; McClelland fala na falta de um "need for
achievement," e assim por diante.(6)
O resultado final tende a ser um tipo de explicação que
recorre à "unicidade" ou "especificidade" da
cultura política de um determinado país, deixando pouco
espaço, assim, para explicações mais estruturais. Uma das
principais dificuldades dessa abordagem é que ela leva à
noção bastante desconfortável de que as nações são presas
de sua cultura política e não tenderiam, assim, a evoluir para
um estágio em que a vida política pudesse ser vivida e
compreendida de forma "apropriada". Unia maneira de
resolver esse problema é recorrer a teorias de desenvolvimento
político ou, mais geralmente, de modernização social.
aplicadas ao Brasil, essas teorias tendem a afirmar que o país
"ainda" não desenvolveu condições adequadas para o
surgimento de fortes grupos de interesse, que emergiriam quando
aumentassem os níveis de diferenciação institucional, valores
modernos etc.(7)
Um dos principais problemas dos modelos de modernização é a
qualidade de suas predições. Em moda no principio da década de
1960, elas perderam muito do seu prestígio com a estagnação
econômica da maioria dos países do mundo subdesenvolvido e a
proliferação de regimes políticos não-representativos. Gino
Germani, por exemplo,(8) havia
previsto um processo contínuo e irreversível de expansão da
participação política na América Latina que, obviamente, não
ocorreu. Mas existe também um problema conceitual importante:
essas teorias não conseguem explicar o que existe antes da
ocorrência da modernização, já que todos os conceitos usados
tendem a ser de tipo negativo: "indiferenciação,"
"difusidade de papéis," "falta de
consciência," "pouca institucionalização" etc.
É importante notar que essa maneira de pensar existe tanto
nas chamadas teorias "burguesas" de desenvolvimento
político quanto nas análises políticas ditas
"marxistas", que utilizam a expressão "classe em
si" para caracterizar uma classe que "ainda" não
está consciente de seus verdadeiros interesses. Em ambos os
casos, existe uma noção mais ou menos explícita de que a
passagem do estágio inicial (tradicional, primitivo, em si) para
o final (moderno, para si) se faz através da industrialização
(ou acumulação capitalista). Um exemplo recente da esquerda
dessa vertente é um estudo da classe operária brasileira, que
supõe ser ela a vanguarda do desenvolvimento social, econômico
e político do país:
É o proletariado, objetivamente,
este estrato dinâmico, o que não significa que, em sua maioria, já esteja consciente
desta sua função na sociedade. Encontra-se, como apontamos atrás, em processo
de alcançar o conhecimento desta condição, pelos fatores da ação intrínseca
e extrínseca, fundamentalmente pelos últimos, o que pressupõe ainda uma longa
caminhada na direção da total conscientização.(9)
Mais recentemente, essas teorias de desenvolvimento predeterminado passaram a
admitir, mesmo em sua vertente liberal, a noção de um período "interveniente"
de autoritarismo político no caminho entre tradicionalismo e modernidade. Mas,
em geral, ambas as vertentes têm dificuldade em explicar a embaraçosa persistência
e o inesperado comportamento desses regimes "intervenientes."(10)
Talvez a mais importante e óbvia razão para o fracasso dos
modelos interpretativos mais correntes é que, se o Brasil não
é certamente um país desenvolvido e industrializado como a
Europa Ocidental ou os Estados Unidos, também tem pouco a ver
com uma sociedade "tradicional" ou "feudal".
O país foi, afinal de contas, colonizado por um dos principais
centros de poder colonial de seu tempo e, desde sua
independência, em 1822, manteve contatos intensos com os centros
econômicos e culturais mais ativos do Ocidente, tais como
Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos. A população
nativa encontrada pelos portugueses era bastante rarefeita e foi
eficazmente eliminada, tornando o Brasil radicalmente distinto de
outros países latino-americanos em que a administração
colonial foi superimposta a uma sociedade nativa tradicional,
densa e bem organizada. Houve, certamente, a importação do
escravo africano, mas a escravidão se concentrava justamente nos
setores mais capitalizados, que eram os mais modernos do país.
Desde o fim do século XIX, o país transformou-se em um pólo de
atração de correntes migratórias internacionais,
principalmente da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha e,
posteriormente, Japão. O que temos, em síntese, é um país que
se tem transformado, de acordo com linhas próprias, em função
do tipo de colonização que sofreu e das relações que manteve
com os centros mais dinâmicos da economia internacional. Estas
linhas próprias, ou "pautas" - algumas das quais
trataremos de examinar mais adiante - são perfeitamente
"modernas", ainda que não "desenvolvidas", e
devem ser consideradas dentro de um marco conceitual específico
e novo.
Existe uma série de fatos aparentemente perturbadores a
respeito da história política brasileira, que fazem com que a
necessidade de uma perspectiva teórica distinta seja ainda mais
premente do que a discussão anterior possa sugerir. O primeiro e
mais importante desses fatos é a falta constante de
correspondência entre as instituições formais do país e sua
realidade social e econômica agudamente apontada por Oliveira
Viana, para quem a elite política brasileira, nos anos 20,
estava ainda
nesta fase da filosofia
política em que o Estado é concebido como uma estrutura estranha à sociedade,
ajustado a eia vindo de cima como que por direito divino e não emanado dela,
partilhando das suas condições materiais e de espírito vivendo a vida de sua
"cultura" e sofrendo a influência de suas transformações.(11)
De acordo com essa perspectiva as elites são culturalmente alienadas, e o sistema
político é criado não em função dos interesses e preferências de grupos sociais
determinados, mas em função de modelos estrangeiros mais ou menos prestigiosos
A conseqüência, de acordo com Oliveira Viana era não somente a falta de correspondência
entre as estruturas informais de poder e o sistema formal de ordenação jurídica,
mas também uma grande discrepância entre um modelo de organização política que
pressupõe altos níveis de agregação de interesses e uma população preocupada com
temas nacionais por uma parte, e uma cultura política em que os horizontes dificilmente
ultrapassavam o nível local e os interesses mais imediatos, por outra.
A própria noção de que os grupos políticos devem representar interesses tende
a ser vista como imprópria pela elite brasileira. Ao contrário, sempre prevaleceu
a idéia de que partidos e políticos devem se colocar "acima dos interesses"
e ter sempre em mira os objetivos da nação como um todo. Um questionário aplicado
aos participantes da IV Convenção Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil em
1970 dá uma boa indicação deste fato. Quando perguntados sobre se os partidos
políticos brasileiros deveriam representar diferentes grupos de interesse ou permanecer
acima de interesses privados, a grande maioria optou pela última alternativa,
uma atitude que parecia ser tão mais forte quanto maior fosse a idade do entrevistado:(12)
Quadro 1: Atitudes de Advogados
Brasileiros em Relação aos Partidos Políticos
Faixa de idade
Jovem
Meia Idade
Mais Velhos
Total
Acreditam que os partidos devem representar grupos de interesse
23,5%
17,8%
0,0%
17,6%
Acreditam que os partidos devem permanecer acima de interesses privados
73,5%
82,2%
91,6%
80,4%
Não sabem/ não respondem
3,0%
0,0%
8,4%
2,0%
TOTAL (100%)
(34)
(56)
(12)
(102)
Fonte: ver nota 12.
A existência tão difundida dessa ideologia do interesse geral faz com que exista
uma diferença profunda entre os níveis manifesto e efetivo da vida política, em
contraste com o que ocorre, por exemplo, nos EUA, onde a organização dos grupos
de interesse os mais variados na instituição do lobby é considerada normal e legítima.
Mas seria equivocado supor que se trata de um simples fenômeno ideológico, uma
superfície sob a qual nossa realidade política não se diferenciaria das demais,
pois de fato, no Brasil, é geralmente difícil estabelecer conexões precisas e
bem determinadas entre governantes e decisões governamentais, de um lado, e classes
sociais e grupos de interesses específicos, de outro. Não há dúvida, certamente,
de que nenhum governo brasileiro se propôs a alterar de forma realmente drástica
o sistema de propriedade da terra; mas isso não significa, necessariamente, que
esses governos tenham sido "controlados" pela elite rural, cuja força
política tem, na realidade, decrescido de forma constante e progressiva nos últimos
40 ou 50 anos. Um outro exemplo é fato que o país tem atravessado períodos de
industrialização intensa, com Vargas depois de 1937, com Juscelino Kubitschek
depois de 1955, e novamente após 1964. Ninguém diria, no entanto, que estes tenham
sido governos "dominados" ou "controlados" pela "burguesia
industrial".(13) Em um terceiro exemplo, setores militares sempre
tiveram grande participação na vida política brasileira, mas as tentativas de
estabelecer um vínculo entre essa participação militar e as "classes médias"
nunca passaram de um esforço pouco compensador para "explicar" a falta
de correspondência entre a instituição militar e grupos de interesse sócio-econômicos
claramente definidos.
Virgínio Santa Rosa (1933) foi talvez o primeiro a falar da
origem dos militares, no caso os tenentes, nas "classes
médias." Essa idéia, mais tarde retomada por San Tiago
Dantas (1949) e Nélson Werneck Sodré (1949), passa daí em
diante a fazer parte do folclore das ciências sociais
brasileiras, uma vez que os estudos empíricos mais aprofundados
mostram como ela tem pouco a ver com a realidade, e nenhum valor
teórico ou explicativo.(14)
Impressionante e muito pouco compreendido é também o fato de
o principal Estado da Federação brasileira, São Paulo, nunca
ter desempenhado um papel político correspondente à sua
importância econômica e demográfica no contexto nacional. São
Paulo, desde o inicio do século XX, tem sido o setor maior, mais
rico, mais industrializado e moderno do país. Existe ampla
evidência, no entanto, de que esse desenvolvimento social e
econômico progressivo tem sido acompanhado de relativa
debilidade política. Um indicador disso é o tamanho reduzido
dos partidos políticos nacionais (UDN, PSD, PTB) no Estado de
São Paulo durante o período 1945-64; essa situação é ainda
corroborada pelo fato de que, desde 1930, somente o frustrado
Governo de Jânio Quadros se originou naquele Estado. A
República Velha, até 1930, é geralmente considerada como o
período em que a oligarquia política de São Paulo dividiu com
a de Minas Gerais o controle do sistema político nacional. Mas,
como veremos mais adiante, pareceria que, mesmo nesse período, a
preeminência de São Paulo era muito menor do que seu peso
econômico sugeriria.
Estudiosos do sistema político brasileiro que trabalham com o
modelo de representação de classes ou de grupos têm, em geral,
dificuldade em reconhecer ou entender essa surpreendente
fragilidade política do centro econômico do país. Um dos
principais estudiosos dos movimentos populistas no Brasil,
Francisco Weffort, depois de dizer que "é evidente que as
condições paulistas são especificas de uma grande cidade
industrial que ocupa posição única no Brasil", afirma
que, "exatamente por ser uma metrópole, ela se constitui em
um 'modelo' para a análise da política de massas no
Brasil." (15) O autor parece
não considerar o fato de que São Paulo representa no país um
caso único e atípico de industrialização e urbaniza ção
simultâneas, o que afeta sua utilidade como "modelo"
para o resto do Brasil. Não se trata aqui de um simples
equívoco, mas de uma dificuldade conceitual de corrente do
modelo analítico implícito, que supõe uma identidade entre
crescimento econômico -urbanização - industrialização -
participação política. Essa identidade fica ainda mais
transparente no trecho em que Paul Singer assemelha o crescimento
de Belo Horizonte, um caso extremo de urbanização sem
industrialização, com o de São Paulo:
Belo Horizonte cresceu
a uma taxa apenas pouco inferior [a São Paulo] - 6,8% - que revela o considerável
impulso tomado pela sua industrialização.(16)
Mais adiante, tratando de explicar como São Paulo continuou crescendo, ao passo
que a taxa de industrialização diminuiu, diz que "o crescimento da indústria
acarreta forte expansão do setor terciário da economia". O modelo teórico
implícito dificulta a percepção do fato, por outra parte óbvio, de que pode haver
urbanização e terciarização sem industrialização; e que Belo Horizonte cresceu
por razões administrativas, políticas e sociais, diante das quais a indústria
é uma atividade de importância secundária e subsidiária. Quando não é possível
assemelhar São Paulo ao resto do país, surge muitas vezes a tendência de considerá-lo
como um "caso desviante" no quadro nacional; mas isso é certamente problemático
quando se trata do próprio centro da economia nacional.
2. Um Marco de Referência:
Capitalismo Ocidental e Patrimonialismo
No restante deste livro, os problemas discutidos até aqui
serão tratados em dois níveis. Um é estrutural, e tem a ver
com a maneira pela qual a sociedade se organiza para a
produção, distribuição e realocação política de bens
escassos. O outro, mais especificamente político, se refere às
maneiras pelas quais os diferentes grupos na sociedade são ou
não convocados e têm ou não têm reconhecidos seus direitos de
participação no processo de decisões relativas à
distribuição social da riqueza.
A abordagem estrutural é baseada na noção de que existe uma
linha específica de desenvolvimento histórico originária da
Europa feudal e que conduz às sociedades capitalistas
ocidentais, modernas e desenvolvidas de hoje. Essa experiência
particular tem servido de referência positiva ou negativa para o
entendimento de um outro tipo de desenvolvimento histórico,
aquele que parte de uma outra variante de sistemas políticos
tradicionais - o patrimonialismo - e conduz a um tipo
radicalmente distinto de sociedades contemporâneas: algumas
subdesenvolvidas, outras socialistas, outras ainda com uma vivida
experiência de autoritarismo e fascismo. Essa é, certamente,
uma distinção muito genérica, e a realidade é muito mais
complexa em suas nuanças infinitas. Mas é possível, ainda
assim, afirmar que essa distinção de inspiração weberiana
não foi suficientemente explorada a ponto de, pelo menos,
colocar em questão o paradigma teórico dominante que, ainda que
derivado da primeira tradição histórica, é aplicado para a
segunda com grande perda de compreensão e poder explicativo.(17) Esses conceitos serão
discutidos em detalhe mais adiante, mas pode ser conveniente
ilustrar aqui a idéia para melhor clareza.
A ciência política foi dominada durante muito tempo pela
idéia de que, assim como existe desenvolvimento econômico,
existiria também um processo de "desenvolvimento
político", definido a partir de um crescimento contínuo de
participação política, direito de voto etc., em uma
determinada sociedade.(18)
Problemas de instabilidade política e de regimes fortemente
centralizados ocorreriam, de acordo com esse ponto de vista,
quando a velocidade em que cresce a habilidade de lutar por uma
parte maior da riqueza nacional é superior à velocidade de
crescimento dessa riqueza; ou, em termos políticos, quando o
processo de "construção nacional" - e tudo o que isso
implica em termos de incorporação de grupos marginais, difusão
de valores modernos, difusão dos meios de comunicação de massa
etc. - é mais rápido que o processo de desenvolvimento do
Estado e de institucionalização de mecanismos políticos
nacionais.
Esse tipo de raciocínio não leva em conta o fato de que,
muitas vezes, as causas do desequilíbrio estão do outro lado,
isto é, que instabilidade e autoritarismo não são,
necessariamente, conseqüências de um "excesso" de
demandas em um contexto de pouca industrialização e recursos
limitados, mas, talvez na maioria dos casos, conseqüências de
uma reduzida capacidade social de articulação e representação
de interesses em um contexto de concentração
"excessiva" de poder nas mãos do Estado. Quando isso
ocorre, as tentativas de aumentar e articular a representação
de interesses na sociedade são suprimidas e cooptadas, e o
resultado é a debilidade e dependência contínuas dos grupos
sociais articulados, em relação ao centro político.
A razão pela qual esses fatos tão simples e evidentes são
tantas vezes ignorados tem a ver com o modelo da representação
política. De acordo com este modelo explicativo, o Estado é,
por definição, o representante de um determinado grupo ou
classe "da sociedade", e a noção de que o Estado
representa "a si mesmo", sem cor responder a uma
determinada classe social que o maneje dos bastidores, fica
impossível de conceber. Dessa forma, a análise do sistema
politico em função da estrutura e comportamento do Estado e da
burocracia governamental, em suas diversas manifestações,
aparece como desprovida de conteúdo efetivo e é vista como
simples exercício formalístico referido a uma entidade politica
sem rosto e sem nome. Eu negaria, no entanto, que a análise
política a partir do Estado implique a noção de uma estrutura
política "parada no ar", independente e não
relacionada com interesses e motivações econômicas. Nos
sistemas patrimoniais tradicionais não havia diferença entre as
esferas política e econômica da sociedade. A ligação Intima
entre esses aspectos é também uma característica predominante
de sociedades em que o aparato estatal é grande e
multi-funcional e antecede, historicamente, ao surgi mento de
grupos de interesse autônomos e articulados. Nesses contextos, a
busca do poder político não é simplesmente feita para fazer
prevalecer esta ou aquela política, mas visa à posse de um
patrimônio de grande valor, o controle direto de uma fonte
substancial de riqueza.(19)
A próxima seção se refere exatamente à discussão dessa
questão dentro de um contexto de diferenciação regional. É
suficiente, no momento, notar que, enquanto estrutura social
complexa e organizada, com grande capacidade de produzir ou
extrair recursos do meio externo ou de outras unidades sociais, a
organização estatal é um aspecto da realidade tão digno de
ser estudado e analisado quanto, por exemplo, os mercadores, os
latifundiários, os capitalistas financeiros ou a classe
operária. Tudo depende, é claro, do tamanho relativo da
estrutura do Estado, sua força relativa e sua dependência em
relação a outras unidades sociais, e do tipo de atividade que o
Estado desempenha dentro do sistema produtivo da sociedade. Cada
caso é diferente, e variações históricas vão desde o extremo
das "sociedades hidráulicas" referidas por Witfogel,
nas quais todo o sistema de produção social é controlado e
dirigido pelo Estado, até as sociedades relativamente
"desestatizadas" da Europa Ocidental do século XIX.. A
divisão entre "Estado" e "sociedade civil",
que coloca todas as atividades produtivas do lado da sociedade e
todos os eventos políticos do lado do Estado, não passa de um
evento histórico particular, que não deveria ser generalizado.
3. A Perspectiva Politica:
Cooptação e Representação
O segundo nível de análise proposto neste livro é
especificamente político. Não há dúvida de que o sistema
político - entendido em um sentido restrito como a arena na qual
recursos escassos são disputados por classes, grupos sociais e
instituições correspondentes - tem importantes conseqüências
para a sociedade como um todo. Essas conseqüências, entretanto,
não podem ser entendidas simplesmente pela identificação das
origens de classe dos detentores do poder, nem mesmo nos
contextos mais clássicos de política representativa.
Concretamente, existe uma grande diferença entre o regime
democrático ocidental dominado por um partido
"burguês" conservador e um regime político fascista
no mesmo país, dominado, hipoteticamente, pela mesma burguesia.
A relação empírica entre a organização de um sistema
político e as características mais estruturais da sociedade,
embora certamente exista, não deve ser utilizada em lugar da
análise especificamente política; e esta não pode reduzir-se a
um simples exercício analítico, cujas proposições derivariam
logicamente do conhecimento das características estruturais da
sociedade. Por isso, neste livro, será proposta uma relação
íntima entre "patrimonialismo" uma característica
estrutural - e "cooptação política" - elemento
próprio do nível político - relação esta sugerida pela
expressão "patrimonialismo político." Mas, uma vez
estabelecida esta relação genérica, o importante é ver como
ela varia, como se relaciona com outras formas de participação
política e como afeta o processo de mudança social e política.
A expressão "cooptação política" é sugerida
para referir-se a um sistema de participação política débil,
dependente, controlado hierarquicamente, de cima para baixo. A
primeira condição necessária para a existência de tal sistema
é que algumas pessoas e grupos sociais, previamente fora da
arena política, tratem de participar dela e fazer-se ouvir. A
literatura política da Europa Ocidental fala em enfranchisement
para referir-se ao processo de incorporação de grupos e classes
ao sistema político.(20) O
termo, que se poderia traduzir literalmente por
"licenciamento", tem uma conotação de aquisição de
direitos ou maioridade política e não possui
significativamente, correspondência na língua portuguesa. Esse
problema de linguagem aponta para sua segunda condição de
existência: a de que os que controlam o sistema político tenham
meios para comprar ou, de alguma forma, incorporar esses
esforços de participação, de tal maneira que sejam
estabelecidos vínculos de dependência entre os detentores do
poder e as lideranças políticas emergentes. Assim, a
participação política deixa de ser um direito e torna-se um
benefício outorgado, em princípio revogável. Como em qualquer
tipo ideal, esse arranjo ocorre todo o tempo, em todos os
sistemas políticos abertos, e não é uma peculiaridade
brasileira. Mas a cooptação política tende a predominar em
contextos em que estruturas governamentais fortes e bem
estabelecidas antecedem historicamente os esforços de
mobilização política de grupos sociais. Quando isso ocorre,
posições governamentais são buscadas não tanto como recursos
para a implementação de interesses de tipo econômico, mas como
forma de mobilidade social e ocupacional per se. Isso significa
que a administração pública é vista como um bem em si mesmo,
e a organização governamental tem as características de um
patrimônio a ser explorado, e não de uma estrutura funcional a
ser acionada para a obtenção de fins heterônimos. Uma vez que
posições se tornam mais importantes que funções, o setor
público tende, naturalmente, a inchar. Esse tipo de
administração patrimonial tende a ser incompatível com
participação política ativa e respostas governamentais
eficientes a demandas da sociedade. Quando a necessidade o exige,
no entanto, ela pode se prolongar na forma de estruturas
político-partidárias que são organizadas, patrocinadas e
conduzidas de cima para baixo, muitas vezes por processos de
mobilização. Essa condição implica que cooptação é um
fenômeno moderno, que ocorre no Brasil basicamente a partir do
pós-guerra, já que a mobilização limitada do período
anterior fazia com que houvesse pouco, efetivamente, para
cooptar.
Existem outras duas importantes noções ligadas ao conceito
de cooptação política. Primeiro, o peso, nesse tipo de arranjo
político, está localizado no lado da administração central,
na cidade, no lado "moderno" do país. Não há dúvida
de que uma fração importante da elite política brasileira tem
sido recrutada nas áreas rurais, mas já vimos que isso não
pode ser ingenuamente interpretado como um processo de
"representação" do campo junto ao governo central.(21) Desde o clássico estudo de
Victor Nunes Leal sobre o coronelismo brasileiro, sabemos que
existe na política "tradicional" brasileira uma
relação simbiótica de dependência entre administração
central e poder local, e que poder e dominação são geralmente
impostos de cima para baixo, e raramente de baixo para cima. A
República Velha, em muitos aspectos um período de grande poder
dos chefes locais e regionais, foi também o período em que
resultados eleitorais eram forjados sem maiores preocupações de
decoro pelos partidos dominantes, conseguindo os governos
centrais geralmente "eleger" seus candidatos. A
política que normalmente se considera "tradicional" no
contexto brasileiro não é rural, mas urbana,
"moderna", e levada a cabo por uma elite com
refinamento e habilidade necessários para controlar um aparelho
estatal bastante complexo.
A outra noção ligada ao conceito de cooptação se relaciona
com o fato de que não existe, quando ele predomina, muito lugar
para representação de interesses no sentido do mais clássico
modelo europeu do termo. O modelo clássico supõe que o
desenvolvimento do capitalismo tende a gerar grupos de interesses
ativos e militantes nos dois lados da divisão social do
trabalho, burguesia e proletariado. O tipo de política que
emerge desse confronto tem a ver com a regulação das relações
de classe e, conseqüentemente, com a distribuição da riqueza
entre elas. Nesse modelo, quando os políticos aumentam seu poder
e prestígio, aumenta também a necessidade de as lideranças
corresponderem às expectativas e demandas das bases que lhes
outorgam poder. Eles podem tornar-se burocratas de seus partidos,
mas dificilmente burocratas governamentais; e, se o fazem, tendem
a perder suas bases de apoio político. No sistema de
cooptação, pelo contrário, quanto mais íntima a
participação do líder na burocracia governamental, maior sua
força política, já que terá mais recursos para manter o
controle de suas bases. Aí reside a explicação das repetidas
vitórias eleitorais dos partidos de governo em regimes desse
tipo, chegando muitas vezes a sistemas uni-partidários ou de
partidos governamentais imbatíveis.
É possível mostrar que, se formas embrionárias de
representação política existiram no Brasil, elas tenderam a
concentrar-se na área de São Paulo. Nunca chegaram a ser
suficientemente fortes para moldar o quadro político nacional,
mas foram suficientemente significativas para manter o Estado de
São Paulo como uma entidade politicamente diferenciada dentro do
país. Tanto os sistemas de cooptação quanto os de
representação têm seus lados conservador e liberal, ou de
direita e esquerda, e essa perspectiva quádrupla é,
possivelmente, o melhor ponto de vista para o entendimento do
processo político brasileiro através do tempo.
Essa imagem do cenário político brasileiro como o de um
confronto entre dois "sistemas" ou "estilos"
de participação política não corresponde às noções usuais
existentes sobre sua evolução, particularmente depois de 1945.
De fato, o período de 1945-64 foi uma era de competição
multi-partidária e também um período de crescente
participação, mobilização política e de surgimento de
oposições ideológicas. Se tomamos somente esse período, temos
a nítida impressão de vermos o país evoluindo de um estágio
mais "tradicional" a um mais "moderno", ou,
de acordo com outra perspectiva, de uma situação de
"classes em si" para outra de "classes para
si". Um exame mais cuidadoso mostra, no entanto, que esse
processo ocorreu no contexto da polaridade
cooptação-representação, conduzindo, afinal, ao colapso do
sistema representativo em 1964.
Parece que alguma forma de política de grupos de interesse
(ou política de classe) está na raiz da maioria das versões
contemporâneas de democracia política, e uma das conclusões
que poderiam ser extraídas dessa análise seria, por exemplo,
que existiria somente uma forma de levar o Brasil para um sistema
mais aberto de participação política: fomentar o papel de São
Paulo na política nacional, ao longo de toda sua estrutura de
estratificação sócio-econômica, fazendo com que este sistema
regional se expanda até predominar sobre as demais áreas do
país, urbanas não industriais e rurais. É claro que as coisas
não são tão simples assim, mas essa é certamente uma linha de
especulação que ainda não foi explorada em toda sua extensão
pelos que se preocupam em pensar nos destinos do "modelo
brasileiro". Em termos gerais, reconhecer o papel limitado
da política representativa no Brasil poderá conduzir, em
última análise, a novas visões sobre como o sistema político
poderia ser organizado no futuro, com alternativas que vão desde
uma anti-utopia hobbesiana até modelos de descentralização e
democratização intra-burocráticas e organizacionais.
Nenhuma análise da evolução política brasileira seria
possível sem levar em consideração o papel nela desempenhado
pelo setor militar. O comportamento político dos militares deve
ser visto e entendido em termos característicos da instituição
militar e suas relações com o sistema político como um todo,
antes que em termos de uma suposta representação de interesses
classistas via Forças Armadas. Isso não significa,
evidentemente, que não seja possível, muitas vezes, determinar
o componente classista ou estamental de um grupo militar
especifico e que esse componente não tenha uma força
explicativa considerável.(22) No
caso do Brasil, além das características institucionais, existe
a peculiaridade de que o Exército brasileiro tem fortes raízes
gaúchas, e esse componente regional, quando tomado em devida
conta, explica muito de seu papel na história política do
país. É sabido que o Rio Grande do Sul tem sido, no tempo, a
principal fonte de recrutamento da elite militar brasileira, um
fato que examinaremos com vagar mais adiante.
4. A Política Como Fenômeno
Espacial: as Quatro Regiões
Outra dimensão bastante óbvia dos fenômenos políticos que
as analises convencionais costumam ignorar é o fato de que,
sendo as nações entidades de base territorial, os processos
políticos devem ser entendidos em termos de sua distribuição
espacial. Essa é uma observação que se torna ainda mais
importante quando se tem em conta que o processo de ocupação
histórica das diversas partes de um país se dá de forma
diferenciada, gerando problemas bastante específicos de
incorporação, integração e rupturas entre diferentes
regiões. Tema clássico do direito constitucional, esse aspecto
tende muitas vezes a ser ignorado pela análise política,
preocupada exclusivamente com os grupos de interesse e suas
manifestações e motivações econômicas mais imediatas.
O processo de ocupação espacial do Brasil deve ser visto a
partir do entendimento da própria história portuguesa, que
parece jamais ter apresentado a estrutura descentralizada
característica do tipo europeu clássico de organização
feudal:
A nobreza, a seguirmos
Antônio de Sousa, nunca chegou a criar raízes no campo, nem teve função civilizadora,
função de direção e proteção dos moradores locais; apresentava-se, antes, como
parasita da população e do poder central.(23)
O poder se concentrava na Casa de Avis, e isso auxilia a explicação do notável
impulso empresarial de Portugal nos séculos XV e XVI. Vinda para o Brasil, a estrutura
centralizada, burocrática e patrimonialista de governo foi transplantada, inicialmente
com o estabelecimento do Governo Geral em 1548 e, muito mais tarde, com a mudança
de toda a Corte portuguesa para o Rio, em 1808. Tornado independente cm 1822 por
um membro da realeza portuguesa, a linha de continuidade nunca foi completamente
quebrada, e isso é importante para a compreensão da institucionalização estável
do Governo brasileiro durante o período colonial e, mais tarde, na segunda metade
do século XIX. É digno de nota que, antes do estabelecimento do Governo Geral
em 1548, institui-se um sistema de capitanias de características feudais, porém
sem sucesso. Essas capitanias deveriam ser transmitidas de pais para filho, e
a coroa portuguesa teve de readquirir uma delas, quando o Governo Geral estava
prestes a ser criado.(24)
O sistema de capitanias não funcionou, dizem os
historiadores; duas delas, porém, obtiveram algum êxito. Numa,
Pernambuco, floresceu a cultura da cana-de-açúcar, tornando-se
o principal produto da Colônia nos séculos XVI e XVII. A outra
era São Vicente, mais tarde conhecida como província e, por
fim, Estado de São Paulo.
Este breve exame delineia três de nossos principais tipos de
regiões. Uma é a sede do governo, inicialmente Salvador e
depois Rio de Janeiro. Esta é a área mais moderna do país, que
mantém um contato mais direto com o modo de vida europeu, e onde
a cultura e o consumo são mais acentuados. É, também, uma
área de população marginal e de desemprego. De acordo com o
Censo do Rio de Janeiro de 1890, por exemplo, cerca de 50% de sua
força de trabalho estava empregada em "serviços
domésticos" ou exercia "profissões
não-declaradas". O fator racial, obviamente, estava
relacionado a isto, uma vez que a escravatura fora abolida há
apenas dois anos. Mas as diferenças não eram assim tão
grandes: 76% dos negros e 53% dos mulatos pertenciam a esse
grupo, mas também 43% dos brancos, o que representava 62,5% de
toda a população "empregada."(25).
Essa massa de população marginal representava, certamente, um
incômodo para a elite, a qual, ocasionalmente, tinha que se
haver com suas agitações.(26)
Entretanto, comumente, o Rio apresentava um cenário de política
popular e de participação da massa que pouco tinha a ver com a
maneira pela qual as coisas eram realmente decididas, e nesse
sentido não difere muito de outras capitais administrativas de
sociedades não-industriais. Seus recursos econômicos provinham
do comércio e do funcionalismo público, e sua vida política
caracterizava-se por certo grau de tensão entre a pequena
nobreza regional dependente, de um lado, e os burocratas e
comerciantes, de outro, com ocasionais mobilizações das massas.
O Rio de Janeiro do século XIX e do inicio do século XX
pode, de um modo geral, ser qualificado como uma "cidade
pré-industrial." Tal conceito foi sugerido por Gideon
Sjoberg para caracterizar as estruturas urbanas que se
desenvolveram, segundo ele, em sociedades feudais, onde o
desenvolvimento industrial não tivesse, ainda, se iniciado. Em
uma nota de pé de página, Sjoberg procura reduzir a diferença
entre cidades pré-industriais européias e não-européias:
Henri Pirenne, em Medieval
cities, e outros observaram que as cidades européias cresceram em oposição
e eram separadas da sociedade maior. Mas essa tese remonta a um exagero, no
que diz respeito à Europa Medieval. A maioria das cidades industriais é parte
integrante de estruturas sociais mais ampla.(27)
A principal dificuldade relativa ao conceito de cidade pré-industrial é, naturalmente,
a teoria de desenvolvimento unilinear que ela implica, e que considera o sistema
feudal como o único predecessor das sociedades modernas. Oliver C, Cox,(28) no entanto, afirma que, mesmo na Europa Medieval,
as cidades se desenvolveram fora da estrutura feudal, além de considerar que o
conceito de cidade pré-industrial de Sjoberg representa pouco mais que um conceito
residual. A crítica de Cox é convincente, no que diz respeito à debilidade do
argumento de Sjoberg, porém tem pouco a oferecer. A melhor indicação teórica,
o que não é surpreendente, nos é oferecida por Max Weber, por meio da diferença,
por ele estabelecida, entre a cidade ocidental e a oriental:(29)
Na qualidade de ponto focal de todo o país ou região, a
residência do governante ou de qualquer corpo administrativo é
o componente mais importante da estrutura e do funcionamento das
cidades orientais:
Contrariamente, as cidades
ocidentais são dotadas de uma "combinação de autonomia e autocefalia(30)."
Elas são, em outras palavras, núcleos econômica e politicamente autônomos, alimentados
pela atividade comercial ou industrial de seus cidadãos, que participam ativamente,
de formas variadas, da condução de seus destinos. Aplicada ao Brasil, essa distinção
permite ver o Rio de Janeiro como uma cidade muito mais próxima, historicamente,
do modelo "oriental", sede política e administrativa do Império, enquanto
que São Paulo, cidade desenvolvida de forma muito mais independente e isolada,
se aproxima bastante do que seria o modelo clássico de cidade "ocidental".
O inverso da capital burocrática e urbana constitui o segundo tipo de região,
chamada "tradicional." As regiões "tradicionais" brasileiras
têm pouco em comum com o "tradicionalismo", constante da literatura
padrão acerca do subdesenvolvimento e da modernização. Comumente, essa literatura
considera como "tradicional" a sociedade camponesa ou, de alguma forma,
não-industrial, que sofre o impacto da modernização e industrialização.(31)
Supostamente, essas sociedades tradicionais se encontram em um estágio primitivo
de desenvolvimento social e econômico, e a correspondente literatura sociológica
trata dos obstáculos culturais, emocionais e sociais aos valores, estilos de vida
e padrões de comportamento modernos.(32)
No Brasil, como em outros países, as áreas
"tradicionais" não constituem regiões que ainda não
se modernizaram, mas, ao contrário, regiões que experimentaram
um período de progresso no passado, sofrendo, depois, um
processo de declínio econômico e político. A antiga área de
cultura da cana-de-açúcar, no Nordeste, e as antigas áreas
mineiras de Minas Gerais são provavelmente os melhores exemplos
do tradicionalismo brasileiro, e ambas as regiões tiveram um
passado de riqueza e proeminência econômica nacional. Uma das
questões mais obscuras - e ao mesmo tempo das mais interessantes
- da história econômica e política do Brasil relaciona-se com
o que acontece com essas áreas quando perdem sua capacidade
exportadora.(33) No caso de Minas
Gerais, a exaustão das atividades mineradoras, ocorrida por
volta da segunda metade do século XVIII, deixou a província com
a maior população do país, localizada sobretudo nas
concentrações urbanas, e desprovida de uma atividade econômica
importante de alta lucratividade.(34)
Um outro remanescente foi a estrutura burocrática da
administração colonial, e esse é, muito provavelmente, o
berço da vocação política de Minas Gerais.
Existe um estudo norte-americano clássico, de autoria de V.
O. Key, que trata de um sistema político que sobreviveu a um
processo de forte decadência, após a Guerra Civil. Os onze
estados sulistas analisados por Key tinham pelo menos um traço
em comum com os estados brasileiros da Velha República, ou seja,
o sistema uni-partidário. A análise de Key, relativa ao
comportamento dos senadores sulinos, sugere um padrão bastante
consistente: eles se unem quando a autonomia do Estado está em
perigo, quando o status quo se acha ameaçado e quando o governo
democrático nacional necessita de seu apoio. O arranjo nos é
bastante familiar: os democratas sulinos apóiam o governo em
troca do controle dos seus próprios estados. Sistema
uni-partidário, controle oligárquico da máquina política do
Estado, pequena participação popular, grandes propriedades
rurais em uma economia em decadência, todas essas semelhanças
com a tradicional Minas Gerais não são puras coincidências. A
principal diferença, naturalmente, era a de que os Estados
Confederados haviam sido derrotados pelo Norte industrializado,
enquanto que, no Brasil, a hegemonia política do centro
industrializado nunca foi claramente estabelecida.(35)
A menor unidade da vida política tradicional desse tipo é a
comunidade local do interior, onde o chefe local (no Brasil, o
coronel) exerce seu poder. Uma boa parte da literatura política
brasileira tem se devotado ao exame dos padrões de
tradicionalismo político nas bases do sistema.(36)
As tentativas de teorização mais bem sucedidas são as que
interpretam a proeminência política local e regional da
política tradicional como sendo uma função do papel de
intermediação desempenhado pelos líderes políticos entre os
governos local, estadual e nacional.(37)
É importante observar-se que essa interpretação não implica
que o controle da terra, os vínculos familiares, fidelidades e
sujeição pessoal não tenham um papel a cumprir. Todos esses
elementos "tradicionais" com certeza se faziam
presentes, mas funcionaram num contexto de decadência econômica
e de predominância de governo burocrático ao nível estadual e
nacional.
A terceira região, representada por São Paulo, forma a
diferenciação mais importante. Desde o início da história do
pais, a antiga Capitania de São Vicente se desenvolveu
independentemente da administração central. São Vicente foi o
primeiro núcleo de colonização que se moveu da costa para o
interior, em total contradição com a política de expansão da
Coroa portuguesa.(38) A história
da expansão de São Vicente inclui as expedições de captura de
índios que se embrenhavam cada vez mais para o Sul, até o
choque militar com as missões jesuítas espanholas; as
expedições de busca de ouro e pedras preciosas, até o choque
com outras correntes migratórias provenientes do Norte que se
dirigiam para as áreas mineiras, durante a Guerra dos Emboabas;(39) e a acentuada ausência da
Província de São Paulo da vanguarda dos eventos nacionais, até
a expansão da cultura do café no século XIX.
Mais adiante voltaremos à história do espetacular
desenvolvimento de São Paulo, do final do século XIX em diante,
e a seu papel político no cenário nacional. Basta lembrar aqui
que o Censo de 1940 já mostra ser este o maior estado brasileiro
em população, além de a principal fonte de impostos do Governo
central e o foco de industrialização do país. Politicamente,
no entanto, São Paulo desempenhou um papel inferior a seu
tamanho e peso econômico relativos e, em 1932, foi o último
estado brasileiro a se levantar em armas contra o Governo
central.(40)
Esse padrão de relações entre os centros administrativos e
econômicos não é uma peculiaridade do Brasil, sendo
compartilhado por países que experimentaram certo
desenvolvimento industrial no contexto de um Estado com fortes
características patrimoniais. Juan Linz encontra na Espanha o
mesmo "paradoxo" que encontramos no Brasil:
paradoxalmente, na recente história da Espanha, as regiões mais desenvolvidas
se sentiram alienadas do cenário nacional. Dispondo de "poder econômico"
e de bem-estar, sentiram se, justificadamente ou não, privadas de "poder
político."(41)
As diferenças entre Madri e Barcelona, expressas na tabela que se segue, são surpreendentemente
semelhantes às que podemos encontrar entre Rio e São Paulo:
Quadro 2. Espanha: Barcelona e Madri
Espanha "burguesa" (Barcelona)
Madrid
% da População do País (1960)
24,2%
7,7%
Renda per cápita (média nacional = 100)
164
131
Recrutamento de membros do gabinete no Governo de Franco.
0,85 (a)
6,25
Professores universitários.
0,58 (a)
3,24
Juízes
0,95 (a)
2,87
(a) Quociente entre a proporção nascida em cada uma das áreas
e a proporção da população vivendo nestas áreas em 1910, ano aproximado
do nascimento das elites.
Fonte: Ver nota 41.
Quadro 3. Brasil: Diferenças Regionais
em Quatro Estados
População em 1970
% da renda
urbana
total
da Indústria
da agricultura
do setor público
total
São Paulo
27,3
19,0
56,8
19,5
23,5
35,3
Minas Gerais
11,7
12,3
7,5
12,2
8,3
10,0
Guanabara
8,2
4,6
9,7
0,6
25,2
11,4
Rio Grande do Sul
6,8
7,1
5,9
12,6
8,9
8,5
Soma dos 4 estados
54,0
43,0
79,9
44,9
65,9
65,2
Brasil
100%
100%
100%
100%
100%
100%
Fonte: Fundação IBGE, Anuário Estatístico do Brasil,
1971.
A Itália parece ser um outro caso em questão, com as
diferenças entre a área industrial do Norte, o Centro urbano e
administrativo, e o Sul rural, como pode ser constatado na tabela
seguinte.
Quadro 4. Itália: Famílias Residentes
por Ramo de Atividade Econômica do Chefe da Família, por Regiões (%)
População
número de famílias cujos
chefes trabalham em
indústria
agricultura
outras atividades
Regiões
Setentrional
44,8
56,5
35,5
47,1
Central
18,5
17,5
16,0
224
Meridional
245
18,0
31,8
20,2
Insular
12,2
8,0
16,7
10,3
Total
100%
100%
100%
100%
Fonte: Calculado do Instituto Centrale de Statistica, Compendio
Statistico Italiano (Roma), 1971, p. 21 e 28-29.
A. F. Organski leva em conta as descontinuidades regionais da Itália e relaciona
a elas o surgimento do fascismo:
Algumas regiões se modernizam
mais e mais rapidamente que outras, devido a vantagens em recursos, capacitação,
comunicação com o mundo exterior, ou por outras razões. Algumas nações se modernizam
politicamente e permanecem atrasadas economicamente. Outras nações são altamente
urbanizadas, antes de se desenvolverem economicamente e de se modernizarem politicamente
(...). No grau de simetria e de continuidade das mudanças desses três conjuntos
de variáveis (modernização social, econômica e política), reside uma parte muito
expressiva, certamente a principal, da explicação do surgimento dos sistemas
fascistas, a duração de seu domínio, a variação de suas atitudes e comportamento
políticos e a especificidade e cronologia do fim do sistema.(42)
O pressuposto do desenvolvimento unilinear, ainda que desigual, é talvez a principal
fraqueza dessa análise. De fato, se "nenhuma nação se desenvolve de tal maneira
que todas as regiões e todos os aspectos da vida nacional mantenham o mesmo ritmo
de todo o resto", o que necessita ser explicado é a razão pela qual somente
algumas dessas nações caem no padrão fascista de organização política. O fato
é que as diferenças não constituem apenas uma questão de taxas variáveis de crescimento
regional e funcional, mas principalmente uma questão de diferenças regionais,
estruturais, refletidas nos desequilíbrios do desenvolvimento.
A quarta região, finalmente, é o Rio Grande do Sul, que
historicamente tem desempenhado, no sistema nacional, um papel
político bastante desproporcional a seu tamanho e importância
econômica. No Rio Grande não impera a política tradicional,
baseada nos compromissos e fidelidades locais de uma economia
estagnada, que muitos consideram ser o cerne da política
tradicional brasileira. Este estado nunca foi um pólo econômico
dominante e não está no centro administrativo nacional. Pelo
contrário, situa-se na fronteira, a milhares de quilômetros da
capital do país. Essa marginalização geográfica, porém,
parece ter colocado o estado bem no centro da política nacional,
desde pelo menos fins do século XIX. Sua história se inicia com
o estabelecimento da colônia portuguesa do Sacramento ás
margens do rio da Prata, atacada, quase que imediatamente, pelo
governador espanhol de Buenos Aires. Durante a maior parte do
século XVII, a região se converteu no principal ponto de
conflito entre os Impérios português e espanhol na América.
Após a independência, a província reteve sua natureza militar,
em razão dos conflitos entre Brasil e Argentina, pelo controle
do que hoje é o Uruguai, bem como em razão dos movimentos
revolucionários separatistas do Rio Grande, os quais sempre
envolveram relações com os governantes e caudilhos argentinos e
uruguaios.(43)
Stein Rokkan capta um importante aspecto do processo de
construção nacional dos países europeus que, até certo ponto,
se assemelha ao processo experimentado pelo Rio Grande. Ele
mostra, principalmente, dois tipos de cidade s-estados se
desenvolvendo na Europa: "As Confederações suíças e
holandesas tinham características essencialmente defensivas:
não havia um forte centro conquistador (...), mas uma cadeia de
cidades estrategicamente localizadas, prontas a reunir seus
recursos para a defesa de seus privilégios comerciais." A
essas cidades "ocidentais" típicas ele opõe um outro
tipo, desenvolvido nos confins do Antigo Império Romano.
"Paradoxalmente," diz ele, "a história da Europa
mostra a formação de centros na periferia." E, mais
especificamente:
Estes centros de poder
localizados nas regiões sudeste e nordeste dos territórios da Igreja Católica
ergueram impérios cruzados nas fronteiras, para fazer face à religião do Sul.
Isto auxilia a explicação da íntima simbiose da Igreja e do Estado nestes impérios:
o poder militar do Estado foi um instrumento decisivo na luta pela expansão
do cristianismo ocidental (...). Os impérios ibéricos trouxeram o mesmo fervor
de ortodoxia através dos mares até o Novo Mundo: a conquista da América Latina
produziu uma fusão ainda mais forte de instituições religiosas, políticas e
econômicas.(44)
O Rio Grande parece ter desempenhado no Brasil um papel semelhante ao que Portugal
e Espanha desempenharam na Europa cristã: como um posto militar de fronteira,
desenvolveu sua própria ortodoxia, o positivismo - em uma combinação peculiar
soma tradição militar local e a cultura boiadeira - e uma forte oligarquia estadual,
que reunia forças tanto para a luta contra o inimigo espanhol e portenho quanto
para a luta pela autonomia em relação ao Império brasileiro. A região era base
da ala mais importante do Exército brasileiro, fornecendo, também, uma parte considerável
dos seus quadros. Desempenhou um papel bastante ativo na vida política nacional,
desde a criação do Partido Republicano Rio-Grandense em 1882, na derrubada do
Império, em 1889, e dai em diante. Em 1930, chegou ao poder nacional com Vargas,
que tinha sido anteriormente governador do Rio Grande do Sul, de acordo com os
interesses de Borges de Medeiros, o chefe político do estado, e com ele os gaúchos
literalmente atrelaram seus cavalos na capital nacional.(45) Vargas novamente, em 1950, Goulart, em 1961,
Costa e Silva, Médici e Geisel, depois de 1964, todos esses presidentes gaúchos
atestam a marcante vocação do Rio Grande para o poder nacional, através de seus
filhos civis e militares.
