CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE
(OU ENSAIO SOBRE
A NOVA ORDEM MUNDIAL)
por Roberto Amaral (*)
Boas idéias e boas
tecnologias precisam de uma forte potência
que promova essas idéias pelo próprio
exemplo e que proteja essas idéias
ao sair vencedora do campo de batalha.
Robert Kagan, historiador,
citado por Friedman
O atormentado final
de século consolida a crise do Estado moderno: de um
lado, o Estado-nação ameaçado em
sua soberania; de outro, o Estado-social esvaziado pelo neoliberalismo.
Ambos sofrem, por igual, a crise da política, com todos
os seus desdobramentos possíveis, inclusive a supremacia
da guerra sobre a détente e a negociação, o esvaziamento
da ONU e a virtual falência do direito internacional,
reduzidos a meros arcaísmos pela nova ordem mundial,
presidida pelo regime da potência única.
Nesse quadro, as crises do
Golfo Pérsico (relembre-se: o Iraque continua vítima
diária dos bombardeios norte-americanos e ingleses, levados
a cabo sem mandato da ONU[1]) e dos Bálcãs são
episódios paradigmáticos, mas não encerram
a história toda.
De fato, ao lado da globalização
econômica (essencialmente um projeto político),
este final de século assinala a vigência de uma
nova ordem mundial --caracterizada pela unipolaridade política,
econômica, militar, tecnológica e cultural (que
implica, também, o monopólio da informação)--,
fenômeno desconhecido pela comunidade das nações
nos últimos dois séculos, e bem mais significativo
que o imperialismo/colonialismo inglês, talvez só
comparável à pax
romana, mas,
sem dúvida alguma, mais profundo do que essa. Na verdade,
globalização e nova ordem mundial se fundem
como fenômenos intercomunicantes, cada um causa e consequência
do outro. Trata-se de um domínio político, planetário,
construído como desdobramento do império norte-americano
sobre a economia de mercado, donde a balcanização/libanização
dos demais Estados que não mais podem aspirar à
soberania--, cujas prerrogativas
são crescentemente limitadas, reduzidas e condicionadas,
do ponto-de-vista político, do ponto-de-vista econômico
e do ponto-de-vista militar. O Estado tradicional entra em decadência
e a humanidade volta a conviver com protetorados de fato.
Essa falência da soberania
(donde a crise dos Estados-nação e dos organismos
internacionais) é uma das conseqüências da
transição do mundo do polipoder (e da bipolaridade
e da guerra fria) para a unipolaridade, o período que
vem do momento histórico identificado como queda do
muro de Berlim (1989) até
nossos dias, cujo marco é a autonomia da OTAN (Organização
do Tratado do Atlântico Norte) em face da ONU, se autoproclamando
e agindo como uma força erga-Estado, erga-direito.
Como fase de polipoder
denominamos aqueles anos que medeiam a primeira e segunda guerras
mundiais, assinalados pela construção de vários
pólos de poder econômico, político e militar,
tanto na Europa (Alemanha, Itália, França, Inglaterra,
URSS), quanto na Ásia (Japão), quanto na América
(Estados Unidos). A bipolaridade é o período que
se segue à derrota do nazifascismo, com seus desdobramentos,
a saber, o controle político-militar sobre a Alemanha
dividida e partilhada, a desmilitarização do Japão
sob controle norte-americano, a construção do
império soviético, a liderança ideológica,
cultural e militar do sistema ocidental pelos Estados Unidos,
e, finalmente, a guerra-fria.
A derrocada do socialismo
real e o consequente (e articulado) desmantelamento da União
Soviética ensejam a unipolaridade, isto é,
o império isolado, autônomo e incontestável
dos Estados Unidos. Da condição de unipotência
econômica, militar e política resulta o monopólio
de intervenção nos negócios e interesses
de outras soberanias, posto que a política internacional,
para esse país, e em face dessa nova geopolítica,
é apenas o prolongamento de sua política nacional,
a saber, uma projeção de seus interesses. De outra
parte, e como desdobramento inevitável dessa compreensão
de mundo, o que quer que seja que não sirva aos interesses
norte-americanos é entendido como desservindo aos interesses
norte-americanos, e, nessas condições, hostilizado.
