ROBERTO "CIDADÃO KANE" MARINHO
A TV Globo foi ao ar no Rio pela primeira vez em 26 de Abril de 1965, pouco mais de um ano após o golpe militar. Roberto Marinho era o dono da emissora. Seu pai havia fundado o jornal O Globo em 1925, mas morreu logo depois. Seus filhos herdaram o jornal. Aos 26 anos, em 1931, Roberto Marinho tornou-se diretor do jornal. Na década de 40 ele deu início às transmissões da Rádio Globo. Marinho obteve sua primeira concessão de TV em 1957, do presidente Juscelino Kubitscheck, cujo governo ele apoiava, e a segunda do presidente João Goulart, cujo governo ele ajudou a derrubar... Em 1962 Roberto Marinho assinou um contrato de colaboração entra a Globo e o grupo Time-Life. O acordo parecia ir contra a lei brasileira, na medida em que dava a uma empresa estrangeira interesses em uma empresa nacional de comunicações. Mas o acordo deu vantagens decisivas a Roberto Marinho. Vantagens da ordem de seis milhões de dólares, enquanto que a melhor emissora do grupo Tupi tinha sido montada com trezentos mil dólares. Os primeiros oito meses da TV Globo foram um fracasso evidente e então Walter Clark, à época com 29 anos, foi contratado para dirigir a emissora. Foi ele o arquiteto do incrível sucesso da Globo [e mais tarde, foi queimado por conta dos ciúmes de próprio Roberto Marinho, que não admitia ninguém da administração da emissora que fosse mais famoso que ele].. Quando o segundo presidente militar, marechal Costa e Silva assumiu em 1967, o breve "Milagre Econômico Brasileiro teve início. O pensamento econômico do regime era surpreendentemente simples: Que os ricos fiquem cada vez mais ricos, para que graças a eles os pobres fiquem cada vez menos pobres. A ditadura deu prioridade ao desenvolvimento de um moderno sistema nacional de telecomunicações, criando um ministério e viabilizando a compra de televisores a crédito. Os objetivos definidos foram, para variar, segurança nacional e integração... Todos poderão ver a Copa do Mundo. Chico Buarque comentou: Era televisão e futebol. Construíram estádios e essa rede impressionante de telecomunicações por todo o Brasil, e ao mesmo tempo uma degradação crescente em termos de educação e saúde. Tudo isso foi descuidado. No final dos anos sessenta o video-tape e as redes nacionais se uniram para destruir a produção local de programas, com toda a programação sendo realizado no Rio e em São Paulo. A resistência à ditadura militar chegou às ruas em 1968 quando cerca de cem mil pessoas, em sua maioria estudantes, fizeram grandes manifestações no Rio de Janeiro. No final de 68, pressionado pela crescente oposição, o regime militar assumiu poder ditatorial total, através do infame Ato Institucional 5. O congresso foi fechado e a tortura virou uma rotina. A censura prévia aos meios de comunicação de massa foi instituída. Parte da esquerda optou heroicamente pela luta armada e seu sucesso mais espetacular foi o seqüestro do embaixador americano, forçando o governo a libertar vários presos políticos. Após investigações parlamentares, que concluiu que o acordo Time-Life e Globo eram ilegais, a parceria foi dissolvida em 1969. Roberto Marinho ficou com total controle da TV Globo, enquanto suas concorrentes Tupi e Excelsior continuaram seu lento declínio. (Nota: A Time-Life ainda tem uma parte na Rede Globo. Este cancelamento de contrato provavelmente não existiu. A Time não iria desfazer o acordo sem um ressarcimento do valor investido.) A Globo centralizou todas as suas produções no Rio de janeiro após um incêndio que destruiu suas instalações em São Paulo. Com o [providencial e bem-vindo] dinheiro do seguro um impulso decisivo foi dado para a construção de uma poderosa rede, com o apóio do Regime. O primeiro telejornal a atingir praticamente todo o território brasileiro foi o Jornal Nacional, apresentado pela primeira vez em 1º de setembro de 1969. Assim nasceu a rede. A Excelsior havia