Este breve esboço é por demais sucinto para registrar outros
importantes aspectos do papel do Rio Grande do Sul na história
brasileira, aos quais voltaremos. Seria importante levar em conta
as divisões internas no estado e seu papel econômico especial
como um supridor de bens no mercado nacional, assim como a
importância da imigração européia para o desenvolvimento
agrícola de alta produtividade dentro do estado.(46)
Apesar desses pontos, contudo, permanece o fato de que o papel
político do Rio Grande, a nível nacional, tem, historicamente,
mais a ver com sua tradição militar, caudilhesca,
revolucionária e oligárquica do que com os aspectos modernos e
europeizados de sua economia e sociedade.
5. Conclusão: da Teoria Política
à Realidade Histórica
A importância dos conceitos, sejam de teoria política ou
quaisquer outros, se mede pela riqueza dos fenômenos que eles
ajudam a entender ou prever. Na análise de fenômenos
históricos, são melhores os conceitos que ajudam a dar sentido
e significado a um conjunto maior de fatos e processos. É por
isso que a simples discussão entre diferentes escolas
conceituais, sem a prova esclarecedora de suas aplicações a
análises concretas, tende a ser um exercício estéril e
cansativo. Ainda que por uma só vez no entanto, vale a pena
discutir brevemente o status teórico de alguns dos conceitos
apresentados ou criticados neste texto.
Existem vários níveis de explicitação e articulação
possíveis de proposições em ciências sociais e, desde o
clássico trabalho de Merton, é costume distingui-los por
diversos nomes (metodologias, orientações sociológicas gerais,
análises conceituais, interpretações post factum,
generalizações empíricas e teorias propriamente ditas, estas
definidas como conjunto de proposições logicamente relacionadas
e empiricamente verificáveis).(47)
"Modelo," em uma de suas acepções, é o mesmo que
"teoria." aqui, no entanto, ao falarmos do "modelo
de política representativa", estamos pensando em uma
representação figurada e pouco explícita da realidade,
utilizada como referência para análise.(48)
Nesse sentido, a noção de modelo se aproxima da de
"paradigma", tomada também em um sentido amplo como um
conjunto de proposições, noções, critérios de verdade e
supostos sobre o mundo que permeiam uma determinada atividade de
conhecimento científico.(49)
É necessário levar em conta essas distinções por uma
razão importante: no decurso deste livro, muitas idéias serão
discutidas em termos de seus paradigmas implícitos, muito mais
que em termos de suas formulações explícitas. Por exemplo,
nenhum atento estudioso da realidade brasileira desconhece que
existem diferenças profundas de tipo político entre Minas
Gerais e São Paulo ou ignora que este último desempenhou um
papel singular e especial na história política do país. No en
tanto, como trato de mostrar, esse conhecimento não parece ter
descido ao nível mais básico dos paradigmas explicativos que
esses mesmos autores utilizam, o que os incapacita a incorporar
essa realidade em suas explicações de uma forma
não-casuística e circunstancial. Um outro exemplo é a
referência à noção marxista que toma o sistema político como
"super-estrutural", e algumas das conseqüências que
derivam disso. é bem sabido que muitos autores que se consideram
marxistas oferecem versões bastante mais complexas e
sofisticadas dessa idéia e, ao deixar de analisá-los, pareceria
que uma teoria simplista estivesse sendo montada aqui com o
Intuito único e exclusivo de refutá-la posteriormente. O que
importa neste contexto, no entanto, é que esse paradigma
permanece e preside o entendimento de muitos autores,
independentemente de sua ortodoxia marxista ou de seu grau de
consciência do problema. Minha preocupação é apontar as
dificuldades conceituais que esse paradigma ou modelo implícito
traz para o entendimento adequado do papel do Estado no sistema
político, e não alimentar a discussão sobre a ortodoxia
possível desta ou daquela postura teórica, discussão que, sem
dúvida, pode emergir como subproduto quando questões desse tipo
são aventadas.
Um outro tipo de dificuldade conceitual pode surgir do uso que
aqui é feito de entidades regionais, os estados, como unidades
de análise. Já se disse que essa é uma maneira de substituir a
realidade concreta das classes sociais pelo formalismo abstrato
de entidades geográficas, ocultando, assim, as realidades
políticas efetivas que interessam.
Essa objeção pode ser respondida em vários níveis. O
primeiro e mais simples é que as classes sociais não são o
único aspecto "real" do sistema social. Segundo,
eventos sociais de toda espécie, incluindo aqueles relacionados
com a estratificação social, tendem a se distribuir no espaço
de forma desigual, e as informações relativas a eles tendem a
ser recolhidas e apresentadas de acordo com unidades
geográficas. Essas informações dão conteúdo sociológico,
político e econômico às categorias geográficas, de tal forma
que, quando são referidas, elas surgem carregadas de
conotações de todo tipo. Nesse nível, portanto, unidades
geográficas ou "ecológicas" não passam de uma
maneira cômoda de referir-se a complexos sociais de outro tipo.
Em outro nível, no entanto, é possível sustentar que as
unidades geográficas têm relevância social e política por
seus próprios méritos. O exemplo mais óbvio é o próprio
Estado nacional, circundado necessariamente por limites
territoriais. Ainda que os modelos correntes de análise
política falem em representação de interesses, não se deve
perder de vista o fato de que os sistemas eleitorais
democráticos sempre se basearam em representação territorial,
geográfica, e não-funcional. A situação dos estados em
nações federativas como os Estados Unidos, o Brasil e a
Argentina pode variar grandemente, em termos da autonomia dos
estados e da relação entre esta autonomia e fenômenos
políticos mais gerais.(50) No
caso brasileiro, pode-se argumentar que o papel político dos
Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul era muito
mais saliente durante a República Velha do que durante o
Império ou atualmente. Isso se refletia, certamente, na
ordenação constitucional, que dava muito mais autonomia aos
estados na Primeira República do que em outros períodos. O que
importa realmente, no entanto, é que essa autonomia correspondia
a um papel bem ativo desempenhado pelas unidades geográficas no
sistema nacional. A explicação para essa atividade das regiões
não se poderia limitar à análise das atribuições
constitucionais existentes, que tiveram causas bem conhecidas e
conseqüências bem determinadas. Isso significa que a questão
da "realidade" das unidades regionais e ecológicas
não é uma questão de definição legal ou conceitual, mas deve
ser avaliada e decidida em cada caso.
Em termos mais gerais, a idéia é que variáveis e processos
regionais devem ser estudados não em contraposição a outros
elementos da estrutura social, mas em combinação com os mesmos,
incluindo suas diferenciações de classe e grupo. Os
desenvolvimentos mais recentes em economia regional, a
preocupação generalizada com problemas de distribuição de
renda e concentração da riqueza do Centro-Sul do país, a
importância cada vez mais reconhecida dos problemas de
relacionamento entre centro e periferia em todas as áreas do
comportamento social, tudo isto deveria tornar desnecessário
justificar uma abordagem regional dos problemas políticos. Mas,
muitas vezes, a análise das regiões esbarra com o mesmo tipo de
dificuldade que fazia tão difícil para os internacionalistas do
princípio do século perceber a importância e relevância dos
estados nacionais. Eles haviam descoberto uma verdade importante
- que fatos econômicos não respeitam fronteiras - mas isto
muitas vezes os cegava para a realidade do nacionalismo político
e econômico que passaria a dominar as décadas seguintes. Existe
hoje certo tipo de internacionalismo que percebe as linhas de
divisão internacional de classes não dentro dos países, mas
entre eles. Isto permite compatibilizar nacionalismo (do velho
estilo) com internacionalismo (do novo), mas, a nível
intra-nacional, só são percebidas as oposições regionais
traduzíveis em termos classistas (estados ricos e pobres,
exploradores e explorados etc.). O resultado, em geral, não é
uma introdução adequada de variáveis geográficas na análise,
mas sim uma aplicação empobrecida de veneráveis esquemas de
análise classista a contextos pouco entendidos.
Em resumo, tomar as regiões em consideração, quando isto é
feito de forma adequada, significa trazer à análise política
os conceitos de distribuição espacial, limites e fronteiras,
diferenças de desenvolvimento histórico, redes de comunicação
e difusão de informações - enfim, todo tipo de
descontinuidades espaciais que possam ter alguma influência em
sistemas sociais de grande porte. Mas ainda, no caso brasileiro,
a análise regional põe em foco fenômenos históricos de grande
importância que tendem a ficar ocultos sob a imagem corrente de
uma nação não-diferenciada, globalizada,
"totalizada".(51)
Deve estar claro, a esta altura, que não pretendo oferecer
uma interpretação da "singularidade" histórica do
Brasil, mas exatamente o contrário: o objetivo é mostrar como a
complexidade e aparente singularidade da realidade política
brasileira pode ser abordada por meio de uma perspectiva
analítica genérica e razoavelmente bem-articulada; e que não
se trata de uma perspectiva teórica sui generis, mas
que tem vínculos determináveis com teorias de autores
consagrados e semelhanças não-circunstanciais com outras
realidades nacionais. Isso significa que o objetivo principal
aqui é o de explorar os limites dessa perspectiva, sua
adequabilidade e poder explicativo e, ao mesmo tempo, mostrar
algo de suas origens no pensamento social. Nos últimos anos
vieram à luz muitos estudos importantes sobre a história, a
política e a sociologia brasileira, e esse material será usado
aqui em abundância. O eventual interesse deste trabalho não
reside assim em novos dados e informações, que são poucos, mas
nas propostas de organização dos conhecimentos e de
interpretação dos fatos que apresenta.
Notas
1. As principais referencias a esta
discussão incluem Dahl, R ., 1968, Polsby, N., 1963 e Bachrach,
P., 1967.
2. São clássicas aqui as contribuições
dos grupos de Michigan e Columbia, cujas obras seminais são
Campbell, A., Converse, P., Miller Warren L. e Stokes, D, 1960; e
Berelson, Bernard, Lazarsfeld, Paul F., e McPhee, W. N., 1956.
Sobre a forma em que o público percebe os fenômenos políticos,
cf. Converse, P., 1964. Sobre a autonomia dos temas políticos e
sua persistência através do tempo, ver Pomper, G., 1967.
3. Schmitter, P. C., 1971; traduzido do
original inglês. Os grifos são meus.
4. É neste sentido que Wanderley Guilherme
dos Santos fala de um "paradigma clássico da análise
política e social do Brasil", melhor tipificado, segundo
ele, por Celso Furtado, 1965. A crítica de Wanderley Guilherme
dos Santos consiste, essencialmente, em notar que esse paradigma
não toma em consideração que "a dinâmica da competição
política entre partidos, e facções dentro de partidos, não é
um simples balé metafórico do que ocorre na economia". Ao
contrário, as instituições políticas "moldam as maneiras
pelas quais formas econômicas e sociais de competição se
traduzem em alternativas de políticas que têm impacto definido
sobre o desenvolvimento ulterior da estrutura social". (Cf.
Santos, 1979.) O que diferencia iriais profundamente seu estudo
do nosso é que ele se preocupa com as estruturas políticas
engendradas pelo próprio processo de competição, e não com
estruturas históricas e de mais longo prazo, que antecedem o
próprio processo de competição em um momento dado. As duas
perspectivas, evidentemente, não se excluem.
5. Schmitter, P. C., 1972.
6. As referências incluem Banfield, E.,
1958; Pye, L., 1962; McClelland, D. C., 1961, Almond, G. A., e
Verba, S., 1963; Mannoni, O,, 1956, e outros. O exemplo mais
importante para o Brasil é, certamente, a obra de Oliveira
Viana, que contém uma das primeiras e mais penetrantes análises
da realidade política brasileira, em contraposição à sua
fachada institucional. Suas explicações, no entanto, caem no
âmbito elas análises de cultura política, com sobretons
racistas e pseudo antropológicos, hoje fora de uso. Cf. Viana,
Oliveira, 1949, e id., s.d.
7. Os textos evolucionistas mais conhecidos
nessa linha são, provavelmente, os de Almond, G. A., Powell, B.,
1966, e Lerner, Daniel, 1958.
8. Germani, G., 1962.
9. Vinhas, M., 1970, p. 271.
10. Um dos benefícios não planejados dos
regimes fortes e autoritários nos países subdesenvolvidos tem
sido um crescente esforço da teoria política para entendê-los.
Referências sobre esses novos desenvolvimentos teóricos incluem
os trabalhos de Barrington Moore, de Juan Linz, sobre a Espanha,
os de Germani e Organski sobre o fascismo italiano, assim como o
conceito de "representação não-democrática"
sugerido por David Apter. Cf. Moore, B., 1966; Linz, Juan, 1964;
Apter, D. E., 1968; Organski, A. F., 1969. Ver também o
excelente trabalho de Schmitter, P. C., 1974.
11. Oliveira Viana (v. 2, 1949 p 22)
antecipa assim, por décadas, as teorias de
"localismo"e "familismo" que surgiram nos
anos 50 e 60 como explicações para problemas de "atraso
político", cuja referência mais notória é o trabalho de
Banfield. Ver Banfield, E., 1958
12. Agradeço a Lúcia Gomes Klein pelo
uso desses dados. O relatório global da pesquisa está em Lima
ir., O. B. de, Gomes Klein, L. M., Martins, A. Soares, 1970.
13. Na verdade, os esforços no sentido de
ajustar a realidade à teoria têm levado a afirmações desse
tipo. Por exemplo, em sua análise da Revolução de 1930, que
discutiremos mais adiante, Octávio Ianni afirma que "a
revolução de 30, a despeito de não ter sido conduzida nem
alimentada preponderantemente pelas burguesias industrial e
financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser
interpretada como um momento super-estrutural da 'acumulação
primitiva', que funda a industrialização posterior (Cf Ianni,
O. 1965 p. 135-6). Em outras palavras ela foi, objetivamente (o
que significa, na realidade, de acordo com a subjetividade do
analista). uma revolução burguesa, já que, ex post facto,
ela conduziu à industrialização. Este tipo de interpretação
dispensaria qualquer esforço para identificar, empiricamente,
quem conduziu e alimentou o movimento de 30, ainda que saibamos
que na-o foi nenhum dos atores sociais referidos acima.
14. Para a defesa da teoria das classes
médias, ver ainda Nun, J., 1965. Para uma visão muito mais
aprofundada, ver O'Donnell, G., 1972, Campos Coelho, E., 1976,
Carvalho. J. M., 1977, e Costa Barros, A. 5., 1978. Ver também
Huntington, S. S., 1957.
15. Weffort, F. C., 1965.
16. Singer, P., 1968. Os grifos são meus.
As discrepâncias entre os processos de industrialização e
urbanização são, em contraste, centrais na explicação que
Neuma Aguiar busca para as variações nos níveis de
mobilização política dos trabalhadores brasileiros. Cf.
Aguiar, N., 1969.
17. O primeiro trabalho que trata de
utilizar de forma sistemática a noção de patrimonialismo para
o entendimento do sistema político brasileiro é, possivelmente,
o de Raymundo Faoro (1958, 1975). Para uma utilização do
conceito para a América Latina como um todo, ver Morse, Richard
M., 1964, e Sarfatti, Magali, 1966. Para uma interpretação
weberiana do sistema político imperial brasileiro, distinta da
adotada aqui, ver Uricoechea, Fernando, 1978. Essa questão é
aprofundada no cap. 2.
18. Se a idéia de desenvolvimento
político linear se mostrou historicamente falsa, a noção
teórica de estágios de aproximação a um ideal político
continua vigorosa, como atestam os trabalhos de Fábio Wanderley
Reis. Cf. Reis, F. W., 1974a e 1974b.
19. Este é, exatamente, o ponto de
partida adotado por Maria do Carmo Campello de Sousa, 1976, em
seu estudo sobre o sistema partidário brasileiro pós-1945. Unia
de suas teses centrais é a de que "a existência de uma
estrutura estatal centralizada antes do surgimento do sistema
partidário constitui, por si mesma, uma dificuldade à sua
institucionalização e um estímulo á política
clientelística" (p. 36).
20. Para uma análise do processo de
enfranchisement na Europa Ocidental. Cf. Bendix, R ., 1964, e
Marshall, T. H., 1964.
21. É interessante notar que, na América
Latina, praticamente não existem, nem nunca existiram, partidos
políticos que se definam como "agrários ou rurais", o
que tem certa mente a ver com o fato de que as elites de base
rural nunca se viram como um grupo de interesse distinto e
diferenciado do centro de poder nacional. Ver para isto,
Schwartzman, S., 1966.
22. Um exemplo clássico de
identificação entre o setor militar e origens estamentais bem
definidas é o caso da Prússia. Ver, a respeito, Rosemberg, H.,
1966.
23. Holanda, Sérgio Buarque de, vol I,
1960, p. 18.
24. "As doações de terra
inalienáveis, transmitidas por herança ao filho mais velho,
trouxeram para o Novo Mundo alguns dos resíduos do feudalismo,
por muito tempo em declínio gradual na Península
Ibérica." Burns, E. B., 1970, p. 24.
25. Dados recalculados a partir de Klein,
S., H., 1969, p. 50. A fonte original é Diretoria Geral de
Estatística, 1895, p. 416-21.
26. O Rio tem sido, tradicionalmente, o
lugar para a mobilização popular em questões políticas. Um
dos exemplos mais conhecidos é a campanha abolicionista no final
do século XIX. Um outro exemplo foi a revolta da população
contra a vacinação obrigatória contra a varíola, em 1904.
Edgard Carone cita uma testemunha ocular do golpe de 1889 que
estabeleceu a República, que é um bom exemplo da ausência e
presença simultâneas do povo na vida política do Rio de
Janeiro:
"Por ora, a cor do governo é puramente militar e
deve ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a
colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo
assistiu aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente
estar vendo uma parada. Era um fenômeno digno de ver-se. O
entusiasmo veio depois (...)." (De uma carta de
Aristides lobo, um jornalista, citada por Carone, E., 1969.)
27. Sjoberg, G. 1960.
28. Cox, O. C., 1964, p. 133-44.
29. Weber, M., 1958.
30. Murvaer, V., 1966, p. 381-9.
31. A referência usual a respeito é
Banfield, E. C., 1958, e Lerner, D., 1958. Está implícito no
trabalho de Banfield o fato de que, à medida que um povo se
torna menos atrasado, seu marco de referência se expande, indo
do "familismo amoral" ao "respeito pela moral
pública" (a presença de "respeito pela moral
pública" nos estratos superiores norte-americanos foi
testada, sem êxito, em Wilson, J. Q. e Banfield, E. C., 1964, p.
876-87). No que concerne a Lerner, não se pode, certamente,
minimizar sua influência no que diz respeito à sociologia do
desenvolvimento.
32. Por exemplo, Pye, L., 1962.
33. O processo de declínio econômico e
os mecanismos de ajustamentos são o tema de Antônio Barros de
Castro, Herança regional do desenvolvimento brasileiro. In:
Castro, A. B., v. II, 1971. Ver Leff, N. H., 1972, para uma
análise dos mecanismos econômicos subjacentes às crescentes
desigualdades entre o Nordeste e Sudeste do Brasil.
34. Segundo o Censo de 1872, Minas Gerais
concentrava 20,5% da população brasileira, contra 13,9% na
Bahia e 8,4% em São Paulo. São Paulo assumiu a liderança
apenas em 1940, com 17,4% da população total, contra 16,4% em
Minas
35.Key, V. O., 1949, especialmente o cap.
16, "Solidarity in the Senate."
36. Para uma revisão dessa literatura,
ver Carvalho, J. M., 1968. Gláucio A. D. Soares deixa claro, em
seu livro, que o tipo tradicional do "coronel" é
somente uma das formas possíveis de articulação da política
local, mais típico de Minas do que, digamos, São Paulo. Cf.
Soares, G. A. D., 1973.
37. A melhor interpretação teórica da
vida política local do Brasil "tradicional" é,
certamente, a de Cintra, A. O., 1971.
38. "Mas o caso de São Paulo, onde
os colonos e seus descendentes, brancos ou mestiços, se
voltarão antes para o interior do que para a marinha é, de
qualquer forma, uma exceção. Em todo o restante do Brasil, a
regra, por muito tempo ainda, é seguir o povoamento aqueles
clássicos padrões da atividade colonizadora dos portugueses,
regida pela conveniência mercantil e pela sua experiência
africana e asiática." Cf. Holanda, S. B., v. 1, 1960, p.
129-30.
39. Ver, para uma descrição da
"Guerra dos Emboabas", ocorrida em Minas Gerais por
volta de 1700 contra os exploradores paulistas, Holanda, S. B.,
v. 1, 1960, p. 279-369.
40. Na realidade, Minas Gerais rebelou-se
duas vezes contra o Governo central após 1932; primeiro, com o
"Manifesto dos Mineiros", contra a ditadura de Vargas
e, depois, com o Governo Magalhães Pinto, contra João Goulart,
em 1964. Em ambos os casos, o Governo central foi logo deposto
pelas Forças Armadas. O governador de São Paulo, Ademar de
Barros, também se alçou contra o Governo central em 1964, mas
é significativo o lato de que seu alinhamento com o movimento
revolucionário predominante era tão precário que não lhe
permitiu sequer sua sobrevivência política em nível regional.
41. Linz, J., 1966, p. 278 e seguintes.
Ver tabelas comparativas relativas ao Brasil e à Espanha. Juan
Linz fornece alguns dados soft que não podem ser
reproduzidos com facilidade em relação ao Brasil. Entretanto,
Alfred Stepan faz um nítido paralelo entre Madri-Barcelona e
Rio-São Paulo, em relação ao recrutamento de cadetes para a
Escola Militar brasileira. Ele mostra que, no período de 1964 a
1966, concentravam-se em São Paulo 18,3% da população
brasileira, fornecendo, porém, apenas 8,26% dos cadetes das
Forças Armadas, ou seja, uma razão de cerca de 5/10. A mesma
razão em relação ao Rio atingiu 90/10, e 19/10, em relação
ao Rio Grande do Sul. A razão relativa ao Rio Grande do Sul era
bem mais alta em períodos anteriores. Stepan, A., 1971, p. 38.
42. Cf. Organski, A. F., 1969, p. 19-41.
43. O melhor estudo sobre a história
política do Rio Grande do Sul do século XX é, certamente, o de
Love, J. L., 1971. A bibliografia brasileira acerca do período
inicial é bastante extensa. Um detalhado relato dos conflitos
com as colônias espanholas e outros eventos ocorridos após,
desde o estabelecimento da Colônia de Sacramento, nos é
oferecido por Lima, A., 1935.
44. Rokkan, S., 1975.
45. Ver S. Romero (1912), no que respeita
às relações entre os caudilhos do Rio Grande e as Forças
Armadas. J. Love fornece um relato detalhado do papel do Rio
Grande do Sul na "Questão Militar", que resultou,
posteriormente, na queda do Império. Reproduz, também, uma
fotografia cm que aparecem os gaúchos atrelando seus cavalos em
um obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio, em novembro de 1930.
46. Com relação ao papel econômico do
Rio Grande como supridor do mercado interno, ver o capítulo
"Extremo Sul - o precoce desenvolvimento voltado para
dentro," em Castro, A. B., 1971.
47. Cf. Merton, R K., 1967.
48. Para uma discussão sobre a
utilização de "modelos" no sentido analógico, ainda
que alta mente genéricos, cf. Deutsch, K. W., 1966a.
49. Merton utiliza o termo
"paradigma" para referis-se a uma codificação
explícita de uma teoria substantiva e procedimentos analíticos
relacionados a ela, tal como ele mesmo o faz em relação à
teoria funcionalista (Merton, R K., 1957 e 1967). O termo é
utilizado em um sentido mais amplo por T. S. Khun (1962), para
caracterizar a atividade científica "normal", que
parte de uma série de supostos teóricos e epistemológicos
dados e não questionados.
50. Ver, por exemplo, Hofferbert, R.,
1966.
51. Como exemplos importantes da introdução de variáveis espaciais
na análise sócio-política e econômica, ver os trabalhos de Velho, Octávio Guilherme,
1976, e especialmente Katzman, Martin T., 1977.
Capítulo 2
NEOPATRIMONIALISMO E A QUESTÃO DO ESTADO
1. A Questão do Estado
2. Patrimonialismo e Feudalismo
3. Neopatrimonialismo
4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais
5. Participação Política e Neopatrimonialismo
Notas
1. A Questão do Estado
Uma das diferenças centrais entre as democracias ocidentais e sociedades como
a brasileira, cujas instituições políticas estão sujeitas a um processo aparentemente
interminável de instabilidade, é a natureza distinta do Estado e das relações
deste com os demais setores da sociedade. Não se trata de diferenças de tipo
cultural, nem imutáveis, mas de realidades que se originam de processos históricos
bem distintos, que, por isso, levam a resultados também diferentes. O objetivo
deste capítulo é discutir essas questões em nível conceitual, para aplainar
o caminho à análise posterior. Nele, chegaremos à conclusão de que a análise
política Contemporânea deve recuperar o conceito de patrimonialismo, que, embora
utilizado por Max Weber sobretudo para se referir a sociedades tradicionais
de determinado tipo, parece-nos de grande atualidade e importância. A expressão
"neopatrimonialismo" talvez seja adequada para aplicar-se ao sentido atual do
conceito, como veremos mais adiante.
Em um texto bastante conhecido, Reinhard Bendix(1)
chama a atenção para a existência de dois enfoques principais em teoria política,
formulados, pelo menos, desde Maquiavel. O primeiro e o mais antigo deles, legado
pelo próprio Maquiavel, vê os fatos e os eventos políticos como funções de habilidades
e virtude do líder político, o Príncipe. De uma maneira mais geral, essa tradição
leva à percepção do Estado como uma unidade que organiza os desejos e aspirações
da sociedade como um todo, definindo seus objetivos e atuando para sua consecução.
Os governantes não devem satisfação aos governados, e é como se não existisse
qualquer resistência da estrutura social ao Príncipe: as únicas limitações á
sua vontade são seus próprios caprichos e juízo. Naturalmente, essa é uma concepção
extremada, que tem o Estado absolutista como referência empírica implícita.
A outra tradição teórica provém de Rousseau. Em sua concepção, o Estado atua
por delegação do povo, segundo um contrato social explícito e bem-delimitado.
A idéia de um contrato social possui, historicamente, um significado ideológico
e normativo, já que se originou dentro de um contexto de luta contra o absolutismo.
Mas tem, também; o valor sociológico de constituir uma proposição empírica relativa
à maneira pela qual a política é conduzida, quando os grupos sociais são fortes
e o governo fraco. A noção contratualista do Estado equivale a uma revolução
coperniana do pensamento político, causando uma mudança de perspectiva que levou,
muitas vezes, à própria negação do Estado como uma variável autônoma, digna
da atenção do analista político. No extremo, ela tende a considerar o Estado
como um simples locus sem textura própria, através do qual grupos ou
classes dominantes exercem sua vontade.
A visão contratualista do Estado foi parte das ideologias políticas liberais
que surgiram com a revolução burguesa e ganhou maior aceitação justamente nos
países em que a revolução burguesa mais se aprofundou. E assim que, como observava
J. P. Nettl, a teoria política anglo-saxônica tende a ser bastante "desestatizada",
ou seja, o processo político é entendido como um jogo de interesses no qual
o sistema de poder político não passa de um instrumento dócil na mão dos interesses
dominantes que se articulam, essencialmente, na esfera da atividade econômica,
ou seja, no mercado. Para ele,
a relativa "desestatização"
da ciência social norte-americana coincide com a relativa "desestatização" dos
Estados Unidos no longo período durante o qual a sociedade igualitária e pluralista,
prevista com muita sensibilidade por de Tocqueville, estava se tornando realidade
em um vasto continente. Basta ler Lipset ou Mitchell para que se possa verificar
que um auto-exame sócio-político americano simplesmente não dá lugar a qualquer
conceito válido de Estado.(2)
Como, no entanto, o Estado de hoje não é a mesma coisa do que o Estado do século
XVIII, da mesma forma que o Estado brasileiro é profundamente distinto do Estado
francês, ou soviético, torna-se necessário deixar de lado essa tradição do pensamento
liberal e partir para uma perspectiva que tome em conta essas variações. Nessa
nova perspectiva, o Estado não aparece apenas como um conceito referente à integração
e soberania do povo de um determinado país em cujo caso a noção de diferentes
níveis ou "graus de estatismo" não teria sentido -, mas, ao contrário, diz respeito
a uma instituição específica dentro de um país, que não apenas executa funções
de manutenção de fronteiras e de soberania, mas pode ser menor ou maior, mais
forte ou mais fraca, independente ou controlada por outros grupos e instituições
sociais. Em outras palavras, há a mudança de uma perspectiva funcional para uma
perspectiva mais estrutural, isto é, o Estado é analisado como uma instituição
dotada de estrutura e processo que lhe são próprios. Na tradição hegeliana e marxista,
Estado e Sociedade são tomados como entidades distintas e freqüentemente contraditórias.(3)
Hegel distingue a sociedade civil, que é o estado da necessidade, do Estado, que
representa a vontade geral, a unidade de vida política. De maneira mais específica,
para Hegel, a sociedade civil é o fenômeno do Estado, e o Estado a idéia da sociedade.
Esta não é uma realidade imutável, mas o resultado de um longo processo histórico
que se teria iniciado a partir de uma indiferenciação entre as duas esferas na
Cidade Clássica grega e culminado no Estado prussiano sob o qual vivia Hegel.
Nesse Estado, a Idéia se apresenta como o Soberano e a Constituição, sendo a mediação
entre a Idéia e a sociedade exercida pelas várias instituições intermediárias,
tais como a opinião pública, a representação de grupos civis no Estado, a burocracia
etc.(4)
Para Hegel, portanto, o problema da conciliação entre o público e o privado,
da liberdade individual e da unidade da vontade geral, já estava resolvido.
Para Marx, no entanto, esse é um ponto central das contradições sociais e deveria
ser resolvido pela ação revolucionária.
A primeira crítica de Marx à concepção hegeliana é a relação de dependência
que Hegel estabelece entre a Sociedade Civil e o Estado. Para Marx, é a sociedade
civil que é a realidade essencial, sendo o Estado somente seu fenômeno, sua
aparência, porque é na sociedade civil que o homem trabalha e vive sua vida
real. Dessa forma a concepção hegeliana, até então "de cabeça para baixo", é
colocada sobre seus pés, e a análise das conexões reais entre o Estado e a Sociedade
Civil leva à conclusão de que, na sociedade capitalista, o Estado é tão-somente
o instrumento de dominação da burguesia.
Antes de chegar a esse ponto, Marx desenvolve a crítica das mediações que,
segundo Hegel, faziam a ponte entre o Estado e a Sociedade Civil. Para Hegel,
a burocracia era a alma do Estado, e as atividades individualizadas dos servidores
públicos tinham o sentido de uma função universal. Para Marx, no entanto, os
burocratas terminavam por fazer dessa função universal seu negócio particular.
Para Hegel, um pressuposto básico para essa burocracia era a organização da
sociedade civil em corporações autônomas. A escolha das autoridades e dos servidores
públicos seria feita, assim, por um processo de escolha mista, iniciada pelos
cidadãos e aprovada pelo Soberano. No dizer de Marx, no entanto, esse tipo de
relacionamento entre sociedade civil e o Estado não levaria senão á criação
de um outro tipo de corporação privada, a própria burocracia:
As corporações são o materialismo
da burocracia, e a burocracia é o espiritualismo das corporações. A
corporação é a burocracia da sociedade civil; a burocracia é a corporação do
Estado... Quando a burocracia é um novo princípio, quando o interesse universal
do Estado começa a tornar-se algo 'à parte' e, conseqüentemente um interesse
'efetivo', a burocracia entra em conflito com as corporações da mesma forma
que qualquer conseqüência entra em conflito com seus pressupostos.
E mais adiante:
A burocracia se apropria
da essência do Estado, da essência espiritual da sociedade, como sua propriedade
privada. O espírito universal da burocracia é seu segredo, o mistério
mantido dentro da própria burocracia pela hierarquia e mantido desde o exterior
pelas suas características de corporação fechada. O espírito aberto e o sentimento
de patriotismo são assim, para a burocracia, a traição a seu mistério.
Dessa forma, seu conhecimento é fundado no princípio de autoridade,
e seu sentimento é a deificação dessa autoridade. Mas, dentro da burocracia,
esse espiritualismo se transforma em baixo materialismo, o
materialismo da obediência passiva, do mecanismo da atividade formal fixa, da
fé na autoridade, dos princípios, idéias e tradições rígidas. Para o burocrata,
individualmente, os propósitos gerais do Estado se transformam em seu propósito
particular de buscar posições cada vez mais altas e fazer carreira.(5)
Esse conceito de uma burocracia com interesses privados é compatível, naturalmente,
com a concepção do Estado como uma arma política de uma determinada classe social
a ser explicitada posteriormente por Marx; mas a preocupação com os aspectos corporativos
do Estado e suas implicações leva a um tipo de análise política muito distinta
daquela que se concentra nos aspectos funcionais desse Estado no processo de luta
de classes. Marx parece ter evoluído da primeira para a segunda linha de preocupações
entre a obra de juventude e a de maturidade. Segundo ainda J. P. Nettl,
Marx perdeu parcialmente
o interesse no problema do Estado, quando se transportou intelectual e fisicamente
da Europa para a Inglaterra e quando, ao escrever Das Kapital, se concentrou
muito mais na análise "inglesa" das forças econômicas e conseqüentes relações
de classes do que nos problemas de consciência e revolução ideológicas numa
Europa dominada pelo Estado.(6)
O que é mais importante em tudo isto é que não se trata simplesmente de duas maneiras
distintas de entender a questão do Estado, mas de duas maneiras historicamente
diferentes de organização do 'Estado. O próprio Maquiavel chamava a atenção para
a existência de dois tipos de governo, um exercido pelo "Príncipe e seus súditos"
e o outro pelo "Príncipe e pelos barões".(7) Enquanto
no primeiro tipo o Príncipe é a única fonte de poder, no último há direitos de
influência política obtidos por hereditariedade e que não dependem das graças
do Príncipe. Este segundo tipo de poder político caracteriza o estado de equilíbrio
entre o poder central e o que mais recentemente seria denominado a "sociedade
civil", cada qual com alguma autonomia de decisões e iniciativa, e com cada um
tentando limitar e dirigir o comportamento do outro. O fato de que os "barões"
constituam simplesmente um pequeno grupo de aristocratas é teoricamente menos
importante do que a noção de que suas fontes de poder não provêm do Príncipe.
Uma vez estabelecida, essa dualidade de fontes de poder se expandirá e se diferenciará
em várias direções. O importante aqui é a idéia de que essa não é uma simples
questão de diferenciação funcional, na qual o Estado executa as funções políticas
de autoridade e dominação vertical, enquanto os "barões" detêm as funções horizontais
de solidariedade e de agregação e articulação de interesses. Na realidade, o
que acontece é que a agregação e articulação de interesses particulares são
levadas a efeito dentro das estruturas de autoridade, ao mesmo tempo que os
sistemas de autoridade se desenvolvem no setor "privado" da sociedade e se estendem
em direção ao controle do Estado. O equilíbrio real entre essas duas tendências
varia e deve ser determinado historicamente. Aqui, é fundamental a noção de
que as características de uma determinada estrutura estatal não podem ser completamente
deduzidas das características de sua "sociedade civil" (ou, em outros termos,
sua estrutura de classe), da mesma forma que uma sociedade não pode ser completamente
entendida a partir das características formais de sua organização governamental,
ou de sua "idéia".
2. Patrimonialismo e Feudalismo
O termo "patrimonialismo" - um conceito fundamental na sociologia de Max Weber
- é usado para se referir a formas de dominação política em que não existem
divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e privada. Marx, embora
não fale explicitamente de patrimonialismo, discute o conceito de "modo de produção
asiático", que tem com ele um parentesco bastante próximo. O modo de produção
asiático, tal como aparece nos Gründisse, se aplica a algumas das formas
pré-capitalistas de organização econômica, que se caracterizam pela inexistência
parcial ou total de propriedade privada ou, pelo menos, pela existência de um
setor público predominante na economia:
Sendo o verdadeiro proprietário
e a verdadeira condição da propriedade coletiva, a unidade pode, por
si mesma, parecer distinta e acima da multidão de comunidades particulares:
portanto, o indivíduo, de fato, não é proprietário.(8)
Marx distingue dois sub-tipos dessas formas pré-capitalistas. Um deles geralmente
se baseia na organização de economias rurais em grande escala, comumente por meio
de sistemas de irrigação nacionalmente integrados,(9)
enquanto o outro se desenvolve mais fundamentado em centros urbanos, onde "a guerra
é, pois, a grande tarefa coletiva, o grande trabalho comum, exigido seja para
se assegurar as condições materiais de existência, seja para defender e perpetuar
a ocupação".(10)
Não há necessidade de nos envolvermos aqui no debate, ainda aberto, que gira
em torno do conceito de "asiatismo".(11) Basta ter-se em mente que esse tipo de organização
econômica e política não se ajusta ao modelo evolutivo que vai da escravatura
á servidão, passando pelo trabalho assalariado e pelo capitalismo, modelo ao
qual pertence o conceito de política de grupos de interesse e que está mais
ou menos implícito nas teorias de desenvolvimento social do "Estado desestatizado".(12)
De fato, os Estados ocidentais que atingiram altos níveis de desenvolvimento
durante este século seguiram mais ou menos esse padrão, e há uma grande correlação
entre um sistema descentralizado e de características feudais do passado e o
grande desenvolvimento econômico deste século. As "sociedades hidráulicas",
os antigos impérios burocráticos e centralizados estavam muito acima da Europa
medieval segundo quase todos padrões de desenvolvimento, mas é como se eles
não tivessem podido se adaptar à moderna sociedade industrial. Enquanto isto,
países com passado feudal (sendo o Japão o único país asiático que está mais
próximo disso) foram muito mais capazes de adotar formas modernas e eficientes
de organização. Portanto, e contrariamente ao que é algumas vezes sustentado,
o feudalismo não parece ter constituído historicamente um fator de subdesenvolvimento.
Ao contrário; sua ausência e o predomínio no passado de um Estado burocratizado
e excessivamente grande é que parece terem sido determinantes do atraso relativo
de muitos países no presente.(13)
Para Max Weber, patrimonialismo era um tipo de dominação tradicional, e isto
conduz muitas vezes aqueles que tratam de aplicá-lo a sociedades contemporâneas
diretamente aos conceitos de sociedades "modernas" ou sociedades "tradicionais".
A tese aqui, no entanto, é que os elementos "tradicionais" não são os mais centrais
no conceito weberiano. Vejamos, passo a passo, como seu raciocínio se desenvolve:
As raízes da dominação
patriarcal se desenvolvem a partir da autoridade do senhor sobre a unidade familiar.
Esta autoridade pessoal comparte com a dominação burocrática, que é feita de
forma impessoal, sua estabilidade, seu caráter rotineiro e "de todos os dias".
Mais ainda, ambas em última análise encontram seu apoio interno na aceitação
de suas normas por parte dos súditos. Mas sob a dominação burocrática essas
normas são estabelecidas racionalmente, referem-se a um sentido abstrato de
legalidade e pressupõem um treinamento técnico dos que as manejam; na dominação
patriarcal, as normas derivam da tradição, na crença na inviolabilidade daquilo
que tem existido desde tempos imemoriais.(14)
Essa é, então, a distinção mais geral entre formas políticas tradicionais e modernas.
Mais adiante, ele se refere a estruturas políticas patrimoniais:
falaremos de Estado patrimonial
quando o príncipe organiza seu poder político sobre áreas extra-patrimoniais
e súditos políticos - poder que não é discricionário nem mantido pela coerção
física - exatamente como exerce seu poder patriarcal. A maioria de todos os
grandes impérios continentais teve forte caráter patrimonial até o início c
mesmo depois dos tempos modernos.(15)
Como sempre, Weber dá uma definição ideal-típica, quando se preocupa com a legitimidade
da dominação patrimonial. O que importa aqui, no entanto, é a caracterização desse
tipo específico e tão difundido de organização política, e que contrasta tão fortemente
com a outra variante conhecida de dominação tradicional, o feudalismo. Para Weber,
a estrutura das relações
feudais pode ser contrastada com a ampla gama de discricionaridade
e correspondente instabilidade das posições de poder sob o regime de puro patrimonialismo.
O feudalismo [ocidental] [Lehensfeudalitat] é um caso marginal de patrimonialismo
que tende para relações estereotipadas e fixas entre senhores e vassalos. Da
mesma forma que a unidade doméstica e seu comunismo patriarcal se transformam,
na época da burguesia capitalista, em empresa associada baseada em contratos
e direitos individuais específicos, assim também as grandes propriedades patrimoniais
tendem a conduzir aos vínculos igualmente contratuais das relações feudais na
idade da Cavalaria Militar.(16)
Uma diferença fundamental entre patrimonialismo e feudalismo, portanto, é a maior
concentração de poder discricionário combinado com maior instabilidade nos sistemas
patrimoniais. Além disso, existe outra diferença importante, que tem a ver com
a forma pela qual esse poder é exercido:
Quando existe uma associação
de "estamentos" [nos sistemas feudais], o senhor governa com a aluda de uma
"aristocracia" autônoma e conseqüentemente comparte sua administração com ela;
o senhor que administra de forma pessoal [no sistema patrimonial] é ajudado
seja por pessoas de sua unidade familiar, seja por plebeus. Eles formam um estrato
social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio; materialmente,
são totalmente dependentes do senhor, e não têm nenhuma forma própria de poder
competitivo. Todas as formas de dominação patriarcal e patrimonial, de sultanismo
despótico, e os estados burocráticos pertencem a esse último tipo. O estado
burocrático é particularmente importante: em seu desenvolvimento mais racional,
ele é característico, precisamente, do estado moderno(17)
3. Neopatrimonialismo
É precisamente neste sentido que os estados modernos que se formaram à margem
da revolução burguesa podem ser considerados "patrimoniais". Este patrimonialismo
moderno, ou "neopatrimonialismo", não é simplesmente uma forma de sobrevivência
de estruturas tradicionais em sociedades contemporâneas, mas uma forma bastante
atual de dominação política por um "estrato social sem propriedades e que não
tem honra social por mérito próprio", ou seja, pela burocracia e a chamada "classe
política".(18)
A linha de continuidade que Weber estabelece entre dominação patrimonial tradicional
e dominação burocrática (que o leva a falar, muitas vezes, em "patrimonialismo
burocrático") deve ser vista em contraste com a continuidade que parece existir
entre feudalismo e dominação racional-legal, que surge historicamente associada
à emergência do capitalismo. O que as duas primeiras têm em comum é que em ambas
o poder central é absoluto e incontestável, ainda que organizado, sustentado
e legitimado por sistemas completamente diferentes de normas e valores. Os dois
últimos são similares de forma oposta: são ambos exemplos de relações contratuais
estabelecidas entre unidades relativamente autônomas.
Visto de outra perspectiva, o que patrimonialismo e feudalismo têm em comum, por
um lado, e neopatrimonialismo e dominação racional-legal por outro, é o aspecto
"tradicional" dos primeiros e "moderno" dos segundos. É importante lembrar aqui
o conceito weberiano de tradição, ou seja, "a crença na rotina de todos os dias
como forma inviolável de conduta".(19) No outro
extremo, os sistemas modernos seriam aqueles cujas normas seriam "baseadas na
validade de um estatuto legal e na 'competência' funcional baseada em regras criadas
racionalmente". Estamos, em resumo, diante de quatro tipos de dominação política
definidos através de duas dimensões, como pode ser visto no quadro 5:
Quadro 5. Tipologia de dominação
política em Weber
Relação de poder
absoluta
contratual
Sistema normativo
Tradicional
patrimonialismo
feudalismo
Moderno
patrimonialismo burocrático (neopatrimonialismo)
dominação racional-legal
A distinção que o quadro 5 estabelece entre dois tipos básicos de dominação política
moderna não é feita por Weber, mas parece resultar de uma análise aprofundada
de seus conceitos. O importante, aqui, é pensar se realmente se trata de dois
tipos tão distintos. Afinal, para Weber, a burocracia era uma característica essencial
das formas modernas de dominação política. Mas é a questão da ausência ou presença
de um contrato que parece fundamental, contrato este que tem a ver com o processo
histórico de formação dos sistemas políticos ocidentais modernos. Vejamos como
Weber descreve este processo:
Assim como os italianos,
e depois deles os ingleses, desenvolveram de maneira magistral as formas capitalistas
modernas de organização econômica, também os bizantinos, e depois os italianos,
seguidos pelos estados territoriais da época do absolutismo, e, superando a
todos, os alemães aperfeiçoaram a organização burocrática, racional, funcional
e especializada de todas as formas de dominação, da fábrica ao exército, à administração
pública. Ate agora os alemães só foram superados nas técnicas de organização
partidária, especialmente pelos americanos.(20)
Este trecho mostra que Weber compartia, de certa forma, a noção de que a Inglaterra
tinha um Estado menos preeminente do que a Alemanha, ou seja, era mais "desestatizada".
Mas, apesar das diferenças, todos os países referidos acima são países que se
modernizaram através da introdução do capitalismo e do desenvolvimento de formas
políticas da democracia de massas e liberal. A criação de formas de dominação
"burocrática, racional funcional e especializada" não foi, para Weber, o simples
resultado de um processo de desenvolvimento da ciência administrativa, mas teve
uma dinâmica claramente política:
A organização burocrática
geralmente chega ao poder através de uma diminuição das diferenças sociais e
econômicas... A burocracia inevitavelmente acompanha a democracia de massas
moderna, em contraste com o auto-governo de pequenas unidades homogêneas. Isto
é um resultado de seu princípio característico: a regularidade abstrata do exercício
da autoridade, que é um resultado da demanda por "igualdade ante a lei" no sentido
pessoal e funcional e, conseqüentemente, do horror ao "privilégio", e da rejeição,
por princípio, das decisões tomadas de forma casuística.(21)
Em síntese, pareceria que as formas modernas de dominação burocrática teriam surgido
como resultado de duas forças conflitivas: a centralização crescente do poder
e o aumento crescente da participação política nas modernas sociedades de massa.