A unipolaridade -ou esta era de unipotência
determina a falência
dos organismos internacionais (e do direito internacional
público) --, com destaque para o desvanecimento da ONU--
e, pari passu--,
a destruição do Estado, dos Estados nacionais,
do Estado-nação, e, inevitavelmente, da política.
Dito de outra forma, queremos assinalar que a chamada crise
do Estado é mais propriamente a crise da soberania,
posto que, se é impossível a sobrevivência
do Estado carente de soberania, é de igual modo
inconcebível a sobrevivência da soberania em face
do regime da unipotência. E, assim, os Estados são
reduzidos a simples territórios, e as nações a um anacronismo.
Daí, o fim da política.
É esta a nova ordem mundial.
No plano das relações internacionais,
a falência da soberania (ou o fim da autodeterminação,
acentuado pela militarização dos conflitos políticos)
é a matéria-prima da interdependência global;
no âmbito interno das nações seu correspondente
é o esvaziamento da política.
Porque o fim da política é
também o reino da política única, espinha
dorsal ideológica da globalização.
A política, esvaziada, deixa de
ser instrumento de realização dos fins sociais;
abastardada, é a arte da mentira, do engodo, da farsa,
da fraude, do subterfúgio. Da coisa sempre menor, dos
projetos individuais, da traição aos interesses
coletivos. A política é reduzida a um inócuo
exercício institucional, organizando eleições
defraudadas e corrompidas das quais emergem governos fraudulentos
e corruptos, em eleições que não valem
nada porque nada mudam. Assim, o povo vai sendo expulso da ágora
e cada vez menos se identifica com seus mandatários ou
com as instituições de governo. E como se identificar
com a corrupção, com a traição do
interesse público, a privatização do público
pelos interesses do capital? as administrações controladas pelos interesses do empresariado,
o tráfico de informações privilegiadas
proporcionado por funcionários públicos em funções
estratégicas que transitam do serviço público
para o empresariado privado e vice-versa? o desvio, para fins
privados, dos bens, benefícios e serviços públicos?
o nepotismo, o favorecimento, o clientelismo e a desmoralização
do interesse público e do interesse nacional, anatematizados
como arcaísmos? Com o fim das conquistas republicanas
--o fim do serviço público, o fim da igualdade
dos direitos, o fim do direito à educação,
do direito à saúde, à cultura, à
arte e, finalmente, o fim do direito ao trabalho -- se instala
na população a crise de desconfiança no
Estado e na prioridade do bem público.
Poucos se dão conta do novo autoritarismo
porque são preservados os marcos da democracia formal:
o povo --o grande desenganado-- ainda vota, e os meios
de comunicação circulam sem censura estatal.
Organizando essa fraude, a ação
concertada dos meios de comunicação e da intelectualidade,
inclusive acadêmica, construindo o discurso único,
dogmático, o monopólio da informação
abundante e insignificante, desintegrada e desintegradora, dispersa e desestruturada e desestruturante,
uma visão cada vez mais despolitizada, incolor e inodora,
deshistoricizada e deshistoricizante, instantaneísta
e descontínua, atomizada e atomizante do mundo, o mundo
mediático, que, virtual, se sobrepõe ao mundo
real, expulso da televisão. Daí a videopolítica
e a videodemocracia. A opinião pública é
a opinião dos que controlam os grandes meios de comunicação,
verdadeiros partidos, ou o partido-único, portador do
discurso ideológico homogeneizado: a inevitabilidade
da globalização, o fim do Estado, o fim da
história, a privatização e a desnacionalização
como imperativos, donde o fim do debate e do contraditório.