sido a única empresa de televisão a se opor ao golpe militar de 1964 e os militares não se esqueceram disso. Em 1970 o governo cancelou sua concessão... No início dos anos setenta o novo governo, do general Emílio Médici lançou uma campanha maciça com slogan: Brasil, ame-o ou deixe-o. Qualquer reportagem negativista era proibida. Qualquer crítica persistente também. A lista de assuntos proibidos era imensa. Às vezes uma ordem para suspender a publicação de uma notícia chegava antes dela acontecer. Por exemplo: O senhor está proibido de noticiar um seqüestro que acontecerá amanhã em Curitiba... A TV Globo foi muitas vezes além do que era requisitado, transformando pessoas em não pessoas... Em 1981 uma bomba explodiu em um carro no estacionamento de um centro de convenções, onde um grupo de rock tocava para cerca de vinte mil pessoas. Os militares disseram que a bomba havia sido colocada por extremistas de esquerda, mas a explosão foi comprovadamente no colo de um soldado, que morreu dentro do carro de um outro militar, que ficou gravemente ferido na explosão. Na primeira edição do noticiário da Globo via-se claramente uma outra bomba, não detonada, dentro do carro. Quando a notícia foi ao ar novamente, a Segunda bomba havia desaparecido na edição. Para sempre. Em 1972 o então presidente Médici inaugurou a televisão em cores em um grande festival, dizendo: Sinto-me feliz todas as noites quando assisto o noticiário Por quê? Porque no noticiário da TV Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz... É como tomar um calmante após um dia de trabalho... A chegada das cores consolidou a superioridade da TV Globo. Na definição da própria emissora foi instituído o Padrão Globo de Qualidade. Os espectadores salivavam e sentavam-se em frente a seus aparelhos ao ouvir o plim, plim anunciando o próximo programa Global. Em 1977, Roberto Marinho demitiu Walter Clark, naquela época o executivo mais bem pago da América Latina. Walter Clark foi substituído pelo controlador de programação conhecido por Boni. Enquanto isso, como a própria Globo mostrou, a repressão não havia diminuído. Nem mesmo jornalistas foram poupados. Em 1975, Wladimir Herzog, chefe do jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi preso, tendo morrido horas depois em um quartel. Ele havia sido torturado. A polícia divulgou uma foto, tentando convencer a opinião pública de que ele havia se suicidado. A notícia de sua morte não foi divulgada na televisão, mas apareceu nos jornais e milhares de pessoas se reuniram na praça da Sé para protestar contra o assassinato. Em 1979 o general Figueiredo tornou-se o quinto e último (graças a Deus) presidente militar. Ele prometeu a abertura do país para a democracia (desde que controlada pela eleite de sempre, é claro). Em 1980 a TV Tupi acabou falindo e sua concessão foi cancelada. Durante as duas décadas da ditadura militar no Brasil, Roberto Marinho ficou riquíssimo e era talvez o civil mais poderoso do país. Com o fim do regime militar seu domínio cresceu ainda mais, além de qualquer regulamentação ou controle. A TV Globo não perde nenhuma oportunidade para anunciar outros produtos das organizações Globo. 30% da receita da gravadora de Roberto Marinho vêm dos discos de Xuxa e a maior parte restante da venda de trilhas-sonoras de novelas, com muitos sucessos norte-americanos. Sem contar com a apresentação de merchandising nas novelas que chega a ser espalhafatosa. Roberto Marinho é um dos três bilionários brasileiros com negócios em todas as áreas econômicas. É odiado no mundo, mas muito temido no Brasil, pelo fato de controlar milhões de brasileiros através do vicio global. Na iminência da volta de um presidente civil ao comando do país, Roberto Marinho apoiou o candidato Tancredo Neves, um velho e respeitado estadista, membro da oposição à ditadura militar. Quando Tancredo derrotou o candidato dos militares, por esmagadora