E assim que, "na Europa Ocidental, o poder patrimonial eventualmente promoveu
a racionalidade formal da lei c da administração, o que se choca com a tendência
natural dos governos patrimoniais de promoverem justiça substantiva e baseada
no favoritismo pessoal" (Bendix). Isto é explicado como conseqüência, entre outras
coisas, da necessidade de os governos centrais refrearem as pretensões de poder
de seus vassalos e funcionários graduados o que favorecia a aliança entre os governos
absolutistas e a burguesia ascendente. É' neste sentido que a dominação politica
racional-legal é filha do casamento entre o patrimonialismo dos regimes absolutistas
e a burguesia emergente: é uma forma de dominação de base contratual, bastante
eficiente e adequada ás necessidades do capitalismo moderno.
Mas que ocorreria nos países onde não existiu uma burguesia ascendente com
a mesma força e importância que a burguesia da Europa Ocidental? Continuariam
"tradicionais"? Ou teriam desenvolvido uma forma própria de dominação moderna
e racional, mas sem o componente contratual? Esta questão só pode ser entendida
se tomamos em conta a distinção fundamental que Weber faz entre a racionalidade
formal e a racionalidade substancial ou substantiva. Racionalidade formal é
o mesmo que racionalidade legal, ou seja, uma série de normas explícitas de
comportamento, ou "leis", que definem o que deve ou não ser feito pelo administrador
em todas as circunstâncias. Em um sentido mais amplo, estas regras têm em vista
implementar o contrato que limita o poder arbitrário de governantes e administradores:
"a igualdade perante a lei e a demanda de garantias legais contra a arbitrariedade
exige uma 'objetividade' formal e racional da administração, por oposição à
discricionaridade pessoal que derivava de maneira livre e não regulada da 'graça'
na dominação patrimonial antiga."(22)
Assim, da mesma maneira que a racionalidade formal se opõe à discricionaridade
pessoal, característica do patrimonialismo antigo, ela também se opõe à racionalidade
substantiva, que tende a maximizar um conjunto determinado de objetivos independentemente
de regras e regulamentos formais. Weber relaciona o surgimento da demanda por
este tipo de racionalidade substantiva nas sociedades modernas à emergência
da opinião pública e seus instrumentos, e, de maneira mais específica, á democracia
de tipo plebiscitário, tão temida por Alexis de Tocqueville.(23)
Segundo esta perspectiva, a emergência de massas despossuídas e politicamente
ativas colocaria em risco os sistemas políticos baseados em um conjunto de normas
estritas e consensuais, que restringissem a ação dos governantes aos termos
do pacto político que os legitima. Mas existe, além deste, um outro determinante
da racionalidade substantiva, também apontado por Weber: é a "Razão de Estado",
tal como é definida pelos detentores do poder. A combinação entre governos centrais
comandados por suas "Razões de Estado" e massas passivas, destituídas e mobilizáveis
é a receita mais acabada para os regimes patrimoniais burocráticos modernos.
A mobilização destas massas dentro de um mesmo contexto de poder irrestrito
é o caldo de cultura do que, depois de Weber, entraria para a história com o
nome de fascismo.
Na realidade, Weber compartia da preocupação clássica de De Tocqueville a respeito
das possibilidades totalitárias das sociedades de massa e burocratização universal.
Ele concebia a possibilidade de emergirem sociedades modernas nas quais o contrato
social, definido como "leis de atribuição de direitos", deixasse de existir.
Nesta situação, como descreve Bendix,
todo o corpo de normas
consiste exclusivamente em "regulamentos" (...) Todos os interesses privados
que recebem proteção (...) o fazem como simples conseqüência da efetividade
destes regulamentos (...) todas as formas jurídicas terminam absorvidas pela
"administração", e se transformam em parte e parcela do "governo".(24)
Assim como a dominação racional-legal pode degenerar em totalitarismo burocrático,
é possível para este tipo de burocracia subsistir somente com 'seu componente
racional, mas sem seu componente legal. Este é, em uma palavra, o elo teórico
que faltava para a compreensão adequada dos sistemas políticos neopatrimoniais:
a existência de uma racionalidade de tipo exclusivamente "técnico", onde o papel
do contrato social e da legalidade jurídica seja mínimo ou inexistente. A importância
deste conceito para o estudo e o entendimento de sistemas políticos atuais que
não os das democracias ocidentais é óbvia.
4. Processos Políticos em Regimes Patrimoniais
Já deve estar suficientemente claro, a esta altura, que as diferenças entre
feudalismo, patrimonialismo e outras formas de dominação não são conseqüências
de diferentes "culturas políticas", ou valores desta ou daquela natureza. Na
realidade, a persistência de um sistema patrimonial ou de elementos patrimoniais
em um sistema político moderno tem pouco a ver com "cultura", e muito com o
sucesso ou fracasso do líder político em manter seu poder absoluto, em contraste
com a capacidade de arregimentar forças próprias por parte dos subordinados.
Esta situação, que depende em boa parte dos recursos de poder à disposição do
centro de poder e de seus súditos, é descrita com muita propriedade por Richard
M. Morse, que já em 1961 utilizava o conceito de patrimonialismo para melhor
entender a realidade política latino-americana:
O líder patrimonial está
sempre alerta e preocupado em limitar o crescimento de uma aristocracia rural
dotada de privilégios hereditários Ele concede benefícios ou prebendas, como
remuneração por serviços, a renda proporcionada pelos benefícios é um atributo
do cargo, não do incumbente como pessoa. Maneiras características de manter
intata a autoridade do líder incluem: limites na duração dos cargos reais, proibição
de que funcionários adquiram laços familiares e econômicos em suas jurisdições,
uso de inspetores e espiões para supervisar todos os níveis da administração,
definição imprecisa de divisões funcionais e territoriais da administração,
de tal forma que as jurisdições sejam competitivas e supervisionadas mutuamente.
A autoridade do líder é orientada pela tradição, mas lhe permite reivindicar
o direito ao poder pessoal total.(25)
Há algumas características do patrimonialismo que levam, mais ou menos diretamente,
a divisões políticas, passíveis de surgir nos Estados que apresentam este tipo
de dominação.
Em primeiro lugar, Estados patrimoniais tendem a se desenvolver como civilizações
urbanas. Tais centros urbanos podem ser tanto a capital do império como uma
cidade-Estado, com interesses comerciais e militares fora de suas fronteiras.
De maneira característica, esses centros tendem a possuir uma considerável população
flutuante e uma aristocracia que precisa estar lotada em qualquer dos escalões
da burocracia governamental. O primeiro problema político do Estado patrimonial
é, pois, o de manter as massas urbanas satisfeitas e dar à aristocracia urbana
acesso a posições governamentais.
Em segundo lugar, há uma clássica tensão entre o governante e seus prepostos:
Todos os Estados patrimoniais
do passado encerravam um padrão de descentralização determinado pela luta pelo
poder entre o governante, seus servidores e prepostos.(26)
À medida que cresce o domínio patrimonial, também cresce a necessidade de se delegar
poderes e autoridade, ao mesmo tempo que se reduz a factibilidade do controle
central. Além disso, os mantenedores da delegação patrimonial tendem a receber
seus postos como prebendas políticas e a usá-los como propriedade particular.
Quando o Estado patrimonial se baseia na conquista e na ocupação militares, tal
padrão leva ao desenvolvimento de corporações militares particulares ou pretorianas,
as quais guardam mais lealdade aos seus próprios capitães do que ao governante.
Quando o Estado patrimonial se baseia na agricultura, ocorre uma atomização regional,
como o surgimento de sátrapas semi-autônomos.
Terceiro, há um padrão de beligerância contínua entre o Estado patrimonial
e outros Estados vizinhos. É razoável supor-se que, de fato, a ocupação militar
e a exploração direta sejam apenas casos extremos da expansão patrimonial militar.
A história dos antigos impérios, inclusive do Império Romano, mostra um nítido
padrão de expansão que inclui, em primeiro lugar, a ocupação militar, o saque
e a escravização de parte da população local. Mais tarde, porém, ocorre o estabelecimento
de um tipo de federação entre conquistadores e conquistados, muito freqüentemente
com a manutenção das classes dominantes locais em suas posições. A conveniência
desse arranjo é óbvia, pois a manutenção da estrutura econômica e política local
assegura o fluxo contínuo de receitas em direção ao Estado patrimonial, através
de tributos e impostos de todos os tipos, que não podem ser mantidos em conquistas
predatórias. No entanto, a manutenção desse tipo de autonomia local significa
também que algum poder permanece fora do Estado central e que tensões e conflitos
podem ocorrer.
Uma situação não totalmente diferente se dá quando algumas formas de atividade
autônoma surgem dentro de um domínio patrimonial, com consentimento ou intenção
do governante ou sem eles. Neste caso, um padrão seria o surgimento de uma indústria
ou agricultura voltada para o mercado externo, que pague pesados impostos ao
Estado. O Estado estimula a sua atividade, ao mesmo tempo que funciona como
um parasita, limitando e, eventualmente, aniquilando a atividade autônoma. Toda
iniciativa provém do setor privado, com o Estado assumindo um papel quase que
puramente fiscal. Esta situação é diferente daquela de um Estado patrimonial
em uma sociedade do tipo "hidráulico", onde o governo desempenha um papel ativo
na organização e administração da economia.
Parece razoavelmente claro, em vista da discussão precedente, que o patrimonialismo
do tipo europeu ocidental, no período dos regimes absolutistas, era bastante
diferente das outras versões. A principal diferença consiste no fato de que
o patrimonialismo europeu ocidental se apoiava no surgimento da burguesia, no
final do processo, o sistema de dominação legal, herdeiro dos regimes absolutistas,
era fortemente contratual e bem apropriado ao capitalismo moderno. Seria, certamente,
possível explicar as diferenças entre as sociedades caracterizadas como "estatizadas"
ou "desestatizadas" através do equilíbrio variável entre a burguesia e os poderes
patrimonialísticos, na luta contra os remanescentes da sociedade feudal e corporativista.
É digno de nota o fato de que o próprio Weber parece não ter entrado em pormenores
acerca das diferenças estruturais que poderiam explicar as variações da racionalidade
e autoridade legais entre os países anglo-saxônicos e os da Europa Continental.
Contudo, tais diferenças são mínimas, quando comparadas com os Estados que passaram
de um sistema patrimonialístico original a um moderno Estado centralizado, sem
o concurso de uma revolução "burguesa". Esses Estados são, é certo, capazes
de se modernizar e racionalizar sua burocracia, mas sua base de poder e seus
sistemas políticos serão, necessariamente, bem diferentes dos das democracias
ocidentais. E eles são, naturalmente, a maioria dos países não-ocidentais de
hoje em dia.
5. Participação Política e Neopatrimonialismo
Pensar em Estados modernos como possuindo forte componente neopatrimonial leva
a reexaminar a questão da participação política nestes Estados. Nas sociedades
tradicionais, a participação política estava limitada aos nobres, aos cavaleiros,
ou "homens de bem". Nas sociedades modernas, a participação é estendida a todos,
mas sua forma e intensidade variam, desde o eleitor bem-comportado que comparece
voluntariamente às eleições até o militante que joga sua vida em manifestações
de rua.
Aqui, novamente, Max Weber pode ser útil, com sua distinção clássica entre
situações de classe e situações de status. O termo "classe" é utilizado
para se referir a pessoas que compartem "a mesma oportunidade típica de acesso
a bens de consumo, condições externas de vida e experiências de vida pessoais",
em função de seu poder econômico. Uma "situação de classe" é, neste sentido,
em última análise uma "situação de mercado". O sentido de "status"
é melhor entendido em contraposição ao de classe:
Em contraste com a "situação de classe", determinada de forma puramente econômica,
designamos como "situação de status" todos os componentes típicos do
destino e da vida dos homens que é determinado por uma avaliação social específica,
positiva ou negativa de honra... A estratificação por status ocorre
de mãos dadas com a monopolização de oportunidades e bens materiais e ideais.(27)
A participação política pode estar relacionada tanto com situações de classe
como com situações de status. A revolução política burguesa foi, em sua época,
um movimento que visava quebrar os monopólios de bens e oportunidades baseados
em privilégios de status, e colocar em seu lugar um sistema de estratificação
baseado em critérios estritos de mercado.(28)
Não é de se admirar, por isso, que a teoria política derivada da experiência
da revolução burguesa entenda todas as formas de participação política como
uma extensão das disputas entre diversas classes sociais pelo controle das oportunidades
do mercado. Esta política de representação de interesses, no entanto, é somente
um lado da moeda. Ao mesmo tempo em que a burguesia tratava de expandir ao máximo
o alcance do mercado, eliminando os privilégios tanto da antiga aristocracia
quanto os direitos e as garantias mínimas dos setores menos privilegiados da
sociedade, uma reação contrária se estabelecia; a sociedade voltava a se organizar
em grupos profissionais, sindicatos, corporações burocráticas de vários tipos,
e cada qual tratava de estabelecer seus direitos e privilégios de forma a torná-los
imunes às oscilações do mercado.(29)
Em geral, é possível afirmar que posições de privilégio, uma vez adquiridas,
tendem a se subtrair do mercado e a se transformar em monopólios adscritos e
imunes ao mercado; enquanto que existe sempre a tendência, por parte de grupos
em ascendência social, a retirar posições menos privilegiadas do sistema de
status e colocá-las no mercado. A tendência de quem está em posição inferior
é a de ampliar o escopo do conflito político, trazer mais atores à arena, e
alterar as relações de poder. Os de posição privilegiada, ao contrário, tendem
a monopolizar a participação e as regras do jogo político aos que já participavam
anteriormente. Este conflito pela abertura ou fechamento da arena política tem
a ver tanto com a qualidade funcional dos participantes quanto com seu número.
Em situações extremas de mercado, os temas políticos nunca são restritos a grupos
funcionais ou profissionais especializados, mas tendem a ser discutidos e avaliados
por toda a sociedade; a política é feita em termos territoriais; temas específicos
São traduzidos em questões políticas amplas; e cada setor, grupo ou classe social
se apodera dos recursos disputados na arena política segundo sua capacidade
de mobilização econômica e política. No outro extremo, prevalece o monopólio;
as posições de poder são estabelecidas de forma tal que existe pouco espaço
para disputas, que, quando ocorrem, tendem a ser circunscritas e privatizadas
por grupos funcionais e especializados. Trata-se, em síntese, da forma corporativa
típica de participação e organização política. O termo "corporativismo" tem
sido usado na literatura para se referir a esta forma de organização estamental
da sociedade, e fez parte durante várias décadas das propostas políticas dos
regimes autoritários, principalmente aqueles de inspiração católica conservadora.
Não há dúvida, no entanto, que é necessário distinguir os sistemas corporativos
de tipo autoritário, baseados no ordenamento hierárquico da sociedade por um
Estado forte, daquelas formas de corporativismo resultantes da reorganização
de setores importantes da sociedade, após os efeitos devastadores da revolução
burguesa. No primeiro caso, estamos diante de um Estado forte, com componentes
neopatrimoniais bastante claros, e que é capaz de impor sua vontade e seu ordenamento
à sociedade civil. No segundo, estamos diante de uma sociedade que se organiza
a partir de situações de mercado, e estabelece limites e parâmetros claros à
ação do Estado.(30)
No caso brasileiro, a coexistência de um Estado com fortes características
neopatrimoniais levou, no passado, à tentativa de organização da sociedade em
termos corporativos tradicionais, criando uma estrutura legal de enquadramento
e representação de classes que perdura até hoje. Ao mesmo tempo, no entanto,
o mercado se expandia, a sociedade se tornava mais complexa, e formas autônomas
de organização e participação política eram criadas. O termo "cooptação política",
utilizado neste livro, busca captar o tipo de relacionamento entre estes dois
sistemas de participação, ou seja, o processo pelo qual o Estado tratava, e
ainda trata, de submeter a sua tutela formas autônomas de participação. Uma
parte importante do sistema de cooptação criado a partir do regime Vargas foi
o Ministério do Trabalho e o sistema previdenciário, mais tarde transformados
em capital político do Partido Trabalhista Brasileiro. Era um sistema de tipo
corporativo, na medida em que ligava todo um setor da sociedade ao Estado e
tratava de proporcionar direitos sociais e econômicos especiais a seus participantes
- aposentadoria, salário mínimo, assistência médica etc. - fora do mercado.
Era um sistema controlado de cima, e com relativamente pouca participação nas
bases, mas utilizado com bastante eficácia nas disputas eleitorais no mercado
político aberto para garantir a continuidade dos detentores do poder. Os sistemas
de cooptação ocupam um lugar intermediário entre os sistemas corporativos e
a política aberta de grupos de interesse. Quando são efetivos, tendem a reduzir
o conflito político pela limitação de seu escopo, ao estabelecer monopólios
irredutíveis de privilégios. Eles criam, ao mesmo tempo, estruturas de participação
política débeis, sem consistência interna e capacidade organizacional própria.
Quando a cooptação predomina, a política tende a girar em torno do Estado e
de sua figura central. Richard Morse descreve esta situação com muita clareza,
quando afirma que "os povos latino-americanos parecem preferir alienar, e na-o
delegar, poderes a seus líderes escolhidos ou aceitos. (...) A sociedade é percebida
na América Latina como composta de partes que se relacionam através de um centro
patrimonial e simbólico, antes que diretamente umas às outras".(31)
Antes que alguém volte a pensar que se trata de uma característica da cultura
política latino-americana, é bom lembrar que Reinhard Bendix afirmou praticamente
a mesma coisa a respeito da Rússia czarista e Alemanha Oriental muitos anos
antes. Em ambos os casos, a existência de Estado forte centralizado e de tipo
patrimonial impediu a emergência de grupos políticos autônomos, não permitiu
o estabelecimento de mecanismos de disputa política através de negociações diretas
e estimulou a criação de relações de dependência entre o Estado central e os
diversos grupos sociais, cada qual buscando seus privilégios especiais em um
contexto de dependência e subordinação.(32)
Esta discussão conceitual deve ser suficiente para, quem sabe, rever a história
da formação política do Brasil com novos olhos.
Notas
1. Bendix, R., 1966.
2. Nettl, J. P., 1968, p. 559-92.
3. A síntese do pensamento hegeliano e marxista a esse respeito,
apresentada a seguir, baseia-se em J. Hippolite (1965), que se relere por sua
vez à obra clássica de G. Lukács sobre o jovem Hegel.
4. Cf. Hegel, G. W., 1940, especialmente a partir da p.
255.
5. Cf. Marx, K., 1843. p. 184 e 186. A tradução para o português
é minha.
6. Nettl, J. P., 1968, p. 572. A principal referência aqui
feita é Kamenka, E., 1962.
7. Citado por Bendix, R., 1960, p. 360.
8. Publicado pela primeira vez na Rússia em 1930. Traduzido
para o francês por Roger Dangeville como Fondements de la critique de l'économie
politique (Marx, K., 1967). A referência foi extraída do v. 1, p. 437.
9. Neste contexto, a referência dos trabalhos de irrigação
parece ser exemplificativa, para Wittfogel, entretanto, são parte essencial
do que chamou, indiferentemente, "sociedade hidráulica" ou "despotismo oriental".
Cf. Wittfogel, A. K., 1957.
10. Marx, K., 1967, p. 439.
11. Para um exame do conceito e de sua história e destino
na literatura marxista, cf. Wittfogel, A. K., cap. 9,1957.
12. Este modelo aparece na Origem da família, da propriedade
privada e do Estado, de Engels. Ver sua discussão em Wittfogel, A. K.,
1957, p. 382 e seguintes.
13. Na base dessa tese está, entre outras coisas, o debate
criado por Barrington Moore (1966). Relevantes trabalhos anteriores que levaram
à mesma noção incluem A. Gerschenkron (1962) e R Bendix (1956), que tratam do
papel do Estado nas relações de classes da sociedade industrial. Ver uma referência
mais ampla em Schwartzman, S. 1969, p. 36-41.
14. Weber, M., 1968, p. 1007. A tradução do inglês para
o português dos textos citados neste capítulo é minha. A análise que se segue
baseia-se em grande parte em Schwartzman, S., 1976.
15. Weber, M., 1968, p. 1013.
16. Weber, M., 1968, p. 1070.
17. Weber, M., 1958b, p. 82.
18. A expressão "neopatrimonialismo" é utilizada por S.
N. Eisenstadt para o estudo de Estados modernos fora do Ocidente, mas com forte
sentido de sobrevivência de formas tradicionais, o que não é o caso aqui. Cf.
Eisenstadt, S. N., 1973. Esta ausência de "honra social por mérito próprio"
é que torna inadequada a expressão "estamento burocrático", utilizada por Raymundo
Faoro para sua análise do Estado brasileiro. Ver a respeito Faoro, Raymundo,
1958, e a discussão específica sobre isto em Carvalho, José Murilo de, 1979.
19. Weber M., 1958b, p. 296.
20. Weber, M., 1968, p. 1400.
21. Weber, M., 1968, p. 983
22. Weber M., 1958b, p. 220.
23. Tocqueville, 1968.
24. Bendix, R., 1960, p. 463.
25. Morse, R. M., 1964, p. 157.
26. Bendix, R., 1960, p. 348.
27. Weber, M., 1958b, p. 180-95. Ver também Bendix, R.,
1960, p. 85-7.
28. Ver De Tocqueville, 1969.
29. Para uma análise clássica deste processo na Inglaterra,
ver Polanyi, K., 1957.
30. Phillipe Schmitter denomina a estas duas formas "corporatismo
de Estado" e "corporatismo societal". (Schmitter, P., 1974). Esta aproximação
conceitual entre realidades historicamente tão à parte deixa de parecer tão
absurda quando nos damos conta dos profundos vínculos que unem o pensamento
conservador, o pensamento sociológico e as idéias de reorganização social que
surgem após a revolução burguesa. Ver, a este respeito, Nisbet, R., 1966.
31. Morse, R. M., 1964, p. 173-6.
32. Bendix, R., 1956.
Capitulo 3
ORIGENS HISTÓRICAS: CENTRO E PERIFERIA SOB DOMINAÇÃO PORTUGUESA
1. O Setor Público e o Setor Privado
2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros
3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas
4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates
5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do Exército Nacional
Notas
1. O Setor Público e o Setor Privado
A historiografia brasileira a respeito dos períodos colonial e imperial é já
extensa, e não há razão para reconstruir aqui o processo histórico de ocupação
territorial e organização político-administrativa do regime colonial português.
O que nos interessa especialmente são os aspectos deste processo que se relacionam
com o sistema de clivagens regionais e as relações das regiões com o centro
político e administrativo, que irão predominar ao longo de toda a história do
país, assim como as formas pelas quais estas questões têm sido percebidas pelos
estudiosos do assunto. Um tema central aqui é o das relações entre a "ordem
pública" e a "ordem privada" ou, simplesmente, os setores público
e privado na sociedade brasileira. Nestor Duarte, em A ordem privada e a
organização política nacional, representa um dos extremos na interpretação
do sistema político brasileiro até a independência, em 1822. Ele cita Oliveira
Viana no que se refere ao poder centrífugo da aristocracia local, e vai mais
adiante, dizendo que:
Se atentarmos melhor, porém,
veremos que o fenômeno a salientar aqui não é o dessa descentralização, mas
o da modificação da índole do próprio poder, que deixa de ser o da função política
para ser o da função privada.
E, citando novamente:
São eles que governam,
que legislam, são eles que justiçam, são eles que guerreiam contra as tribos
bárbaras no interior, em defesa das populações que habitam as convizinhanças
das suas casas fazendeiras, que são como os seus castelos feudais e as cortes
dos seus senhorios.(1)
Noutras palavras, uma réplica do modelo feudal, tomado no sentido explícito do
termo e considerado essencialmente imutável até o século XIX:
A grande paz do Império,
o seu equilíbrio e o seu esteio estão nesse senhoriato territorial, que é a
força econômica e o poder material do Estado... É ele também a única parcela
"política" da população brasileira...(2)
A visão oposta é melhor expressa por Raymundo Faoro, em Os donos do poder.
Retira ele da história de Portugal as origens de um Estado centralizado e patrimonial,
transportado para o Brasil sob a proteção britânica após a ocupação de Lisboa
por Junot, em 1808, e que já se encontrava presente na administração colonial:(3)
A diferença de estrutura
das duas colonizações americanas [a portuguesa e a inglesa] decorria da diversa
constituição do Estado, em uma e outra nação. Portugal, na era seiscentista,
já se havia consolidado em Estado absoluto, governado por um estamento burocrático,
centralizador. A Inglaterra, ao contrário, discrepando da orientação histórica
continental, definiu-se numa transação capitalista industrial e feudal, repelindo
a centralização burocrática.(4)
A seguir, Faoro discute longamente os mecanismos de controle da vida econômica
e os limites da autonomia política da aristocracia local brasileira, concluindo
que "nosso feudalismo era apenas uma figura de retórica". Não ignora,
é claro, as tendências centrifugas que sempre existiram, e prossegue com um estudo
detalhado do processo de centralização da administração colonial, processo esse
que se acentuaria progressivamente até os fins do século XIX. Na segunda metade
do século XVIII, o país assiste à passagem de um sistema econômico colonial de
produção do açúcar, no Nordeste, para um sistema de mineração do ouro e do diamante
no Centro, e um crescente enrijecimento do controle da administração colonial
sobre a pujante, mas efêmera, economia da mineração. A política inicial de colonização
no Brasil foi, de fato, a criação de feudos hereditários (capitanias) concedidos
à exploração privada. Este sistema, porém, não chegou a se desenvolver plenamente,
sendo substituído, logo em seguida, por um processo crescente de centralização
administrativa. Como observa acuradamente Faoro, nunca houve um pacto político
através do qual os altos escalões do sistema político representassem e governassem
em nome de alguns setores da sociedade, o que é típico do modelo feudal.
A principal crítica que se pode fazer a Faoro é a sua tendência de atribuir
ao patrimonialismo político brasileiro um caráter absoluto e imutável no tempo.
Como observa Antônio Paim:
No afã de enfatizar a novidade
que trouxe a debate, adotou uma atitude extremamente radical ao deixar de reconhecer
o caráter modernizador que o patrimonialismo luso-brasileiro chegou a assumir
em certos momentos de sua história. Mais grave, parece-me, a perda do sentido
histórico da evolução do liberalismo na crítica â experiência do sistema representativo,
sob o Império, desde que a efetiva desde o ponto de vista que a doutrina liberal
veio a assumir muito mais tarde. Finalmente, ofuscado pela magnitude da própria
descoberta, inclina-se por torná-la uma espécie de lei inexorável de nosso desenvolvimento,
ou então uma herança a repudiar em sua inteireza.(5)
Efetivamente, o processo de centralização e crescimento do governo central se
dava em um contexto de conflitos e pressões de todo tipo, e grande parte da história
política do Brasil gira exatamente em torno do tema centralização vs. descentralização.
É fundamental, para entender este problema, ter uma interpretação adequada da
natureza da colonização portuguesa, que combinava uma tendência constante à centralização
com a grande dispersão territorial dos postos de colonização, muitas vezes mais
próximos da Europa que uns dos outros. Não admira, assim, que estes núcleos de
colonização se desenvolvessem por conta própria e, freqüentemente, de forma contraditória.
Um breve exame deste desenvolvimento é necessário.
2. Os Padrões de Colonização: Bandeirantes e Pioneiros
Em um livro famoso, tempos atrás, Viana Moog tratava de explicar os diferentes
resultados da colonização norte-americana e brasileira em termos das diferenças
entre o pioneiro inglês, que vinha ao Novo Mundo se estabelecer com sua família,
e o bandeirante português, que cruzava o interior brasileiro na busca de escravos
e ouro. O bandeirante teria sido um aventureiro e predador cuja única preocupação
seria enriquecer-se rapidamente e voltar o quanto antes para a civilização européia.
Saindo de São Paulo, os bandeirantes cobriram mais da metade do continente sul-americano,
e o historiador norte-americano E. Bradford Burns dá uma boa versão da imagem
convencional existente a respeito deste período épico brasileiro:
A terra desafiava os bandeirantes.
Eles atravessavam montanhas inóspitas e venciam rios turbulentos. Pântanos e
densas florestas faziam pouco de seus esforços. Grandes áreas desertas lhes
ensinavam a abençoar os freqüentes e incômodos riachos que pouco antes haviam
amaldiçoado. E em toda parte encontravam a fome, único e inseparável companheiro
de viagem.(6)
Viana Moog, no entanto, não aceitava esta imagem idealizada do explorador paulista.
Para ele,
enquanto bandeirante e
por causa das bandeiras, era o grande Estado [de São Paulo] um dos mais pobres
e atrasados do Brasil. Somente depois, e muito depois, de efetivamente encerrado
o ciclo das bandeiras é que São Paulo, com o advento do ciclo do café e da imigração
de tipo pioneiro, que em fins do século dezenove desembarcava anualmente no
porto de Santos para mais de 100.000 imigrantes, passou para a vanguarda da
Federação.(7)
Para Viana Moog, a ambição e impaciência do bandeirante o retirava de sua base
original junto à costa, deixando a capitania de São Vicente descuidada e atrasada,
enquanto os estabelecimentos açucareiros no Nordeste prosperavam. É realmente
digno de nota que o núcleo que deu início à maior parte do descobrimento e povoamento
do território nacional tenha sido, ao mesmo tempo, um dos mais atrasados, para
transformar-se, séculos depois, no centro econômico nacional. O próprio padrão
geográfico já intriga: como explicar que, no século XVII, o centro da atividade
econômica tenha se estabelecido no Nordeste, a capital política e administrativa
na Bahia, enquanto que a expansão territorial se dava a partir do Sul, em São
Paulo?
3. A Trajetória de São Paulo e a Guerra Dos Emboabas
O mais notável em relação à expansão de São Paulo é exatamente a relativa insignificância
do núcleo original, em comparação com o empreendimento colonial português na
América. A expressão "São Paulo" se refere a toda a província ou estado,
e somente por conveniência pode ser utilizada em referência a períodos mais
antigos. O primeiro estabelecimento, São Vicente, localizado em uma área junto
à costa, era passível de inundações, e isso levou sua população a se transferir
para onde é hoje Santos. Em 1554, os jesuítas criaram o Colégio de São Paulo,
terra adentro, em um lugar denominado Piratininga. A vila e depois a cidade
de São Paulo se desenvolveu em sua vizinhança.(8)
O centro administrativo da colônia era Salvador, enquanto que seu pólo econômico
inicial eram as plantações de cana-de-açúcar no Nordeste. Roberto Simonsen estimava
que, em 1690, o Brasil tinha uma população livre de cerca de 100 mil, dos quais
15 mil residiam em São Paulo, 20 mil no Rio e os restantes 65% no Nordeste.(9)
A população de toda a Província de São Paulo em 1653 é estimada em cerca de
três mil pessoas, só superando a marca dos 100 mil em 1777. Os dados para a
cidade de São Paulo indicam uma população de cerca de 20 mil em 1836 e ao redor
de 30 mil no censo de 1872. Naquele ano, várias cidades brasil eiras já haviam
superado o mar co de 100 mil. O quadro 6 dá uma idéia do desenvolvimento das
cidades através do tempo.
A explicação para o ímpeto empresarial dos bandeirantes em direção ao interior
do país tem sido feita, geralmente, em termos geopolíticos Caio Prado Jr., apesar
de ser um historiador marxista, tende a uma explicação deste tipo:
Zona de passagem, São Paulo
não chegou a formar, no período colonial vida própria a pequena mineração de
lavagem que aí se praticou nos dois primeiros séculos a insignificante agricultura
ensaiada, de caráter puramente local, não tiveram expressão alguma As grandes
fontes da vida paulista serão o comércio de escravos indígenas, preados no alto
sertão e vendidos nos centros agrícolas do litoral, comercio do gado que vem
dos campos do Sul e por aí passa com destino a marinha, inclusive e sobretudo
o Rio de janeiro finalmente quando se descobre o ouro em Minas Gerais, São Paulo
será por algum tempo a única ou principal via de acesso para ele.
Ainda que dominante, esta interpretação tende a atribuir um papel passivo ao núcleo
paulista, deixando de lado seu papel ativo e dominante.(10)
O fato, no entanto, parece ser que São Paulo só se torna um posto comercial importante
depois que os paulistas abrem as rotas para o interior, e é difícil conceber que
este papel explorador tenha sido uma simples decorrência de contingências geográficas.
Na busca de ouro e escravos, dezenas de vilas e cidades foram estabelecidas na
grande área interiorana que é hoje Minas Gerais; o Sul e o Centro foram conquistados
e, nesta marcha contínua para o interior, muitas vezes a população da cidade de
São Paulo diminuía de tamanho.(11)
Que razões levariam pessoas a viajar da Europa para lugares tão remotos, nos
séculos XVI e XVII? Alguns fatos parecem claros. Este tipo de imigrante não
desejava ficar muito próximo do controle da administração colonial, e estava
interessado em obter o máximo de lucro por seu esforço. Certos fatores parecem
haver determinado a escolha das diferentes áreas de localização: a existência
de uma baía adequada, primeiro, e também a presença de uma população autóctone
que pudesse ser usada e explorada. São Vicente, e depois Santos, parecem ter
preenchido estas condições, antes de se transformarem na rota "natural"
para o interior.
A economia de São Paulo se beneficiou da ocupação holandesa de Pernambuco e
das colônias portuguesas na África (Angola e Luanda) durante a época de unificação
das coroas portuguesa e espanhola. Outras áreas de cultivo de açúcar tiveram
que ser criadas fora de Pernambuco, e o comércio de escravos africanos teve
que se restringir por causa do predomínio marítimo holandês. Assim, o preço
do escravo índio subiu, e os paulistas se tornaram, por algum tempo, os principais
supridores de mão-de-obra escrava para as plantações da Bahia, do Rio de Janeiro
e da própria região paulista.
Afonso Taunay nos proporciona um sumário fascinante das narrativas de vários
viajantes que visitaram São Paulo desde 1565.0 que eles revelam é um quadro
vivido da autonomia, independência e insubordinação da cidade em relação à coroa
portuguesa - um quadro que parece não mudar com o passar do tempo. No fim do
século XVII, um destes viajantes, o engenheiro francês de nome Froger, escrevia:
A cidade de São Paulo é
tributária, não súdita do Rei de Portugal. Situada a dez léguas da costa, teve
como origem uma corja de bandidos de todas as nações que, pouco a pouco, ali
formou uma grande cidade e uma espécie de República cuja lei é, sobretudo, não
reconhecer governador nenhum.(12)
Esta imagem de uma "república de bandidos" parece haver sido muito difundida,
e surge na obra de vários escritores da época. Para alguns, é difícil conciliar
esta imagem com o fato de um elemento importante do núcleo paulista ter sido a
missão jesuíta lá estabelecida em 1554. Na realidade, tanto os jesuítas como os
paulistas pareciam buscar a mesma coisa, ou seja, o índio, ainda que com propósitos
diferentes. Os esforços jesuítas de criar colônias nativas autônomas, as missões,
entravam em conflito com o interesse dos bandeirantes em escravizá-los. É um conflito
que se mantém todo o tempo, culminando com a expulsão dos jesuítas em 1640. Desde
o início do século, no extremo sul, a guerra sangrenta entre as missões jesuítas
e os bandeirantes já dramatizava este conflito.(13)
O ano de 1695 divide a história da expansão paulista em duas partes, quando
o ouro é descoberto pela primeira vez na área de Minas Gerais. O período anterior
era de isolamento e relativa independência, caracterizado pelas longas marchas
para o interior e pelo comércio de escravos com os estabelecimentos agrícolas
da costa e no Nordeste. No segundo período, da corrida do ouro, o domínio paulista
chega a cobrir, em certo momento, mais da metade do atual território brasileiro.(14) Mas o conflito com a administração portuguesa
era iminente, e não tardou.
Um exame do mapa ajuda a entender o rápido crescimento e a queda da supremacia
paulista durante a corrida do ouro. No início, as únicas rotas para as minas
vinham de São Paulo ou Parati, cidade portuária um pouco ao Norte. Somente em
1699 foi descoberto um caminho que ligava o Rio de Janeiro diretamente com as
minas. Rotas comerciais desde a Bahia, utilizando o São Francisco, também foram
estabelecidas, e os conflitos entre os colonizadores mais antigos e os recém-chegados
começaram a crescer.
Os recém-chegados eram conhecidos como "emboabas", palavra de origem
indígena que caracterizava as botas que usavam, e que os distinguia dos paulistas
descalços. À diferença entre botas e pés descalços correspondiam outras diferenças
em recursos e habilidades. Os paulistas eram brasileiros de várias gerações,
muitas vezes mestiços, enquanto que os recém-chegados eram, em geral, portugueses.
De acordo com Diogo de Vasconcelos, eles,
acima dos paulistas, gozavam
da vantagem de ser conhecidos, e amparados pelos compatriotas opulentos das
praças marítimas, que lhes forneciam a crédito instrumentos e escravos africanos,
obreiros estes únicos, que podiam suportar as fadigas medonhas, de tal indústria
desumana e cruel como foi a das minas.(15)
A identificação entre emboabas e portugueses se tornou cada vez mais patente à
medida que passava o tempo, e o conflito entre os dois grupos adquiria proporções.
Os emboabas se rebelam contra os paulistas, e seu líder, Nunes Viana, eleito pelos
seus seguidores governador da província, define-se prontamente como aliado da
coroa portuguesa. Vários anos após a guerra, ele declararia que os rebeldes
o obrigaram a aceitar o
governo delas [minas] e o mando do exército que se formou contra aqueles povos
[paulistas]; e pelo castigo das armas os reduziu à obediência das leis de Sua
Majestade e de suas Reais Ordens.(16)
Um dos principais pontos de conflito se referia ao monopólio do mercado de carne
na área de mineração, que a administração portuguesa concedeu a duas pessoas de
fora. Um dos líderes paulistas foi acusado de "não ser fiel a seu rei, pois
foi um dos que resistiu e impugnou o contrato das carnes nestas Minas".(17)
Seria demasiado simplista sugerir uma íntima identificação de perspectivas
e intenção entre os mercadores portugueses que ali chegavam e a burocracia patrimonial
portuguesa. Por exemplo, a história mostra a existência de conflitos constantes
entre mercadores locais e a administração, em relação à preferência que a administração
manifestava pelas grandes "Companhias de Comércio" da época, em detrimento
dos pequenos comerciantes.(18) A proibição do
tráfico de ouro em pó foi também um golpe para o pequeno comerciante no Rio
de Janeiro. Nestes conflitos, a vontade do governo sempre prevalecia. No entanto,
o comercio tinha que ser feito através dos centros administrativos, e as mercadorias
tinham que ser transportadas em navios protegidos, controlados e, muitas vezes,
escolhidos pela administração portuguesa. Assim, apesar de eventuais conflitos
de interesse, a penetração do comércio em certa área sempre levava, em última
análise, a um aumento da centralização governamental e da perda de autonomia
dos comerciantes. O episódio da Guerra dos Emboabas marca, em última análise,
o estabelecimento do controle da administração portuguesa sobre a área das Minas,
à custa da perda da hegemonia paulista.
As diferenças sociais tão aparentes entre emboabas e paulistas são, talvez,
a origem das explicações classistas do conflito, de acordo com as quais os paulistas
representariam uma aristocracia feudal, camponesa (e descalça!), enquanto que
os emboabas representariam a burguesia ascendente em luta pela liberdade de
comércio.(19) Este tipo de interpretação se
revela, no entanto, pouco convincente quando levamos em consideração as questões
da ocupação territorial e a das relações entre grupos sociais e a coroa portuguesa.
Por exemplo, quando os paulistas se organizam para o ataque final aos emboabas,
em 1709, o planejamento e a decisão foram feitos pela Câmara Municipal de São
Paulo, em uma demonstração de autonomia local e participação popular que muitos
se surpreenderiam de encontrar no Brasil do início do século XVIII.(20)
A imagem de uma guerra planejada em São Paulo, para ser feita em Minas, e em
conflito com a administração na Bahia, é, talvez, o melhor cenário para visualizar
este capítulo do estabelecimento da integração territorial brasileira.
4. A Integração do Nordeste e a Guerra dos Mascates
Enquanto paulistas e recém-chegados lutavam nas áreas de mineração no Centro,
um conflito paralelo se desenvolvia entre Olinda, cidade aristocrática e tradicional,
e Recife, centro comercial ascendente: era a Guerra dos Mascates. O paralelo
entre os dois conflitos passa geralmente despercebido, talvez porque o do Sul
tenha vivido um dos primeiros capítulos da economia do ouro, enquanto que o
do Nordeste marca o declínio da economia do açúcar. Mas ambos foram, sem dúvida,
eventos importantes no estabelecimento do controle da administração patrimonial
sobre o território brasileiro, ainda que com resultados diferentes.
A história da economia açucareira no Brasil é parte integrante e inseparável
da história das relações políticas e econômicas entre as potências comerciais
européias da época. Celso Furtado nos dá um excelente panorama da economia do
açúcar no período colonial, com ênfase no papel da Holanda no refino e na comercialização
do produto na Europa.(21) Para Celso Furtado, a economia açucareira no
Brasil foi, desde o princípio, um empreendimento conjunto de interesses portugueses
e holandeses, ainda que cada sócio tivesse objetivos distintos. Para os holandeses,
a indústria açucareira era essencialmente um empreendimento comercial. Eles
não somente se encarregavam do refino e distribuição do produto na Europa, como
também financiavam instalações no Brasil e o tráfico de escravos, além de controlar
o transporte do produto. Furtado se baseia em Noel Deer para afirmar que, se
tomamos todos estes aspectos em conjunto, fica claro que a economia do açúcar
era mais holandesa do que portuguesa, naqueles primeiros tempos.(22)
Por sua parte, os portugueses pareciam preocupados, principalmente, com o controle
político e militar de seus territórios. Não tinham nem a iniciativa capitalista
dos holandeses, nem a sorte dos espanhóis, que encontraram o ouro. Assim, os
portugueses mantinham-se presos à expectativa do ouro e aos pequenos benefícios
trazidos por seu papel relativamente menor na economia do açúcar. Seu objetivo
principal era o controle político de seus territórios; alguns estabelecimentos
militares e as plantações de cana-de-açúcar eram seus meios; e a perspectiva
de um dia encontrar ouro, seu incentivo.
Esta simbiose entre portugueses e holandeses funcionou bem até a união de Portugal
e Espanha, em 1580, sob Filipe da Espanha. A partir dai, os holandeses foram
formalmente proibidos de participar do comércio açucareiro, e os espanhóis iniciaram
a apreensão de seus barcos em portos portugueses. Em 1621 é criada a Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais, com a função de promover a colonização e o
comércio através da conquista militar. Várias tentativas foram feitas de controlar
militarmente a área do açúcar. Depois de frustrada tentativa de conquistar Salvador
em 1624-5, uma base firme foi estabelecida na área de Pernambuco, de 1630 a
1654, ou seja, até 14 anos depois da restauração da independência portuguesa
em relação à Espanha, em 1640.(23)
É esta história que dá o pano de fundo para a Guerra dos Mascates. O conflito
tem como ponto de partida a questão da autonomia administrativa de Recife. A
cidade tinha começado a se desenvolver sob a administração holandesa, que a
preferiu, ao invés de Olinda, como sede de sua administração.(24) A guerra contra os ocupantes holandeses foi
feita pelos locais, independentemente, e muitas vezes contra a vontade das autoridades
portuguesas, que não queriam hostilizar os holandeses. Em 1654, parecia que
Olinda teria restaurada sua antiga importância e independência. Recife, no entanto,
crescia como pólo de atração para uma população de recém chegados, que começavam
como pequenos comerciantes e terminavam financiando e comercializando a produção
de açúcar. Um contemporâneo indignado descrevia a situação:
Em poder destes forasteiros
ou mascates residia todo o comércio; eles portanto eram os que supriam os engenhos,
e também os únicos que recebiam as caixas de açúcar. No fim das safras, cada
senhor de engenho devia uma soma considerável ao mascate que lhe tinha suprido,
e então este inflexível credor instantaneamente o apertava... Desta sorte, em
poucos anos tornaram-se os mascates grossos capitalistas e, em vez de seguirem
as pisadas dos primeiros que para Pernambuco vieram (que só do comércio cuidavam),
intrometeram-se nos negócios públicos, introduziram-se no palácio dos governadores
e, finalmente, propuseram-se para levar a efeito o seu intento, isto é, aniquilar
a nobreza do país.(25)
Nem todos os autores, no entanto, estavam a favor dos olindenses. Um defensor
dos mascates, escrevendo no início deste século, dizia que
nas duas grandes comoções
por que passou Pernambuco, em 1654 e 1710, a nobreza sempre procedeu por motivos
subalternos e para ela até desprimorosos, sendo em ambos o principal não pagar
aos credores.(26)
Os aristocratas locais eram chamados pelos recém-chegados de "pés-rapados",
uma semelhança com os paulistas em Minas que é circunstancial. A crescente importância
econômica dos recém-chegados no Recife, que passam de pequenos comerciantes a
financiadores, estava relacionada, sem dúvida, com a deterioração progressiva
da economia do açúcar desde a segunda metade do século XVI.(27)
Recife terminou, eventualmente, por se impor e adquirir o status administrativo
de cidade, mas a esta altura os contatos de sua elite com o "Palácio dos
Governadores" eram, sem dúvida, mais importantes como fonte de riqueza e
poder que a exploração usurária de uma economia em decadência.
Pouco se sabe do processo pelo qual a antiga aristocracia do açúcar e os novos
comerciantes se interpenetraram e conviveram durante o período de decadência,
mas pode-se supor que, na medida em que a economia de mercado se reduzia, aumentava
a importância do acesso às fontes de poder burocrático. É possível que a aristocracia
do Nordeste tenha sofrido um processo similar ao que, mais tarde, sofreu a elite
mineira com o fim do período do ouro; o fenômeno da "volta à economia natural"
e a estruturas sócio-econômicas de tipo semi-feudal, sugerida por Celso Furtado,
teria sido limitado, em boa medida, pela substituição de externalidades econômicas
por externalidades políticas.