Há uma unanimidade planetária dos grandes meios
de comunicação impressos e tecnológicos-
em torno dos primados ideológicos da nova ordem internacional.
A mesmice da imprensa brasileira[2] é a reprodução colonizada
das matrizes do pensamento internacional, de onde copiamos idéias,
hábitos, costumes, visão de mundo, política,
regime, amor e ódio. A política, assim, é
o simulacro da política, a democracia (sem diálogo
e sem representação) nega a democracia, a comunicação
não informa: a ampla liberdade de imprensa é o
manto que encobre a ausência de debate, o contraditório
e o confronto das idéias. A cidadania é um puro
engodo, quando mais direitos os cidadãos poderiam aspirar.
Daí, a ideologia única,
o discurso único, a economia única, o mercado
(globalizado) como religião. O monopólio da ortodoxia
tecnocrática, exercido pelos novos evangelistas do novo
mundo: a tecnoburocracia, os altos funcionários das grandes
empresas, os executivos dos organismos internacionais empunhando as bíblias e os alcorões do fundamentalismo
neoliberal. A globalização torna-se uma fatalidade,
o fim do Estado, inevitável, a dependência, uma
necessidade. Apesar do fracasso do modelo neoliberal. É,
uma vez mais, a vitória do discurso sobre a realidade.
O fundamento dessa nova ordem econômica
é a liberdade dos indivíduos. Mas o que se vê
é sua destruição: a violência do
desemprego, a precariedade da sobrevivência física,
o medo da insegurança: o homem passou a temer o futuro.
O reinado do mercado implica o reinado do consumidor, o substituto
comercial (despolitizado) do cidadão: o bem público
é o bem privado, a coisa pública é a coisa
privada[3].
Dizem que as fronteiras entre Estados já não funcionam,
mas os trabalhadores não têm livre-trânsito.
Ao livre fluxo de mercadorias (no sentido Norte-Sul) e do capital
não corresponde o livre trânsito de homens; a mão-de-obra
farta das antigas colônias e os conflitos religiosos,
estimulados, alimentam na Europa e em todo o mundo políticas
migratórias racistas e discriminatórias. Importam-se
empresas e mercadorias; exportam-se empregos e territórios:
Importam-se empresas e exportam-se lugares.
Impõe-se de fora do país o que deve ser a produção,
a circulação e a distribuição dentro
do país, anarquizando a divisão interna do trabalho
com o reforço de uma divisão internacional do
trabalho que determina como e o que produzir e exportar, de
modo a manter desigualmente repartidos, na escala planetária,
a produção, o emprego, a mais-valia, o poder econômico
e político[4].
E, em nome do mercado e da liberdade,
do livre-câmbio e do neoliberalismo, temos o monopólio
absoluto ou mais perfeito (e não estamos em face de uma
contradição em termos): o monopólio estatal
pelo Estado único.
O monopólio da economia.
O
monopólio do mercado.
O monopólio dos valores.
O monopólio da informação
e, finalmente, o monopólio da violência e da guerra.
Os Estados cedem poder e competência
em proveito de organismos que não pertencem a qualquer
categoria da soberania popular ou da democracia representativa[5]. São o FMI, o BID, o Banco Mundial, o
BIRD, a Microsoft, as General Motors, as IBM, as CNN, a banca internacional e o capital
especulativo que ditam as regras do comércio e da economia
no planeta, o novo Leviatan do mundo neoliberalizado[6].
Uma só rede de televisão
decide o que podemos ver e ouvir, transformando o mundo num
espetáculo, num vídeogame, reduzido o mundo a
uma visão ideológica unilateral, e os fatos, aos
fatos que interessam a essa visão. Em nossos países,
onde reina o monopólio da audiência[7], as redes locais reproduzem a grande rede mundial.
A aldeia global macluhaniana funde-se com a premonição
orwelliana.