maioria no Colégio Eleitoral o Brasil exultou de alegria. Os generais haviam desaparecido, es expectativas eram muito grandes. Horas depois da sua eleição, Tancredo almoçava com Roberto Marinho. Uma conversa particular apenas noticiada pelo O Globo, jornal do anfitrião. Antônio Carlos Magalhães também participou do almoço. Ex-Governador da Bahia e aliado importantíssimo da vitória de Tancredo, ACM é um velho amigo de Roberto Marinho. Logo depois Tancredo anunciou que ACM seria seu ministro das Comunicações. Tancredo morreu antes de assumir a Presidência da República e as imagens da Globo expressaram toda a angústia da nação. Ele foi substituído por José Sarney, um membro fundador do partido pró-governista militar. Um político com pouco carisma. Sarney confirmou ACM como Ministro das Comunicações. Um dos principais fornecedores de equipamentos de Telecomunicações para o governo era a NEC Brasil, de propriedade do empresário Mário Garnero, e sua financiadora Brasilinvest, juntamente com a matriz japonesa. A Globo se prevaleceu das dificuldades da NEC do Brasil, que foram dificuldades criadas pelo ministro das Comunicações, ACM. Ele suspendeu os pagamentos e as encomendas à NEC e ela praticamente vivia do que fazia para o governo. Sem essas encomendas, sem esses pagamentos, a NEC valia muito pouco, e a Globo por isso mesmo pagou menos de um milhão de dólares pela NEC. Mas logo em seguida, ACM restabeleceu os pagamentos e as encomendas que eram a razão de ser da NEC ela já passou a valer, segundo uma avaliação dos próprios japoneses, 350 milhões de dólares. Embora os custos reais para a Globo sejam obscurecidos por meio de complexas transferências de ações, é vidente que um lucro considerável foi obtido. A TV Aratu, em Salvador, Bahia, era afiliada à TV Globo há 18 anos. Roberto Marinho, em uma atitude unilateral inédita, encerrou o contrato da TV Aratu com a Rede Globo, em 1987, o que ocasionou uma queda de 80% na arrecadação daquela repetidora. A nova emissora escolhida para repetir os sinais da Globo foi a TV Bahia, controlada por associados e parentes de ACM, àquela época Ministro das Comunicações, e com intenções a voltar a governar a Bahia. Durante o governo Sarney ficou difícil para a Globo mostrar sua independência. A ditadura militar havia acabado e a emissora custava a recuperar uma imagem de jornalismo independente. A Globo optou por recuperar alguns dos artistas que baniu durante anos. Chico Buarque comenta: Hoje em dia existe um tipo de censura econômica muito importante. Por exemplo: um artista que queira cantar num dos vários programas de variedades pois não há programas musicais ele ou a sua gravadora tem que pagar à TV Globo para poder aparecer. Ou seja, os profissionais de música pagam a TV Globo para trabalhar para ela. Os telejornais da Globo não podiam mais ignorar os protestos sociais. Algumas manifestações contra o governo foram apresentadas. Mas os jornais da Globo tinham uma maneira toda especial de apresentar os fatos. A Globo sempre abria o jornal com o locutor dizendo assim: "o índice mensal da inflação foi de 40%. Caderneta de Poupança vai render 40%. Quer dizer, ela tirava o peso negativo do índice da inflação, e transformava em uma coisa positiva. Logo, os jornais da Globo iriam adquirir extrema maestria para maquiar os fatos da realidade nacional, em especial quando isso é de seu interesse político e financeiro, no contexto de superficialidade que marca, por exemplo, as edições do Jornal Nacional, carro chefe do telejornalismo global... A nova Constituição Brasileira tirava do presidente o poder de dar novas concessões de rádio e TV. Então, antes que ela entrasse em vigor, Sarney deu noventa concessões. Desde então nenhuma outra concessão foi dada. Essas concessões foram dadas principalmente para grupos políticos, sem contar com as duas que o próprio Sarney ficou e que acabaram virando afiliadas da Globo. |