A derrota frente aos portugueses recém-chegados teve, para os paulistas, uma
conseqüência que os diferenciou dos pernambucanos: isolados do resto do país,
não desenvolveram em seu próprio estado uma estrutura política de dependência
em relação à administração central, tal como a criada pela elite do açúcar.
As características de isolamento da área de São Paulo foram, assim, preservadas,
o que teve muita importância nos desenvolvimentos que iriam ocorrer um século
e meio depois.
5. A Consolidação da Fronteira e a Formação do Exército
Nacional
São Paulo e Pernambuco parecem ter sido as duas tentativas principais de estabelecer
uma ocupação essencialmente econômica, e não administrativa, no novo território.
Além disto, economias subsidiárias de criação de gado foram criadas, sendo responsáveis
pela progressiva ocupação do interior, mas sempre em função dos centros dinâmicos,
ou do açúcar ou do ouro.(28)
O quadro da ocupação do território brasileiro deve ser completado com a história
do estabelecimento de entrepostos militares nas fronteiras. O mais importante
destes estabelecimentos foi, sem dúvida, a Colônia de Sacramento, criada no
rio da Prata em 1680. Ela foi o início de uma longa e intermitente guerra com
os espanhóis de Buenos Aires, dando à população do Rio Grande do Sul uma experiência
única, no Brasil, de um estado continuo de violência e mobilização militar.(29)
Um exame do mapa mostra que o Rio Grande do Sul tem sido, praticamente, a única
fronteira viva do país. As fronteiras do Norte e do Oeste foram determinadas,
em grande parte, pela capacidade dos bandeirantes em explorar o interior, mas
também pela existência dos Andes e da floresta continental, que funcionavam
como barreiras à expansão dos colonizadores espanhóis do Pacífico. Os estabelecimentos
portugueses tendiam a se limitar à costa do Atlântico, e foi somente na área
que é hoje o Uruguai que os dois empreendimentos coloniais colidiram efetivamente.
A textura social e econômica da sociedade brasileira, ao longo da fronteira
sulista, era fortemente influenciada por esta situação. Fernando Henrique Cardoso,
em uma análise exaustiva da historiografia pertinente, sugere dois elementos
que parecem caracterizar melhor a sociedade gaúcha. O primeiro é a influência
generalizada da experiência militar na psicologia, estrutura econômica e organização
social do Sul. As pressões psicológicas de um estado de beligerância contínua,
combinadas com as características específicas da guerra de fronteira, levariam
à necessidade de lideranças fortes, dotadas de coragem e audácia pessoais bem-definidas.
A conseqüência teria sido a existência de uma ordem militar que não era necessariamente
rígida, já que não se burocratizava, mas que se centrava em caudilhos fortes
e personalísticos.(30) A vida econômica baseou-se,
por muito tempo, em atividades predatórias contra os espanhóis, na captura do
gado que pastava livremente pelos pampas, em ataques às missões jesuítas, e
no contrabando entre os domínios espanhóis e portugueses. Gradualmente, a terra
foi sendo distribuída entre os chefes e caudilhos militares, e a indústria do
charque começou a se desenvolver, exportando para o Norte.
O segundo elemento que surge com a militarização de todos os aspectos da vida
é a privatização das diversas formas de autoridade, civil ou militar. Caudilhos
militares tinham suas próprias tropas, usadas em ataques privados a jesuítas,
espanhóis ou outros, em tempos de paz, mas que podiam ser mobilizadas pela coroa
portuguesa em tempos de guerra formal. A terra era distribuída de acordo com
a influência e o poder militar, tanto quanto os privilégios de taxação e de
administração da justiça.(31)
Esta "privatização" das atividades militares significava que o poder
econômico e social decorria do status militar, mas que este status não era simplesmente
outorgado pela administração, e sim decorrente de fontes independentes de riqueza
e poder. Trata-se de uma situação de tensão constante entre a privatização do
status político e militar e a publicização da ordem privada; e ela talvez explique
a persistência da tradição militar e guerreira no Rio Grande muito depois de
consolidada a fronteira com a Argentina. O decisão era o quanto o poder do caudilho
dependia da sanção e do apoio do governo central. Em 1801, depois de 20 anos
de paz que sucederam à assinatura do Tratado de Santo Ildefonso entre os países
ibéricos, os gastos governamentais na Capitania de São Pedro do Rio Grande do
Sul eram mais de três vezes sua renda e, de acordo com um historiador,
grande parte deste mau
resultado econômico era devida, sobretudo, à péssima administração governamental,
à centralização da metrópole, e aos excessivos gastos que faziam no sustento
do exército.(32)
A importância política da fronteira impediu que as coroas, primeiramente a portuguesa,
e depois a brasileira, deixassem a Província do Rio Grande do Sul entregue a seus
próprios chefes. A maior parte do contingente militar utilizado nos conflitos
de fronteira era recrutada localmente, e Love nota que, ainda em 1852, cerca de
3/4 das tropas utilizadas no conflito com Rosas tinham origem gaúcha. Várias décadas
depois, o Rio Grande fornecia cerca de 1/4 a 1/3 das forças territoriais brasileiras,
e o número de oficiais de alta patente de origem gaúcha era muito maior do que
o que se esperaria a partir do tamanho da população do estado.(33)
O resultado desta situação foi que a política patrimonial e "privada"
no Rio Grande esteve sempre orientada para os centros de poder regional e, principalmente,
nacional. É claro que esta relação com o centro nem sempre foi amigável, e exatamente
do Rio Grande partiu a única tentativa realmente séria de secessão política no
Brasil do século XIX, com a Guerra dos Farrapos.
A vida do Rio Grande do Sul não se limitava, certamente, às aventuras de seus
cavaleiros. Joseph Love distingue três regiões de colonização e povoamento na
área: o litoral, as coxilhas e a campanha, sendo esta a que dá ao estado a imagem
que tem no resto do Brasil. Um grupo importante de povoadores do litoral foram
os açorianos, responsáveis por uma florescente economia tritícola. Não há dúvida,
no entanto, de que a região da campanha não somente forneceu a imagem do gaúcho
a cavalo, em sua estância, como também proporcionou ao estado sua liderança
política e seu estilo, que impregnou fortemente as outras áreas de colonização
da região. Fernando Henrique Cardoso mostra, por exemplo, como os colonos de
Açores gradualmente trocaram os antigos hábitos camponeses de sua terra de origem
por um tipo de patriarcalismo fortemente hierárquico e militarizado, predominante
em toda a área.
No outro estabelecimento militar importante dos portugueses - o Rio de Janeiro
- os franceses trataram de estabelecer sua "France Antartique", na
primeira metade do século XVI. A área era rica em pau-brasil, o contato com
os índios era possível e, por algum tempo, o controle francês pôde ser mantido.
O estabelecimento francês é destruído em 1560 por Mem de Sá, e três anos depois
Estácio de Sá cria o primeiro estabelecimento militar.
É interessante assinalar que a aventura política da Colônia do Sacramento foi
financiada e apoiada não diretamente por Portugal, mas pela cidade do Rio de
Janeiro.(34) Por algum tempo, a Câmara Municipal
do Rio de Janeiro se interessou pelas possibilidades de comércio que a nova
fronteira abriria, mas, depois, começaram as queixas a respeito do peso criado
pelos conflitos do Sul. Gradualmente, o recrutamento militar passou a ser feito
no próprio Sul, utilizando-se, para isto, de uma população de origem paulista,
ou seja, bandeirantes que ali chegavam para as campanhas contra as missões.
O Nordeste decadente, a economia mineira em declínio, o centro administrativo
do país concentrado no Rio de Janeiro, São Paulo isolado, o Rio Grande do Sul
militarizado e em pé de guerra - são estes os núcleos principais deste país
imenso que se manteria unido a duras penas no processo de independência. A unidade
política não significa que contradições e conflitos não existam e perdurem através
do tempo, como veremos mais adiante, 110 cap. 5. Antes, porém, é necessário
examinar com algum detalhe o processo de expansão econômica mundial, do qual
o Brasil participa no século XIX, e suas implicações para o processo político
no país.
Notas
1. Duarte, N.,1 939, p. 169.
2. Ibid. p. 118-9.
3. O tema do patrimonialismo português já foi discutido
anteriormente. Celso Láfer observa, em comunicação pessoal, a importância da
inquisição portuguesa como mecanismo de centralização e apropriação patrimonialista
de recursos em uma sociedade caracterizada pela descentralização da obtenção
da riqueza. Lafer também evidencia, em uma análise de conteúdo de Os Lusíadas,
como Portugal, em seus valores dominantes, estava muito mais próximo das cidades-estado
renascentistas que da sociedade feudal e medieval que imperava até a época em
grande parte da Europa. Ver Lafer C., 1965, e Saraiva, J. A., 1909 (este sobre
a Inquisição). Para a análise moderna mais abrangente do padrão de colonização
portuguesa, ver Lang, James, 1979.
4. Faoro, Raymundo, 1958, p. 53 e 65.
5. Paim, A., 1978.
6. Burns, E. B., 1970, p. 51.
7. Moog, V., 1954, p. 235.
8. A expansão paulista é um tema central da historiografia
brasileira, especialmente entre historiadores de origem paulista, incluindo,
entre os mais ilustres, Afonso E. Taunay. Outro paulista ilustre, Roberto Simonsen,
proporciona um excelente sumário da expansão de São Paulo em sua obra clássica,
a História econômica do Brasil (Simonsen, R., 1962). Um estudo moderno e bastante
completo do desenvolvimento da cidade de São Paulo é o de Morse, R. M., 1970.
9. As estimativas de população da província são do Brigadeiro
J. J. Machado de Oliveira, citado por Simonsen, R., 1962, p. 203 e seguintes.
Os dados para a cidade enquanto tal são de Singer, P., 1968, p. 19-20.
10. Prado, Jr., C., 1945, p. 61. Esta interpretação de
cunho geopolítico parece ser aceita sem discussão por P. Singer (1968), tanto
quanto no capítulo sobre "As Bandeiras na expansão geográfica do Brasil,"
em Holanda, S. B., 1960, p. 273-306.
11. Cf. Holanda, S. B., 1966. Sobre a criação de cidades
paulistas em Minas Gerais e o refluxo populacional para São Paulo, após o declínio
do ouro, ver M. Leite (1961), que lista cerca de 60 cidades mineiras fundadas
por paulistas.
12. Taunay. A. E. de 1924. É importante notar que. durante
e logo após o período de unifica ção das coroas portuguesa e espanhola, a autonomia
paulista se dava em um contexto de grande independência das câmaras municipais
em relação aos poderes ibéricos. C. R. Boxer (1952), por exemplo, descreve em
detalhe a revolta do Rio de 1660 contra o Capitão Geral Salvador de Sá, em um
período de grande instabilidade da Coroa dos Braganças, ou seja, depois da restauração
de 1640. A revolta contra os holandeses no Nordeste, que será discutida mais
adiante, foi, acima de tudo, um empreendimento local, sem qualquer apoio ou
encorajamento por parte dos Brangança. Somente em 1661, depois do tratado de
paz entre a Holanda e Portugal, foi que a autoridade portuguesa começou a se
impor mais efetivamente. São Paulo, no entanto, permaneceria à margem... [sou
grato a Eulália Maria Lahmayer Lobo por chamar minha atenção para este ponto.]
13. Cf. Morner, M., 1953, para um estudo sobre as atividades
dos jesuítas na parte sul do continente e seu conflito com as bandeiras paulistas.
Para uma história detalhada da atuação da Companhia de Jesus no Brasil, ver
o trabalho monumental de Leite, 5., 1938-50. O conflito entre os jesuítas e
os portugueses era constante e atingiu seu ponto máximo com a expulsão da Companhia
em 1759. Ver também Alden, Dauril, 1968, para maiores detalhes. Uma referência
sobre os conflitos com os jesuítas no Nordeste brasileiro encontra-se em Kienen,
M. C., 1954.
14. A jurisdição territorial de São Paulo atingiu seu ponto
máximo em 1709, quando o governador do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque,
chegou a ter autoridade sobre São Paulo, Rio, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná,
Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul. Roberto Simonsen dá muita ênfase
a esta grande expansão da jurisdição de São Paulo, observando ainda que "os
primeiros governadores paulistas viram-se forçados a fixar suas residências
em Vila da Nossa Senhora do Carmo, hoje Mariana, para ficarem mais próximos
à zona de mineração". Interpretações sobre o verdadeiro papel do governo
de Antônio de Albuquerque variam. Pedro Calmon, por exemplo, considera que 1709
foi, exatamente, o ano em que Minas Gerais e São Paulo realmente se separam
como regiões unidas sob controle paulista. A versão de Simonsen sobre a hegemonia
paulista é também apoiada por Sérgio Buarque de Holanda, para quem a separação
entre as duas províncias só se torna efetiva em 1720. Tudo indica, no entanto,
que a unificação sob Antônio de Albuquerque foi menos o apogeu que o início
do declínio da hegemonia paulista, a partir, principalmente, do desfecho da
Guerra dos Emboabas. Cf. Simonsen, R., 1962, p. 229; Calmon, P., P., 1959; Vasconcelos,
D. de, 1948; e Holanda, S. B. dc, 1960, p. 306.
15. Vasconcelos, D. de, 1948, p. 29.
16. Calmon, P., 1959, p. 920.
17. Melo, J. S. dc, 1929, citado por Calmon, P., 1959,
p. 968.
18. Um exemplo importante deste conflito foi a luta da
Mesa do Bem Comum dos Mercadores, uma associação de comerciantes, contra os
privilégios monopolistas outorgados pelos portugueses à Companhia Geral de Comércio,
estudada por Lobo, E. M. L. 1965.
19. Cf. Golgher, I., 1956 e os comentários de Beiguelman,
P. 1968, e Iglésias, F., 1957, a respeito do tema.
20. Uma descrição da participação da Câmara Municipal de
São Paulo é dada por Calmon, P., 1959, p. 972-3.
21. Cf. Furtado, C., 1972.
22. Deer, N., 1949, p. 453, citado por Furtado, C., 1972.
23. Sobre os holandeses no Brasil, ver entre outros, Boxer,
C. R., 1957.
24. 24 "Olinda, ao cair em mãos dos holandeses, possuía
cerca de 2 mil moradores. Os bens dos religiosos, na cidade, eram ponderáveis.
Contava cerca de centena e meia de clérigos, um colégio jesuíta, um convento
beneditino, um carmelita, um mosteiro de freiras, uma misericórdia, duas igrejas
e cinco ermidas. Eram numerosos, a crônica refere 200, os comerciantes abastados..."
(Sodré, N. W., 1944, p. 142).
25. Leitão, Pe. Antônio Gonçalves, citado por Melo, M.,
1941.
26. Ferrer, V., 1914, p. 44.
27. Celso Furtado liga a decadência da economia do açúcar
no Brasil com o início da economia do açúcar no Caribe, que conduziu à expansão
da produção mundial e ao declínio dos preços. Cf. Furtado, C., 1972, cap. 6.
28. Para a expansão da economia do gado no Brasil, cf.
Prado Jr., C., 1945.
29. Cf. Love, J. L., 1971, para uma visão panorâmica destes
conflitos, assim como Lima, A., 1935.
30. "Ao lado da tensão constante em que viviam as
populações sulinas em face das guerras, guerrilhas e acordos infindáveis, que
por si só seriam suficientes para tornar mais vigorosa a pressão da ordem militar
sobre a ordem civil, as condições de luta naquelas fronteiras... tornavam a
própria ordem militar não diria mais rígida, porém mais dependente, para a sua
preservação, da existência de pessoas com qualidades e incentivos. (como a coragem
pessoal e a ousadia diante do inimigo) que as tornavam, ao mesmo tempo, pouco
aptas à submissão aos regulamentos e à rotina." Cardoso, F. H., 1962, p.
85.
31. F. H. Cardoso (1962, p. 107 e seguintes) trata de explicar
as relações entre a administração colonial e o poder privado no Rio Grande em
termos, precisamente, de poder patrimonial.
32. Lima, A., 1935, p. 108.
33. Love, J. L., 1971, p. 15.
34. Um relato, ano a ano, da formação do Rio de janeiro, é
dado por Coaracy, V., 1965. Este autor apresenta também uma série de referencias
em relação ao papel do Rio de janeiro na criação e manutenção da Colônia do Sacramento,
p. 212-3 e outras partes.
Capitulo 4
DEPENDÊNCIA, EXPANSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA PATRIMONIAL
1. Dependência e Expansão Econômica dos Países "Novos"
2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina e Austrália
3.A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário e o Estado:
Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento
4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel Do Estado
5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial
Notas 1. Dependência e Expansão Econômica dos Países "Novos"
Um dos aspectos mais importantes da relação entre os países periféricos e os
países centrais é o sistema de dependência econômica e interferência política
que a acompanha. Menos óbvio, mas igualmente Importante, é como este tipo dc
dependência externa se reflete na estrutura e nos processos políticos internos
dos países periféricos. Dado que existem vários graus possíveis dc liberdade
e possibilidades alternativas de ação, mesmo nas situações de dependência mais
rígida, torna-se necessário saber quais as alternativas existentes em uma situação
dada, bem como razões pelas quais uma alternativa específica foi adotada no
lugar de outras. Assumir esta perspectiva não significa, certamente, negligenciar
a importância das variáveis políticas e econômicas relacionadas com a dependência
externa; significa, simplesmente, que a análise deverá ser feita sob o ponto
de vista da unidade dependente, tomando o sistema externo como dado e recuperando,
de certa maneira, a perspectiva a respeito da autonomia interna relativa e as
possibilidades de escolha historicamente dadas ao país. Este capítulo deve ser
visto a partir desta premissa, já que tem como objetivo examinar o Brasil no
cômputo dos "países novos", em um contexto de expansão do mercado
internacional e em função das alternativas de desenvolvimento sócio-político
que estes eventualmente assumiram.
A principal atividade econômica no Brasil do século XVIII era a extração do
ouro. Mas seu declínio foi rápido, indo de uma média anual de 14.600kg, em 1741-60,
para uma média de somente 1.760kg de 1811 a 1820. As guerras napoleônicas e
o inicio do comércio livre com a Inglaterra trouxeram uma prosperidade passageira
para a agricultura do açúcar e do algodão, mas depois de 1815 os preços declinaram,
e a independência política brasileira coincide com um período de recesso tanto
de nossa economia quanto do sistema econômico internacional.(1)
A estagnação econômica foi mais acentuada na primeira que na segunda metade
do século. O período mais baixo da vida econômica correspondeu à época das guerras
napoleônicas; mais adiante, no entanto, um novo produto de exportação, o café,
entrava em um mercado mundial novamente em expansão.
Depois de aproximadamente um século de estagnação, o volume das exportações
brasileiras quase sextuplicou, de 1860 até a Primeira Guerra Mundial. Este surto
econômico se deveu principalmente à expansão das colheitas de café, que se tornaram,
desde a segunda metade do século XIX, responsáveis por 48% das exportações do
país. Este crescimento econômico não foi um fenômeno isolado, pois que ocorreu
num contexto de rápida expansão do mercado internacional. De 1850 a 1880, o
comércio mundial aumentou em 270%, de acordo com estimativas feitas por Ragnar
Nurske; de 1880 a 1913, o aumento foi de 170%; mas o crescimento de 1928 a 1958
foi de apenas 57%. "O foco central da expansão econômica," diz Nurske,
foi, inicialmente, a Grã-Bretanha,
cuja população, apesar da elevada emigração, triplicou no século XIX, enquanto
a renda nacional parece ter decuplicado e o volume das importações ter-se multiplicado
vinte vezes.(2)
Os países que mais diretamente se beneficiaram desta expansão foram "os de
colonização recente", notadamente Canadá, Argentina, Uruguai, África do Sul,
Austrália, Nova Zelândia e, é claro, os Estados Unidos. Segundo Nurske, a quota
destes "novos países" (Canadá, Argentina, África do Sul, Austrália e
Nova Zelândia) nas importações britânicas subiu de 8% em 1857-9, a 18% em 1911-3.
A quota de investimentos britânicos que se dirigiram a estas áreas elevou-se de
10% em 1870 a 45% em 1913.
O Brasil pertencia, se bem que como sócio menor, a este clube de "novos"
países que receberam o impacto da expansão econômica inglesa. O Brasil tivera
que pagar caro pelo reconhecimento internacional de sua independência e, pelo
acordo econômico imposto pela Inglaterra em 1827,
a transferência dos privilégios
especiais de que gozava a Inglaterra, durante séculos, no seu comércio com Portugal,
foi garantida, e a continuidade de preeminência inglesa na vida econômica de
seu velho aliado europeu foi assegurada na América portuguesa, a despeito da
separação da colônia da metrópole. A linha da continuidade é notoriamente clara,
vi gente desde os séculos XVII e XVIII e presente durante os anos de transição
de 1810-1827, nas relações anglo-portuguesas.(3)
A Inglaterra não permaneceria como o principal mercado para os produtos agrícolas
brasileiros nos fins do século XIX, mas era, certamente, o principal provedor
de empréstimos e de investimentos de capital. Como salienta Manchester,
a Grã-Bretanha (...) nunca
se empenhou em manter sua supremacia inicial no campo das exportações brasileiras;
seu interesse primordial no Brasil era enquanto mercado para os produtos ingleses,
e não como supridor de matérias-primas para consumo local.(4)
Os Estados Unidos tornaram-se o principal mercado para os produtos brasileiros
depois da Guerra Civil e, no decorrer da Primeira Guerra, suplantaram a Inglaterra
como principal fonte de investimentos de capital no país.
O desenvolvimento dos "novos países" obedeceu ao que os historiadores
econômicos chamam Staple Theory, segundo a qual a economia se desenvolve
com base em um produto principal de exportação, que se beneficia de vantagens
internacionais relativas, devido à abundância de terras e à imigração de mão-de-obra.(5)
Terras virgens para a produção de novos produtos absorvidos por um mercado internacional
em expansão, disponibilidade de capital estrangeiro para financiar o transporte
e a infra-estrutura comercial dos novos produtos, bem como a imigração de recursos
humanos europeus provocaram um surto que bastaria para criar, a longo prazo,
uma economia auto-suficiente e diferenciada. O que é difícil explicar é por
que a Staple Theory se aplica tão bem a alguns países e não a outros;
por que alguns dos "novos países", que começaram sua expansão econômica
com o surto do comércio internacional no século XIX, encontram-se agora como
sócios do clube dos desenvolvidos. ao passo que outros ficaram para trás.
Há informações e discussões abundantes sobre este problema, e não seria apropriado
introduzir aqui todo este material. O importante, neste contexto, é verificar
como esta dificuldade de transformar o impulso econômico do produto de exportação
em crescimento auto-suficiente e diversificado prende-se aos tipos de diferenciações
e divisões regionais e institucionais internas, que constituem o nosso centro
de interesse. Principiamos pelo exame de uma comparação internacional bem-conhecida,
entre a Argentina e a Austrália, e passamos, em seguida, à análise de como esta
se aplica ao caso brasileiro.(6)
2. Impulso Externo e Diferenciação Interna: Argentina
e Austrália
Sem levar em conta diferenças menores nas estimativas estatísticas, é bem claro
que as taxas de desenvolvimento da Argentina e da Austrália eram bastante semelhantes
desde o inicio deste século. De acordo com Hector Dieguez, a renda per cápita
argentina elevou-se 99% de 1904 a 1960-63, enquanto a australiana cresceu 1
13% no mesmo período. A diferença principal, é claro, se deve ao ponto de partida:
estima-se que a renda per cápita da Austrália já era 1,75 vezes a da Argentina,
no princípio do século.
O que interessa a Dieguez são menos as razões históricas desta diferença que
os motivos por que o processo de industrialização no século XX não reduziu esta
diferença; como pôde a Austrália manter e de fato aumentar sua vantagem relativa
com o decorrer do tempo.
Desde que o desempenho global da economia australiana não foi significativamente
melhor do que o da argentina, pode-se supor que ambos os países observaram um
nível "razoável" de racionalidade econômica, constituindo a única
vantagem da Austrália o ponto de partida mais elevado. Se procedermos a um exame
detalhado, entretanto, fica claro que a Austrália contava com uma política estabelecida
e intencional de defesa e estímulo de sua estrutura industrial, que faltava
á Argentina. Era como se a vantagem relativa no mercado internacional pertencesse
à Argentina e não á Austrália; como se a Austrália devesse empreender um grande
esforço para manter os mesmos níveis de sucesso econômico que a Argentina alcançava
com uma política de laissez-faire. Significa igualmente, é claro, que
a Argentina provavelmente poderia equiparar-se à Austrália em termos absolutos
se dispusesse de uma política de industrialização semelhante.
As razões para estas diferenças são, portanto, não econômicas, mas essencialmente
sociológicas e políticas, do que está bastante ciente Dieguez:
Em minha opinião, a solidez
político-institucional alcançada pela Austrália nas primeiras décadas deste
século, o debilitamento do poder dos proprietários da terra, a ação política
do movimento sindical e a presença do Partido Laborista foram elementos importantes
para conseguir bastante cedo políticas de altos salários e leis sociais e, o
que deve ser assinalado de maneira especial, para deslocar as atitudes dos proprietários
rurais, substituindo as por uma atitude geral distinta em relação ao crescimento
industrial, que se consolida na década de 20. Durante esta década, não se percebe
na Argentina uma atitude equivalente em relação ao desenvolvimento industrial.(7)
A retrospectiva histórica por ele apresentada evidencia a existência de uma política
bem-formulada e intencional de industrialização na Austrália, certamente ausente
na Argentina. Menos convincentes, entretanto, são as ligações entre estas políticas
e a força dos sindicatos e do Partido Trabalhista, implícitas na referência anterior.
É difícil avaliar o quanto se encontrava a Austrália á frente da Argentina
em termos de organização e participação política durante as duas primeiras décadas
deste século. O que se sabe é que na Argentina, em 1912, a Lei Saenz Peña promulgou
o voto universal, permitindo altos níveis de participação política e a organização
de partidos políticos radicais e socialistas. Ezequiel Gallo provê evidências
que mostram que os grupos radicais e socialistas lutavam, como na Austrália,
por níveis de vida mais elevados, mas contra tarifas e outras medidas protecionistas
que pudessem auxiliar o desenvolvimento industrial do país. Tarifas mais elevadas
representavam preços mais altos a curto prazo, e a concepção de que os interesses
das classes média e operária são impulsionados quando a renda dos industriais
cresce era certamente alheia As ideologias populares daquela época.
O Partido Socialista na
Argentina opunha-se resolutamente a dois tipos de medidas: legislação tendente
à desvalorização do peso argentino e qualquer tentativa de elevar as barreiras
tarifarias. Ambas as medidas teriam um efeito contrário ao nível de vida dos
trabalhadores (no caso das tarifas, é preciso lembrar que apesar da substituição
de importações, uma parcela considerável de bens adquiridos pelos trabalhadores
ainda era importada).(8)
Isto significa que o pouco desenvolvimento industrial alcançado pela Argentina
não se devia á força destes setores políticos "modernos", mas era obtido
quase que a seu despeito.
3. A Agricultura, a Indústria, o Movimento Operário
e o Estado: Crítica e Revisão de um Modelo de Desenvolvimento
A discussão levantada pela comparação entre a Argentina e a Austrália serve
como ponto de partida para questionar uma teoria, ou modelo de desenvolvimento,
que é ainda bastante difundida e aplicada sem maiores discussões para o Brasil
e outros países igualmente dependentes e subdesenvolvidos. Basicamente, este
modelo supõe uma oposição histórica entre os interesses do campo e da cidade,
os primeiros favorecendo uma política econômica de laissez-faire e tradicionalista,
e os segundos privilegiando uma política de industrialização e modernização,
através de medidas de racionalização administrativa e de imposição de proteções
alfandegárias â atividade industrial. O movimento operário teria como seu principal
inimigo, neste modelo, não os industriais, mas os proprietários de terra, e
a industrialização seria o resultado de uma aliança entre a burguesia ascendente,
o proletariado e demais setores urbanos. O Estado não é, neste esquema interpretativo,
mais do que o executor da política da coalizão dominante.(9)
A crítica a este modelo começa pelo fato de que não existe base empírica suficiente
para comprovar a tese da hostilidade natural entre os setores agrícola e industrial
destes países. O modelo funciona com a teoria dos custos comparados, segundo
a qual, do ponto de vista da agricultura, seria mais barato e conveniente a
importação de produtos manufaturados do que a sua produção no país, havendo
disponibilidade de moeda estrangeira e inexistência de tradição industrial.
O desenvolvimento de uma indústria nacional requereria barreiras tarifárias,
tolerância de preços mais elevados e de qualidade inferior, além de outras medidas
protecionistas que os agricultores não se interessariam em apoiar. Acrescente-se
que o estabelecimento de tarifas protecionistas sempre acarreta riscos de reciprocidade
e o fechamento do mercado internacional para os produtos de exportação. Embora
correta em seus termos mais gerais, esta teoria não abrange todos os fatos.
Na realidade, uma economia de exportação ativa não exclui, como não o fez em
São Paulo, uma série de atividades industriais e urbanas. Encontram-se diretamente
relacionadas as atividades de organização do transporte, beneficiamento e comércio.
A economia monetária, estimulada por salários pagos no cultivo do café, também
cria uma demanda por produtos que não poderiam ser facilmente importados do
exterior:
A par dos tijolos, quase
todos os gêneros de materiais de construção eram produzidos localmente por volta
de 1920: telhas, cimento, pregos. canos de cerâmica, madeira serrada e até chapas
de vidro e material de encanamento. Outros exemplos óbvios são cerveja, bebidas
doces (e o vasilhame para engarrafá-las), sapatos, caldeiras, tecidos grosseiros.
móveis, peças de cantaria, farinha, potes, panelas e chapéus.(10)
Uma terceira fonte de desenvolvimento manufatureiro foram as decisões dos comerciantes
e importadores de financiarem a produção ou o acabamento de produtos, ao invés
de importá-los. Esta combinação de exportações, importações e interesses manufatureiros
se distancia bastante da imagem de um capitalismo urbano empresarial que luta
contra os setores agrícolas "tradicionais". O fato é que uma agricultura
de exportação ativa e dinâmica dificilmente pode ser considerada tradicional,
quando examinada de perto. A correlação positiva entre economia de exportação
e industrialização encontra-se explicitamente afirmada em Ezequiel Gallo:
A variável estratégica
do processo de industrialização experimentado por estes países foi a expansão
constante da demanda, que, por sua vez, resultou no aumento das rendas geradas
pelo desempenho bem-sucedido do setor de exportação.(11)
Tarifas elevadas e crises externas são usualmente indicadas como fatores que,
conjuntamente, fortalecem o desenvolvimento da indústria nacional. Em relação
As tarifas, a idéia de uma oposição entre interesses agrícolas e industriais levaria
a pensar que os primeiros se opusessem sistematicamente a estas tarifas, enquanto
que os segundos as apoiassem. Mais ainda, levaria a pensar que a imposição destas
tarifas teria sido uma conseqüência da vitória dos interesses industriais sobre
os do campo.
Isto, entretanto, não aconteceu. Quando as tarifas eram estabelecidas no Brasil,
o objetivo não era o de proteger a indústria. Warren Dean deixa isto bastante
claro, ao assinalar que as tarifas alfandegárias surgiram no Brasil basicamente
para angariar fundos para o governo, que delas extraia 70% de seus recursos
em 1920. Os setores agrícolas não se opunham a estas tarifas, porque as alternativas,
um tributo sobre a terra ou sobre a renda, seriam piores. "Se bem que uma
tarifa dessa natureza fosse, por força, protecionista, sua intenção era meramente
fiscal", conclui Dean.(12)
O significado político deste fato deve ser sublinhado. As tarifas eram aceitas
de má vontade pelos agricultores, e seu objetivo não era proteger a indústria,
e sim subsidiar as despesas crescentes da burocracia governamental, que triplicou
de tamanho no período de maior descentralização política da história do país.
A economia de exportação sustentou o Estado e, ao mesmo tempo, aceitou a proteção
alfandegária para uma indústria que os exportadores não tencionavam particularmente
apoiar. O sistema tarifário brasileiro, entre 1900 e 1934, foi casuístico, e
proteções tarifárias específicas podiam ser obtidas mediante medidas particularísticas
e reivindicações privadas. Assim, conclui Dean que o particularismo das reivindicações
dos industriais por favores governamentais levou A sua dependência em relação
à estrutura política existente.(13) Em resumo: se considerarmos o peso dos três
setores - governo central, agricultores e industriais -, torna-se evidente que
o primeiro certamente detinha o controle político da situação; os industriais
eram o grupo mais fraco. Os agricultores detinham algum poder nas decisões relativas
a em que setor o governo angariaria recursos, mas eram totalmente incapazes
de impedir o crescimento contínuo da burocracia governamental patrimonialista.
Podemos introduzir aqui um outro elemento do modelo, os setores "modernos"
(socialistas, classes médias, sindicatos). O senso comum tende a ligar estes
grupos sociais "esquerdistas", modernos, ao setor social "progressista",
os industriais, e a inferir uma oposição de interesses entre estes setores "modernos
e progressistas", de um lado, e os setores agrícolas, de outro. É curioso
como a oposição clássica e o ódio entre trabalhadores e burgueses parecem desaparecer
no contexto do subdesenvolvimento, sob a égide do progressismo comum e de valores
modernos.
A evidência empírica, entretanto, não apóia o que as ideologias do desenvolvimento
esperariam. Os industriais brasileiros, de acordo com Dean, não estabeleceram
uma política de desenvolvimento industrial bem-formulada, e não se preocuparam,
de maneira alguma, com o progresso nacional como tal. Dependiam de favores particulares
do governo, deviam dar demonstrações continuas de lealdade e de apoio e,
se haviam aliado não às classes médias reformistas, mas aos grandes
proprietários e, invariavelmente, lhes ofereciam apoio político inquestionável.
O industrialismo, com seu potencial de transformação social, foi de fato distorcido
por uma aliança regressiva e oportunista com a classe menos propensa a favorecer
esta transformação.(14)
Se aos industriais não agradavam os grupos "progressistas," a recíproca
era certamente verdadeira. Nos primeiros tempos, o industrialismo brasileiro assemelhou-se,
em sua aspereza para com a exploração do trabalho, ao britânico do século precedente;
greves e outras formas de conflitos de classe ocorreram com intensidade no Brasil,
nas primeiras décadas do século.(15) A classe
média do país, que freqüentemente dependia da burocracia governamental e dos setores
comerciais, tinha clara preferência pelos produtos estrangeiros e aliou-se a outros
grupos sociais na denúncia secular da "artificialidade" da indústria
nacional. O conflito de interesses entre industriais e importadores, que é de
se esperar quando a indústria nacional principia a reivindicar proteção contra
os produtos estrangeiros, é, assim, ampliado com uma aliança entre importadores
e consumidores dos setores "médios" e baixos. Aqui, novamente, a análise
do caso brasileiro coincide com o que Gallo descreve na Argentina. Apesar de um
interesse objetivo dos grupos exportadores por tarifas baixas, a estabilização
relativa dos níveis tarifários na Argentina ocorre somente durante o período de
1913-25, que coincide com o acesso do Partido Radical ao governo:
É importante reconhecer
que, de 1916 até 1930, o poder politico passou ao partido geralmente identificado
com as classes medias emergentes. A rigidez crescente da política tarifária
coincide, assim, com o período em que o poder politico escapava das mãos das
classes dominantes tradicionais. E, alem disso, foram precisamente os representantes
dos novos partidos populares no congresso, radicais e socialistas, que mais
ativamente se opuseram a qualquer tentativa de elevação das barreiras tarifárias.(16)
Se recordarmos as razões apresentadas por Hector Dieguez para o atraso relativo
da Argentina, em comparação com a Austrália, é possível verificarmos que voltamos
ao ponto de partida. Há uma contradição patente entre Gallo e Dieguez, mesmo quando
admitimos que os fatores políticos considerados importantes por Dieguez - um movimento
trabalhista poderoso, um partido trabalhista organizado, positivamente relacionados
a atitudes favoráveis ao desenvolvimento industrial - funcionaram na Austrália.
O que Gallo parece implicar é que a Argentina não formulou uma política de industrialização
explícita, não porque faltassem alguns destes elementos, mas exatamente por
que eles existiam.
Falta, finalmente, examinar a questão da relação entre crises externas e desenvolvimento
industrial. As duas guerras mundiais e a crise de 1929 são vistas freqüentemente
como circunstâncias que dificultam o comércio internacional, diminuem a disponibilidade
de câmbio e de produtos estrangeiros e liberam a indústria nacional da competição
internacional. O fato, entretanto, parece ter sido que no Brasil as crises mundiais
exerceram um efeito principalmente depressivo na economia como um todo, incluindo
o seu setor industrial, ainda que tivesse, também, o efeito de aumentar a demanda.
Resumindo sua análise do caso brasileiro, Warren Dean afirma que,
em suma, a Primeira Guerra
Mundial aumentou consideravelmente a procura de artigos manufaturados nacionais,
mas tornou quase impossível a ampliação da capacidade produtiva para satisfazer
a esta procura. As fortunas que se fizeram durante a guerra surgiram de novos
ramos de exportações, da produção durante vinte e quatro horas por dia, ou de
fusões e reorganizações. Novas fábricas e novas classes de manufatura não foram
importantes. Poder-se-á até perguntar se a industrialização de São Paulo não
se teria processado mais depressa se não tivesse havido guerra.(17)
É certo também, por outro lado, que as circunstâncias de guerra permitem uma política
explícita, consciente e organizada de desenvolvimento industrial. No caso do Brasil,
sabemos como as circunstâncias da Segunda Guerra Mundial permitiram a instalação
no país de sua primeira indústria siderúrgica, Volta Redonda, a Fábrica Nacional
de Motores, além de uma série de iniciativas pioneiras na área de tecnologia militar,
inclusive a produção de sonares para a Marinha de Guerra.(18) No caso da Austrália, pareceria que sua participação
no esforço de guerra, tanto na primeira quanto na segunda conflagração mundial,
foi um fator decisivo na montagem de seu parque industrial.(19)
Esta discussão parece sugerir que, se as guerras e as grandes crises internacionais
podem ter conseqüências negativas sobre a atividade econômica regular, ao restringir
o crédito, dificultar os transportes e as comunicações internacionais, reduzir
a disponibilidade de matérias-primas etc., elas podem também dar ocasião a um
esforço político de organização e produção industrial de grandes conseqüências
e impacto. Em outras palavras, a industrialização produzida em um contexto de
crise internacional e guerra dificilmente pode ser explicada em termos econômicos,
mas sim em termos políticos e institucionais.
4. A Expansão do Café: Iniciativa Privada e o Papel
Do Estado
A análise até aqui revela dois elementos ausentes no modelo que estamos discutindo,
ou, pelo menos, que não são sistematicamente considerados. O primeiro é o papel
e as características do Estado, onde se insere o impulso externo; o segundo
é uma consideração explícita da transição entre mecanismos de mercado, que expressam
o jogo agregado de interesses individuais, e a formulação explícita de orientações
políticas por grupos sociais organizados.
Os dois elementos encontram-se estreitamente relacionados. Há uma diferença
significativa entre uma nova nação, como a Austrália, criada como uma extensão
da economia britânica em expansão, e as "novas nações", como o Brasil
ou a Argentina, nas quais o impulso econômico externo se implantou num contexto
preexistente de patrimonialismo politico e dependência das atividades produtivas
frente ao Estado patrimonial. Nestas "velhas novas nações", a condução
da política nunca chegou ás mãos dos novos grupos econômicos, mesmo se os antigos
setores de poder devessem mudar seu estilo e abrir o sistema politico a novas
formas de participação. Na Argentina, a despeito da imigração internacional
maciça, o poder politico permaneceu basicamente nas mãos da velha elite tradicional,
que possuía imensos latifúndios para a pecuária e que controlava habilmente
a maquinaria estatal.(20) No Brasil, o número
de imigrantes foi menor, e eles se dirigiram sobretudo para São Paulo, uma área
que fora marginal A formação da sociedade brasileira desde a Guerra dos Emboabas
até A corrida do café, nos fins do século XIX. Esta divisão geográfica adicionou
um elemento de regionalismo As diferenças econômicas e políticas entre São Paulo
e o centro da vida política brasileira no Rio, que é fundamental para a explicação
do que aconteceria ao processo politico do país durante a maioria das décadas
seguintes.
A economia cafeeira no Brasil iniciou sua expansão em meados do século XIX
e seguiu um padrão de abertura de fronteira, devido a uma combinação de produção
crescente e exaustão progressiva das terras. Em 1859, quase 80% da produção
brasileira de café provinham do Estado do Rio de Janeiro, 12,1% de São Paulo
e 7,8% de Minas Gerais. Em 1902, São Paulo concentrava 65,2% da produção, Minas
22,8% e Rio de Janeiro apenas 9,7%.(21)
Como explicar esta dramática transferência geográfica, em um período de cinquenta
anos? A resposta convencional é que havia em São Paulo grande disponibilidade
de terras virgens e férteis, enquanto as de Minas Gerais já atingiam seu esgotamento.
No entanto, esta explicação é claramente insatisfatória. Foi, certamente, verdadeiro
que a qualidade dos solos paulistas era excepcionalmente favorável ao aumento
da produção, que teve lugar no estado. Mas não é tão evidente que o solo em
Minas Gerais fosse tão inferior, ou que as diferenças na qualidade das terras
fossem tão mais importantes que as características sociais e políticas das áreas
em que foi introduzido o café.(22) A explicação
mais profunda do sucesso da agricultura paulista passa necessariamente pela
análise da solução dada pelo Estado á questão da mão-de-obra, na transição do
trabalho escravo para oi trabalho livre, em primeiro lugar, e na política de
sustentação de preços ao nível internacional depois.(23)
A questão da mão-de-obra pode ser melhor entendida se compararmos o que ocorreu
em São Paulo com o que ocorria na agricultura cafeeira mais tradicional. A melhor
fonte para os estudos da natureza social das primeiras fazendas de café no Brasil
é, sem dúvida, Vassouras, de Stanley J. Stein.(24) Pequeno vilarejo ao longo da via que ligava
o Rio de Janeiro As áreas de mineração de ouro em Minas Gerais, Vassouras e
seus arredores, no vale do rio Paraíba, tornaram-se uma região central de produção
de café, na expansão que se desenrolou entre 1830 a 1850, elevando o volume
das exportações do Rio de cerca de dois milhões para mais de dez milhões de
arrobas durante o período. A decadência veio para Vassouras quase tão rapidamente
quanto a riqueza e o progresso haviam chegado umas poucas décadas antes, e Stein
nos oferece uma descrição detalhada e relevante do que ocorreu.
Uma parte substancial da decadência é explicada pela exaustão dos solos, envelhecimento
dos cafeeiros, escasseamento de reservas de florestas virgens e erosão, todos
conseqüência de técnicas de cultivo predatórias empregadas numa situação em
que a terra era o fator de produção mais barato e abundante. Celso Furtado argumenta
que esta era a maneira mais racional de agir, já que a deterioração das terras
era compensada pelo montante de riqueza produzido pelo cultivo. Este tipo de
raciocínio faz sentido do ponto de vista da economia do país como um todo, pois
que a terra parecia inesgotável e a produção do país não deixava de aumentar.(25)
Entretanto, do ponto de vista do agricultor individual de Vassouras e, sob este
aspecto, para o município como um todo, a decadência econômica foi pesada e
demonstrou ser impossível de ser superada. Os fazendeiros da região foram incapazes
de conseguir novos trabalhadores para substituir os escravos envelhecidos e
caros, e não dispuseram de capital para financiar suas colheitas, para substituir
os velhos cafeeiros, ou para experimentar técnicas de cultivo mais racionais
e menos predatórias.
O cultivo do café requer crédito, pois necessita de quatro anos de investimento
inicial até que os cafeeiros recém-plantados frutifiquem. A fonte inicial de
crédito provinha dos intermediários no Rio, que se encarregavam da comercialização
do produto e que retinham os empréstimos, seus juros e seus lucros. Quando veio
a decadência, a dependência dos agricultores em relação a estes intermediários
aumentou e, em 1850, o Banco do Brasil começou a financiar diretamente os cafeicultores
em dificuldades. O cafeicultor parecia confiar em sua influência política, seus
títulos de nobreza e relações pessoais para evitar a pressão de seu credor oficial.
Stein se refere a vários mecanismos mediante os quais os cafeicultores podiam
manter "sua indiferença no cumprimento de obrigações assinadas que exigiam
pagamento imediato de capital e juros".(26)
E cita um observador da época como tendo afirmado que "em nenhum lugar
do mundo - pelo menos não nas Índias Holandesas se proporciona aos agricultores
tantas garantias legais para permitir-lhes cultivarem suas terras em paz, como
no Brasil".(27) O apoio financeiro aos
agricultores foi concedido durante certo tempo contra qualquer lógica econômica:
O fluxo ocorreu apesar
da retração temporária dos mercados externos para o café, da competição do café
mais barato produzido nas áreas afastadas do vale do Paraíba em São Paulo e
da produção menos abundante das áreas endividadas da província.(28)
Este endividamento crescente e a dependência frente ao governo no Rio não deu
ao agricultor liberdade de ação para solucionar o problema da mão-de-obra, que
era crucial.(29) Depois de 1850, o tráfico de escravos da África
se extinguiu e, desde então, até o final do regime da escravidão, em 1888, a substituição
dos trabalhadores se tornou bastante difícil. O preço dos escravos quase dobrou
de 18524, e aumentou exponencialmente até por volta de 1880, quando o sistema
da escravatura principiou a desmoronar.(30) A despeito do substancial tráfico interno de
escravos, o fato é que a mão-de-obra escrava envelheceu, a proporção de homens
por mulheres se tornou mais equilibrada e a população cativa tornou-se mais um
peso do que um recurso:
Este segmento crucial da
força de trabalho agrícola, o grupo de idade entre 14 e 45 anos, diminuiu de
um máximo de 62% do total da mão-de-obra de 1830-49, para 51% na década seguinte
e, finalmente, para 35% nos últimos oito anos de escravidão.(31)
É difícil explicar a incapacidade do cafeicultor do Rio de resolver o problema
da força de trabalho. Uma explicação comum refere-se As dificuldades de lidar
conjuntamente com trabalhadores livres e escravos, uma vez que tal coexistência
poderia significar para o trabalhador livre um rebaixamento insuportável à condição
de escravo. O trabalho manual seria equiparado ao trabalho escravo, e nenhum trabalhador
livre o aceitaria sem problemas.