Finalmente, depois do mercado único[8] se estabeleceu o exército único,
mais poderoso e mais impudico do que as legiões de César,
mais impiedoso com seus adversários do que qualquer outro.
Mas o desmantelamento das Federações
(o fim da União Soviética foi um só começo),
no que desfaz grandes Estados e enseja a multiplicação
de pequenos entes políticos, sem capacidade de autonomia
econômico-política e segurança militar,
também alimenta as reivindicações de nacionalidades e reacende conflitos territoriais,
religiosos e étnicos de difícil controle[9]. Assim,
provocada a desconstituição da Iugoslávia
está na raiz dos conflitos entre sérvios e kosovares[10], estimulando
aqueles nacionalismos étnicos que Tito havia posto sob
o controle de uma federação (República
Socialista Federativa da Iugoslávia).
Como ignorar a história, descontextualizando
os fatos, como se cada fato ou episódio fosse uma totalidade,
uma realidade histórica desapartada do passado que a
engendrou, como fazem os Estados Unidos e seus aliados, com
a complacência de uma imprensa mundial comprometida com
a ideologia da guerra?
É preciso lembrar que os sérvios
chegaram à região hoje identificada como Kosovo
no ano VI d.C.
É
preciso lembrar a Batalha de Kosovo em 1389, com a derrota do
expansionismo sérvio.
É preciso lembrar a primeira grande
guerra.
É preciso lembrar a invasão
da Iugoslávia por tropas alemãs, italianas, húngaras,
romenas e búlgaras em abril de 1941, quando a diplomacia
de guerra de Hitler e Mussolini cunhou a expressão Nova
ordem mundial, reatualizada pela OTAN.
É preciso lembrar a guerra da Bósnia.
Como ignorar as sequelas da guerra civil
da Bósnia (1992-1995), e o artificialismo do compromisso
de paz firmado em Daytona (EUA) em 1995 por iniciativa dos Estados
Unidos?
É preciso lembrar o acordo de Daytona
e a expulsão, pelos croatas do Presidente Franjo Tudjman, de milhares de sérvios da região
de Krijina, que já estava sob a proteção
da ONU, e que não esboçou qualquer sorte de reação,
reação que também não se conheceu,
de qualquer organismo internacional, quando o deslocamento de
civis sérvios da Croácia e da Bósnia criou
um contigente de cerca de 700 mil refugiados.
Os sérvios não esqueceram
a sua história, como também não a esqueceram
os outros povos da região[12].
A política de negar a guerra sem
construir a paz, era o germe inevitável da segunda fase
da tragédia[13].
Mas, se não é o primeiro
confronto étnico-religioso com desdobramentos político-militares
(católicos e protestantes na Irlanda, o Irã dos
aiatolás, os curdos no Iraque e na Turquia, os conflitos
no Paquistão, no Afeganistão e na Argélia), não será o último. Outros
virão, como desdobramento de um processo já desencadeado,
ou, se necessário, virão estimulados de fora para
dentro. Como foi estimulada a guerra Iraque-Irã, como
foi estimulada a guerrilha talibã quando esta servia
para desestabilizar o governo do Afeganistão, quando
pró-soviético.
Pergunta-se: a OTAN continuará
intervindo nos conflitos étnicos e religiosos que se
multiplicarão pelo mundo, nas próximas décadas?
Só nos Bálcãs os estrategistas da guerra
podem anotar as rivalidades entre cristãos (ortodoxos
e católicos romanos) e muçulmanos, divididos
entre povos e etnias os mais diversos como sérvios, croatas,
eslovenos, macedônios, búlgaros, romenos, húngaros,
gregos, albaneses e turcos. Na região do Cáucaso
os atritos entre a Armênia e o Azerbaijão parecem
incontornáveis, tanto quanto os confrontos com a guerrilha
fundamentalista no Daguestão. Na Geórgia eclodem
os movimentos separatistas dos Eslavos da Ossétia do
Sul e da Abkhazia. A instabilidade e o conflito são as
características dos Estados muçulmanos:
Turquia, Irã, Afeganistão e Paquistão. Há conflitos com os curdos principalmente
na Turquia e no Iraque. Na Europa não foram resolvidas
as questões autonomistas no interior da Espanha, nem
o conflito religioso-político na Irlanda do Norte. Estão
presentes as disputas entre a Grécia, o Chipre e a Turquia.