Para que este mecanismo psicológico, entretanto, operasse, as barreiras sociais,
econômicas e raciais entre escravos e trabalhadores da classe baixa deveriam
ser muito mais marcadas do que eram no século XIX no Brasil.(32)
Na realidade, outros regimes de trabalho haviam sido experimentados na área
de Vassouras antes do final do sistema escravista, sem sucesso. Arrendamento,
parceria e trabalho assalariado foram tentados com graus distintos de fracasso
e, após a abolição da escravatura, a "organização dos remanescentes da
fazenda produtora de café cristalizou-se na forma de parceria, suplementada
por emprego por tarefa".(33)
O sistema de parceria implicava que o proprietário não necessitava preocupar-se
demasiado com as atividades diárias da lavoura, enquanto os trabalhadores livres
poderiam gozar de um simulacro de independência e pequena propriedade. Aqui,
como em outras situações, um padrão de troca entre decadência econômica e dependência
patrimonial pode ser observado. Todos os cafeicultores influentes de Vassouras
possuíam títulos de nobreza no Brasil-Império, e o percentual de barões do café,
em relação A totalidade de detentores de títulos, subiu de 21 a 26% de 1840
a 1870. Os títulos eram outorgados, segundo Stein, por "sua contribuição
financeira na Guerra do Paraguai, ou sua importância local ou nacional no apoio
ao regime imperial, ou seus atos filantrópicos".(34)
Esta bastante generosa distribuição de títulos não-hereditários de nobreza constitui,
certamente, uma indicação da importância que atribuíam os agricultores As suas
relações com a sede do governo imperial. Esta relação não se limitava a uma
questão de prestígio, mas, como vimos, encontrava-se estreitamente ligada As
fontes de apoio econômico e financeiro que só poderiam encontrar no Rio de Janeiro.
O sistema de parceria permitiu que se combinassem agricultura de exportação
e de subsistência, pois que o parceiro podia habitualmente cultivar um pedaço
de terra para seu consumo próprio. Este aspecto, aliado A influência política
do agricultor, aumentou a capacidade da fazenda mais tradicional de café para
sobreviver ao impacto dos desequilíbrios econômicos de curto prazo, mas reduziu
sua capacidade de influenciar o processo a longo prazo.
A diferença entre o que ocorreu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, por um
lado, e em São Paulo, por outro, é notável. Em São Paulo, a produção do café
foi estimulada por uma política ativa de atração de imigrantes europeus e de
sua submissão a um sistema de exploração do trabalho bastante intenso, de características
semelhantes As do capitalismo. Há dois padrões mais gerais de imigração no Brasil,
um deles conhecido como "colonização" e o outro como "imigração"
simplesmente. O primeiro, que tendeu a ser dirigido e induzido pelo governo
central, foi uma tentativa de criar no país um campesinato de tipo europeu,
independente e produtivo. O outro, mais diretamente promovido pelos agricultores
de São Paulo e, posteriormente, pelo governo estadual, visava, especificamente,
à provisão de mão-de-obra para as fazendas de café.(35)
O padrão de "colonização" obteve êxito relativo nos estados sulinos
do Rio Grande e Santa Catarina, onde se estabeleceram grandes colônias de alemães.(36)
O de imigração, entretanto, foi o dominante, e São Paulo tornou-se, cada vez
mais, a área promotora e de destino deste fluxo, como demonstram os quadros
7 e 8. (37)
Depois de 1889, quando se inicia o período republicano, o padrão das despesas
federais e estaduais é errático, indicando que a divisão de atribuições entre
os dois níveis de governo ainda estava por fazer. De 1889 a 1891, o governo
federal parece assumir a responsabilidade das despesas com imigração; após esta
data, a contribuição do Estado de São Paulo não é constante, mas foi sempre
significativamente elevada. De 1902 a 1906, o governo central reduziu substancialmente
sua participação no financiamento da imigração, deixando-o quase inteiramente
a cargo de São Paulo. Após 1906, o problema da força de trabalho está praticamente
superado em São Paulo. O padrão da imigração se modifica, os italianos cedem
lugar aos portugueses e espanhóis, e o problema que aflige os fazendeiros de
café já não é o trabalho, mas os preços no mercado internacional.
Um esforço sistemático para o controle da oferta e para influenciar os preços
do café no mercado internacional principia, precisamente, em 1906, com o acordo
de Taubaté, firmado pelos governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio
de Janeiro. Tentativa anterior de controle da oferta fora feita pelo governo
de São Paulo quando, em 1902, proibiu o plantio de novos cafeeiros durante cinco
anos.(38) Sabe-se, com segurança, que as iniciativas
para o acordo de Taubaté e para as subseqüentes medidas de controle dos preços
provieram dos cafeicultores paulistas; Delfim Netto relaciona estas iniciativas
às diferenças nos sistemas de trabalho dos dois estados-líderes, Minas Gerais
e São Paulo. O regime de trabalho em São Paulo era do tipo contratual e monetário
("colonato"), ao passo que no resto do país, especialmente em Minas
Gerais, as relações de trabalho se baseavam na "parceria". As diferenças
entre estes dois sistemas ressaltaram quando os preços caíram no mercado internacional,
em princípios do século XX. O cafeicultor de São Paulo era mais vulnerável às
flutuações de preços do que seu igual sob o regime da parceria, e esta é a razão
por que, segundo Delfim Netto, "não é de surpreender que as pressões para
a intervenção [federal] governamental (na economia do café] surgissem de São
Paulo".(39)
O sistema republicano de 1889 iniciou-se, assim, com uma considerável descentralização
de poder e com um estado-líder que começava por enfeixar em suas mãos a administração
dos interesses de seus grupos dominantes em relação ao suprimento da força de
trabalho, controle da produção, política de exportação, e assim por diante.
Seria um equivoco, no entanto, supor que este processo levaria â progressiva
constituição de uma política orientada principalmente pelos interesses destas
classes dominantes e executada diretamente por ela. Os debates havidos na época
no Congresso Nacional, os documentos da Sociedade Rural Brasileira, controlada
pelos interesses do café, e outras fontes da época examinadas por Elisa Pereira
Reis evidenciam que havia um esforço sistemático e constante de transferir ao
governo federal a responsabilidade pela condução da política cafeeira do país
- e, evidentemente, a absorção de seus custos - e que foi resistida durante
muito tempo pelo governo. A autora resume sua análise dizendo que inicialmente
a busca de apoio oficial para a defesa de seus interesses era vista pelos cafeicultores
como uma medida temporária para compensar uma situação adversa no mercado internacional.
Com o tempo, no entanto, a própria política de valorização foi transformando-a
em um processo permanente.
Sob o impacto de crises
recorrentes do mercado, as preferências pela ação do Estado em relação a esforços
cooperativos os levaram a renovar suas demandas por intervenção estatal. Depois
de três instâncias de "intervenção temporária", os fazendeiros passaram
a fazer campanha pela ação permanente do Estado no mercado do café, o que finalmente
conseguiram na década de 20. (...) As práticas de intervencionismo econômico
reforçaram a dominação politica dos plantadores. Com este poder, os plantadores
puderam superar a resistência inicial do executivo a intervir no mercado e reforçar
as práticas monopolísticas que asseguravam preços artificialmente altos para
o café. Uma vez que as oligarquias agrárias conseguiram garantir sua representação
exclusiva na arena politica, o liberalismo econômico perdeu sua raison d'être.
Como conseqüência, os princípios de laissez-faire, estabelecidos nas
normas constitucionais, foram abandonados em beneficio da intervenção contínua
do Estado no mercado.(40)
5. Síntese - Poder Oligárquico e Dependência Patrimonial
Esta coalizão conservadora entre a oligarquia rural e o Estado é muito importante
para entendermos por que os interesses econômicos mais dinâmicos do país não
conduziram a uma política de representação de interesses mais bem definida,
e a uma maior abertura do sistema politico a outros setores sociais, como aparentemente
ocorreu nos países capitalistas onde este tipo de coalizão não se deu. Segundo
ainda Elisa Reis,
o fato de as elites agrárias
terem sido capazes de impor seu domínio oligárquico sem resistência significativa
por parte de interesses competitivos levou a uma superposição significativa
entre as ordens pública e privada. Nestas circunstâncias o Estado, que havia
expandido suas atividades em grande medida para atender às demandas das oligarquias
dominantes, não tinha que responder a outros interesses sociais. Mesmo as divisões
entre as elites agrárias não levavam à negociação pluralística, porque o federalismo
no Brasil levava à segmentação de interesses. (...) O governo central tratava
com as demandas regionais de forma fragmentada, favorecendo assim relações verticais
em detrimento das relações horizontais.(41)
Se esta análise nos permite entender melhor o caráter conservador do sistema político
gerado, entre outras coisas, a partir dos interesses cafeeiros, ela não é suficiente
para explicarmos as diferenças entre o tipo de política que se originava de São
Paulo, a que se originava de Minas Gerais e a que emanava do centro político do
país no Rio de Janeiro. Na verdade, apesar de real, a coalizão de interesses entre
as oligarquias rurais e o Estado é somente uma parte da história. É preciso considerar
ainda que o fortalecimento de estruturas políticas não se deu a partir da expansão
econômica de determinados setores, mas precisamente em função da decadência de
outros. Vale a pena fazer um rápido retrospecto de nossa história sob esta perspectiva.
A história de Portugal mostra um padrão consistente de busca de apoio para
o domínio político à custa de concessões econômicas à Inglaterra. Depois da
independência em relação à Espanha, Portugal estabeleceu com a Inglaterra um
pacto pelo qual esta concedia Aquela garantias políticas em troca de privilégios
econômicos. O clímax desta relação de dependência foi, possivelmente, o Tratado
de Methuen, de 1703. Com este trabalho, Portugal pôde garantir seu controle
sobre o Amazonas, contra a França, e sobre a Colônia do Sacramento, contra a
Espanha, mantendo, além disso, os mercados ingleses para o vinho português.
O preço, no entanto, foi, no dizer de Celso Furtado, a renúncia ao desenvolvimento
de uma indústria portuguesa e a transferência à Inglaterra do impulso dinâmico
criado pela produção de ouro no Brasil.(42)
Alan K. Manchester oferece abundantes provas históricas de como este processo
de troca permaneceu no Brasil após sua independência de Portugal, em 1822. Um
dos tratados assinados entre o governo português exilado no Brasil em 1810 e
a Inglaterra, garante privilégios a todos os tipos de produtos e a cidadãos
ingleses em território português; outro, tratando de questões políticas, assegurava
a união perpétua entre os dois países, incluindo a promessa britânica de "nunca
reconhecer como soberano de Portugal qualquer príncipe que não seja o herdeiro
legitimo da casa de Bragança", e acrescentava outras garantias políticas.(43)
O mesmo padrão de troca de poder econômico por privilégio político era aparente
na Argentina, onde, de acordo com a análise de Gallo e Cortes Conde, um padrão
de crescimento "para fora", com emprego intensivo de capital estrangeiro,
manteve os grupos políticos mais tradicionais relativamente seguros.
Em termos gerais, o traço característico da colonização portuguesa no Brasil
parece ter consistido em um processo de centralização política que ocorria simultaneamente
e era intensificado pela contínua decadência econômica em vários níveis e áreas.
Celso Furtado mostra, em Formação Econômica do Brasil, como a economia
do açúcar, no Nordeste, proporcionava a parte principal dos lucros para os holandeses,
em troca da soberania portuguesa sobre o território brasileiro.
O mesmo processo parece haver existido regionalmente. Em Minas Gerais, um sistema
cada vez mais estrito de controle fiscal sobre as áreas de mineração foi estabelecido
depois da Guerra dos Emboabas, e o aumento do controle era proporcional à diminuição
da produção.(44) No Sul, apesar do modesto sucesso
da indústria do charque e do trigo, as atividades militares dirigidas por Lisboa
e Rio nunca deixaram de ser preponderantes. O Rio de Janeiro, a capital administrativa
do país desde 1763, tem vivido, desde então, dos benefícios oriundos da presença
do governo colonial, da Coroa e, depois, do Império.
Dependência política derivada do status colonial, subordinação econômica a
Portugal e Inglaterra, e centralização burocrática para a exploração de uma
economia em decadência, tal é o quadro com o qual o Brasil entra no século XIX.
Durante a maior parte do século XVIII o progresso do país foi medíocre e, na
medida em que a economia estagnava, o processo de centralização e controle politico
se acentuava.(45)
Estudos históricos deverão documentar os aspectos mais específicos da relações
aqui sugeridas, entre decadência econômica e centralização política. Celso Furtado
sugere que a economia açucareira do Nordeste foi capaz de resistir à queda dos
preços internacionais de seu produto pela reversão a um tipo de economia de
auto-suficiência que se aproxima, mais do que qualquer outra coisa, de uma versão
brasileira de tradicionalismo feudal.(46) Se
isto foi assim, o que se passou então, com as atividades administrativas e comerciais
que dependiam desta economia em recessão? Os historiadores estão ainda por responder
a isto.(47) Aconteceu, provavelmente, que, na medida em
que os grupos comerciais mais dinâmicos partiam, a administração governamental
se retraía a um tipo de ritualismo burocrático, tão familiar, de resto, à estrutura
altamente centralizada e formal da administração portuguesa.
Em termos gerais, pois, o processo da colonização portuguesa parece ter consistido
em dois movimentos típicos. Primeiro, a administração proporcionava todo tipo
de facilidades para a iniciativa privada, produzindo, ao mesmo tempo, prosperidade
econômica e dispersão de poder. Em um segundo momento, a administração aumentava
seu controle através de uma série de restrições, levando a um conflito inevitável
com os empreendedores privados. Esta centralização e crescimento de controles
eram uma reação a uma redução da renda; isto parece ter acontecido com o açúcar,
foi certamente o caso com a decadência da economia mineira no final do século
XVIII e voltou a ocorrer no início do século XIX, com a tentativa das cortes
portuguesas de reconduzir o Brasil a seu status colonial.(48)
O padrão de dependência externa, que deveria continuar através de todo o século,
significou, assim, não apenas que os recursos e a riqueza nacional eram canalizados
para o exterior, o que, em certo sentido, é conceitualmente trivial, mas também
que, neste processo, o Estado patrimonial foi capaz de sobreviver ao limitar
as oportunidades de organização e manifestação política independente por parte
de grupos nacionais que detinham uma base produtiva própria, fossem industriais,
capitalistas ou trabalhadores. Confrontados com um setor político dominante,
que gozava do apoio de interesses econômicos estrangeiros poderosos, os grupos
nacionais podiam implorar, pressionar ou reivindicar favores especiais e concessões
dos detentores do poder político, mas nunca poderiam aspirar a conquistá-lo
e submetê-lo a seus próprios fins. É por isso que a coalizão conservadora dos
interesses dos cafeicultores com o governo federal não teve como resultado,
a longo prazo, a subordinação da política federal aos interesses do café, mas,
ao contrário, a progressiva dependência dos interesses do café em relação ao
governo do Rio de Janeiro.
A conseqüência foi a falta daquela "vontade e determinação política"
que os economistas e historiadores argentinos só detectaram haver na Austrália,
e que poderia eventualmente transformar uma situação de privação relativa em
uma política voluntária de industrialização e desenvolvimento. Apenas o próprio
Estado foi capaz, quando as condições existiam, de tentar esta transformação,
independentemente e às vezes às expensas dos partidos políticos e dos setores
da "sociedade civil". Esta "falta de vontade e determinação política",
é claro, não constitui um traço cultural ou psicológico, mas é resultado de
uma situação de dependência interna que replicava, por assim dizer, a dependência
externa do poder patrimonial em relação aos centros da economia mundial.
Podemos passar, agora, a um exame mais estritamente politico do processo interno
que correspondeu a estas transformações estruturais.
Notas
1. Cf. Pinto, V. N., 1969, p. 132. Os dados acima são da
mesma fonte
2. Nurske, R., 1968. A tradução é minha.
3. Manchester, A. K., 1933. A Tradução é minha.
4. Ibid. p. 334.
5. Sobre Staple Theory, ver Caves, R., 1965, e
Watkins, M., 1963.
6. Alguns dentre os estudos comparativos sobre este tópico
são os de Dieguez, H. L., 1968; Smithies, A., 1965, e Ferrer, A. e Wheelwright,
E. L., s.d. Os resultados de um seminário especifico sobre o tema estão contidos
em Fogarty, 3., Gallo, E. e Dieguez, H., 1979.
7. Dieguez, H. 1968, p. 16-7. A tradução é minha.
8. Gallo, E., 1970, p. 57-78. A tradução é minha.
9. Este modelo faz parte do "paradigma clássico"
que Wanderley Guilherme dos Santos atribui, principalmente, a Celso Furtado
(ver o cap. 1, nota 4, e Furtado, C., 1972). Para uma discussão de seus pressupostos
históricos, ver Dean, W., 1971, principalmente os caps. 6 e 10; Baer, W. e Villela,
A., 1972: Leff, N. H., 1969; e vários outros citados no trabalho de Baer e Villela.
10. Dean, W., 1971, p. 16. A tradução é minha.
11. Gallo, E., 1970. p. 53.
12. Dean, W., 1971, p. 79.
13. Ibid. p. 80.
14. Ibid. p. 81.
15. A respeito da repressão ao movimento operário nesta
época, ver Pinheiro, Paulo S., 1979.
16. Gallo, E., 1970. p. 57. As fontes utilizadas por Gallo
são Díaz Alejandro, C. F., 1967, e Cornblit, O., 1967.
17. Dean, W., 1971, p. 114.
18. Ver a este respeito Pinto, Ricardo G. Ferreira, 1978,
e Schwartzman, S., 1979, p. 258-61.
19. Long, G., 1947, p. 20, citado por Dieguez, H., 1968.
20. Sumariando um estudo sobre a formação da Argentina
contemporânea, R Cortes Conde e E. Gallo concluem que apesar de haver sido "bastante
secularizado y fuera muy dinámico", a liderança política do país já estava
demasiado consolidada no poder para ceder lugar aos grupos imigrantes emergentes:
"Por el escaso poder económico y la relativa marginalidad de los grupos
que podían haber asumido la dirección de una política industrialista, extranjeros
en su mayoría, dentro de una sociedad ya estructurada y con la presencia de
un grupo dirigente tradicional, resulta comprensible la dificultad de hacer
aceptable una nueva política para la mayoría de la población. Esto diferencia
a la Argentina de la mayor parte de las regiones de nuevo poblamiento, donde
casi todos eran recién llegados y se encontraban en condiciones similares".
O único crescimento possível era "hacia afuera", de maneira tal que
as situações de poder consolidadas não fossem ameaçadas. Cf. Cortes Conde, R.,
e Gallo, E., 1967.
21. Cf. Reis, E. M. Pereira, 1972, p. 6.
22. Publicação oficial do Estado de Minas Gerais estima
que, em 1929, existiam ainda, aproximadamente, 11 milhões de hectares de terras
virgens apropriadas para o cultivo do café, e que apenas a metade destas terras
seria suficiente para plantar mais de cinco milhões de cafeeiros, ou cerca do
quíntuplo do que São Paulo plantava naquela época. Cf. Estado de Minas Gerais,
1929
23. Para uma análise excelente destes dois temas, ver Reis,
E. M. Pereira, 1979. Sobre a política de valorização, ver também Delfim Netto,
A., 1959.
24. Stein, S. J., 1957. Existe tradução brasileira posterior.
25. Furtado, C., 1972, p. 163. O uso predatório da terra
era, para ele, racional não somente do ponto de vista individual como também
do ponto de vista da sociedade em seu conjunto: "Se o aproveitamento da
reserva esgotável de solos se faz para dar início a um processo de desenvolvimento
econômico, não somente a geração presente, mas também as futuras - que receberão
a reserva transformada em capital reprodutível - serão beneficiadas".
26. Stein, S. J., 1957, p. 241.
27. Ibid. p. 242.
28. Ibid. p. 244.
29. Cf. Furtado, C., caps. 21 a 24, 1972, para uma análise
dos problemas da força de trabalho no Brasil, neste período. Para uma visão
mais completa e atualizada da transição do trabalho escravo ao trabalho livre,
ver Reis, E. M. Pereira, cap. 2, 1979.
30. Stein, S. J., 1957, p. 65 e 229.
31. Ibid. p. 78. A tradução é minha.
32. Herbert S. Klein, em um artigo, observa que existia
no Brasil do século XIX um padrão de miscigenação racial e étnica intensivo,
que contribuía para formar um grande contingente populacional livre de origem
africana ou mestiça. O trabalho conclui com a afirmação de que "the fact
that so many freedman were being manumitted at such a constant and rapid rate
in the nineteenth century, during the greatest expansion o! the plantation economy,
suggests the fundamental acceptance by white Brazilians of the possibility of
a functioning interracial free labor society well before the institution of
slavery was seriously challenged". Klein, H. S., 1969, p. 52.
33. Stein, S. J., 1957, p. 271.
34. Ibid. p. 122.
35. Uma descrição dos padrões de imigração no Brasil é
apresentada por Diegues Jr., M., 1964. Neiva, A. H., 1945, constitui uma referencia
bibliográfica básica. Dados de imigração de 1819 a 1947, por ano e país de origem,
podem ser encontrados em Neiva, A. H., ibid., e Carneiro, J. F., 1950.
36. Ver Paula Lopes, R., para uma análise do padrão de
"colonização", dominante no Sul do Brasil.
37. Ver Azevedo, S. A., 1941, para uma descrição detalhada
do fluxo migratório e dos tipos de ocupação do solo em São Paulo.
38. Reis, E. M. Pereira, 1972, p. 8.
39. Delfim Netto, A., 1959, p. 43-4.A comparação entre
o sistema de "colonato" e o de "parceria" é feita com base
em Ramos, A., 1934.
40. Reis, E. M. Pereira, 1979, p. 166.
41. Ibid. p. 234.
42. Furtado, C., 1972, p. 34. Para as relações entre Brasil
e Inglaterra, cf. Manchester, A. K., 1933, assim como o sumário dado por Furtado
no cap. 7, "Encerramento da etapa colonial."
43. Manchester, A. K., 1933, p. 91.
44. Para uma descrição deste processo, ver Faoro, R., 1958.
45. A idéia de que a segunda metade do século XVIII foi
de continua decadência econômica não é totalmente correta. Há um período de
reflorescimento no fim do século, devido, principalmente, ao surgimento de novos
produtos e à recuperação dos preços internacionais do açúcar. Este desenvolvimento
é analisado por Alden, D., 1968, p. 381.
46. Cf. Furtado, C., 1972.
47. Esta análise é sugerida, ainda que não totalmente feita,
em Castro. A. B., 1971.
48. Sobre a vinda da família real portuguesa ao Brasil e a
atuação das cortes portuguesas, cf. Manchester, A. K., 1969, e Burns, B. E., 1970.
Capítulo 5
DO IMPÉRIO À REPÚBLICA: CENTRALIZAÇÃO, DESEQUILÍBRIOS REGIONAIS E DESCENTRALIZAÇÃO
1. A Vida Política no Século XIX
2. De Províncias a Estados
3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano
4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do Sul
5. São Paulo e Minas Gerais
6. A Revolução de 1930- Fatos e Ideologias
7. A Nova Centralização
Notas
1. A Vida Política no Século XIX
Uma das características mais notáveis do Brasil do século XIX é o estabelecimento
de uma monarquia estável no país, que funciona sem maiores percalços de 1840
a 1889, tendo antes passado por um período de consolidação iniciado em 1808.
Sem pretender reproduzir aqui a história deste período, vale a pena fixar algumas
das suas características que se vinculam mais de perto à questão da formação
do Estado e seu relacionamento com os demais setores da sociedade brasileira
na época.
O período inicial do Império é caracterizado pelo conflito entre "brasileiros"
e "portugueses", mais tarde traduzido em termos de um conflito entre
os Partidos Liberal e Conservador. A dissolução da Assembléia Constituinte de
1823 é uma vitória dos "portugueses," assim como a abdicação de D.
Pedro I, uma vitória dos "brasileiros." Após a abdicação, o país entra
em um período de rebeliões regionais que ameaçam sua fragmentação política e
territorial. No processo de consolidação política, o governo central teve que
criar uma força militar relativamente independente das regiões em que estivesse
estacionada e, desta forma, foi iniciada a formação de um exército nacional
regular.
Tanto a Marinha quanto o Exército eram compostos, nos primórdios do Brasil
independente, de portugueses e mercenários, mas a nacionalização do Exército
parece ter ocorrido muito mais rapidamente. Um decreto, em 1831, reorganizou
o Exército, fixando seu efetivo em dez mil homens, e o número de pessoas alistadas
permaneceu entre 15 e 20 mil durante todo o século XIX, com exceção do período
da Guerra do Paraguai. Havia cerca de 35 mil homens em armas em 1865, 83 mil
em 1869, mas somente 15 mil em 1873; Esta diminuição esconde, entretanto, o
processo de desenvolvimento de um exército profissional e organizado, incrementado
a partir da derrota dos movimentos sediciosos do Período Regencial.(1)
Estas sedições eclodiram, a partir de 183 i, na Bahia, Pernambuco, Pará e Rio
Grande do Sul. Em 1839, ano que antecede à declaração de maioridade de D. Pedro
II, ocorriam rebeliões nos quatro estados. Em 1845, no entanto, somente o movimento
farroupilha no Rio Grande do Sul não estava totalmente dominado.(2) Não é, evidentemente, uma coincidência o fato
de õ homem responsável pela eliminação das rebeliões ser também considerado
o fundador e patrono do Exército brasileiro.
Apesar de diminuírem as rebeliões a partir da década de 1849, o Exército que
foi organizado para conte-las continuou a manter altos os seus gastos, numa
indicação clara da irreversibilidade do fortalecimento da instituição militar.
Na década de 1830, estes gastos oscilavam entre 30 e 40% das despesas totais
do governo central; no ano fiscal de 1939-40, atingiram 56%, diminuindo depois
lentamente até um patamar ao redor dos 40% da despesa total, onde se mantiveram
até 1870. Esta redução não significou, no entanto, uma diminuição de gastos
absolutos, já que as despesas públicas cresceram sem interrupção durante todo
este período.(3) De fato as despesas governamentais
triplicaram nos dez primeiros anos que se seguiram à independência, aumentando
progressivamente a partir daí.
Não se trata, tampouco, de um aumento simplesmente nominal, já que o valor
da moeda brasileira se manteve estável em relação à libra inglesa durante a
maior parte do século XIX.(4) Este aumento de gastos governamentais seguiu de
perto a recuperação da economia brasileira na segunda metade do século, graças
principalmente ao café; este crescimento também reflete a habilidade cada vez
maior do governo central em extrair recursos em seu próprio beneficio.
Quem participava desta estrutura governamental em expansão? Eleitoralmente,
renda e propriedade condicionaram o exercício de direitos políticos durante
todo o Período Imperial.(5) O número de eleitores em 1872 era cerca de um
milhão, o que representava 9% da população total do país.(6)
Este número dá somente uma indicação muito geral dos limites alcançados pelo
sistema de participação política, que além de limitado era sujeito a fraudes
e irregularidades de todo tipo, situação que se manteve durante a Primeira República
e permitia ao governo eleger os candidatos que queria.
A Assembléia Constituinte de 1823 representou, segundo a interpretação de Faoro,
as tendências mais liberais e centrifugas das províncias, em contraposição às
tendências mais centralizadoras do governo imperial. De maneira geral, o Congresso
parece ter sido, tradicionalmente, o lugar em que a oposição descentralizadora
tinha mais possibilidades de fazer-se ouvir, e isto talvez explique o fato de
que os recursos à disposição da Câmara de Deputados tenham diminuído, em termos
relativos, através do tempo.(7)
O orçamento legislativo era parte do orçamento total do Ministério do Império,
sendo sempre muito menor do que os gastos da Família Real, que representava
o maior item das despesas daquele ministério. Os gastos governamentais com o
Legislativo nunca foram além de 1,6% do orçamento total e tenderam a aumentar
minimamente entre a primeira e a segunda metade do período (0,75% de 1837 a
1864 e 1,1% de 1864 a 1889). É claro que estes números em si mesmos não expressam
a força política do Legislativo, mas registram a imagem de um Executivo forte
e centralizador, que foi capaz, pouco a pouco, de ir cooptando a oposição liberal
ao establishment político da época.
Se a filiação partidária dos detentores de posições executivas e legislativas
não nos diz muito sobre quem eles de fato representavam, os dados de origem
regional podem ser um indicador melhor, pois, principalmente a partir do Segundo
Reinado, parecem bastante significativos. Enquanto o centro de gravidade econômico
e demográfico se movia para o Sul, a base política do governo parecia transferir-se
para o Norte. São Paulo e Rio Grande do Sul eram claramente sub-representados,
e não é por acaso que estes estados foram o foco da oposição republicana ao
Império.(8) A alienação política das fontes emergentes
de riqueza era similar á resistência encontrada pelas Forças Armadas em sua
tentativa de desempenhar um papel político mais ativo. O fim do Império abre
o caminho à descentralização política e a uma maior correspondência entre poder
político e desenvolvimento social e econômico.
2. De Províncias a Estados
Com a República, as antigas províncias, agora estados, puderam desempenhar
um papel mais ativo do que até então lhes era permitido. Uma vez consolidado,
o novo regime republicano ficou famoso pela "Política dos Governadores",
que supunha um comando dos governadores dos principais estados, São Paulo e
Minas pelo menos, nas grandes decisões nacionais, a começar pela indicação dos
candidatos à presidência.(9)
Uma visão da administração provincial durante o período do Império nos é proporcionada
pelo trabalho pioneiro de Francisco Iglésias sobre o governo provincial de Minas
Gerais.(10) O primeiro elemento que ressalta neste trabalho
é o sistema hierárquico e centralizado de autoridade em nível nacional. Os presidentes
de província eram nomeados pelo imperador e tinham sua lealdade e fidelidade
totalmente orientadas para o governo central. Não era necessário ao presidente
ser natural da província que governava ou estar de alguma forma a ela relacionado;
com freqüência um mesmo homem ocupava a presidência de várias províncias em
sua carreira política. "Não se sente, na Monarquia", diz Iglésias,
"o espírito de região influindo no governo, como é comum na República.
Os estadistas do tempo foram homens nacionais: ainda que expressivos de suas
terras, com os traços de Pernambuco, Minas ou Rio Grande do Sul, não faziam
o jogo regionalista na vida pública."(11)
A esta centralização extrema aliava-se uma alta rotatividade, uma indefinição
de funções e uma ausência de políticas governamentais explícitas. Durante 65
anos Minas Gerais teve 122 períodos presidenciais, dando uma média de pouco
mais de seis meses para cada administração. Estes pequenos mandatos eram degraus
na carreira política dos homens públicos da época, que pertenciam a um dos partidos
que se alternavam nos gabinetes imperiais e tinham como função precípua assegurar
a vitória da sua agremiação nas eleições para o Congresso em suas províncias.(12)
Este sistema era, sem dúvida, muito ineficiente em termos de capacidade administrativa.
Iglésias proporciona abundante evidência de críticas a ele endereçadas durante
o Período Imperial. No entanto, ele parece ter sido suficientemente eficiente
naquilo que era mais importante para o governo centralizado do Rio de Janeiro,
ou seja, manter oi poder central livre de demandas regionais e assegurar a alternância
pacífica no sistema bipartidário, que funcionava tão bem dentro de seus limites.
Havia poucos meios ou instrumentos pelos quais a vida econômica e social das
províncias pudesse ser influenciada e dirigida a partir de cima e, por outro
lado, nenhuma atividade de agregação de interesses locais e nacionais podia
ser realizada. Esta capacidade tão limitada de mútua influência era, exatamente,
oi necessário para assegurar a autonomia do governo central.
José Murilo de Carvalho, em sua excelente caracterização da burocracia estabelecida
pelo poder imperial, faz uma comparação entre o Brasil e os Estados Unidos na
qual se vê que a burocracia brasileira tinha a forma de uma pirâmide invertida,
com grande número de posições de nível nacional e poucas de nível local, ao
contrário da estrutura norte-americana.(13) Isto revela que, no Brasil, sistemas autônomos
de poder local, baseados na propriedade da terra e em laços familiares, podiam
florescer e prosperar, mas dificilmente se articular como corpos políticos efetivos
de nível regional. A ausência de canais estáveis de comunicação entre a autoridade
política e a liderança local levava, muitas vezes, a choques violentos, dos
quais a rebelião de Canudos é o exemplo mais famoso.(14)
No nível da teoria política, esta situação levou a um sério mal-entendido no
que diz respeito à natureza do sistema político brasileiro, ou seja, à noção
de que os chefes locais eram a base e fonte de poder político regional e nacional,
através de níveis sucessivos de agregação de interesses e articulação política.
De acordo com esta perspectiva, os chefes locais far-se-iam representar na política
regional e nacional por filhos e parentes educados nas universidades do Rio,
São Paulo ou do exterior, que podiam absorver toda a retórica do liberalismo
europeu sem renunciar a suas raízes rurais e tradicionais. A conseqüência teria
sido um tipo de esquizofrenia política que separava o que era dito e escrito
nos livros e leis da realidade em que o poder político realmente se apoiava.
O estilo reconhecidamente retórico e abstrato do discurso político nacional,
assim como de seus textos legais e constitucionais, tende a ser atribuído a
esta discrepância entre uma fachada de integração e institucionalização política
a nível nacional, e uma realidade de poder disperso e atomizado no nível local.
O sistema político tinha, assim, a aparência de se basear em uma sociedade integrada
a nível nacional, mas isto não passaria de uma tênue superestrutura encobrindo
um sistema de poder familiar e privado.(15)
O problema teórico desta visão das coisas é que ela tende a desconsiderar a
estrutura política nacional, como sendo algo praticamente insignificante. Não
obstante, este sistema central foi capaz de manter a integridade territorial
do país e dominar as tentativas de rebelião separatista que começaram a se manifestar
logo após a Independência. Mais ainda, ele foi capaz de manter, depois da Regência,
um regime muito mais centralizado do que os esforços de autonomia local poderiam
fazer supor. A tese alternativa de que o poder era de fato centralizado e concentrado
no nível do executivo permite entender melhor estes fatos, mas deixa fora do
quadro as evidentes manifestações de poder privado e familístico tão abundantes
na literatura. Na realidade, o debate entre as teorias da centralização e a
do poder descentralizado está mal colocado. Não ocorria uma destas coisas, mas
as duas. De um lado, um poder político centralizado e hierárquico, que não dependia
de bases locais de sustentação, apoiando-se na própria máquina administrativa
governamental para subsistir e se afirmar. De outro, um poder privado e autônomo
difuso, que só adquiria expressão política quando era cooptado pelo Estado,
e que entrava em uma trajetória de conflito e derrota quando pretendia se articular,
minimamente que fosse, como força política autônoma e representativa de seus
interesses. A transferência do eixo econômico do país para o Centro-Sul vai
alterando, no entanto, esta situação. A médio prazo, o fim do Império significa,
entre outras coisas, a incapacidade do governo monárquico para incorporar de
alguma forma uma liderança regional que surgia de forma cada vez mais ativa
e articulada. A longo prazo, no entanto, nem mesmo um sistema representativo
tão oligárquico como a República Velha teve condições de se manter, ante as
tentativas centralizadoras do Estado.
3. Regionalismo e Centralização no Movimento Republicano
A Primeira República, que durou até 1930, não conduziu a um aumento do âmbito
do sistema político, em termos de crescimento de participação política popular.
É notável como o sistema de participação política pôde se manter estagnado enquanto
praticamente todos os demais indicadores de desenvolvimento social e econômico
cresciam exponencialmente, como se pode ver no gráfico a seguir:
Antes de 1930, a percentagem de votantes em relação à população total jamais
ultrapassou os 3,5%, e os dados para as eleições parlamentares no Período Imperial
eram pouco inferiores; somente em 1945, na verdade, é que cerca de 15% da população
do país compareceu a uma eleição nacional.(16)
Este fato, combinado com o anedotário nacional sobre fraudes e corrupção eleitoral,
levou à noção de que o Período Republicano representou a época de plena implementação
de um sistema de poder oligárquico baseado nos grandes estados, que teria efetivamente
substituído a centralização imperial. Edgar Carone, em sua obra sobre a Primeira
República, compartilha desta idéia. Ele se refere ao "povo" como o
"grande ausente" da Primeira República:
A implantação da República
é o gesto de uma classe, reivindicação de um grupo em desenvolvimento (...)
A Primeira República é o período em que os senhores do café ascendem ao poder,
alcançam sua plenitude e depois declinam para seu ocaso.(17)
Carone tem consciência das dificuldades de ligar uma interpretação classista tão
direta com fatos tão conhecidos como a presença dos militares e dos monarquistas
na vida política da República Velha. Suas respostas tendem a ser historiográficas
e casuísticas. Ele diz, por exemplo, que os militares desprezam os civis e que
se dividiam entre os que desejavam o respeito às normas constitucionais e os que
desejavam "coparticipar" do poder; terminando por considerar os militares
como um "segmento das classes médias."(18)
O fato, no entanto, é que a participação militar no sistema político, àquela
época, se relacionava mais com o sistema de clivagens regionais e com as mudanças
na estrutura governamental que com a pretensa incorporação de "setores
médios" no processo político. Isto se pode ver com clareza quando examinamos
o movimento republicano que antecedeu à queda do Império, em suas vertentes
ideológicas e regionais tão diferentes.
O inicio do movimento republicano no Brasil pode ser datado de 1870, com a
publicação do Manifesto Republicano no Rio de Janeiro.(19)
O manifesto responsabilizava o regime monárquico por todos os males do país
e afirmava que a República traria a solução para tudo. No entanto, além da substituição
do imperador por um presidente, o manifesto pouco propunha em termos de mudanças
especificas da estrutura social e política do país. O único tema sugerido é
o do aumento da autonomia dos estados, tese federalista que seria central em
quase todo o movimento republicano.
O Manifesto Republicano foi, desde seu início, um esforço de conseguir o máximo
de apoio para o movimento, e por isso deixou de lado os temas mais controvertidos.
Estes, entretanto, viriam a aparecer em uma série de crises por que passou o
republicanismo desde suas origens.
O movimento republicano no Rio se expressava através do jornal A República,
que tendia a absorver toda a retórica da elite política da época, dividindo
o mundo entre coisas boas ou más, corretas ou incorretas, mas nunca convenientes
ou inconvenientes de acordo com certos interesses. Assim, o governo monárquico
era considerado
tão mau, que por melhor
que sela o homem, a realeza força-o a perder o que ele tem de bom; a monarquia
é má para o país, estraga os homens, ata-lhes as mãos, corrompe o próprio rei.(20)
Ainda que estas pareçam ser as razões suficientes para arregimentar qualquer pessoa
ao republicanismo, o fato é que a oposição republicana se baseava em fatos muito
mais específicos e concretos.
Uma análise de conteúdo de jornais do Rio e São Paulo durante os últimos cinco
anos do Império dá uma evidência inicial de dois tipos bem diferentes de oposição
ao governo imperial.(21) Um destes jornais era
A Província de São Paulo, e o outro O País, do Rio de Janeiro.
O jornal carioca tendia a favorecer uma solução militar para a crise política
e, de fato, pedia aos militares que interviessem contra o Império; o jornal
de São Paulo, no entanto, era explicitamente contra a solução militar.
Esta diferença é fácil de entender. A Província de São Paulo refletia
os setores daquele estado ligados à expansão do café, que tinham, já naquela
época, uma capacidade de agregação de interesses que suplantava a de todas as
demais províncias. A mudança de um regime monárquico para um regime militar
não aumentaria a autonomia política por eles desejada, e poderia, na realidade,
impedir que esta autonomia viesse a se consolidar. Quando, finalmente, se deu
a solução militar, o conflito entre o Partido Republicano Paulista e o governo
militar foi quase imediato, de uma forma que voltaria a se repetir intermitentemente
no futuro.
A ideologia republicana que aparece na analise de conteúdo de A Província
de São Paulo pode ser resumida em uma série de aspectos. Primeiro, o tema
do federalismo era central e, não raro, mais importante que a própria idéia
republicana. Um dos lideres republicanos paulistas, Prudente de Morais, foi
eleito para a Assembléia Provincial pelo Partido Liberal [monarquista] em 1877,
e, justificando sua indicação por esta agremiação, dizia que,
se for eleito, na Assembléia
Provincial, procurarei antes de tudo ser um verdadeiro paulista, só aceitando
ou indicando medidas que importarem a satisfaça-o das necessidades reais e que
forem tendentes ao engrandecimento e prosperidade de nossa província...(22)
O segundo aspecto é que os paulistas tendiam a deixar de lado o tema da escravidão,
que era, no entanto, fundamental para os republicanos mais radicais do Rio e outros
centros urbanos. Em uma declaração formal feita em 1872, os republicanos paulistas
diziam claramente que não forçariam o tema da escravidão, já que
O Partido Republicano,
cujas tendências não são autoritárias, está bem longe de executar reformas que
não sejam inspiradas pela nação.(23)
Nesta época, as plantações de café em São Paulo já iniciavam a rápida transição
para o trabalho assalariado, fazendo com que o tema da abolição fosse menos difícil
ali que em outras áreas do país.(24) Mesmo assim,
prevaleceu uma atitude cuidadosa e não-conflitiva. O primeiro congresso do PRP
afirmava, em 1873, o princípio da autonomia regional, de acordo com o qual cada
estado deveria tratar do problema da escravidão de acordo com suas possibilidades
e condições próprias de substituição do escravo pelo trabalhador livre, com o
devido respeito pelos direitos de propriedade.
Em terceiro lugar, o movimento republicano em São Paulo era não-violento e
bem-comportado, funcionando dentro das regras aceitas do jogo político daquela
época. Os republicanos paulistas, não somente disputaram cadeiras das assembléias
da província e nacional durante o Império, como também entraram em diversas
coalizões com os Partidos Conservador e Liberal. Assim, Prudente de Morais foi
eleito pelos liberais em 1877; em 1881, vários candidatos conservadores foram
eleitos com apoio republicano;(25) em 1884,
Campos Sales e Prudente de Morais, ambos líderes do Partido Republicano, foram
eleitos para o Congresso com apoio conservador.(26)
Este tipo de participação política continuou, e estima-se que, no final do Império,
os republicanos comandavam já cerca de 1/4 dos votos eleitorais da província
paulista.
O outro tipo de republicanismo foi, provavelmente, melhor caracterizado pelo
político pernambucano Silva Jardim. Sua fonte de inspiração era muito mais Augusto
Comte que Jefferson; absorvia do positivismo a noção de um regime centralizado,
racional, modernizados e ditatorial, legitimado por plebiscitos, de evidente
inspiração francesa. Em manifesto lançado em 1889, em oposição ao Partido Republicano
oficial, Silva Jardim defendia uma presidência forte, criada pela aclamação
do voto popular, submetida posteriormente ao sufrágio universal. E, em um outro,
dizia que
(...) o regime republicano
exerce-se no campo da ação prática pela concentração das forças políticas, isto
é, pela ditadura, tio forte quanto responsável (...) na ditadura republicana,
quem governa é um representante da opinião pública, por ela instituído ou sancionado.(27)
Não havia lugar para federalização ou descentralização de poder neste tipo de
modelo político; e, dado que Silva Jardim não sofria influência direta de proprietários
de terra e cafeicultores, podia aderir com facilidade e entusiasmo ao movimento
abolicionista que começava a dominar o Rio de Janeiro.
Não é de surpreender que este tipo de republicano radical não encontrasse apoio
entre os lideres do movimento republicano em São Paulo ou Minas Gerais. Na realidade,
Silva Jardim entra em conflito aberto com o Partido Republicano, mas encontra
um companheiro de viagem que se mostraria, com o tempo, mais importante que
os partidos republicanos regionais: o Exército nacional.
É sabido que as idéias positivistas eram ensinadas na Escola Militar do Rio
de Janeiro desde pelo menos 1850, e noções tais como o valor da técnica e da
racionalização, anticlericalismo, centralização política e governo efetivo eram
correntes entre os intelectuais militares na década de 1880.(28)
Silva Jardim viu bem esta conexão quando, por exemplo, pedia abertamente o apoio
militar para a causa republicana.(29) Mais importante que a militância pessoal de
Silva Jardim, no entanto, foi o papel do republicanismo positivista no Rio Grande
do Sul, sob a direção de Júlio de Castilhos, um positivista convicto, graças
às relações tão próximas entre setores civil e militar naquele Estado. A República
começa de fato no Rio Grande, estabelecendo um padrão de divisões regionais
intimamente relacionado com os temas de centralização versus autonomia
regional e governo civil versus governo militar, que iria permear a vida política
do país nas décadas seguintes.
4. A Base Regional do Militarismo: Rio Grande do
Sul
A tradição militar do Rio Grande do Sul teve uma influência decisiva no estabelecimento
da Primeira República e em seu desenvolvimento. Esta tradição, que data da criação
da Colônia do Sacramento na beira do rio da Prata em 1680, era claramente visível
no século XIX. Foi ai que se deu o maior movimento secessionista da história
do país, a Guerra dos Farrapos (1835-45). Três guerras - a Campanha Cisplatina
de 1817-28, as campanhas platinas contra Rosas de 1849-52 e a Guerra do Paraguai
de 1864-70 - tiveram este estado-província como base. Joseph Love trata de estimar
a participação do Rio Grande nos esforços militares da época: segundo ele, cerca
de 3/4 dos homens em armas contra Rosas eram gaúchos, e cerca de 34 mil homens
do Rio Grande foram mobilizados para a Guerra do Paraguai mais de 1/4 do total.
Cerca de 15 mil homens, mais de 1/4 do Exército brasileiro no período anterior
e posterior da Guerra do Paraguai, ficavam regularmente estacionados no Rio
Grande. Ainda de acordo com as fontes citadas por Love, o Rio Grande do Sul
havia fornecido mais oficiais com nível de general-de-brigada ou superior do
que qualquer outra província.(30)
A íntima relação entre as elites civis e militares do Rio Grande foi personificada
pela figura proeminente de Manuel Luís Osório, que reuniu à liderança civil
um papel relevante nas campanhas militares dos Farrapos e das guerras cisplatina
e paraguaia. Seu sucessor na liderança gaúcha, Silveira Martins, não foi um
militar, mas comandava seu partido em estilo militar.(31) Quando o movimento republicano começa no Rio
Grande, sob a liderança de jovens educados na Faculdade de Direito de São Paulo
(Assis Brasil, Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado), ele
assume quase imediatamente as posições radicais preconizadas por Silva Jardim
forte oposição à escravidão, positivismo comtiano, retórica revolucionária e
participação militar. Somente em um item, o da descentralização, ele se identificava
com os paulistas e mineiros; seguia assim a tradição farroupilha de independência
regional e, na realidade, proclamava a Revolução Farroupilha como a raiz e a
inspiração da tradição republicana gaúcha. Esta inclinação secessionista não
deve, no entanto, ser tomada como uma ideologia federalista, já que, uma vez
no poder, os gaúchos se tornavam logo favoráveis à centralização governamental
e à intervenção do governo central em outros estados.
As relações entre o republicanismo gaúcho e a corporação militar podem ser
vistas claramente na seqüência de eventos que levou à queda do Império em 1889.
Um problema de disciplina com um tenente-coronel transformou-se rapidamente
em uma crise nacional, envolvendo questões de honra militar, subordinação dos
militares à liderança civil etc. A Questão Militar de 1883 surgiu em um período
de governo conservador, e uma série de oposições se justapuseram no conflito
dai resultante - liberais versus conservadores, liderança civil versus liderança
militar, militares profissionais versus lideres políticos militares e, finalmente,
republicanos versus monarquistas. Isto criaria, inevitavelmente, um sistema
bastante complexo de lealdades cruzadas, dificilmente interpretável de forma
simples. O movimento republicano, liderado por Júlio de Castilhos e o jornal
A Federação, estava, por um lado, contra a liderança liberal do estado
representada por Silveira Martins; mas, ao mesmo tempo, se unia a Silveira Martins
no apoio à oficialidade contra a autoridade monárquica civil. A participação
do Rio Grande na Questão Militar é das mais importantes. O Visconde de Pelotas,
senador liberal do Rio Grande e marechal, faz um violento discurso no Senado
em 1886 contra o governo; Sena Madureira, pivô da crise em 1883, faz um pronunciamento
no Rio Grande do Sul, condenando o ministro que o puniu em 1884. No final de
1886, o governador gaúcho, também um general daquele estado, assume a defesa
pública de Sena Madureira: é Deodoro da Fonseca, que lideraria o golpe contra
o Império em 1889. Júlio de Castilhos e seu jornal estavam presentes por toda
parte, dando apoio e atiçando a chama do conflito entre a corporação militar
e o governo civil; uma placa metálica que lhe foi presenteada pela oficialidade
da guarnição de Porto Alegre o homenageava por seu "insuperável patriotismo
na defesa dos sagrados direitos da classe militar".(32)
É importante ressaltar que as relações íntimas entre as lideranças civis e
militares no Rio Grande não significavam uma efetiva fusão entre os dois setores.
O Exército brasileiro, pelo menos desde a Guerra do Paraguai, estava adquirindo
as características de um corpo profissional e institucionalizado dentro do governo,
e a Questão Militar jamais poderia ser reduzida a um simples conflito entre
a liderança política do Rio Grande e a Monarquia. Na realidade, os propagandistas
republicanos mais extremados, incluindo Silva Jardim e Júlio de Castilhos, foram
marginalizados do movimento de 15 de novembro:(33) afinal, este foi um movimento militar, em que
os civis não deveriam intervir. Uma vez implantado o novo governo, no entanto,
os civis começaram a se fazer ouvir, ainda que as relações entre os dois setores
fossem sempre difíceis e complicadas.
A história do republicanismo no Rio Grande do Sul é marcada pelo conflito contínuo
e sangrento entre os sucessores do antigo Partido Liberal, que organizaram o
Partido Federalista sob a liderança de Silveira Martins, e o Partido Republicano
liderado por Júlio de Castilhos. Castilhos sobe ao governo do estado sob Deodoro,
cai quando se inicia o governo de Floriano em 1891, mas volta novamente ao poder
pouco depois com o apoio do presidente da República e da guarnição militar de
Porto Alegre. Centralização e controle do governo estadual, organizado de acordo
com os princípios mais autoritários do modelo positivista, e apoio contínuo
ao governo federal em troca de apoio militar e político, tais eram os principais
elementos da força e da estratégia política de Castilhos. Enquanto os republicanos
se estabeleciam como força política sediada em Porto Alegre e especializada
no uso da máquina administrativa em seu favor, a oposição federalista, os maragatos,
mantinha suas bases rurais de sustentação na região da fronteira, dando continuidade
à tradição caudilhista e rebelde do Rio Grande.(34) Em geral, no entanto, as duas facções da elite
política Rio Grandense compartilhavam da tendência ao apelo freqüente à insurreição
armada, à aproximação entre civis e militares, assim como à busca de centralização
e controle, quando no poder, ou descentralização e federalismo, quando fora
dele. Apesar do vulto da imigração européia para o Rio Grande, que o transformaria
em um dos estados mais modernos e europeizados do país, as facções políticas
estaduais ignoravam as diferenças étnicas e, em geral, deixavam de incorporar
os grupos imigrantes em suas disputas.(35) Neste
sentido a experiência política rio grandense se assemelha à argentina, e difere
fortemente da norte-americana, que tendia a incluir o imigrante na vida política
local tão logo ele se estabelecia.
Não teria sentido entrar em detalhes da grande influência gaúcha durante a
Primeira República, mas algumas referências adicionais podem ser úteis para
completar o quadro. Joseph Love faz um cálculo do número de anos que nativos
de cada estado brasileiro ocuparam ministérios da Primeira República, durante
dois períodos: de 1889 a 1910 e de 1910 a 1930. Durante o primeiro período,
a participação do Rio Grande foi pequena: somente 2,56 anos, contra 12,64 para
Minas Gerais, 9,73 para Bahia e 9,02 para São Paulo. É curioso como São Paulo,
o centro do republicanismo federalista, é relativamente marginal, e continua
assim. Depois de 1910, o Rio Grande passa do 12 para o primeiro lugar com 18,13
anos, contra 16,09 para Minas Gerais e 12,37 para São Paulo. Se considerarmos
somente os três ministérios mais importantes - Fazenda, Transporte e Justiça
- o Rio Grande cai para o segundo lugar (15,14 contra 15,45 para Minas Gerais),
enquanto São Paulo, sempre em terceiro, fica bem atrás com somente 6,71 anos.(36)
Em 1910 ocorreu a primeira eleição competitiva para o Executivo na história
do país. Nela, o candidato da oposição, Rui Barbosa, apresentou o civilismo
como tema de sua campanha. Esta foi também a primeira oportunidade em que um
militar, Hermes da Fonseca, se apresentava como um candidato regular para a
presidência. Hermes era, evidentemente, gaúcho, e obteve 48 dos 64 mil votos
do Rio Grande. Rui Barbosa ganha em seu estado, a Bahia, com 75% dois votos,
e em São Paulo com 74%. Estes dados não podem ser interpretados como representativos
da "vontade popular", já que eram sujeitos a manipulações de todos
os tipos, legais e ilegais. Mas indicam onde o governo central comandava o processo
eleitoral, e onde a oposição tinha condições de se manifestar. Apesar de seu
grande prestígio pessoal, Rui perde em todos os demais estados, exceto no Rio
de Janeiro e Maranhão.
Uma vez no poder, Hermes trabalha intimamente com o gaúcho Pinheiro Machado
na estruturação de um regime forte e intervencionista, assim como na formação
de um novo partido, oi Partido Republicano Conservador.(37)
Em São Paulo, Pinheiro Machado e Hermes da Fonseca trabalham juntos para quebrar
a liderança política do estado. Em outros estados o entendimento não se dá,
mas assim mesmo a política de "salvação nacional" cobre todo o país
- Magoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piaui, Rio Grande do Sul, São Paulo.(38)
Depois do Governo Hermes, somente Minas Gerais, que o apóia desde os inicio,
Rio Grande e São Paulo continuam a desempenhar um papel significativo na política
nacional.
5. São Paulo e Minas Gerais
É clássica a interpretação dos sistema político da Primeira República em termos
do "eixo café com leite", isto é, as partes dos predomínio das oligarquias
de Minas e São Paulo. De fato, a importância política de Sãos Paulo, apesar
de grande, nunca esteve à altura de seu crescente peso econômico e demográfico.
O Partido Republicano Paulista apoiou todos os candidatos presidenciais vitoriosos
desde 1898, exceto Hermes da Fonseca, mas somente Campos Sales (1898-1902),
Rodrigues Alves (1902-1906) e Washington Luís (1926-30) eram daquele estado.
A esta ausência da presidência nos períodos de 1910 a 1926 correspondeu uma
participação reduzida nos ministérios, tal cosmo os dados de Love evidenciam.
Existem duras formas de explicar esta aparente marginalização de São Paulo.
Uma é argumentar que indicadores tais cosmos cargos presidenciais ou ministeriais
não são adequados, e que somente dados referidos a decisões específicas na arca
de política econômica poderiam indicar a marginalização do estado. Assim, Valéria
Pena argumenta a favor da existência de um poder político efetivo de São Paulo,
baseada nos fatos de que em certos momentos o Banco dos Brasil dedicou cerca
de 70% de seus recursos para apoiar a cafeicultura paulista.(39)
Outra possibilidade é argumentar que, considerandos a descentralização dos sistema
político na Primeira República, o acesso aos poder central não era realmente
muitos importante para os propósitos da elite econômica e política paulista.
Mário Wagner Vieira da Cunha, por exemplos, argumenta que a autonomia dos estados
era muitos alta nos inicio, mas tendeu a decrescer mais para os final da Primeira
República. A autonomia dos estados
amplia-se na República
a ponto de livremente contraírem os estados empréstimos no estrangeiro, de cobrarem
impostos de exportação, criarem barreiras fiscais interestaduais e manterem
suas próprias forças armadas.
A transferência do centro dinâmico da economia mundial para os Estados Unidos,
no entanto, fez com que surgisse
a necessidade de um entendimento
de nação a nação, caindo quase em desuso o apelo a banqueiros particulares.
A conquista da presidência da República apresentou-se como necessidade ineludível
para a garantia econômica das oligarquias estaduais.(40)
Parece certo que setores paulistas. controlavam, efetivamente, a maioria dos mecanismos
econômico-administrativos relacionados com os interesses do café. Já vimos que
o Acordos de Taubaté, que inicia uma política econômica nacional a respeito dos
produtos, foi uma iniciativa paulista. A primeira instituição governamental criada
para controlar este setor da economia foi o Instituto Paulista de Defesa Permanente
do Café, que controlava o fluxos do produto para o Porto de Santos e financiava
o armazenamento do excedente. Este instituto funciona de 1924 a 1931, mas a partir
dai surgem organizações nacionais que controlam, com autonomia crescente, a economia
cafeeira: o Conselho Nacional do Café (1931-3), o Departamento Nacional do Café
(1933-46), o Departamento Econômico do Café (1946-52) e, finalmente, o Instituto
Brasileiro do Café. Como evidencia muito bem Elisa Pereira Reis em suas pesquisas
sobre o assunto, a nacionalização do controle da política do café foi uma reivindicação
da própria lavoura cafeeira, que ao mesmo tempo em que conquistava o apoio federal
para seus interesses econômicos ia alienando sua capacidade de ação e decisão
próprias.(41)
Um outro indicador da concentração de poder no governo central pode ser visto
se observarmos que na República Velha os impostos à exportação eram lançados
pelos próprios estados e representavam cerca de 40% das rendas estaduais no
período 1915-29. Ás importações, no entanto, eram taxadas pelo governo central
e representavam cerca de 40 a 50% de sua renda até 1929.(42) Dado que a capacidade para importar é função
da capacidade de exportar, a diferença entre os dois tipos de impostos representava
de fato um mecanismo de transferência de renda dos estados exportadores para
aqueles onde a força política podia influenciar na alocação de recursos federais.
Esta situação era, sem dúvida, sentida e m São Paulo, onde a parábola da locomotiva
e seus 20 vagões era corrente.
Em 1924 uma revolta militar surge em São Paulo, em articulação não muito perfeita
com grupos militares do restos do país.(43)
A revolta encontra apoio da Câmara de Comércio, cujo presidente, José Carlos
de Macedo Soares, dá um testemunho vivo das queixas do estado:
Tinha São Paulo o direito
de abandonar a Federação ao domínio - por vezes exclusivo - de estadistas menos
adiantados, de permitir a politicagem utilitária do empreguismo desanimando
todas as coragens cívicas, pelo apoio sistemático aos mandões regionais pela
expropriação injusta dos mandatos? Pois bem a abstenção de São Paulo não se
limitou aos cargos de nomear, que tem constituído o alvo e a ambição dc quase
todos os homens públicos do país. Perdemos totalmente a influência legislativa,
tanto na Câmara federal quanto no Senado. Fomos completamente excluídos de um
dos poderes da República pois no Supremo Tribunal Federal, a esta hora, não
ha um único juiz de São Paulo. Entretanto deles dizia Rui Barbosa: podemo-nos
consolar da fraqueza de seus políticos, ao menos, com a serenidade impoluta
dos seus magistrados. Não temos um só representante no Conselho Superior do
Comércio. Na Diplomacia, como na Magistratura, na Marinha, como no Exército,
nos poderes do Estado, por toda parte, em todos os postos de influência e de
autoridade, São Paulo está sistematicamente excluído.(44)
O que é notável neste texto é a clareza com que distingue dois tipos de política
que existiam nos país. Um, "o alvo e ambição de quase todos os homens públicos
do país", são os "cargos de nomear", de estabelecer clientelas
pela distribuição de empregos. Neste tipo de política o cargo públicos era algo
para ter e gerir, para aumentar os prestígio e a riqueza dos políticos - uma espécie
de patrimônio pessoal. O que os paulistas queriam, nos entanto, era outra coisa.
Eles tinham seus próprios patrimônios, e estavam interessados em controlar os
mecanismos de decisão, em poder influenciar as ações governamentais no sentido
de facilitar e ajudar na consecução de seus objetivos econômicos próprios e privados.
Para os paulistas, a política era uma forma de melhorar seus negócios; para quase
todos os outros, a política era o seu negócio. E é nisto que reside a diferença
e, em última análise, a marginalidade política daquele estado.
Outra expressão dos descontentamento paulista no período aparece em um livro
publicado em 1930 por um altos funcionário da Secretaria de Finanças de São
Paulo.(45) Fazendo usos de abundante informação
estatística, ele sustenta que, no período 1922-4, São Paulo contribuiu com cerca
de um terços do orçamento federal, enquanto que Minas recebia a maior parcela
destes recursos. Entrando em detalhes, ele mostra, por exemplo, que em 1928
o Estado de São Paulo era responsável por 88% do sistema ferroviários estadual,
enquanto em Minas Gerais, que possuía uma rede um pouco maior, 70% eram de propriedade
federal. Naquele anos, Minas concentrava 28% da rede ferroviária federal em
seu território, ao passo que somente 4% do total eram localizados em São Paulo.
Sua análise cobre os gastos federais em correios, saúde e educação. Em todos
os itens a conclusão é a mesma: a participação mineira nos gastos federais não
tem relação com sua reduzida contribuição para a receita. Em um curioso apêndice,
os autor chega a colocar em dúvida os dados que atribuíam a Minas Gerais uma
população superior à de Sãos Paulo: com efeito, argumenta, dada a disparidade
dos produtos entre os dois estados, ou os dados sobre população seriam um artifício
dos políticos mineiros para conseguir mais recursos, ou os mineiros seriam preguiçosos
e improdutivos.(46)
O estudo de Minas Gerais como uma região especifica dentro do sistema político
nacional só tem adquirido maior relevância nos últimos anos. Em um trabalho
muito citado de duas décadas atrás, Cid Rebelo Horta mostrava como a edite social
e econômica mineira estava interligada em uma pequena rede de cerca de 30 famílias.(47)
Estas 30 famílias controlavam a política do estado do nível local ao nacional,
aonde faziam chegar sua influência.
A pesquisa recente de John Wirth sobre Minas Gerais(48) contribui de maneira decisiva para desfazer
os mito de que a elite política mineira era, na República Velha, essencialmente
rural. Ele mostra como esta elite era constituída, no seu topo, por um grupo
de pessoas altamente educadas, e que viviam preferencialmente em centros urbanos.
Estes homens tinham, certamente, vínculos estreitos com o campos, mas não estavam
nos governos como representantes dos interesses rurais, com os quais não raro
conflitavam. Em períodos de dificuldade econômica, seu poder político crescia,
por sua especialização em atividades de mediação política entre o governo nacional
e os grupos locais.
Comparado com São Paulo e Rio Grande do Sul, o Estado de Minas Gerais era economicamente
mais débil e dependente do governo central. Esta seria a explicação de por que
os mineiros se transformaram em especialistas em política local. Paradoxalmente,
diz Wirth, "Minas não tinha outra escolha a não ser desempenhar um papel
central em questões de interesse nacional".
O trabalho de Wirth traz ainda, incidentalmente, nova luz sobre a questão do
papel da Igreja Católica na política de Minas Gerais e do Brasil. Geralmente
pensa-se no catolicismo mineiro cosmo apenas um outro aspecto do tradicionalismo
predominante no estado. Wirth mostra, nos entanto, que a elite política mineira
tendia a ser leiga e agnóstica - e, neste sentido, coerente com a tradição predominantemente
secular da liderança política brasileira. O catolicismo mineiro, em sua forma
mais militante, foi na realidade o resultado de um movimento revivalista intenso,
que levou a firmar o predomínio da Igreja Católica em questões de educação e
que seria a base para a grande influência religiosa na educação brasileira estabelecida
durante o Governo Vargas, dentro de um pacto entre a Igreja e o Estado promovido
por Francisco Campos.
Em síntese, a estrutura familística fechada da elite política mineira, seu
caráter educado, leigos e urbano, e sua participação tão ativa na política nacional
são argumentos contra as teorias que buscam explicar sua influência política
pelo seu controle da terra e dos sistemas de poder local. Na realidade, ela
tipifica a estrutura de poder político estabelecida através do controle de mecanismos
de mediação e controle das agencias de poder público, que na literatura brasileira
aparece com o nome de coronelismo.
6. A Revolução de 1930 - Fatos e Ideologias
A sociedade e o sistema político brasileiro se tornam cada vez mais complexos
quando avançamos além de 1930. Nesse ano, Vargas vem para o poder nacional após
governar o Rio Grande, dando início a uma nova era na história do país. O ano
de 1930 é geralmente considerado como marco inicial dos Brasil moderno, e, na
realidade, os anos 30 evidenciaram um aumento significativo de vários índices
de modernização. Dados precisos sãos difíceis de obter, já que não houve um
censo nacional em 1930 e os de 1920 e 1940 não são comparáveis em uma série
de aspectos. Estima-se, no entanto, que a população urbana dos pais aumentou
de 10% para cerca de 30% de 1920 a 1940;(49) os gastos governamentais, que se mantiveram
praticamente estáveis em termos per capita de 1907 a 1943, cresceram no entanto,
substancialmente, em termos absolutos, depois de 1930.(50)
Depois de 1930, os itens referidos a "gastos sociais" começaram a
surgir no orçamento federal de forma individualizada, chegando a 10% do orçamento
em 1940.(51) A estrutura ocupacional da população não mudou
significativamente: o emprego na agricultura desceu de 69 para 61,1% entre 1920
e 1940, enquanto que o emprego industrial cresceu somente 1%, de 13% em 1920.(52)
Interpretações sobre a Revolução de 30 abundam,(53) já que existe uma noção corrente de que o entendimento
de como o Brasil moderno se inicia é essencial, se queremos saber como o país
é hoje. Os principais fatos podem ser resumidos em alguns itens. Primeiro, a
revolução surge em função de uma crise no arranjo segundo o qual caberia a Minas
Gerais a sucessão do paulista Washington Luís, uma vez que este queria eleger
seu conterrâneo Júlio Prestes. Os principais estados entram em conflito: Minas
Gerais e Rio Grande do Sul contra São Paulo e o governo federal. Era, aparentemente,
o momento de São Paulo firmar sua hegemonia nacional. O candidato oficial e
paulista ganha as eleições, mas termina por perder o poder para Vargas.
Segundo, a vitória de Vargas não foi, certamente, um simples fruto da campanha
revolucionária, que durou 21 dias, de 3 a 24 de outubro. Ela foi decidida no
dia em que os alto comando resolveu depor Washington Luís, mantendo, assim,
relativamente intata a instituição militar. De qualquer forma, o impacto revolucionário
da oficialidade jovem, os "tenentes", é grande, e eles vão constituir
o grupo que circunda a Vargas, não como liderança especificamente militar, mas
como liderança política e civil.
Terceiro, a campanha eleitoral de 1930 foi caracterizada pela presença da Aliança
Liberal, que, pela primeira vez, apresentou uma plataforma criticando as oligarquias
estaduais e a ineficiência governamental.(54)
Quarto, a Revolução de 1930 surgiu em um contexto de crise econômica gerada
notadamente pelo impacto da crise mundial de 1929 sobre o comércio do café.
Existem duas interpretações predominantes dos movimento de 1930, segundo Bóris
Fausto. A primeira se baseia em um modelos supostamente marxista. Para ele,
o Brasil tradicional se caracteriza por um sistema feudal e um governo central
dependente de suas bases rurais. Este sistema tradicional entra em contradição
com uma burguesia urbana nascente, abrindo este confronto, no futuro, os caminho
para a ascensão política do proletariado. Adaptada ao contexto de uma economia
de exportação dependente do mercado internacional, esta interpretação identifica,
em sua forma mais simples, o "feudal" com a agricultura extensiva
de exportação, dentro de uma situação de dependência colonial ou semi-colonial;
assim, a revolução burguesa aparece ao mesmo tempo como nacionalista e anti-imperialista.
É desta forma que muitos autores vêem a Revolução de 30 como a tomada de poder
pela burguesia, senão diretamente pelo menos em termos das conseqüências "objetivas"
da política por ela seguida. Um exemplo típico parece ser o de Octávio Ianni,
que diz que
a Revolução de 30, a despeito
de não ter sido alimentada preponderanternente pelas burguesias industrial e
financeira nascentes, nem pelo proletariado incipiente, deve ser interpretada
como um momento super-estrutural da acumulação primitiva, que funda a industrialização
posterior.(55)
Esta é uma afirmação que se baseia na ocorrência de uma intensificação das atividades
industriais no país depois de 1930. Mas este tipo de explicação ex-post-facto
traz problema quando o autor deve explicar como o Estado que hipoteticamente mais
se beneficiou da "acumulação primitiva" era também o centro da oposição
a Vargas. A solução consiste, nos caso, em considerar que a oposição paulista,
e mais especificamente a Revolução Constitucionalista de 1932, "não é um
movimento contra-revolucionário senão com referência aos ideais dos componentes
não-burgueses da Revolução de 30"... (56)
Um outro modelo substitui a burguesia pelas classes médias como fator dinâmico
e explicativo da revolução. Entretanto, não se trata apenas de uma variante
menor do primeiro, já que suas implicações são bem distintas. Os teóricos das
classes médias pensam menos em termos do processo econômico de industrialização
que no processo social de modernização, e "classes médias" ou "setores
médios" são conceitos suficientemente amplos para abranger todos os grupos
emergentes que não sejam um setor da elite política e/ou agrária, nem totalmente
assimiláveis a ela.
O descontentamento crescente de jovens militares após 1920 é visto por muitos
como um indicador do surgimento do setor médio, até então excluído do sistema
político, e que agora passava a reivindicar maior participação. A Revolução
de 1930 é entendida como um movimento essencialmente de classe média, que abriu
as portas do sistema políticos a estes novos setores.(57) O que chama a atenção enquanto diferença essencial
entre os dois tipos de explicação não é tantos apontarem para grupos sociais
diferentes como principais atores da Revolução de 30, mas os fatos de apresentarem
uma imagem diferente do papel do sistema políticos no processo de mudança. No
primeiro caso, os fenômeno políticos nada mais é que um epifenômeno, modificado
e explicado pela confrontação de dois setores do sistema econômico do país.
No segundo caso, entretanto, os setores médios são vistos menos como uma classe
econômico-social que como um estrato social que possui demandas de consumo,
participação e poder politico. A participação política e o poder político são
buscados não como meios para satisfazer os interesses econômicos de um dado
setor da economia, mas como um objetivo em si mesmo, do qual derivariam outras
formas de participação econômica e social. A esfera política passa a ter, assim,
um poder de ação e uma força explicativa inadmissíveis no modelo anterior.
Estas duas teses apontam para duas abordagens intelectuais e ideológicas distintas
na compreensão da história brasileira e, o que é mais importante, refletem duas
tendências nos desenvolvimento da sociedade brasileira, geralmente consideradas
como alternativas, mas nunca, cosmo deveriam ser, como um processo simultâneo
de desenvolvimentos contraditório.
Como teorias explicativas, nenhuma das duas teses se sustenta. A tese das "classes
médias" compartilha com a da "revolução burguesa" os dom da irrefutabilidade.
Fora dos extremos superior e inferior da sociedade, todos são "classe média,"
um truísmo que não tem demasiado valor explicativo. A insistência em teorias
de "classes médias" para a explicação de movimentos sociais na América
Latina, incluindo a presença dos militares na arena política, é provavelmente
uma seqüela de um esquema conceitual que não consegue sair das poucas alternativas
de explicação baseadas em três ou quatro classes sociais e suas permutações.
"Classes médias" ou, melhor ainda, "setores médios", é uma
categoria residual que pode ser usada quando as outras explicações classistas
evidentemente não o podem. Mas este tipo de pseudo-explicação vem algumas vezes
de algo mais profundo do que esta dificuldade teórica e conceitual, como estamos
vendo.
O trabalho de Bóris Fausto é bastante convincente, quando demonstra a impossibilidade
das interpretações classistas do movimento de 1930. Teoricamente, no entanto,
a análise historiográfica bem cuidada cede lugar a uma discussão não muito clara
sobre as teorias "dualistas" de desenvolvimento político, tornando
difícil compreender a ligação que o autor busca estabelecer entre as interpretações
"dualista" e "classista" da história política brasileira.(58)
Na realidade, os pormenores das duas teorias importam menos do que o contexto
ideológico em que surgiram e se desenvolveram. É suficiente assinalar a este
respeito que, enquanto as teorias da "revolução burguesa" se originam
de uma tradição de pensamento marxista que compartilha com a ideologia liberal
a visão do sistema político cosmo algo passivo ou meramente "super-estrutural",
as teorias da "classe média" partem de uma visão muitos mais voluntarista
e ativista a respeito da ordem política, muito relacionada, na década de 30,
com as experiências fascistas e totalitárias do período. Virgínio Santa Rosa,
por exemplo, toma as experiências bolchevista e fascista como exemplos da criação
de estruturas de Estado eficientes e racionais, dirigidas pela intelectualidade
e pelos setores médios, preocupadas com a destruição das estruturas tradicionais
de poder; um exemplo que recomenda para o Brasil.(59)
Azevedo Amaral, em uma outra vertente, vê o poder local no interior brasileiro
como a força telúrica nacional, que, em aliança com os setores revolucionários,
teria condições de limpar o país das oligarquias regionais, responsáveis por
infestarem a nação com a idéia de um Estado liberal exótico e fictício. A Revolução
de 30, neste contexto, é vista como um esforço de aproximação da nação com as
suas fontes reais e como o começo de uma nova era. Este componente romântico
encontra-se ausente de outros autores da mesma linha de pensamento, porém todos
concordam com a idéia de um Estado Central que poderia vir a recuperar a sua
autonomia após várias décadas de controle pelas oligarquias regionais.(60)
Estabelecido como um compromisso entre as oligarquias regionais e um grupo
de jovens oficiais e intelectuais modernizantes, surgindo num momento em que
ocorria um acréscimo nos níveis de participação política no país, o regime de
Vargas logo afastou de si os grupos mais militantes, que se filiaram seja ao
movimento integralista,(61) seja ao movimentos
da Aliança Nacional Libertadora. Apesar da violenta oposição ideológica entre
estes dois movimentos, ambos compartiam duas características importantes: tinham
grande penetração nos meios estudantis e militares, e culminaram em tentativas
fracassadas de golpe de Estado. (O voluntarismo e o tipo de recrutamento social
do movimento comunista e aliancista na década de 30 talvez expliquem por que,
enquanto a vertente de inspiração mais fascista e autoritária produzia uma abundante
e rica literatura a respeito da sociedade brasileira nos anos 30, a interpretação
marxista do período só tenha surgido no Brasil na década de 50 ou 60.)
7. A Nova Centralização
Disputas ideológicas à parte, o fato é que o regime inaugurado em 1930 constituiu,
na verdade, uma mudança radical em relação aos anteriores, em termos de uma
maior centralização e concentração do poder político. Seus lideres, um grupo
extremamente jovem em relação ao regime deposto, não eram representantes nem
da "burguesia", nem das "classes médias em ascensão". Eles
se identificavam claramente com a tradição política e militar do Rio Grande
e respondiam de forma difusa, incerta e indecisa às demandas oriundas dos setores
mais urbanizados do país por medidas de bem-estar social e um aumento da eficiência
e força administrativa, militar e econômica do Estados nacional. Ao mesmo tempo,
tratavam de manter uma situação de equilíbrio e composição com as elites políticas
remanescentes dos período anterior e que tinham aderido a Vargas.
As eleições presidenciais durante a Primeira República eram em geral não-competitivas
(Rodrigues Alves em 1902, Afonso Pena em 1906, Epitácio Pessoa em 1918, Washington
Luís em 1926). Quando existia competição, as divisões eram em geral inter-regionais,
quase nunca dentro dos estados. Rui Barbosa, derrotado duas vezes em eleições
competitivas, tinha sua base no Estado da Bahia, e Vargas se apoiou em 1930
em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. O quadro seguinte apresenta dados
para a comparação entre estas eleições competitivas.(62)
O ano de 1910, como já vimos, presenciou a primeira eleição competitiva na
República, da qual participou cerca de 1,6% da população total do país. Em 1914
o comparecimento foi de 2,14%, mas em 1926 (não indicado no quadro), houve somente
um candidato, fazendo com que o comparecimento caísse para 2,06%. Somente em
1930, com a campanha da Aliança Liberal, é que o comparecimento supera o nível
dos 5%. Ás eleições de 1930 foram as que mostraram maior competitividade dentro
dos estados, e isto foi mais acentuado no Rio de Janeiro, onde o candidato vitorioso
recebeu somente 51% dos votos. Em geral, no entanto, a pauta de uni-partidarismo
em nível estadual é a mesma tanto nos estados vencedores quanto nos estados
vencidos, com uma característica adicional: o nível de participação cresceu,
em geral, nos estados opositores. Isto vem corroborar a noção de que a competitividade
tende a ampliar o âmbito de participação política e significa um início de mudança
em relação à norma até então absoluta de participação extremamente limitada.(63)
A ampliação da participação e a tentativa de firmar a hegemonia paulista em
detrimento de Minas Gerais levaram a uma situação na qual o antigo sistema da
República Velha não pudesse mais se manter, mas São Paulo nem por isso deixou
de perder. O regime de Vargas acentuou cada vez mais a concentração do poder
no nível federal, dando nova importância à presença dos militares no governo
e aumentando a dependência das oligarquias regionais em relação ao governo central.
Benedito Valadares, que se transformou para muitos no símbolo do político mineiro
oligarca e tradicional, dá um testemunho bastante francos a respeito de como
iniciou e desenvolveu sua carreira política sob a sombra de Vargas, depois de
1930.(64) O elementos principal de sua estratégia política
era a absoluta lealdade pessoal a Getúlio Neste pontos ele se opunha frontalmente
à liderança política mineira do período anterior, cosmo por exemplos Antônio
Carlos, que contava ainda com o direito à presidência que cabia a Minas Gerais
depois de Washington Luís; e à nova liderança, representada por Virgílio de
Melo Franco e mesmo Francisco Campos e Gustavo Capanema, que tiveram frustradas
suas pretensões maiores à liderança política estadual e nacional.(65)
A indicação de Valadares para a interventoria em Minas foi uma grande surpresa
para todos, e marcou os fim das pretensões autonomistas das elites do estado.
Pelo seu depoimento, sua nomeação teria tido como causa inicial sua participação,
certamente pouco notada, na luta contra os paulistas na Revolução Constitucionalista
de 1932. Ele não se preocupa em justificar sua posição na defesa do regime varguista,
e os fato de que fosse recompensados com a designação como representante pessoal
de Vargas em Minas Gerais é suficiente para que ele sinta que tinha razão quanto
aos benefícios da lealdade ao chefe. É curioso ver como Benedito Valadares justifica
ter procurado a Getúlio depois da morte do presidente de Minas, Olegário Maciel.
Para ele, esta morte
foi um choque tremendo,
pois, além de o estimar muito, ficara desarvorado, sem o chefe ou guia tão necessário
aos moços na vida pública. Artur Bernardes estava do outro lado, Antônio Carlos
tinha seus preferidos. Os novos se engalfinhavam na competição politica...(66)
É então que Valadares busca Getúlio Vargas "procurando uma orientação,"
no Rio, e sai do encontro virtualmente como os homem de Getúlio em Minas. Uma
vez no poder, ensaia algumas tentativas de agir por conta própria, e é particularmente
ativo nas articulações que poderiam talvez levá-lo à presidência nas eleições
programadas para 1938. Todo seu trabalho é no sentido de conseguir candidatos
único, que seria ele, mas quando percebe que o golpe de 1937 está em marcha, adere.
Benedito Valadares permaneceria na direção do estado até 1945, quando assume a
liderança nacional do Partidos Social Democrático. É na sombra de Benedito que
outros pessedistas, políticos mineiros famosos como Juscelino Kubitschek, Israel
Pinheiro e José Maria de Alkimin, se desenvolveram e cresceram.
Este é, em resumo, o segredo do político mineiro que sobrevive à República
Velha; não exatamente o representante das oligarquias rurais, não a expressão
de interesses econômicos mal dissimulados, mas os agente do chefe do Estado,
agindo de forma aberta, ou por trás da cortina, mas sempre num contexto onde
os principal trunfos é os acesso aos centro dominante de poder econômicos e
político, o governo federal. Menos do que um representante da oligarquia mineira,
Benedito Valadares foi, na realidade, um dos principais instrumentos de seu
debilitamento e redução de suas aspirações à liderança e autonomia. É bem verdade
que, mais tarde, esta tática voltaria a trazer glória a Minas Gerais, com o
predomínio político do PSD e o Governo de Kubitschek. Mas foi unia glória efêmera,
baseada não no desenvolvimento de forças próprias, mas nos acesso aos benefícios
e privilégios do governo central, que não poderiam ser mantidos indefinidamente.
Se em Minas Gerais a transição para a nova centralização varguista foi relativamente
fácil, em São Paulo a situação era muitos mais difícil, não somente pelo fato
de São Paulo ter estado nos lado perdedor da Revolução de 1930, mas principalmente
porque havia muitos poucos em comum entre a nova liderança nacional e os interesses
econômicos deste estado. Warren Dean conta, como anedota ilustrativa, o fato
de que, quando João Alberto vem a São Paulo logo após 1930, trata de resolver
os problemas trabalhistas no estado convocando um empresários e um trabalhador
de cada empresa para uma reunião, não se dando conta de que a audiência chegaria
a 11 mil...(67)
Em geral, a política econômica dos novo governo era liberal em termos econômicos,
apoiando eventualmente demandas populistas que não agradavam em nada aos setores
industriais de São Paulo. W. Dean resume a situação dizendo que
a mudança mais notável
no ambiente econômico nos anos 30 foi a crescente intervenção do governo. Mas
esta intervenção não tinha em vista acelerar o processo de industrialização,
já que as alternativas possíveis da economia de exportação ainda não haviam
se esgotado.(68)
Quando, depois de 1937, a perspectiva liberal se transforma em uma política explícita
de crescimento econômico e industrialização, o caminho adotado não foi apoiar
o sistema industrial paulista, e sim manter a iniciativa sob controle governamental.
O governo não poderia, certamente, ignorar os recursos técnicos e humanos existentes
em São Paulo, o que proporcionou uma certa identidade de interesses e uma aproximação
entre governo e setores industriais; mas a iniciativa empresarial e o comando
da situação permaneceram sempre sob a direção do primeiro.
Em 1932 já havia desvanecido a esperança daqueles que, mesmo em São Paulo, apoiaram
a revolução liberal esperando que dela adviesse uma maior descentralização e o
restabelecimento das autonomias regionais. Muitos aliados de Vargas em 30 se colocaram
nas barricadas paulistas da Revolução Constitucionalista de 1932. Um deles era
o gaúcho João Neves da Fontoura, líder da Aliança Liberal;(69)
outro, o paulista Júlio de Mesquita Filho; outros ainda, Borges de Medeiros, líder
do Partido Republicano do Rio Grande, que havia colocado Vargas na liderança do
estado e apoiado sua candidatura à presidência. Uma vez nos poder, com efeito,
a lógica da situação parecia ser tal que a nova centralização conduzia, inevitavelmente,
à alienação da liderança política mais tradicional. Campeões do federalismo mas
promotores da centralização - tal parece ter sido o destino do político gaúcho...
As tendências no sentido de um aumento do poder do Executivo, de uma participação
cada vez maior do Estado na vida social e econômica do país, da cooptação contínua
das lideranças locais em todos os níveis e da subordinação da vida econômica
ao processo político seriam firmemente estabelecidas durante o regime Vargas.
Ao mesmo tempo, no entanto, as divisões inter-regionais se transformavam gradualmente
em divisões intra-regionais e nacionais, em um processo iniciado no Rio de Janeiro
e que continuaria a ser um fenômeno essencialmente urbano. A combinação de uma
forte centralização com um sistema eleitoral de participação de massas deu as
raízes do que se chamou mais tarde "populismo", e que predominaria
após 1945.
Notas
1. Um breve relato da criação do Exército brasileiro é dado
por Paiva, E. S. de, "A organização do Exército brasileiro," In: Holanda,
S. B. de, 1960, p. 265~77. Uma história detalhada da criação da Marinha de Guerra
no Brasil é dada por Maia, p. (1965), que evidencia suas origens portuguesas.
Nunca houve perfeita harmonia entre o Exército nacional e a elite politica civil,
que tratou de limitar seus poderes por vários meios, incluindo a criação da
Guarda Nacional no século XIX, e a manutenção de polícias militares autônomas
nos estados durante a República Velha, e mesmo posteriormente.
2. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil
de, 1970. p. 62-8.
3. Ver a respeito os dados apresentados por Klein, Lúcia
Maria Gomes e Lima Jr., Olavo Brasil de, 1970, p. 67; e Carreira, Liberato de
Castro, 1883. Para uma discussão ampliada do processo de formação do Estado
brasileiro, ver Carvalho, José Murilo de, 1975, particularmente o cap. 6, "State-buildlng
activity: the extent of national power."
4. Dados sobre a equivalência entre as moedas brasileira
e inglesa podem ser encontrados em Onody, O., 1960.
5. Faoro, R., 1958, p. 141 e seguintes.
6. Cf. Parahyba, M. A. de A. G., 1970.
7. Klein, Lúcia Maria Gomes e Lima Júnior, Olavo Brasil
de, 1970, p. 80.
8. Ibid. p. 81. Para um quadro similar mas discrepante,
ver Carvalho, José Murilo de, a sair, cap. 5.
9. O trabalho historiográfico mais exaustivo sobre o período
é, seguramente, a trilogia de Edgard Carone. Cf. Carone, E., 1969, 1970 e 1971.
10. Iglésias, F., 1958.
11. Ibid. p. 39.
12. Ibid. p. 47.
13. Carvalho, José Murilo, 1979.
14. Cunha, Euclides da, 1940.
15. Cf Cintra, A. O., 1971; Queirós, M. I. p. de 1956-7
e Duarte, N., 1939. Ver também Cintra, A. O., 1974.
16. Dados de Ramos, A. G., 1961, p. 32; Love, J. L., 1971,
p. 119; e do Tribunal Superior Eleitoral, 1964-70.
17. Carone, E., 1969, p. 288.
18. Carone, E., 1971, p. XIII e XVI.
19. análise seguinte se baseia em grande parte nos materiais
reunidos e apresentados por Boehrer, G. C. A., 1954 Trata-se de uma descrição
detalhada da organização do movimento republicano no Brasil estado por estado,
seguida de uma análise dos principais temas e pontos de conflito das plataformas
republicana. É curioso como o autor assume, desde o inicio, que o movimento
republicano se transformaria em um partido nacional, quando a realidade foi
que os partidos estaduais permaneceram separados durante toda a República Velha.
20. A República, 13 dezembro 1870, citada por
Boehrer, G. C. A., 1954, p. 37.
21. Cf. Magalhães, I. M., 1970, p. 173-8.
22. Carta aberta publicada em A Província de São Paulo,
4 agosto 1877, citada por Boehrer, G. C. .A.,p. 86.
23. Do manifesto transcrito em Boehrer, G. C. A., p. 266.
24. Para uma análise aprofundada dos aspectos demográficos,
econômicos e políticos da abolição, ver Reis, E. M. Pereira, 1979, especialmente
o cap. 2, "The Abolition of Slavery and Modernization in Late Nineteenth
Century Brazil"
25. Boehrer, G. C. A., p. 98 e seguintes.
26. Ibid. p. 103.
27. Do Manifesto de 1888. transcrito em Boehrer, G. C.
A., p. 233-4.
28. Boehrer, G. C. A., p. 229 e 283. Para a influência
do positivismo no pensamento e na política brasileira, cf. Costa, João Cruz,
1956; Lins, Ivan, 1967; Paim, Antônio, 1974. Para o impacto do positivismo no
âmbito científico e acadêmico, cf. Schwartzman, 5., 1979.
29. Existe bastante evidência de que os republicanos radicais
apoiavam a ação política dos militares, e um exemplo disto é o apoio de Silva
Jardim a Sena Madureira, na Questão Militar, conforme mostra Boehrer, G. C.
A., p. 279-80. (Ver a discussão sobre a Questão Militar mais adiante.)
30. Love, J. L., 1971, p. 154. Grande parte da análise
que se segue é baseada neste excelente estudo. O melhor trabalho sobre os militares
na Primeira República é o de Carvalho, J. M. 1977.
31. Love, J. L., (ibid. p. 24) cita Silveira Martins dizendo
que o "Partido Liberal Rio-Grandense se move como um regimento de Frederico,
o Grande". Ver também Uricoechea, Fernando, 1978, para uma análise que
confirma a importância especial da tradição militar gaúcha no século XIX.
32. Citado por Love, J. L., p. 31.
33. Cf. Boehrer, G. C. A., 1954, p. 286, e id. 1966, p.
43-57.
34. O nome "maragato", atribuído aos federalistas,
parece ter sido originário de um lugar denominado Maragataria, uma passagem
na fronteira Brasil-Uruguai. Este nome sugere que os federalistas mantinham
fortes laços com aquele país, transferindo-se livremente para o outro lado da
fronteira, onde podiam obter suprimentos, santuário, e também um mercado ilegal
para seu gado. O próprio Silveira Martins nasceu no Uruguai. Para uma descrição
dos conflitos entre Republicanos e Federalistas, ver Love, 1. L., 1971, cap.
3.
35. Love, J. L., 1971, p. 131.
36. Ibid. quadros 3, p. 123.
37. Carone, E., 1971, p. 256.
38. Ibid. p. 265. Pinheiro Machado é a figura central na
análise que Love faz do papel do Rio Grande na República Velha. Ver principalmente
o cap. 6 de seu livro, "Pinheiro and his party" (Love, J. L., 1971).
39. Pena, M. V. J., 1971, p. 43. A fonte é de um artigo
de Juarez Távora publicados em O Estado de São Paulo e citado também
por Fausto, B., 1970. p. 76. Vindo de um tenente revolucionário, o artigo pretendia
ser um ataque às pretensões de poder em São Paulo.
40. Vieira da Cunha, M. W., 1963, p. 19-20. Para uma análise
dos vínculos de São Paulo com o sistema econômico-financeiro internacional,
ver Love, J. L.. 1973.
41. Ver esta discussão mais ampliada no capítulo anterior.
Cf. Reis, E. M. Pereira, 1972 (p. 13 e seguintes) e 1979.
42. Silva, F. A. R da, 1971, p. 235-82.
43. Para a história da Revolta de 1924 , ver Carone , E.,
1971, p. 373 e seguintes.
44. Soares, J. C. M., 1925, p. 12.
45. Romeiro, M. O., 1930.
46. Ibid. p. 102.
47. Horta, C. R., 1956.
48. Wirth, John D., 1977. Ver também Martins, A. Viana,
1978 c Fleischer, David V., 1972, 1977.
49. Um sumário do desenvolvimento sócio-econômico do país,
a partir de 30, encontra-se em Schmitter, P. C., 1971, cap. 2, p. 20-46. Esta
estimativa da urbanização é de Geiger, P. P., 1962.
50. Silva, F. A. R da, 1971, p. 245.
51. ibid. p. 256.
52. Schmitter, P. C., 1971, quadro 2.1, p. 23. Para dados
mais detalhados sobre a industrializa ção nos anos 20 e 30, cf. Fausto, B.,
1970, p. 19-28.
53. A bibliografia sobre a revolução de 30 é bastante extensa.
A respeito do Tenentismo, ver entre outros Santa Rosa, V., 1933; Wirth, J. D.,
1964; Silva, H., 1968.
54. Várias formas de organização política foram criadas
posteriormente pelos setores mais radicais do movimento revolucionário, incluindo
as Legiões de Outubro, o Clube 3 de Outubro e a Legião Revolucionária. Para
uma análise destes movimentos, e mais especificamente do último. cf. Flynn,
P., 1970, p. 71-106.
55. Ianni, O., 1965, p. 135-6.
56. Ibid. p. 138.
57. Os teóricos das classes médias Incluem a Santa Rosa,
V., 1963, Ramos, A. G. 1961, e Jaguaribe, H., 1962. Para um sumário, ver Fausto,
B. 1970, e Franco , C. A. P. M. et alii., 1970.
58. Um exemplo dos erros trazidos pela interpretação classista
do movimento de 30, citado por Bóris Fausto, é o de Andrew Gunder Frank, que
entre outras coisas tenta explicar o papel político do Rio Grande em 1930 pela
presença de imigrantes europeus e certa industrialização incipiente no estado.
Cf. Fausto, B., 1970; Franco, C. A. P. M. Oliveira, L. L., e Hime, M. A. A.,
1970; Frank, A. G., 1967.