No Líbano, no Marrocos, em todo o Oriente, para além
das disputas entre árabes e judeus. Os conflitos são
inumeráveis na Ásia (Índia, Paquistão,
Afeganistão, Bangladesh, Coréias, Taiwan
) e na
África, mas este continente não conta
Ora, certamente um dos objetivos da estratégia
da OTAN (isto é, dos Estados Unidos), nos Bálcãs, é a pulverização dos Estados,
mediante o estímulo à vontade autonomista de minorias
e unidades federativas que agora podem ter a esperança
de que contarão com o maior exército do mundo
para avalizar seus pleitos diante dos Estados a que pertencem.
Essa política, que começa a dilacerar o Leste
europeu, não deverá ficar, necessariamente, contida
no sub-Continente. Ao contrário, a expectativa a mais
razoável é que o mundo venha a assistir a uma
multiplicação de movimentos separatistas laicos,
o que implica a multiplicação de focos de conflito
e guerra e o enfraquecimento dos Estados, criando condições
favoráveis para a estratégia da potência
hegemônica[14].
O episódio de Kosovo, é, na essência, uma
tomada de posição da OTAN em face de uma guerra
civil autonomista, no seio da Iugoslávia. E de aspirações
como essa está pontilhado o mundo de hoje, seja na Europa
(atingindo, além do Leste, países como a França
e a Espanha), seja na Ásia, seja na África. E
onde esses movimentos não atendam a motivações
históricas, culturais ou étnicas, elas bem que
podem ser provocadas, estimuladas, organizadas, financiadas,
pois essa é a lógica da guerra.
Não será exagero indicar,
já como fruto desse autonomismo despertado pela intervenção
da OTAN, a inesperada iniciativa de Taipé reivindicando
do Governo de Pequim um tratamento de Estado-Estado entre a
China e Taiwan. Ou os novos conflitos no Cáucaso, onde
o grupo rebelde fundamentalista Wahhabi Islâmico ocupou,
no início de agosto de 1999, três cidades da República
russa do Daguestão. Seu objetivo é forçar
a criação de um Estado islâmico ao Norte
do Cáucaso, ao lado da Chechênia.
1.1
A pax americana
Estas
sãos as características essenciais de uma nova
ordem internacional presidida pelo que todos estão chamando
de pax
americana, estabelecendo, de um
lado, a melancólica agonia da ONU e do direito
internacional, e, de outro, o império dos interesses
norte-americanos sobre o mundo, daí o conflito com o
Irã, os bombardeios punitivos sobre o Iraque, o Sudão
e a Iugoslávia, a lei Helmans-Burton de pretendida aplicação
extraterritorial, os bloqueios econômicos e políticos
e o direito que se atribuem os Estados Unidos de aplicar sanções
políticas e econômicas severíssimas (embargos,
sobretaxações e outras práticas protecionistas
e retaliatórias) contra nações soberanas.
Mais da metade dos países do planeta está submetida,
foram vítimas ou estão ameaçados por sanções
econômicas ou comerciais decretadas por Washington. Estados
como o Iraque, a Coréia do Norte, o Sudão, Cuba
ou a Líbia, condenados unilateralmente como párias
por Washington, pagaram ou pagam alto por insistirem, cada um
ao seu modo em sobreviver com um mínimo de autodeterminação.
Um deles, o Iraque, está submetido a uma liquidação
de caráter genocida em conseqüência de um
embargo cujos objetivos não obedecem mais a qualquer
lógica razoável, salvo a autosatisfação
da implacável cólera norte-americana[15].