59. Santa Rosa, V., 1933.
60. Amaral, A., 1934. Para uma bibliografia completa e
uma análise em profundidade de sua obra, ver o trabalho de Alcântara, A. B.,
1967. Para um panorama de nomes e temas na história do pensamento social brasileiro,
ver Santos, W. G., 1967.
61. Sobre o integralismo no Brasil, ver Trindade, Hélgio,
1974.
62. Sou grato à colaboração de Irene Rodrigo Otávio Moutinho
no trabalho de levantamento dos resultados eleitorais na República Velha, pela
utilização de inúmeras fontes, entre as quais os Anais do Congresso Nacional
(Apuração da eleição de presidente e vice-presidente realizada a 1 de março
de 1910). Os resultados eleitorais deviam ser confirmados pelo Congresso,
o que era feito por critérios estritamente partidários. De forma geral, a análise
dos dados eleitorais durante o período sugere que o montante de fraudes talvez
seja melhor indicador de força política do que os próprios resultados oficiais.
Rui Barbosa, por exemplo, foi capaz de demonstrar, para sua satisfação, que
a vitória eleitoral seria sua, não fosse a falsificação de resultados. Em resumo,
dados precisos sobre as eleições deste período são ao mesmo tempo difíceis de
obter e pouco significativos politicamente.
63. Cf. Schattschneider, E. E., 1960, cap. l.
64. Valadares, B., 1966.
65. Sobre a política mineira nos primeiros anos da década
de 30, cf. Bomeny, Helena Maria Bousquet, 1980.
66. Valadares, B., p. 36
67. Relatado por Dean, W., 1969, p. 183.
68. Dean, W., p. 205. Ver também, no mesmo autor, a descrição
dos conflitos entre o Minas tério do Trabalho e os industriais paulistas logo
após a revolta de 1932. p. 191-2.
69. Ver Fontoura, L. N. Da, 1963, para a narrativa de sua
participação no movimento de 1930.
Capitulo 6
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA EM PERSPECTIVA
1. Uma Perspectiva de Análise
2. A Participação Política e o Sistema
Partidário Após 1945
3. A Dinâmica do Sistema: os Resultados
Eleitorais
4. A Crise Do Sistema
5. Conclusões: o Sistema Eleitoral e a
Questão Institucional
Notas
1. Uma Perspectiva de Análise
Com exclusão das experiências eleitorais frustradas de 1930
e 1934, o período de 1945-64 foi o único na história política
brasileira em que o país experimentou um sistema de
participação política de massas. É possível, assim, assumir
uma perspectiva histórica de longo prazo e afirmar que este foi
um período excepcional, explicado, talvez, pela onda de
liberalismo democrático que passou a imperar em toda a América
Latina logo após a Segunda Guerra, e que durou, em média, 15 ou
20 anos, conforme o país. Ainda que isto seja verdade, esta
experiência despertou no país um gosto pela liberdade política
e a abertura de alternativas de participação, coisas que não
poderiam e não deveriam ser esquecidas com facilidade.
Conceitualmente, esta experiência coloca o tema de
participação no centro da análise do sistema político
nacional.
O estudo dos sistemas de participação política tem sido
muitas vezes negligenciado devido a uma tendência bastante
generalizada de considerar o fenômeno político como totalmente
inerente ao seu contexto social e econômico e, assim, desprovido
de existência própria. É curioso notar que duas tradições
intelectuais aparentemente opostas levam ao mesmo resultado. Uma,
norte-americana, deriva, conforme sugeriu Samuel P. Huntington,
da falta de experiência com os problemas de instabilidade
política, o que, por muito tempo, conduziu à noção de que um
sistema político estável e eficiente seria decorrência natural
do desenvolvimento econômico e do bem-estar social. É desta
perspectiva que deve ser vista a famosa correlação encontrada
por S. M. Lipset entre democracia e desenvolvimento, e que serviu
de base a uma literatura tio extensa sobre "desenvolvimento
político".(1) A outra
tendência tem origem marxista e inclina-se a considerar a esfera
política como uma conseqüência simples e direta de estruturas
subjacentes de produção. É certo que existem autores,
marxistas ou não que têm consciência do problema e tratam de
equacioná-lo; mas a influência destas tendências parece ter
sido grande o suficiente para difundir uma maneira de pensar que
tem dificultado bastante a análise da questão.
O fato é que, a partir destas perspectivas, o sistema
político enquanto tal é visto como desprovido de dinâmica e
determinação próprias. De certo ponto de vista, é percebido
como um instrumento de conflito de classe ou de consolidação de
uma revolução social vitoriosa, enquanto outros vêem-no como
simples operação técnica de administração e controle do
poder. Cria-se, assim, um abismo conceitual entre os
especialistas em economia e sociologia, para os quais o processo
político é um simples resultado de fatos econômicos e sociais,
e os especialistas em governo e administração pública, para os
quais o processo político surge, muitas vezes, como um problema
estritamente técnico, de management, sem muita relação com o
que ocorre no resto da sociedade. É claro que as coisas não
são tão simples assim, mas a profusão de estudos dedicados às
influências "políticas" (no sentido de interesses
econômicos e sociais) no processo governamental ou às
influências também "políticas" (aqui significando
governamentais) na vida econômica e social não são suficientes
para eliminar os paradoxos de uma sociologia política ou de
teorias do desenvolvimento despolitizadas. Isto fica bastante
claro quando se trata de entender o processo político de um
país como o Brasil.
A relação entre o que sucede ao nível sócio-econômico e
ao nível do poder político não é nada simples, a começar
pelo fato de que existem pelo menos duas mediações importantes
entre estes dois níveis. Podemos, na realidade, considerar
quatro níveis de análise factíveis de serem estudados
independentemente, antes de serem vistos em inter-relação: o
nível econômico, o da estrutura social, o do sistema de
participação política e o de governo propriamente dito. Vistos
em termos de processos históricos, é possível falar em um
processo de desenvolvimento econômico, outro de mudança na
estrutura social, outro de crescimento dos sistemas de
participação e outro de transformações do sistema de poder.
Dizer que estes processos são "autônomos" na-o
significa. evidentemente, afirmar que eles são empiricamente
independentes, mas, simplesmente, que nenhum deles poder ser
entendido dedutivamente a partir dos demais.(2)
Com estas distinções em mente, é possível utilizar um
conceito bastante restrito de desenvolvimento econômico, em
termos de crescimento da renda per capita e do que isto implica
em termos de modificações na tecnologia e na divisa-o setorial
da força de trabalho.(3) O
conceito de desenvolvimento social, que aparece muitas vezes na
literatura sob o título de "modernização", refere-se
ao aumento do bem estar de uma população de acordo com as
pautas das sociedades modernas de consumo de massa - consumo de
bens industrializados, educação, aumento da expectativa da
vida, urbanização, consumo de jornais, uso de telefones e
correios etc. Mais do que uma simples mudança em pautas de
consumo e comportamento, o desenvolvimento social traz em si uma
série de elementos fundamentais para a compreensão dos
fenômenos sociais que dele decorrem: um aumento de
comunicações, uma extensão gradativa da escala social de
participação, do nível local ao nacional e internacional, um
processo de mobilização social, no dizer de Karl Deutsch, que
se reflete mais ou menos diretamente na área política como
aumento de participação.
Esta distinção entre o econômico e o social pode ser em boa
parte pensada em termos do distanciamento entre os sistemas de
produção e os sistemas de consumo nas sociedades modernas.
Tradicionalmente, o conceito de classe social é definido em
termos da divisão social do trabalho, ou seja, da estrutura do
sistema produtivo - e esta definição traz implícita a idéia
de que os padrões de consumo, os interesses, as motivações e
as ideologias dos diferentes grupos sociais podem ser entendidos
e explicados através desta matriz produtiva básica. Existem,
sem duvida, boas razões de ordem teórica e conceitual para
questionar esta definição. Max Weber, por exemplo, estabelece
uma distinção analítica bastante nítida entre o sistema de
classes, definido de forma estrita em termos das relações
sociais que se estabelecem a partir do mercado, e o sistema de
status ou estamentos sociais, caracterizado por diferenças em
prestigio social e monopólios de certos padrões de consumo.
Sem entrar na complexidade teórica desta discussão, vale a
pena observar que uma das características mais notáveis das
sociedades modernas é a redução progressiva do número de
pessoas necessárias para a produção agrícola e industrial, em
contraste com o aumento crescente dos sistemas de serviços e de
consumo. Esta situação contrasta de maneira marcante com a
época em que o sistema produtivo absorvia de uma ou outra
maneira toda a população, e as oportunidades de consumo estavam
estreitamente relacionadas com a participação das pessoas neste
sistema. Nas sociedades modernas, as possibilidades e padrões de
consumo são definidos por uma multiplicidade de fatores, dentre
os quais a distribuição de benefícios feita pelo Estado, a
segmentação do mercado de trabalho por critérios sociais,
culturais e étnicos, os privilégios corporativos e
profissionais conquistados por diferentes categorias técnicas e
profissionais, a estratificação condicionada pelas credenciais
distribuídas pelo sistema educacional e, evidentemente, a
posição dos indivíduos no sistema de produção de
mercadorias, conhecimento e serviços de todo tipo.
Assim como o social não é uma resultante simples do
desenvolvimento econômico, tampouco a participação política
deriva, de forma simples, do processo de transformação social.
Quando, em que medida e em que condições o processo de
mobilização social se traduz em uma demanda de participação
na vida pública? É bastante óbvio que não existe uma resposta
simples para esta pergunta, que depende, essencialmente, de dois
tipos de variáveis. O primeiro se refere à natureza do processo
de modernização e mobilização social. A partir das
concepções mais simples de Lerner, que via o aumento de
participação política, na forma de comparecimento eleitoral,
como um desenvolvimento linear dos processos de urbanização e
alfabetização,(4) a análise
mais contemporânea busca nos diversos tipos de assincronias e
desequilíbrios de desenvolvimento social e econômico a raiz das
variações na participação. Sem entrar muito nesta questão,
já desenvolvida em outros contextos, é bastante evidente que
uma situação em que o desenvolvimento econômico antecede e
lidera o processo de modernização levará a um tipo de
vivência política muito distinto daquele onde o processo de
modernização é anterior, e não seguido, a não ser
longinquamente, pelo desenvolvimento econômico.(5)
No primeiro caso, a participação política tenderia a ser,
aparentemente, mais ligada a demandas específicas, propugnando
por uma ampliação progressiva das áreas de autonomia e
participação, enquanto que no segundo estariam dadas as
condições para uma ação política mais preocupada com a
satisfação de fins que com a obtenção de meios, e o terreno
seria muito mais fértil à trasladação da vida política a um
nível simbólico e principista do que na situação anterior.
O segundo tipo de variável se refere às características
mais próprias do sistema político. Um sistema político mais
institucionalizado é mais capaz, em principio, de absorver como
legítimas novas demandas de participação, enquanto que regimes
mais rígidos tenderiam a sentir-se mais ameaçados e, por isso
mesmo, a restringir as áreas de participação. O grau de
"desenvolvimento" de um regime político só em parte
depende do processo de mudança econômica e social e do nível
de demandas de participação política que encontra no
transcurso de sua história.
Existe uma solução de continuidade quando passamos do
primeiro para o segundo tipo de variável, que corresponde quase
que à passagem de uma escola de análise política à outra. No
primeiro caso, a cadeia explicativa parte da sociedade civil e do
sistema de produção para o político, que é visto tão-somente
como urna resultante ("o sistema político é instrumento
dos interesses da classe tal") ou um obstáculo ("as
elites tradicionais não satisfazem às demandas crescentes da
população...") ao que surge no nível da sociedade e da
economia. O sistema político é conceituado, nesta perspectiva,
com a ajuda de uma ou duas variáveis (esquerda - direita,
liberal-autoritária etc.). No segundo caso, o modelo causal é
invertido, e o sistema de poder passa a ser visto como algo muito
mais complexo e determinante, enquanto as explicações e
soluções são buscadas nos sistemas de autoridade, ordenações
jurídicas, estruturas de comunicação e decisão, sistemas
partidários etc. A necessidade de unir estas duas perspectivas
é óbvia, ainda que as dificuldades não sejam poucas. A
primeira abordagem surge ligada à tradição mais sistemática e
analítica da sociologia empírica (o artigo de Karl W. Deutsch,
referido anteriormente, é exemplar), enquanto que a segunda
está muito mais ligada a uma tradição em que o jurídico e o
histórico se conjugam, de forma pouco clara, com esforços de
análise mais sistêmica.
É preciso observar, finalmente, que falar em
"institucionalização" ou "desenvolvimento"
político, no entanto, é ainda muito pouco. A análise dos
sistemas políticos é em si mesma extremadamente complexa e
requer pelo menos três tipos bastante diferenciados de
consideração. O primeiro se refere às características mais
estruturais da formação do Estado, seu papel e seu peso
relativo no conjunto da sociedade. Esta é uma análise que
requer, necessariamente, uma abordagem histórica. Assim, o fato
relativamente fortuito da transferência da coroa portuguesa para
o Brasil, por exemplo, deu ao Estado brasileiro um grau de
institucionalização e um peso específico, único no contexto
latino-americano, que explica muito da relativa estabilidade do
sistema político brasileiro no século XIX. As diferenças de
experiência colonial, da mesma maneira, marcam radicalmente o
sistema político dos países da África situados ao sul do
Saara, variando desde os últimos vestígios do colonialismo
(Angola e Moçambique) até os experimentos de
institucionalização mais acabados (Gana e Nigéria), passando
pelos frutos das colonizações belga e francesa, das quais os
dois Congos servem de exemplo.
Um outro tipo de consideração se refere à estrutura formal
do sistema político, ou seja, à questão constitucional. O
formalismo jurídico que muitas vezes cerca a análise deste
aspecto dos Estados modernos leva freqüentemente o cientista
social a desconsiderá-los. e perder de vista sua importância.
No entanto, a divisão horizontal e vertical de poderes, a
organização do sistema eleitoral, as garantias e mecanismos de
preservação dos direitos das minorias, são aspectos
fundamentais para o entendimento dos sistemas políticos, por
suas conseqüências especificas e muitas vezes pouco
compreendidas.
O terceiro tipo de análise se refere ao próprio processo de
disputa, negociação, composição ou polarização que ocorre
no interior do sistema político. A lógica da competição
política não deriva simplesmente dos interesses subjacentes aos
partidos, nem das regras formais de ordenamento jurídico do
sistema político. Ela tem uma dinâmica própria que deve ser
estudada em sua especificidade, com conseqüências bastante
profundas para o funcionalismo ou eventual ruptura do sistema
político em muitos de seus aspectos.(6)
É possível organizar a discussão até aqui em termos
semelhantes aos da tentativa feita por Stein Rokkan e S. M.
Lipset de utilizar as categorias funcionais de Talcott Parsons
para análise dos sistemas políticos europeus.(7)
Parsons, como é bem sabido, propõe uma divisão analítica dos
sistemas sociais em quatro funções gerais da adaptação (A),
realização de objetivos [goal achievement) (G), integração
(1) e manutenção de normas ou latência (L) - que, aplicadas
às sociedades complexas, se traduzem exatamente nos subsistemas
econômico, governamental, de participação política e de
educação e transmissão de valores (família, escola). O estudo
de Lipset e Rokkan se refere à estrutura interna do subsistema
de participação política, em termos de suas sub-divisões.
Eles mostram como esta abordagem permite estudar e entender dois
dos principais eixos de polarização política: o que une as
funções de adaptação e integração (e que se refere a
conflitos de tipo econômico-funcional) e o que une as funções
de governo e manutenção de valores (o eixo centro-periferia).
Uma outra alternativa, que propomos aqui, é a de pensar nos
quatro subsistemas como quatro processos de transformação e
desenvolvimento social. O problema da análise dos sistemas de
participação política consistirá, então, em avaliar o que
ocorre no subsistema de participação política em face das
interações entre os outros três processos. Assim, é possível
considerar o que se passa no subsistema adaptativo "A"
como mudanças no processo de desenvolvimento econômico; as
mudanças em ""G" como o processo de
transformação e crescimento da estrutura do Estado, as
mudanças em "L", como transformações no sistema de
valores sociais, padrões de consumo e aspirações (que são
geralmente medidas em termos de alterações nas taxas de
educação e urbanização, e vistas como parte de um processo de
"modernização"); e, finalmente, mudanças em
"l", como aquelas relacionadas com a estrutura de
participação política e social. se considerarmos que, em um
contexto histórico dado, um destes processos pode assumir
caráter dominante em relação aos demais, desenvolvendo-se por
características próprias e influenciando o desenvolvimento dos
outros, teremos condições de estabelecer um quadro sistemático
de tipos alternativos de participação política:
Uma maneira simples de entender este esquema é pensar que,
quando a atividade econômica independe e prepondera sobre a
atividade especificamente política, o sistema de participação
política consiste, essencialmente, em formas de representação
de interesses. Ao contrário, quando é a atividade política que
prepondera sobre a atividade econômica, definindo, inclusive, as
oportunidades diferenciais de enriquecimento, o sistema de
participação política consistirá, essencialmente, em uma
disputa pelo controle do Estado ou pelo acesso a posições
governamentais, independentemente de uma ideologia ou programa
político explícito. Dito ainda de outra maneira, a primeira
forma de participação política relaciona-se com decisões ou
políticas (no sentido da palavra inglesa "policy"),
enquanto que a segunda forma diz respeito a posições, os
"cargos de nomear" a que se referia Macedo Soares. É
claro que nenhuma destas formas de participação ocorre de forma
pura e isolada, e o sistema de cooptação se estabelece
exatamente quando tentativas embrionárias de representação de
interesses são absorvidas, sistematicarnente, por uma política
derivada do controle de posições governamentais.
2. A Participação Política e o
Sistema Partidário Após 1945
A discussão até aqui desenvolvida, para fazer sentido, deve
nos ajudar a entender um pouco melhor as características mais
gerais do sistema político brasileiro constituído a partir de
1945, seu desenvolvimento e sua crise ao final de 1964, assim
como as evoluções posteriores do sistema partidário do país.
Este entendimento deveria poder ir além das análises
simplesmente sociológicas, que buscam explicar a política em
função das classes e outros grupos sociais, sem considerar o
sistema político; mas, além disto, deveria ter mais
profundidade que as análises meramente "internalistas"
do sistema político-eleitoral, que, ao desconsiderarem os
contextos social e de poder mais amplos em que a vida política
se move, tendem com facilidade a verdades freqüentemente
próximas de uma tautologia. E o que o texto que se segue
pretende evitar.
Terminado o Estado Novo, os interventores nos estados e seus
prefeitos nomeados se reuniram para dar forma ao Partido Social
Democrático, enquanto os burocratas do sindicalismo e do sistema
previdenciário oficiais formaram o Partido Trabalhista
Brasileiro. Cada qual à sua maneira, estes foram partidos de
"posições", partidos de governo, que funcionavam
combinando recursos do poder com capacidade de cooptar as
lideranças locais e sindicais ascendentes.(8)
Em ambos os partidos, o poder eleitoral derivava do acesso a
posições governamentais e centros de decisão. Geralmente os
temas ideológicos ou de princípio eram secundários, e os
interesses defendidos pelas lideranças se relacionavam com a
distribuição de posições, sinecuras ou facilidades e
privilégios de tipo político. Eram partidos que dependiam
essencialmente, para subsistir, da companhia do poder, e que se
desagregaram tão logo perderam o controle do Estado.
Havia vários tipos de oposição a este sistema hegemônico.
A oposição liberal a Vargas, que combinava setores urbanos de
classe média e intelectuais com líderes mais tradicionais,
marginalizados do sistema pessedista dominante; setores
militares, impacientes com a ineficiência e o clientelismo
político, que eram o preço do sistema de cooptação; setores
operários, que pugnavam por mais militância e envolvimento
ideológico por parte de suas lideranças sindicais e
partidárias; e setores militares, intelectuais e operários que
tratavam de influenciar no sentido de uma política externa e
interna mais definidamente nacionalista.
É possível sumariar tudo isto em termos da forma pela qual
se obtinha o acesso a posições de governo e da forma pela qual
essas posições eram mantidas ou buscadas. O sistema de
cooptação era, alternativamente, considerado adequado em seu
escopo, ou necessitando ser ampliado ou reduzido, conforme osetor
político em questão. Tanto governo quanto oposição pareciam
se alinhar ao longo de um contínuo de maior ou menor abertura e
participação (e, neste sentido, um contínuo de tipo
esquerda-direita), mas mantinham em comum o que estamos
denominando, por falta de melhor termo, a "política de
cooptação": a busca do controle de agências
governamentais como fonte para o exercício do clientelismo,
tanto para os que já possuíam poder, como para a incorporação
de novos grupos, e também para a expulsão dos antigos.
A intensidade dos processos de urbanização, educação etc.
(o que se denomina, em uma palavra, "modernização")
acrescenta uma nova dimensão ao quadro político,
consubstanciada em aumento das demandas de participação,
crescente consciência de objetos políticos e busca de
representação de interesses. É sobre este processo que se
exerce, mais caracteristicamente, a política de cooptação, que
é, essencialmente, uma política de controle e manipulação das
formas emergentes de participação. A distinção entre uma
política populista de cooptação e um processo político de
mobilização popular fica clara quando comparamos a
"radicalização a partir de cima" com os processos de
demandas crescentes de participação. É possível supor que
não existirá, em principio, mobilização induzida sem
participação espontânea, ou, em outras palavras, cooptação,
sem algum esforço de representação. Mas o que importa é o
peso relativo das demandas crescentes de participação e sua
capacidade de organização autônoma em relação à habilidade
e aos recursos de que dispõe o sistema de cooptação. Os
personagens políticos que se valeram do acesso a posições de
governo para incentivar a criação de um sistema de
mobilização radical em 1963-4 são um bom exemplo desta
combinação. Mas o exemplo acabado desta mistura de
mobilização, controle a partir de cima e falta de estruturas
efetivas de representação de interesses é o fascismo.
Quando um sistema econômico, além de ser dinâmico, possui
uma lógica e uma força internas que conformam o resto da
sociedade, os grupos sociais e econômicos tendem a se organizar
e influenciar as normas e mecanismos de decisão que determinam a
distribuição dos recursos gerados pela sociedade. É este tipo
de política que estamos denominando "política de
representação", da qual os regimes políticos liberais da
Europa Ocidental são o melhor exemplo, ainda que não o único
possível. O principal elemento destes sistemas é a autonomia
econômica e organizacional e a auto-referência dos grupos de
interesse. No Brasil, este tipo de política nunca chegou a se
desenvolver plenamente, mas adquiriu algumas formas embrionárias
de existência na área paulista. Uma das formas que assumiu
foram as ideologias liberais intransigentes, que rechaçavam toda
e qualquer forma de intervenção do Estado na vida econômica ou
na previdência social; outra, foram os movimentos sindicais de
cunho mais claramente "tradeunionistas", que se
preocupavam, essencialmente, com problemas salariais e se
baseavam mais em sua organização própria que em seus contatos
com o Ministério do Trabalho.(9)
Finalmente, assumia a forma de movimentos populistas de tipo
fortemente carismático, como o janismo, com pouca estrutura e
autonomia nas bases, mas também com pouco controle direto e
manipulação a partir de cima.
O que caracteriza a conversão de um conjunto de grupos de
interesse relativamente bem-articulado em um sistema político de
representação é a generalização das reivindicações e
aspirações particulares na forma de movimentos políticos
amplos e de objetivos diversificados. Esta transformação de
demandas privadas em demandas generalizadas surge, segundo
Schattschneider, quando o processo de disputa e negociação
política requer e permite a incorporação de setores sociais
progressivamente mais amplos na arena política.
É importante ter isto em mente quando nos perguntamos por que
a área paulista não deu origem a partidos políticos
bem-estruturados e de tipo representacional, como seu
desenvolvimento econômico e sua relativa marginalidade política
sugeririam. uma resposta possível é que os interesses
econômicos da área tendiam, geralmente, a ser atendidos em
termos específicos, não dando margem, assim, à formação de
uma estrutura de demandas políticas mais permanente. Já vimos
anteriormente como o setor de café pressionava no sentido de
transferir ao governo central a responsabilidade pela proteção
de seus interesses, e neste processo renunciava paulatinamente a
sua autonomia.(10) Outra
consideração é que grande parte da economia paulista era, e
ainda é, fortemente orientada para o exterior, gerando um tipo
de vínculo que tende a diminuir o interesse em questões de
política interna que não a afetem diretamente.(11)
De uma forma ou de outra, o resultado tendia a ser uma
combinação de algumas formas de política representacional,
bastante apatia e relativa marginalidade política por parte dos
setores mais privilegiados, bem como radicalismo de tipo
carismático ou esquerdista independente nos setores baixos.
Quando a estabilidade deste arranjo era abalada, aumentava a
participação, em geral através de uma ideologia de "lei e
ordem" ou de um liberalismo que repudiava a política e a
interferência governamental na sociedade como algo corrupto,
prejudicial e ineficiente. Foi este, em última análise, o caldo
de cultivo do janismo.
3. A Dinâmica do Sistema: os
Resultados Eleitorais
A análise dos resultados eleitorais através do tempo é a
melhor maneira tanto de testar a pertinência do esquema
apresentado anteriormente quanto de examinar sua evolução e
transformação através do tempo.
Uma primeira aproximação a estes dados é apresentada no
quadro 10.(12) Todas as
eleições presidenciais, exceto a de 1960, foram ganhas pela
aliança PSD-PTB. Somente em 1950 é que a aliança se rompe,
quando Vargas impõe seu nome, que não havia sido aprovado pela
liderança do PSD. O resultado desta tentativa de independência
é a derrota do candidato pessedista, Cristiano Machado, e um
novo termo no vocabulário político brasileiro, a
"cristianização" (os números entre parênteses para
1950 correspondem aos votos dados ao candidato do PSD que,
evidentemente, não recebeu o apoio de seu próprio partido): A
"cristianização" é uma demonstração, não somente
do carisma pessoal de Vargas, como de seu comando sobre a
clientela política, que supera a força da liderança de seu
partido. Este acontecimento mostra, também, como a força
pessoal de Vargas é predominantemente urbana e popular: é em
Minas Gerais, exatamente, que Cristiano recebe maior votação
relativa. A aliança volta ao equilíbrio quando a hegemonia se
coloca nas mãos do PSD. com Juscelino Kubitschek. Em 1960, no
entanto, o controle da aliança havia saldo totalmente do PSD. em
benefício dos setores nacionalistas e sindicalistas que se
lançam de forma mais clara e decidida em uma política de
mobilização. É neste momento que grande parte da liderança
pessedista "cristianiza" seu candidato, o General Lott,
permitindo a vitória de Jânio e selando, também, sua própria
ruína como partido hegemônico.
A participação de São Paulo no sistema criado por Vargas se
dá, no início, através de Ademar de Barros, criatura política
de Vargas naquele estado, surgida na cena política durante o
Estado Novo. Em 1950, Ademar se sente suficientemente forte e
marginalizado para criar seu próprio partido, o Partido Social
Progressista, e se lança como candidato presidencial em 1955 e
1960, ganhando em São Paulo e Rio nas primeiras eleições, mas
recebendo apenas 25% dos votos nacionais. Ademar foi sempre um
candidato regional, excluído do sistema PSD-PTB versus UDN, e
por isso. sem chances de chegar ao centro do poder.
A eleição de Jânio Quadros em 1960 é a primeira e única
vitória paulista no período. Jânio surge sem nenhum apoio
partidário, e sobe degrau por degrau desde a Câmara de
Vereadores de São Paulo até a presidência. Tinha uni forte
apelo personalista, seu programa se resumia em honestidade e
severidade, e o símbolo da vassoura que ostentava contrastava
claramente com sua figura suja e despenteada. Seu ingresso na
política nacional se faz através da adoção de seu nome pela
UDN, ainda que pouco houvesse de comum entre ele e este partido.
Quando no governo, Jânio foi capaz de atrair a oposição de
quase todos os grupos e setores, e sua renúncia, oito meses
depois, deixaria o país em uma crise política de grande
profundidade.(13)
A eleição de Quadros não significou que o sistema de
representação política passasse a predominar sobre o de
cooptação, mas que uma nova polarização, entre as tendências
ao fechamento e as tendências à abertura de participação,
começou a imperar. A prevalência do sistema de cooptação fica
clara no nível da vice-presidência, onde João Goulart ganha do
candidato de Jânio, que não compartia seu apelo carismático e
mobilizador.
A erosão progressiva da hegemonia da aliança PSD-PTB pode
ser vista com maior profundidade ainda no quadro 11, que fornece
os resultados das eleições para a Câmara de Deputados. Este
quadro mostra também o crescimento da votação atribuida a
alianças e coalizões partidárias. O PSD nunca deixa de ser o
maior partido, mas seu tamanho relativo diminui progressivamente
com o passar do tempo. O sistema de alianças tem como efeito
descaracterizar o sistema partidário, recebendo elas, em 1962,
quase metade dos votos. Estas alianças têm resistido a uma
análise que as "traduza" em termos de um sistema de
polarização partidária coerente, e parecem se dar de maneira
aleatória, atendendo a circunstâncias locais.(14)
No quadro 12, votos dados às alianças são somados aos dos
partidos dominantes em Minas, Guanabara e São Paulo, sendo estes
resultados colocados sob a sigla do partido, mas entre
parênteses. É uma maneira provisória de analisá-las, mas
parece permitir algumas conclusões.
O primeiro fato digno de nota no quadro 12 é o virtual
desaparecimento dos grandes partidos nacionais em São Paulo. Se
examinarmos as alianças eleitorais neste estado, veremos que,
nas eleições de 1958, o PSP fez uma aliança com o PSD, na qual
este último era claramente minoritário (o PSD teve somente 181
mil votos para a Assembléia estadual naquele ano, contra 411 mil
para o PSP). Em 1962, a aliança PSD-PSP perde para a aliança de
dois partidos eminentemente regionais, o Partido Democrata
Cristão e o Movimento Trabalhista Renovador, que também se
beneficia da herança política de Jânio Quadros naquele estado.
Tanto Ademar quanto Jânio são pessoas que visam diretamente ao
sistema político nacional, mas esta "nacionalização"
da política paulista tem como resultado, precisamente, a
destruição do sistema político partidário nacional sem a
criação de um outro sistema alternativo.
No Rio, em 1962, o PTB entra em aliança com o Partido
Socialista e com o ilegal porém ativo Partido Comunista. Somente
em Minas a configuração partidária nacional permanece
estável, com a coalizão entre o pequeno PTB e o ainda menor
PSP.
Tanto no Rio quanto em São Paulo, a eleição de 1962 para a
Câmara de Deputados se caracteriza pela presença de fortes
candidatos que polarizam os votos. Brizola, apoiado pela
coalizão PTB-PSB, concentra 62,8% dos votos em sua coalizão,
enquanto que Amaral Neto, da UDN, reúne 47,5% dos votos de seu
partido. Em São Paulo, Emílio Carlos absorve 44% dos votos da
aliança que o apóia. Em Minas, no entanto, o candidato mais
votado, Sebastião país de Almeida, obtém somente 10,6% dos
votos do PSD, chegando a um total de cerca de 80 mil, em
contraste com os 169 mil de Brizola, 123 mil de Arnaral Neto e
154 mil de Emílio Carlos.
A concentração de votos nas eleições legislativas era um
indicador das polarizações ideológicas que começavam a
dominar o cenário político nos centros urbanos, e que eram mais
reduzidas justamente em áreas mais rurais, como Minas Gerais.(15) A representação no Congresso
era proporcional à população do estado, mas o direito de voto
era restrito à população alfabetizada; isto dava força
adicional ao eleitorado de estados rurais, que permaneceram
bastante imunes ao processo crescente de mobilização política,
tão acentuado no Rio, São Paulo e centros como Recife, Porto
Alegre e mesmo Belo Horizonte. A eleição destes deputados
super-votados fazia com que o padrão das eleições legislativas
fosse próximo ao encontro nas eleições executivas, em que
poucos nomes disputavam os cargos. Mas um hiato se interpunha e
crescia entre estes casos excepcionais de legisladores
super-votados e as eleições executivas nos grandes centros, por
um lado, e os mecanismos eleitorais mais tradicionais para a
eleição ao Congresso, que ainda predominavam em termos
quantitativos, por outro. O fato de o sistema eleitoral para o
legislativo ser capaz, em grande parte, de absorver o processo de
mobilização sem se deixar afetar muito por ele explica a
tentativa de implantação do sistema parlamentarista em 1961,
assim como a legitimação dada pelo Congresso ao Governo Castelo
Branco, em 1964, que implicou, ainda, a eleição do pessedista
José Maria de Alkimin para vice-presidente da República.
Tratava-se, no entanto, de uma faca de dois gumes: o
conservadorismo do Congresso, que pareceria, em alguns momentos,
destiná-lo a um papel crescente de controle e legitimação do
Executivo, terminou por marginalizá-lo quase que totalmente do
sistema político nacional após 1964 e, principalmente, 1968.
Em resumo, pode-se dizer que são identificáveis duas linhas
principais de polarização do sistema político-partidário
brasileiro a partir de 1945. Uma delas tinha contornos
definidamente regionais, ainda que não de forma exclusiva, e
corresponde ao que estamos denominando sistema de cooptação
versus sistema de representação política. A outra se
manifestava no interior de cada um dos pólos acima, como um
corte transversal, aproximadamente de acordo com a dimensão
esquerda-direita. No sistema de cooptação, é possível pensar
que estes pólos são representados pelo PTB e pela UDN, esta
principalmente em sua versão mineira. No sistema de
representação, a esquerda era representada, em 1945 e logo
depois, pelo Partido Comunista, que, logo após a guerra, chegou
a reunir cerca de 20% dos votos em São Paulo, antes de ser
declarado ilegal, em 1947. Outros partidos, também
caracteristicamente paulistas, ou com setores paulistas
claramente diferenciados, se aliavam no contínuo
esquerda-direita, incluindo o Partido Socialista, o Democrata
Cristão, o Social Progressista e, finalmente, os setores
liberais mais conservadores que não chegaram a formar um
movimento partidário explicitamente organizado.
É possível tentar uma esquematização do sistema
partidário brasileiro nesta época, de acordo com a figura
abaixo:
Nesta figura, as duas linhas de polarização do sistema
político brasileiro aparecem como dois eixos perpendiculares em
um plano. Horizontalmente, os partidos e grupos politicamente
significativos estão organizados, da esquerda para a direita, de
acordo com suas posições em termos de maior utilização de
mecanismos políticos de cooptação ou representação;
verticalmente, eles são distribuídos conforme o maior ou menor
grau de mobilização ou restrição política que buscam.
É claro que um esquema político deste tipo força um pouco a
realidade, e muitos exemplos podem ser encontrados que
desconfirmem estas generalizações. O fato, no entanto, é que
um esquema como este, apesar de suas imperfeições, ajuda a
entender processos que de outra maneira ficariam ininteligíveis.
Um exemplo disto é o caso do Partido Comunista que mostra, em
sua história, uma curiosa combinação de duas tendências que
correspondem exatamente à polaridade cooptação -
representação. Em São Paulo, durante o período 1945-7, ele é
aparentemente um partido operário de inspiração européia,
bastante parecido com seus correspondentes na França ou na
Itália, por exemplo. Entretanto, é sabido que sua liderança
não tem origem predominantemente operária, e sim militar, a
partir da conversão do capitão gaúcho Luís Carlos Prestes ao
comunismo durante seu exílio na Argentina e, principalmente, a
partir da insurreição de 1935. Isto explica, talvez, a relativa
facilidade com que o Partido Comunista se Identificaria mais
tarde com o movimento nacionalista e com a estrutura sindical
oficialista, tratando de radicalizá-los com uma "ideologia
de Estado",(16) muito mais
do que através de uma ideologia classista que a experiência de
sucesso eleitoral em São Paulo poderia sugerir.
Um bom teste desta classificação quatripartite é a análise
do movimento operário e sindical brasileiro no período
1945-1964. Como em outros aspectos, as formas de organização e
o comportamento político do movimento sindical em São Paulo
sempre foram bastante diferentes das do resto do país. Após
1945, e até o Inicio dos anos 50, alguns dos setores mais
militantes e radicais do movimento operário brasileiro estavam
localizados em São Paulo - era o período em que o Partido
Comunista era forte naquele estado e se confrontava abertamente
com Getúlio Vargas, resistindo ao controle que o Partido
Trabalhista exercia sobre o movimento sindical brasileiro em
quase todo o país. Mais tarde, quando os movimentos trabalhista,
nacionalista e comunista passaram a se unir dentro da estrutura
sindical, uma grande variedade de organizações sindicais
não-alinhadas começou a surgir em São Paulo, em oposição aos
grupos dominantes em nível nacional. O conflito se torna claro
na III Conferência Sindical Nacional realizada em São Paulo, em
1960, quando há uma cisão a respeito da tentativa de criar uma
Central Sindical única em nível nacional. O resultado foi
acentuar mais ainda a marginalidade do núcleo operário paulista
em relação ao movimento operário nacional, durante os anos
cruciais de 1960-3.
Assim como havia uma oposição "direitista" ao
sistema PTB-Ministério do Trabalho, havia também uma oposição
de "esquerda", que carregava a bandeira da abolição
do imposto sindical e pleiteava a independência dos sindicatos
em relação ao governo,(17)
ambas localizadas predominantemente em São Paulo. Que a
contradição entre os setores paulistas e nacionais não pode
ser entendida simplesmente em termos de esquerda e direita fica
evidente, quando lembramos que o imposto sindical, que
simbolizava o sistema sindical aparentemente derrotado em 1964,
nem por isso deixou de existir a partir de então.
Esta análise permite entender a quase destruição do sistema
sindical brasileiro após 1964 e seu longo período de apatia e
desorganização. Com algumas exceções conhecidas, só com os
movimentos grevistas de 1979 e 1980 é que ele ressurge, agora
livre da tutela ministerial e concentrado no Estado de São
Paulo, nos setores mais capitalizados da indústria do país. O
"novo sindicalismo" não é, portanto, tão novo assim,
já que faz parte de uma tradição bastante anterior de
resistência aos mecanismos tradicionais de cooptação política
pelo Ministério do Trabalho por parte dos operários do centro
econômico do país.
4. A Crise Do Sistema
O sistema de cooptação, representado pela aliança eleitoral
PSD-PTB, principia a entrar em crise exatamente quando os níveis
de educação, urbanização e industrialização do país
começam a aumentar. Na medida em que crescia a participação
social em várias esferas de atividade, também ganhava corpo a
falta de interesse pelo sistema político partidário, o que se
expressa no aumento progressivo dos votos nulos verificados nas
eleições Isto é particularmente claro em São Paulo, nas
eleições para o Congresso; as eleições presidenciais, que
permitiam maior personalização e polarização de temas,
refletem menos claramente esta alienação, conforme se verifica
nos dados contidos no quadro 13.
Os dados sobre comparecimento eleitoral devem ser examinados
tendo-se em vista a proibição do voto ao analfabeto (cerca de
50% da população) e a estrutura etária (cerca de 50% abaixo
dos 18 anos). Assim, somente cerca de 25% da população é, em
principio, eleitora, variando muito essa porcentagem conforme o
nível educacional e de idade da população de cada estado. E
outro elemento importante, que torna impossível comparar estes
dados com os de outros países, é a obrigatoriedade do voto.
Para os setores mais educados e urbanos, o custo de não votar se
torna, com o tempo, tão elevado, que a proporção de votantes
em relação aos eleitores registrados acaba refletindo a
atualização dos registros eleitorais, antes que as
disposições dos eleitores. O mesmo não se aplica aos votos
nulos e em branco, que indicam realmente falta de interesse e
motivação para com o sistema eleitoral, se assumimos que o
sistema não está tão acima da compreensão do eleitor
alfabetizado O aumento de 3,2 a 21,1% é uma indicação global,
mas importante, da perda progressiva de correspondência entre o
sistema político-partidário e os interesses e motivações dos
eleitores.(18)
A participação de São Paulo no sistema político eleitoral
parece apresentar duas tendências simultâneas. Primeiro, um
desinteresse pela política ao nível nacional, que tende a
acentuar-se cada vez mais. Segundo, e simultaneamente, uma
mobilização crescente num contexto em que proliferam formas de
organização social e política. Há uma contradição entre
estas duas tendências. Os grupos mais capazes de se organizarem
na defesa de seus interesses tendem a alienar-se da atividade
político-partidária, principalmente ao nível nacional. Ao
nível local, há lugar para uma tentativa de réplica dos
mecanismos de cooptação, através de Ademar de Barros, que é
bem-sucedida eleitoralmente, mas se revela incapaz de incorporar
os grupos sociais e econômicos mais autônomos e ativos, não
chegando com isso a conferir aos setores organizados da sociedade
paulista uma expressão legítima no quadro político nacional.
A vitória de Jânio Quadros e João Goulart, em 1960, une,
por um breve período,'os dois sistemas, de uma forma duplamente
inovadora. Em primeiro lugar, o sistema partidário paulista,
até então marginal ou caudatário dos partidos políticos
nacionais, passa ao primeiro plano, com a UDN aderindo a Jânio
Trata-se de um verdadeiro processo de
"nacionalização" da política, que coloca em segundo
plano as clivagens regionais e ofusca a diferença entre os
sistemas de cooptação e representação, até então bastante
estanques. Em segundo lugar, esta nacionalização da política
se dá através de um processo de mobilização crescente e
polarização ideológica em nível nacional. O padrão de
distribuição de votos para as eleições deixa de ser o de
Minas Gerais, como foi até 1954, e passa claramente a ser o da
Guanabara, que tipifica a eleição presidencial de 1960.
O sistema eleitoral, baseado na cooptação de lideres
políticos, no paternalismo e no isolamento político do centro
econômico e dos núcleos urbanos, não resistiu ao crescimento
da mobilização e à nacionalização da política, que fizeram
do peso eleitoral de São Paulo o fator decisivo da vitória. A
cooptação política através da mobilização progressiva das
massas urbanas foi tentada mas fracassou, por falta de apoio
econômico, militar e internacional. A alternativa adotada foi,
finalmente, a da restrição forçada da participação
política, concentrando o poder nas mãos do Executivo e
retirando-o do processo eleitoral. A participação ficaria,
assim, limitada ao Legislativo, onde formas mais tradicionais de
controle do eleitorado pareciam ainda prevalecer.
A crise de 1964 tem sido objeto de uma literatura crescente.
Da mesma forma que ocorre com a Revolução de 1930, diferentes
interpretações do que teria havido em 1964 levam a distintas
conclusões a respeito do sistema político brasileiro, e até
mesmo da natureza do fenômeno político em geral. Será que o
país, por suas características históricas próprias, não tem
condições de possuir um sistema partidário eficaz? A crise de
1964 foi uma crise de conjuntura, ou representou uma
transformação profunda do sistema político brasileiro, e como
tal irreversível?
Para Maria do Carmo Campelo de Souza, a resposta é clara. De
maneira geral, diz ela, "numa sociedade relativamente
desenvolvida e complexa, o sistema partida rio é
instrumentalidade institucional dificilmente substituível".(19) No caso do Brasil, ela encontra
que "os indícios de fragilidade e desagregação coexistem
com os de fortalecimento e realinhamento do sistema
partidário." Para ela, ver só um dos la dos da questão
"revela incapacidade de apreender os processos de
transformação do sistema partidário como processos objetivos,
produzidos pela vigência efetiva de um sistema de
representação eleitoral e partidária". Em outras
palavras, o processo de desenvolvimento social não somente
desagrega o sistema partidário, como leva também a um
realinhamento e à organização de um novo sistema. É este
processo de realinhamento que estava sendo, supostamente,
gestado, quando a crise ocorreu.
A análise da crise propriamente dita é o objeto central da
análise de Wanderley Guilherme dos Santos, que trata de
explicá-la como conseqüência da segmentação e polarização
ocorridas no sistema político, com reflexos bem caracterizados
no âmbito do Parlamento. "A fragmentação dos recursos
políticos entre um grande número de atores extremamente
radicalizados constituiu, como variável independente, o palco
para a paralisia institucional."(20)
Esta situação teria impedido que continuasse a funcionar, no
Brasil, um sistema de coalizões parlamentares cambiantes que,
até então, tinham permitido o funcionamento razoavelmente
eficaz do poder Executivo, e sua convivência com o Legislativo.
Estas coalizões, mostram seus dados, deixavam de lado a aliança
clássica entre o PSD e o PTB, eleitoralmente a mais visível,
unindo inimigos aparentes na defesa de causas comuns. No período
de Juscelino Kubitschek, por exemplo, fica claro que "a
coalizão parlamentar de fato responsável pela estabilidade do
período não estava de nenhuma forma fixada ao longo do eixo
PSD/PTB e seus aliados vs. UDN e seus aliados".(21) A existência desta
estabilidade parlamentar também permitia que o governo
preservasse importantes áreas de sua administração do sistema
de espólio político, que passou a abranger todo o governo nos
anos críticos da presidência de João Goulart. A conclusão foi
a paralisia, tendo como conseqüência o aumento da
radicalização e fragmentação política, e finalmente a queda
do governo.(22)
A análise da crise política de 1964, assim como a própria
compreensão do processo político brasileiro como um todo, não
estaria completa sem um esforço no sentido de entender em maior
profundidade o funcionamento e as características mais gerais de
desenvolvimento do próprio Estado brasileiro como estrutura
complexa que tem como parte central o setor militar. Os
paradigmas políticos tradicionais tendem a tratar o Estado como
uma "caixa preta" que responde, dc forma mais ou menos
automática, às pressões e demandas da sociedade civil, e não
é estranha a esta perspectiva a insistência de muitos autores
em entenderem os militares como um grupo de "classe
média". Uma resenha da bibliografia de ciência política
brasileira feita por Bolivar Lamounier e Fernando Henrique
Cardoso mostra que estudos sobre o funcionamento do Estado
brasileiro enquanto centro decisório só ganham impulso a partir
da década de 1 970.(23)
Análises da Instituição militar em termos de sua organização
e peso próprios são ainda mais raras, devido, talvez, à
própria dificuldade de acesso inerente ao tema.(24)
Em seu conjunto, estes estudos deixam bastante claro que o
problema do autoritarismo e da democracia não pode ser entendido
como simples resultante de processos sociais gerais, nem se
esgota na lógica interna do confronto das racionalidades
individuais e grupais no seio do sistema político-partidário. A
experiência histórica indica que os países que conseguiram
instituir sistemas político-partidários estáveis contaram, via
de regra, com a participação inicial ativa da burguesia
ascendente no esforço de controle, racionalização e
subordinação relativa da autoridade política aos interesses
sociais. Este papel foi rapidamente sendo compartido por outros
grupos e setores sociais, como as minorias religiosas, os
interesses rurais, as corporações e grupos profissionais e,
obviamente, o proletariado organizado. Não é por acaso que
existe na ciência política brasileira uma crescente literatura
sobre o papel político da burguesia, num esforço de tratar de
identificar, em nosso caso, a repetição do processo histórico
europeu.(25) No entanto, a
análise da estrutura burocrático-patrimonial do Estado
brasileiro, e suas conseqüências ao nível da participação
política, mostram que esta é uma esperança vã. A democracia
brasileira, para chegar a se constituir de forma realmente
sólida, necessita que a sociedade possa se organizar de forma
autônoma sobre novas bases, além das matrizes classistas
tradicionais, a burguesia e o proletariado. É possível
encontrar muitos sinais encorajadores destas formas emergentes de
participação, no novo associativismo que surge nas grandes
cidades, na renovada consciência política e social das
associações profissionais, no novo sindicalismo, e assim por
diante. Isto, no entanto, não é suficiente, e ainda é cedo, em
1981, para prever um futuro que divirja de forma radical da
tradição centralizadora e autoritária que tem sido a marca da
história política do país. Uma discussão sobre o sentido mais
profundo da experiência eleitoral pós-64 ajudará, como
conclusão, a colocar este tema em perspectiva.
5. Conclusões: o Sistema Eleitoral
e a Questão Institucional
Recapitulemos. O fulcro da tese de "cooptação e
representação" é o qüestionamento da maneira de pensar
que vê o sistema político como baseado exclusivamente em
mecanismos de "representação de interesses", e que,
por conseguinte, somente consegue entender o Estado como agente
de um setor ou de uma constelação específica de setores da
"sociedade", definidos essencialmente em termos
classistas e econômicos.(26) A
isto se contrapõe o fato de que a maioria das sociedades
não-ocidentais tem uma organização política e estatal que é
parte importante, senão predominante, do próprio sistema
produtivo, e que por isso não pode ser vista como atuando em
nome de outras classes ou setores. Na medida em que existem,
na sociedade brasileira, dois pólos principais de organização
social - o de tipo privado capitalista e o de tipo patrimonial -
burocrático - o jogo político, quando se dá, expressa esta
contradição estrutural, na forma de dois "estilos" de
atuação e participação política -
"representação" e "cooptação" (o que
significa, obviamente, que não há nem uma nem outra quando o
sistema de participação política não se pode manifestar).
O modelo de representação política foi, por muito tempo,
quase que a única perspectiva analítica aceita dentro da
sociologia eleitoral que se pretendia estruturar, com
explicações baseadas na percepção das necessidades do sistema
social a partir de sua matriz produtiva, em contraposição a
perspectivas de tipo "culturalista" ou
"idealista". Este esquema explicativo supõe uma
sociedade organizada em grupos de interesse de diversos tipos
(classes, setores, estamentos etc.) que se dispõem para a defesa
de seus interesses na esfera pública. Sua elaboração parte,
grosso modo, da realidade histórica dos sistemas
político-partidários da Europa Ocidental, e corresponde a um
modelo teórico explicativo concomitante, que entende a sociedade
como definida essencialmente a partir de uma matriz fornecida
pela divisão social do trabalho, que dá os contornos das
diversas categorias e interesses sociais, que por sua vez se
expressam na arena política. Este modelo teórico pode surgir
com diversos graus de complexidade e sofisticação, abrangendo
desde a idéia mais singela (e por isso poderosa) de que o
sistema político e o Estado são meras
"superestruturas" do sistema econômico, até os
modelos mais complexos que tratam de incorporar conceitualmente
a- presença cada vez mais marcante do Estado nas sociedades
ocidentais modernas, lançando mão, então, de conceitos como
"fração de classe", "autonomia relativa",
"aparelho ideológico" etc.
A sociologia política, e mais especificamente a sociologia
eleitoral, que se desenvolveu como disciplina justamente nos
países em que existem os regimes políticos representativos mais
bem-sucedidos, tende em parte a confirmar e em parte a questionar
seriamente este modelo explicativo.
A confirmação consiste no achado mais ou menos universal de
que o "status sócio-econômico" tende a ser o melhor
preditor das atitudes políticas das pessoas. Tipicamente, o
conceito de "status sócio-econômico" deriva da
noção de classe, mas tende a ser definido como um contínuo em
um sistema de estratificação (medido usualmente pela
combinação da educação formal, prestígio profissional e
nível de renda da pessoa). Transformado em um contínuo, este
conceito deixa de lado a questão muitas vezes bizantina de
definir quantas e quais classes "realmente existem" em
uma sociedade, e estabelece um relacionamento mais ou menos
direto entre posição social e preferências
político-partidárias.
A relativa desconfirmação do modelo teórico de política
representativa apóia. se primeiro na debilidade das relações
acima indicadas. As relações existem, mas são baixas
("0,30 é o número mágico dos estudos eleitorais",
diz a respeito Adam Przeworski).(27)
Um conjunto de relações deste tipo, vinculadas a um conceito
contínuo de estratificação social, leva a uma teoria
"atenuada" de política representativa, que
corresponde, por sua vez, ao contexto político norte-americano e
europeu dos anos 50 e 60, quando estes estudos foram feitos. A
política é ainda a representação de interesses, mas os
interesses são múltiplos, muitas vezes conflitivos, o nível de
informação dos cidadãos é baixo porque o custo da
informação política é alto, e sua utilidade marginal, baixa),
e isto permite o funcionamento relativamente tranqüilo do
sistema representativo das democracias ocidentais, dirigido por
elites mais atentas.
A desconfirmação se acentua mais ainda quando comparações
internacionais sistemáticas começam a ser feitas. Normalmente,
as correlações entre atitudes políticas e status
sócio-econômico tendem a se manter dentro de cada pais, mas
existem grandes variações em termos de intensidade de
envolvimento político, grau de correlação entre atributos
sócio-econômicos e atitudes, e linhas de polarização dentro
das sociedades etc. Como explicar esta diversidade?
A literatura costuma mostrar três estratégias possíveis. A
primeira é utilizar o conceito de "cultura política",
que de alguma forma recupera o conceito já em desuso de
"caráter nacional". Existiria, assim, uma cultura
"machista" no México, "autoritária" na
Alemanha, "individualista" no Brasil,
"cívica" nos países escandinavos etc. Fábio
Wanderley Reis faz uma crítica absolutamente pertinente ao
conceito de "cultura política": "quando utilizada
para a explicação da evolução política de longo prazo ou
mesmo secular de um país, como se dá em algumas de suas
aplicações ao caso brasileiro, aquela noção exige que se
atribua aos componentes da 'cultura política' um grau
inaceitável de permanência e autonomia relativamente ao
substrato estrutural que lhes corresponde."(28)
A outra estratégia consiste em tomar em consideração as
características do sistema político-partidário, das leis
eleitorais, das possibilidades de enfranchisement etc.
Por exemplo, Gláucio Soares, ao tratar de explicar o
funcionamento do sistema eleitoral brasileiro no período de
1945-64,(29) utiliza-se tanto das
variáveis de tipo classista (mostrando, por exemplo, bases do
PTB nos setores operários mais modernos e urbanizados) quanto de
variáveis estruturais, como os efeitos das leis restritivas ao
voto do analfabeto. A própria lógica da competição em
diversos modelos de organização política - bi ou
pluri-partidários, de base funcional ou territorial, de âmbito
local, estadual ou nacional - implica graus distintos de
radicalização dos partidos, conteúdo ideológico ou não dos
programas, participação da população etc.
É claro que o principal problema desta abordagem é o fato de
ela tomar a estrutura político-partidária como dada e partir
daí para a explicação dos comportamentos individuais. Ela
permite, sem dúvida, explicar comportamentos a curto prazo, e
pode ser a via mais eficaz para desenvolver modelos preditivos de
grande precisão, principalmente se apoiada em estudos de
sociologia eleitoral empiricamente bem feitos; mas é impotente
para prever mudanças no próprio sistema eleitoral, tem unia
perspectiva de tempo muito limitada (ou supõe implicitamente a
intemporalidade), e por isso suas falhas na predição de
resultados eleitorais são, muitas vezes, tão surpreendentes
quanto seus sucessos.
A terceira estratégia, que considero a mais indicada, é
essencialmente histórica. Ela trata de ver como as ideologias,
as polarizações políticas, os sistemas eleitorais, as
percepções e avaliações dos fenômenos políticos pelos
diversos grupos da população, que existem hoje, são resultados
de experiências e buscas de solução para problemas e conflitos
de ontem, que caracterizam o contexto no qual são tratadas estas
questões em função dos objetivos políticos desejados para
amanhã.
A incorporação da perspectiva histórica traz grandes
vantagens e grandes problemas. As vantagens são que a realidade,
colocada pelos sociólogos empíricos em frios números e na
mente refrigerada dos computadores, ou preservada em formol pelos
teóricos da cultura política e do caráter nacional, readquire
subitamente vida, drama, emoção. O problema é que o analista
pode se encontrar, repentinamente, desarmado. Cada evento se
explica pelo evento anterior, todas as informações - os dados
econômicos, as conspirações, os acidentes, os segredos de
alcova - são importantes, e podem eventualmente mostrar a
"verdadeira" causa de cada evento. É claro que este
tipo. de situação é inaceitável, já que toda a explicação
causal que pretende superar a imediaticidade dos fatos aspira a
uma teoria, ou modelo explicativo mais genérico. Este modelo
explicativo pode muitas vezes estar implícito, outras não - a
história como produto das grandes personalidades, das
conspirações judaicas ou franco-maçônicas, das manipulações
dos irnperialisiiios, das lutas de classe.
Neste contexto é importante recuperar a problemática
teórica das relações entre Estado e sociedade, para o
entendimento dos processos históricos das sociedades
contemporânea. Pensar em termos destes dois macro-conceitos e
suas relações não é uma questão de "moda
intelectual" mais ou menos aleatória, mas o ponto de
partida mais fundamental para unia análise dos processos
sócio-políticos da história moderna e contemporânea. Pensar
em "sociedade", ou mais especificamente em
"sociedade civil", implica pensar no desenvolvimento
das cidades e da burguesia na Europa, na expansão da economia e
sociedade de mercado, no desenvolvi mento dos sindicatos etc.
Pensar em "Estado" implica, por unia parte, pensar no
"comitê executivo" do setor dominante da sociedade;
mas implica, também, pensar na criação de grandes estruturas
organizacionais capazes de mobilizar recursos e desenvolver
grandes capacidades extrativas e produtivas, incorporando grande
parte da riqueza territorial e de seus recursos humanos etc. Este
Estado nada tem de "abstrato", "sem raízes",
formal. Por isso mesmo, seu peso específico, seu relacionamento
com a burguesia, a aristocracia rural, os sindicatos e outros
atores importantes da sociedade, não podem ser definidos a
priori, mas dependem de uma análise empírica em cada caso.
Assim como existem teorias a respeito da tendência ao
crescimento e expansão do capitalismo, da tendência à
extinção de sociedades baseadas em agricultura tradicional
etc., existem também teorias relativas à tendência ao
crescimento do Estado, à lógica de poder das burocracias
públicas civis e militares etc. Cada uma destas teorias falha,
evidentemente, na medida em que não toma o outro lado em
consideração. Dai o surgimento da necessidade de teorias que
incorporem estas duas lógicas, que examinem o
inter-relacionamento destes dois processos seculares e façam
derivar daí proposições para o entendimento de situações
históricas particulares.
É desta forma que interpretações e formulações centrais
para o entendimento dos processos históricos podem ser trazidas
à colocação e experimentadas para a explicação de processos
históricos e, a partir deles, de conjunturas políticas
localizadas no tempo. Dai a vantagem em acentuar a importância
da temática da análise Estado-sociedade, dado que ela permite
combinar a análise histórica com a teoria social, ou pelo menos
com um corpo importante, no meu ver central, da teoria social
relativa aos processos históricos contemporâneos.
É por isso que considero que Fernando Henrique Cardoso, em
uma primeira reação às idéias aqui sugeridas, cometeu um erro
ao acusar de simplismo esta tentativa de acentuar o foco dos
problemas e suas ligações com a problemática conceitual
teórica, que as proposições sobre a análise Estado-sociedade
significavam.(30)
Em textos posteriores, no entanto, Cardoso passa a incorporar
a análise da questão do Estado de forma muito mais explícita e
sistemática, partindo da idéia de que "a análise sobre os
processos políticos contemporâneos precisa reavaliar as
relações entre sociedade civil e Estado e discutir mais a fundo
a visão herdada da tradição européia de que a relação
classe-partido-Estado se dá nesta ordem e com um nível de
autonomia institucional que supõe uma sociedade civil ativa e
autônoma".(31)
É a partir desta nova perspectiva que deve ser visto Partidos
e Deputados em São Paulo,(32)
certamente um dos melhores estudos sobre o sistema
político-eleitoral brasileiro já feitos. Seria impossível
analisar aqui toda a riqueza de contribuições e sugestões que
este texto contém. Limitar-me-ei, portanto, a comentar uma
série de teses e passagens que me parecem particularmente
ligadas à tem ática aqui discutida.
Em primeiro lugar, chama a atenção a análise da formação
do populismo paulista. Para o autor, o populismo é,
aparentemente, uma "perversão do sistema
representativo", que teria surgido pelas limitações ao
sistema democrático representativo impostas, principalmente, a
partir de 1947. No entanto, é claro que isto não explica tudo.
Referindo-se à inexistência de um partido trabalhista
fortemente organizado no Estado de São Paulo, ele diz que
"o controle do trabalhismo por Getúlio Vargas e depois por
João Goulart requeria na luta interna do PTB uma seção
paulista relativamente fraca". E continua: "Foi neste
contexto de marginalização dos setores ideológicos que
poderiam influenciar o comportamento das massas, do populismo e
da falência partidária do trabalhismo por causa de interesses
de grupos que lutavam pelo controle nacional do PTB, que se
desenvolveu o processo eleitoral paulista."(33)
A questão da insignificância eleitoral dos grandes partidos
nacionais em São Paulo - PSD, PTB, UDN - é central para o
entendimento do sistema político-eleitoral brasileiro pós 1945,
e é uma pena que Cardoso não tenha aprofundado a análise
sugerida pela referência à "luta interna" dentro do
PTB. No meu entender, o importante era que o PTB, como partido
governamental (de "cooptação"), não poderia aceitar
dentro de si um setor operário e sindical realmente forte e
estruturado, como seria de se esperar que se formasse na área
industrial de São Paulo. Este tipo de trabalhismo de base -
representativo - levaria a uma inversão do predomínio político
do centro administrativo-burocrático nacional sobre o centro
econômico do país. É por isso, e não por aspectos
circunstanciais de uma luta interna não-especificada, que nem os
partidos conservadores, nem os partidos liberais ou trabalhistas
de expressão nacional puderam se organizar e firmar uma base de
apoio sólida em São Paulo.
Isto não explica, entretanto, a razão da inexistência de
grandes partidos representacionais em São Paulo. Em primeiro
lugar, há que considerar que este tipo de partido tinha sua
força, ainda que limitada, no grande estado. PSB, PDC, PRP, a
própria UDN paulista, além do Partido Comunista, foram formas
de organização política independente que ali floresceram.
Mais importante do que estes, no entanto, foi o PSP. "De
fato", diz Cardoso, "o PSP foi criado, um pouco como o
PSD nacional, a partir do aparelho estatal. Entretanto, ele
expressou, desde o início, um fenômeno de 'insubordinação
paulista'. Os depoimentos trazidos à colação mostram que o PSP
combinava este fisiologismo com a participação de grupos
econômicos em rápida ascensão, e grupos sociais menos
privilegiados ligados a um sistema clientelístico - era o
'partido dos turcos', o primeiro partido que fez de São Paulo a
ligação entre um novo estilo de capitalismo e as camadas
populares ou pequeno-burguesas que na-o eram captadas pelos
conteúdos mais radicais..."(34)
Esta análise dá, creio, a chave do problema: o PSP cresce em
uma economia em expansão, onde o aparelho estatal no nível de
São Paulo também, crescia em termos de recursos e capacidade de
intervenção na sociedade paulista, e por isso nunca chega a ser
nem tipicamente um partido clientelista, ligado fisiologicamente
ao Estado, nem tipicamente representacional, dependente de grupos
de interesse autônomos.
A partir da caracterização geral dos partidos paulistas
anteriores a 1966, duas perguntas cruciais se colocam: como
entender e interpretam a vitória do MDB em 1974? Que sentido
atribuir a esta vitória e que dimensões analisar, tendo em
vista os desenvolvimentos futuros?
O voto do MDB tem dois sentidos principais, encontráveis em
São Paulo tanto quanto em outros estados em que se fizeram
pesquisas eleitorais. Por uma parte, ele é um voto de protesto
contra o sistema, contra o Estado. "Desde o passado",
diz Cardoso, "o Estado surge como pólo aglutinador quase
único da sociedade. 'O relacionamento entre estes dois termos do
processo histórico dava-se através de elites que (...)
manipulavam legendas e favores para obter o intercâmbio entre
eleitores e massa por um lado e partidos e Estado pelo outro. Uma
desconfiança básica e, por vezes, a apatia, continuavam a
permear o comportamento político das massas. Um fenômeno como o
janismo servia de catalisador momentâneo desta desconfiança.
Era quase unia alternativa de repúdio a 'tudo que aí
está", um caldo de cultura para, independentemente do
próprio líder, criar um eventual fascismo."(35) É um eleitorado reativo, que
nunca se enquadrou nos limites estreitos do sistema partidário,
que faz uso da oportunidade de votar para assinalar seu protesto.
Mas o segundo componente é igualmente importante: como
assinala muito bem Bolivar Lamounier,(36)
o voto do MDB não é simplesmente um voto negativista e
indiferenciado, um "voto cacareco". Ainda que o MDB
ganhe em toda a cidade de São Paulo, a variação geográfica
dos votos reflete "a continuidade de clivagens
sócio-ecológicas básicas", que combinam o voto de
oposição tradicional com o voto de novas áreas urbanas
periféricas. Trabalhando com duas variáveis clássicas de
estratificação, educação e idade, Lamounier mostra como a
idade permite explicar 11% de diferença no voto á favor do MDB
(os mais velhos votam pela Arena) e a educação outros 12% (os
mais educados votam pela Arena). A diferença entre a votação
pela Arena entre jovens pouco educados e pessoas maduras
bem-educadas é de 30% (12,4% e 50,4%, respectivamente), grau
tão alto de variabilidade explicada quanto os encontráveis nos
melhores estudos eleitorais. Por suá vez Cardoso mostra em seu
estudo como ás bases eleitorais dos eleitos pelo MDB têm muito
mais apoio em instituições de classe e setores sociais
especificamente definidos que a dos eleitos da Arena, que se
basearam principalmente na máquina administrativa do Governo
Laudo Natel. Esta mesma estruturação do voto emedebista, e sua
continuidade com o sistema político-partidário anterior a 1966,
é encontrada por Hélgio Trindade em seu estudo sobre Porto
Alegre.(37)
A questão do sentido do voto do MDB requer, alem do exame de
seus correlatos sócio-econômicos e ecológicos, á análise do
sentido atribuído a este voto. O estudo de São Paulo mostra que
os votantes do MDB se diferenciam claramente dos arenistas em sua
preferência pelo voto direto, pelo governo eleito, e em sua
crença na sabedoria do povo. Para Minas Gerais, Fábio Wanderley
Reis encontra níveis impressionantemente altos de falta de
informação política entre os eleitores de ambos os partidos,
mas também um predomínio daquelas atitudes que indicam,
principalmente entre os emedebistas, "postura crítica com
respeito às condições existentes no país, manifestando
preferência por uma forma conseqüentemente democrática de
organização política e rechaço ao quadro da rigidez política
que vem caracterizando a vida brasileira".(38)
O voto do MDB é, assim, em parte, a continuidade dos
vínculos político-partidários anteriores a 1966 e, em parte,
um voto de protesto, de tipo essencialmente político. Este voto
de protesto adquire a feição de um voto contra o Estado, ou o
governo, não só porque este governo representa certos
interesses, mas porque é governo centralizado e autoritário.
Alguns eleitores, diz Lamounier, se referem "a essa curiosa
figura, ao que tudo indica recente, da imaginação política
popular: a oposição entre governo e povo". É difícil
saber por que Lamounier acha "curiosa" esta atitude
historicamente tão presente na política brasileira. Para
Wanderley Reis, "o fato incontestável é que a
identificação maciça com o MDB se deveu às condições que
lhe criaram a imagem do anti-governo e anti-elitismo e lhe
permitiram emergir como o símbolo de um novo estado de
coisas."(39)
Como partir da verificação do sentido e características do
voto nas eleições de 1974 para uma visão prospectiva a
respeito do sistema político brasileiro? É óbvio, pelo menos
para mim, que os estudos eleitorais não se esgotam em si mesmos,
que não há muito interesse em poder predizer, ex-post-facto,
30% da variabilidade do comportamento eleitoral em função de
algumas variáveis de background. É claro que os estudos ganham
interesse quando identificam certos padrões de comportamento que
se mantém mesmo quando o sistema político-partidário e o clima
eleitoral se alteram. E seu interesse aumenta ainda mais se eles
nos permitem ganhar uma perspectiva sobre a evolução e o futuro
do sistema político do país.
Fábio Wanderley Reis tem este objetivo analítico claramente
em vista, quando busca no voto emedebista de 1974 o sentido de um
"voto constitucional". "A desinformação com
respeito a certos aspectos da conjuntura político-econômica do
país", diz ele, "está longe de poder ser vista como
resultando em comportamento errático diante das urnas".
Apesar da falta de informação, o voto do MDB é o voto de
oposição, caracterizando-se por alguns temas específicos
referidos às regras de participação do jogo político, e neste
nível haveria consciência clara por parte do eleitorado. Na
medida em que uma "consciência constitucional"
estivesse realmente se formando e consolidando no país, isto
colocaria em dúvida a viabilidade de qualquer projeto político
que pretendesse uma base de sustentação social sólida e ao
mesmo tempo buscasse contornar o problema da reformulação das
regras do jogo político, com seus respectivos direitos e
garantias.
Fernando Henrique Cardoso também busca uma sociedade que se
organiza de forma sólida e autônoma, e que possa, assim, fundar
um regime político aberto e participatório - mas encontra
dificuldades por todas as partes. Ele sabe que o peso do voto de
oposição tem muito de efeito circunstancial do próprio sistema
bipartidário: "a lógica do bipartidarismo, somada a certo
grau de liberdade e ao convencimento de que as eleições seriam
para valer, levaria à vitória estrondosa do 'partido popular'.
Este, no caso, foi o MDB."(40)
Mas para que o MDB possa ser realmente um partido de
representação de interesses, "o caminho a percorrer é
enorme", sendo preciso que "ele agregue, de fato,
interesses das classes que nele votaram, que se organize e se
vincule aos setores civis que apoiaram a linguagem que ele
usou".(41) O MDB, além de
estar longe de fazer isto, mostra ainda tendências à
oligarquização interna, que limitam as possibilidades de
representação de interesses em seu próprio seio. Esta
oligarquização "deu-se porque o condicionamento político
nacional a favorece, dada a descrença que ela gera no sistema
partidário e o descanso conseqüente na seleção de candidatos,
bem como o desinteresse por parte de eventuais candidatos e das
bases na renovação de quadros".(42)
Isto não deixa de ser verdade, mas ignora o teorema geral de
Michels segundo o qual a tendência à oligarquização tem a ver
com o próprio funcionamento interno das organizações
político-partidárias. Pareceria, no entanto, que o MDB seria um
partido de alta representatividade, não fosse o
"condicionamento político nacional". E os partidos de
antes de 1964?
Seria possível citar uma série de passagens onde para o
autor o positivo é a participação política representativa, e
o negativo são as formas clientelísticas, burocráticas etc. de
indução da participação política por máquinas
governamentais ou mesmo partidárias. O MDB estaria longe de
corporificar estes aspectos positivos, mas poderia representar
uma tendência. E a Arena? O normal seria que ela se
transformasse em um "partido conservador moderno", que
também fizesse a representação de seus respectivos interesses,
vinculando "este modernismo das classes dominantes - que
desde logo deve reconhecer-se como ligado à grande empresa - aos
setores da classe média urbana que eventualmente poderiam dar
sustentação político-eleitoral ao partido do governo"(43)
Eis pois, finalmente, a proposta normativa de Fernando
Henrique Cardoso, que não difere essencialmente da de Fábio
Wanderley Reis: a implantação de um sistema representativo
tanto à esquerda como à direita, a Arena representando "a
grande empresa", o MDB os setores populares etc. Como
sistema bi ou multi-partidário, é o antigo sistema
representativo que se apresenta como único candidato, senão
possível, pelo menos desejável para dar salda ao impasse
político com o qual nos confrontamos. E o Estado? Ele se
entregará docilmente aos ganhadores das liças eleitorais, a
cada qual quanto lhe toque?
Acredito que, assim como certas ideologias políticas se
reduzem ã Constante lamentação sobre a imoralidade dos
políticos, a corrupção dos governantes ou a falta de
consciência política dos eleitores, também a sociologia
eleitoral que se limite a detetar as deficiências do sistema
político representativo só pode terminar como. uma sociologia
de lamentação. No entanto, esta não é a única, nem
necessariamente, a melhor perspectiva possível. Seria
conveniente colocar aqui, com certo detalhe, os termos de uma
perspectiva alternativa, que me parece mais de acordo com a
experiência histórica brasileira e seu possível
encaminhamento. Partimos da questão da representa ção
política. A representação política supõe a existência de
grupos autônomos, orientados em função de interesses próprios
e definidos internamente, seja qual for sua base de
identificação - econômica, étnica, lingüística, religiosa
etc O que a análise histórica sugere é que as elites regionais
no Centro, Nordeste e, em certa medida, no Sul do país, tendem
historicamente a se preocupar menos com a representação de seus
interesses no centro político nacional do que com seu acesso a
posições de poder e prestígio em um regime político
centralizado. Os esforços eventuais de autonomia local tendem
geralmente a ser facilmente ou cooptados pelo centro, ou
suprimido pelas elites locais com o apoio do governo central.
Isto leva a um segundo aspecto, relacionado ao primeiro, que
é o da natureza da atividade política. Um regime político
baseado na centralização do poder e cooptação de setores mais
ativos tende á excessiva burocratização e á política de
distribuição de recursos entre clientelas eleitorais, enquanto
que uma política de tipo representativo tende a responder de
forma mais direta e explícita às demandas de seus constituintes
e, por isso, a ser mais clara na definição de objetivos e
políticas governamentais.
É importante pensar nestas categorias não como entidades
estanques, mas como elementos de um processo. A política
cartorial e clientelística deve ser vista, assim, como uma
resposta de uma administração centralizada de base
patrimonialista a uma demanda crescente de participação por
parte de grupos antes excluídos dos benefícios do poder. Ao
cooptar, o centro se enfraquece, mas ao mesmo tempo tira a
autonomia e independência dos cooptados, que de constituintes se
transformam em clientes. A conseqüência é a formação de um
sistema político pesado, irracional em suas decisões, que se
torna presa de uma teia cada vez maior e mais complexa de
compromissos e acomodações, até o ponto de ruptura. O Estado
patrimonialista, clientelista, acomodador, é visto como uma
reminiscência do passado, do tradicional, do conservador, e a
necessidade de sua substituição por um novo tipo de ordenamento
jurídico-político se impõe.
É aqui que o dilema dos dois modelos de organização
política volta a surgir, e aqui também a visão de processo é
essencial. Por um lado, o modelo representativista aparece como
ideologia anti-estatal; é o liberalismo à outrance,
que vê no Estado a fonte de todos os males, que propõe
transformar definitivamente os clientes em constituintes, em
fontes de poder, e o Estado em simples instrumento da vontade da
maioria organizada. No Brasil, é a ideologia liberal que ainda
há pouco se fazia ouvir através do Partido Libertador ou do
udenismo clássico. Por outro lado é a tentativa de liberar o
Estado de suas peias. O mal não estaria em sua participação
ativa na vida nacional, mas sim em seus Compromissos, seus
clientes, sua sujeição, enfim, à "política
partidária".
Cada lado tem sua razão, e o quadro só começa a se definir
com mais clareza quando se toma em consideração um terceiro
tipo de questão, que é a do papel da administração central na
promoção do desenvolvimento econômico e social do país. 9 que
podemos observar aqui é que, no Brasil, pelo menos desde 1937, o
Estado tem sempre desempenhado um papel ativo e agressivo na
implementação de algum tipo de política de desenvolvimento
econômico e social, embora fustigado pela crítica liberal
anti-intervencionista. É fácil ver como a crítica liberal não
se limita aos aspectos freqüentemente irracionais, ineficientes
e corruptos da política, mas se refere à própria noção da
necessidade social de planejamento e coordenação national de
recursos. A partir deste ponto de vista, a oposição ao Estado
centralizado surge como uma versa-o retardada do liberalismo
econômico do século XIX, florescendo em um enclave mais
privilegiado de um país subdesenvolvido, dependente e organizado
segundo moldes político-administrativos patrimoniais.
Eis, assim, um aparente paradoxo, que ressurge hoje em toda a
discussão dos problemas de planejamento centralizado e
distensão política: uma identificação de autoritarismo com
racionalidade e eficiência, por uma parte, e entre
participação política, liberdade, ineficiência e manutenção
de situações de privilégio, por outra. Não será esta uma
maneira equivocada de ver o problema?
O fato é que o sistema político liberal pode ser tanto na
forma de garantir a participação de setores cada vez maiores da
sociedade na definição dos objetivos nacionais quanto, ao
contrário, uma forma de garantir a prevalência de interesses
estabelecidos em detrimento de setores sociais menos articulados.
Por outra parte, sistemas políticos centralizados podem tanto
ser uma forma de limitar a distribuição do produto social a um
grupo restrito quanto, ao contrário, garantir que a vontade
geral prevaleça sobre interesses minoritários mais articulados.
É possível pensar em duas maneiras de ver o quadro político
brasileiro, que derivam destas duas perspectivas e suas bases
sócio-econômicas. A primeira, liberal e anti-estatal, pensa no
Estado como se legitimando através de um sistema democrático de
representação de interesses, e produzindo, essencialmente, uma
sociedade segura para o florescimento da iniciativa individual e
a eficiência do sistema capitalista competitivo. Ela critica,
assim, a tendência oposta como baseada no autoritarismo
político, e tendo como produto a política de clientelismo e
favoritismo pessoal.
A segunda ideologia política, simétrica a esta, é
intervencionista e centralizadora, e vê como fundamento de
legitimação do governo a existência de uma política orientada
para a maximização de objetivos coletivos e nacionais. Seu
produto é um Estado centralizado, eficiente, utilizando as
técnicas mais avançadas de planejamento econômico. Ela
critica, assim, a política representativa como a que defende
interesses privados e particularistas, e a livre iniciativa como
a manutenção de desigualdades sociais e regionais. O debate
político entre as duas tendências se refere, assim, ao sentido
verdadeiro de cada face da moeda. E certo que a bandeira de
representação política não passa de urna camuflagem para a
defesa de interesses e privilégios de pequenos grupos? Todo o
discurso político em termos de objetivos coletivos e nacionais
não seria, na realidade, senão uma racionalização para o
autoritarismo político? Os esforços de planejamento central e
eficiência governamental não seriam, na realidade, simples
roupagem para as políticas patrimonialistas e clientelísticas
de sempre?
O importante é notar que não somente as apreciações e
avaliações diferem, mas que cada uma das versões apreende um
aspecto importante da realidade político-administrativa
brasileira. É verdade que o Estado brasileiro tem sido,
historicamente, o centro de onde emana o clientelismo político e
a ineficiência, mas é também certo que, através da estrutura
governamental, alguns objetivos importantes e a longo prazo têm
sido estabelecidos e alcançados. É verdade que a bandeira da
representação política e da descentralização tem sido
historicamente relacionada com a política de interesses
privatistas - mas é também verdade que ela tem sido útil para
garantir a vigência de alguns valores básicos de liberdade e
pluralidade, e com isto aumentar cada vez mais o leque de
beneficiários presentes e futuros do desenvolvimento social.
O importante - e este é o problema político central que o
país confronta - é unificar estas duas tendências no que elas
têm de positivo. Este resultado - um sistema político
eficiente, moderno, de ampla base de sustentação social, e
buscando a realização de objetivos globais a longo prazo -- só
pode surgir quando a representação política deixe de se
identificar como apoio e a manutenção de interesses privados
limitados, e, ao mesmo tempo, quando o Estado deixe
definitivamente de ser uma burocracia patrimonial preocupada
essencialmente com sua sobrevivência e se transforme em um
agente efetivo e responsável de interesses sociais amplos.
Esta unificação deve ser efetivada, inclusive, no espaço,
ou seja, quando as duas tendências deixem de responder a
clivagens políticas diferenciadas geograficamente. Isto
significaria dar uma base representativa adequada ao processo de
coordenação e planejamento nacional, de tal forma que este
processo seja adequadamente controlado para evitar a
ineficiência e o autoritarismo, e, ao mesmo tempo, fazer com que
a política representativa seja de tal forma relacionada com os
interesses mais gerais da sociedade que estes prevaleçam sobre a
lógica dos interesses particulares de grupos privilegiados.
Existe, assim, um duplo trabalho a ser desenvolvido:
transformar as estruturas e atitudes políticas nos dois lados da
divisão regional e ideológica do país; desburocratizar, tornar
menos autoritária e clientelística a ação do Estado, e tornar
menos privatista e conservadora a política representativa. É
difícil prever como este trabalho evoluirá e não há dúvida
de que, em sua essência, estes serão os termos do debate
político que nos espera.
Na realidade, a questão do relacionamento entre o liberalismo
político e as formas mais capitalistas de organização social
encontra sua discussão mais plena nos termos sugeridos por
César Guimarães. Essencialmente, ele mostra que, conforme o
momento histórico do surgimento do capitalismo, em suas
relações com organizações políticas estatais preexistentes,
diferentes conseqüências políticas podem emergir. O primeiro
tipo sugerido de "capitalismo politicamente
implementado" corresponde ao modelo clássico de política
representativa. Nos outros dois, no entanto, pareceria que a
bandeira liberal deixa de existir, ou passa a figurar somente
como uma justificação ideológica que encobre uma orientação
política autoritária. Esta expressão, na realidade -
"capitalismo autoritário" - é utilizada por Otávio
Guilherme Velho em seu trabalho Modos de desenvolvimento
capitalista, campesinato e fronteira em movimento.(44)
Um último ponto, que creio importante assinalar, é que os
estudos eleitorais são somente uma das vias, e não
necessariamente a mais importante, para o entendimento dos
processos políticos, tanto em si mesmos quanto em função da
efetivação de valores que o analista possa ter. Conhecemos
suficientemente, hoje, de sociologia eleitoral para não nos
iludirmos quanto à capacidade de os sistemas eleitorais gerarem
e garantirem formas políticas adequadas. Pessoalmente, acredito
que a existência de sistemas eleitorais competitivos é uma
condição necessária, mas nunca suficiente, para garantir uma
sociedade quanto a formas abusivas de oligarquização e
monopolização de recursos sociais e econômicos por grupos
restritos.
Se isto é assim, os estudos eleitorais deveriam ser colocados
em um contexto que examinasse de forma bem mais ampla as
possibilidades de participação social que a sociedade
brasileira vem ou não oferecendo, não só na esfera
estritamente político-partidária, mas também em outras formas
de participação no setor produtivo, na organização do espaço
residencial e habitacional - as sociedades de bairros, por
exemplo -, no sistema de consumo, no sistema educacional e de
circulação de informações, em estruturas organizacionais
administrativas dentro do governo ou fora dele, em relação ao
sistema judiciário etc. A separação entre unia "esfera
política" e as demais esferas da vida social transforma a
vida política em um ritual vazio de conteúdo, dispendioso e
essencialmente inútil para governantes e governados. É na
medida em que a sociedade desenvolve a capacidade de
participação de seus cidadãos em muitas áreas diferentes,
reestabelecendo de forma efetiva o vínculo perdido e oculto pela
tradição liberal entre Estado e Sociedade, que o sistema
eleitoral pode, eventualmente, recobrar ou conquistar o seu
sentido de manifestação consciente e estruturada de valores
sociais. Até lá - ruim com ele, pior sem ele - o funcionamento
contínuo do sistema eleitoral e seu estudo livre de mitos
poderão, esperamos, contribuir para o desenvolvimento de uma
sociedade cada vez menos injusta e mais eqüitativa.
Notas
1. Cf.
Lipset, S. M., 1967, c Huntington, 5., 1968, p. 7.
2. A
incapacidade em considerar estes quatro níveis de análise
separadamente é responsável por muitos equívocos na literatura
sobre problemas de desenvolvimento. Celso Furtado, por exemplo,
em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina
(Furtado, C., 1966), diagnostica bem a crise no nível econômico
e as dificuldades no nível do poder, mas não tem nada mais
elaborado a dizer no nível da estrutura social (refere-se a isto
com a expressão vaga de "massas heterogêneas") e da
participação política (dá por suposta a necessidade e
viabilidade de uma ideologia de desenvolvimento). Ver a
discussão sobre o livro de Furtado em Schwartzman, S., 1967.
3. O
conceito de "desenvolvimento econômico" medido nestes
termos, ou em termos de con sumo de energia per capita, é
intencionalmente quantitativo. Existem vantagens analíticas em
considerar o desenvolvimento, ou crescimento econômico,
independentemente de outras variáveis tais como as de
distribuição da renda, estrutura da produção, sistema de
propriedade, relações econômicas externas etc., cujas
relações empíricas com o crescimento podem então ser
estabelecidas.
4. A
linearidade aparece também nos correlatos políticos que S. N.
Eisenstadt atribui ao processo de modernização, ou seja, a
diferenciação institucional continua e "uma quebra na
auto-suficiência e fechamento dos diferentes grupos e camadas
sociais, que são trazidos para um centro institucional e
societal comum mais unificado, e começam a influenciar a esfera
institucional e simbólica da sociedade". Há aqui a idéia
de um processo de ampliação da esfera de participação similar
ao sugerido por Germani (participação restrita, ampliada,
total). Este aumento na escala de participação política parece
ser inegável, mas não descreve todas as alternativas possíveis
de participação. Eisenstadt, S. N., 1966 e Germani, G., 1962.
5. Análises
dos "avanços" e "atrasos" no processo de
desenvolvimento, sugeridas entre outras partes no artigo pioneiro
de Karl W. Deutsch sobre mobilização social, têm sido
desenvolvidas independentemente por uma série de autores, com
resultados geralmente recompensadores. Um trabalho neste sentido
é o de Rosalind e Ivo K. Feierabend, que desenvolve um índice
de frustração pela comparação entre indicadores de
"criação de desejos" e de "satisfação de
desejos" (educação, comunicações de massas,
urbanização, por um lado, e crescimento econômico por outro).
Outra linha de pesquisas, de orientação mais estrutural, é a
das equipes da Fundación Bariloche e do Instituto de Sociologia
da Universidade de Zurich, sob a direção de Peter Heintz e
Manuel Mora y Araujo. Ver Deutsch, K. W., 1966b; Feierabcnd, R. e
J. K., 1966; Helntz, P., 1970; Schwartzman, 5., 1972; Mora y
Araujo, M., 1972; Kaztman, R., 1972; Passos, A., 1968a.
6. Esta
é uma abordagem bastante nova no contexto brasileiro. Os dois
exemplos mais importantes nesta linha sido os trabalhos de
Santos, Wanderley Guilherme dos, 1979, e Lima Ir., Olavo Brasil
de, 1980.
7. Rokkan,
S. e Lipset, S. M., 1967. Este é um excelente exemplo de como um
esquema conceitual, pensado inicialmente em termos de uma teoria
funcionalista adaptativa, pode ser utilizado com proveito na
análise de processos históricos dinâmicos.
8. Para
uma descrição da história da organização dos partidos
políticos brasileiros pós-1945. ver Peterson, P. i., 1962. Para
o entendimento do sistema de poder local, ver Leal, V. N., 1948;
e o trabalho de Cintra, A. O.,, 1971; e Soares, G. A. D., 1973,
cap. VI. O melhor sumário a respeito das relações entre o
sistema sindical e o sistema político brasileiro é
possivelmente o de Schmitter, P. C., 1971, capts. 5 e 8.
9. Hélio
Jaguaribe já propunha, pelo menos desde 1962, uma distinção
entre um setor "cartorial" e um setor mais econômico
nos diversos estratos sócio-econômicos brasileiros, inclusive o
sindical, que é bem semelhante à sugerida aqui. Cf. Jaguaribe,
H., 1962.
10. Reis,
E. M. Pereira, 1979.
11. Ver
sobre isto Love, J. L., 1973.
12. Para
a coleta, organização e análise destes dados, contamos com a
colaboração de Lúcia Gomes Klein
13. Para
uma análise da renúncia de Quadros em termos do processo
político brasileiro mais geral, ver o trabalho de Jaguaribe, H.,
1961.
14. Lima
Jr., Olavo Brasil de, 1980, faz uma análise minuciosa das
alianças eleitorais tanto nível estadual quanto federal, e
mostra que elas não obedeciam nem a critérios ideológicos, nem
a motivações irracionais, mas a uma lógica de maximização de
resultados que dependia essencialmente do tamanho dos partidos em
cada estado e eleição. Isto são impede, evidentemente, que
elas tenham tido um sentido mais profundo, como indicação de
uma transformação a longo prazo pela qual o sistema vinha
passando.
15. Cumpre
notar que o fenômeno da concentração de votos para o
Legislativo já existia antes desta época, no Rio de Janeiro.
Assim, em 1945, Getúlio Vargas obtinha 24,1% dos votos da cidade
do Rio de Janeiro na eleição para o Congresso, e seu filho,
Lutero Vargas, chegou a 14,5% em 1950. Carlos Lacerda obteve
24,2% dos votos do Rio de Janeiro em 1954, e ele e Lutero
reuniram 42,5% dos votos da cidade naquele ano. Em 1958, Lacerda
volta a reproduzir feito semelhante, com 15,4% dos votos. Este
fenômeno carioca relacionado a Vargas e seu principal opositor
não encontra paralelo, no entanto, no resto do país até o
início da década de 60.
16. A
noção de "Ideologia de Estado" é central na análise
que faz Bolivar Lamounier das ideologias políticas no Brasil.
Cf. Lamounier, B., 1974 e 1977.
17. Ilustra
bem esse processo a história da tentativa de criação de uma
central sindical única no Brasil, descrita por Schmitter, p. c.,
1971, p. 190-3. Em uma nota de rodapé, Schmitter se refere a uma
enquete feita pela Conferência Nacional de Círculos Operários,
organização de inspiração católica, com dados a respeito da
recém criada Confederação Nacional dos Trabalhadores. Os
resultados mostram que sua força era maior em Pernambuco (71%
dos sindicatos), depois Pará, Piauí (61%), Maranhão (59%),
Guanabara (47%), e finalmente Rio de Janeiro (47%). São Paulo
fica bem mais distante, no último lugar, mostrando que a força
desta federação, pretensamente nacional, se correlacionava
quase perfeita, mas negativamente, cóm a industrialização dos
estados brasileiros.
18. para
uma tentativa mais ampla de Interpretar os votos nulos e em
branco, ver Schwartzman, S., 1973b. Nesse texto, se sugeria que
os votos nulos e em branco não sido simplesmente anômicos, mas
possuem um conteúdo de protesto contra o sistema político.
Entretanto, como observa muito bem maria do Carmo Campello de
Souza (1976), é impossível comprovar esta idéia a partir dos
próprios dados de abstenção, que podem refletir tanto a
marginalização dos setores "modernos" quanto a
incorporação de setores mais tradicionais e rurais ao sistema
eleitoral. De qualquer forma, a noção de que estes votos
representavam um debilitamento no sistema parece ser
suficientemente clara.
19. Souza,
M. C. C., 1976.
20. Santos,
Wanderley Guilherme dos, 1979, p. 41. Ver também, sobre
paralisia governamental, Heintz, Peter, 1964.
21. Ibid.
p. 145. Ver, para uma analise de coalizões cambiantes na
votação da criação da Sudene, Hirshmann, Albert, 1963.
22. "Toda
a administração do Estado, sob Goulart, foi aparentemente
transformada em um maço de cartas disponíveis para o uso
exclusivo no jogo de influências políticas" (Santos,
Wanderley, Guilherme dos, 1979, p. 17).
23. Lamounier,
B. e Cardoso, F. 11., 1978. As referencias incluem os trabalhos
de Vieira da Cunha, M. W., 1963; Daland, R . T., 1969, Lafer, C.,
1970, Leff, N., 1968, Martins, L., 1973, e Wirth, J. D., 1970.
Ver também Barros, A. S. C., 1969; Boschi, R. e Diniz, E., 1978.
e Lessa, C., 1978.
24. Os
principais estudos são os de Stepan, A., 1971, Coelho, E . C.,
1976; e Barros, A. S. C 1978.
25. Veja,
por exemplo, Boschi, Renato, 1979.
26. Esta
seção se baseia em "As eleições e o problema
institucional," publicando em Dados, 4, 1977
(Schwartzman, S., 1977), que inclui uma parte mais polêmica e
comentários de Fernando Henrique Cardoso e Fábio Wanderley
Reis.
27. Przeworski,
A. e Sprague, 3., 1975.
28. Reis,
F. W., 1974, p. 53.
29. Soares,
G., 1973.
30. Cardoso,
F. H., 1973. Seus comentários se referem a Schwartzman, S.,
1970.
31. Cardoso,
F. H., 1974.
32. Cardoso,
F. H., 1975.
33. ibid.,
p. 47.
34. ibid.
p. 50.
35. Ibid,
p. 56
36. Lamounier,
B., 1975.
37. Trindade,
H., 1975.
38. Reis,
F. W., s/d, p. 14. Ver também Reis, F. W., 1975.
39. Reis,
F. W., s/d, p. 15
40. Cardoso,
F. M., 1975, p. 19.
41. Ibid.
p. 19.
42. Ibid.
p. 23.
43. Ibid.
p. 43.
44. Cf. Guimarães, C.,
1977, e Velho, O. G., 1976.
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