A
discriminação comercial
e o comércio administrado de forma bilateral são
postos em prática tendo como pano de fundo um discurso
que proclama o livre-comércio e o multilateralismo. As
vítimas não têm a quem recorrer, emparedadas
entre a unipotência e a inutilidade de uma Organização
Mundial de Comércio (OMC) justamente esvaziada e impotente,
ademais de manipulada. Nem a diplomacia brasileira ousa ignorar:
As potências econômicas
e comerciais são responsáveis pela maior parte
das distorções no multilateralismo pela razão
simples de que têm influência determinante sobre
as trocas internacionais. A Rodada Uruguai foi pródiga
em exemplos, que envolveram notadamente a questão dos
subsídios agrícolas (aplicados em larga escala
pela UE e, setorialmente, por americanos e japoneses) e das
barreiras protecionistas informais (caso flagrante dos sistemas
de distribuição de mercadorias no Japão).
Os Estados Unidos, principal
defensor das teses multilateralistas e liberalizantes revelam-se
acentuadamente protecionistas no que concerne a ramais vitais
da sua indústria (através, por exemplo, dos subsídios
indiretos à microeletrônica por meio das encomendas de material bélico). A administração
Clinton, que desde a campanha eleitoral definiu prioridades
de política externa condicionadas ao incremento da performance comercial
dos produtos nacionais, atenta permanentemente contra o multilateralismo
ao promover o comércio administrado com o Japão
e ao multiplicar as ameaças de aplicação
da legislação comercial retaliatória de
que dispõe (Super 301), ignorando as instâncias
multilaterais de recurso.
A combinação
dessas duas características da ordem comercial internacional
multilateralismo regulado por consensos negociados e práticas
comerciais discriminatórias utilizadas unilateralmente
parece configurar o cenário mais provável no
horizonte próximo[16].
O déficit comercial recorde dos
EUA deverá fortalecer esse protecionismo e prejudicar
ainda mais as exportações dos países emergentes
(v.g. Brasil, Argentina, México, tigres asiáticos)
às voltas com os rescaldos nacionais da crise econômica
mundial[17].
A condição de único país
com interesse global desaparta os Estados Unidos das limitações
legais: seus interesses, onde quer que estejam, são interesses
nacionais e seu direito não pode confinar-se a limitações
geográficas, até porque suas fronteiras se confundem
com a extensão de seus interesses; são do tamanho
do mundo. Os Estados Unidos, assim,
não compreendem por que teriam de partilhar sua soberania
ou limitá-la em face da soberania de outros países,
quando podem exercer essa soberania de forma absoluta e sem
que ninguém, nenhum
país e nem mesmo as Nações Unidas, possa
contestá-los. Eis como
se desfaz um dos pressupostos do direito: sua universalidade.
Esta, a conseqüência fática do regime de unipotência militar.
Esta pax
americana só semanticamente
remonta à pax romana imposta ao mundo depois da vitória de
Cipião sobre as tropas de Aníbal decretando a
queda de Cartago e o fim das guerras púnicas (264-146
a.C.). Porque o império norte-americano é mais
extenso e mais profundo, política, ideológica
e militarmente, muito mais planetário e muito mais poderoso
do ponto de vista bélico, concentrando em suas mãos
poderes de destruição inimagináveis por
outros impérios em qualquer época da humanidade.
Poderes que jamais foram empregados como hoje.
Ora, por inevitável, a globalização
econômica estaria a exigir um projeto também globalizado
de estratégia militar (mais precisamente: econômico-militar)
de segurança, ditado, evidentemente, pelos interesses
da unipotência. Assim, não é mais insólito
que a primeira guerra da OTAN seja travada após o fim
do Pacto de Varsóvia e a débâcle da União Soviética e o fim do fantasma
comunista; que, ao invés de repelir uma agressão
comunista, promova o bombardeio de um país que até
há pouco se considerava europeu e ocidental
e que não
havia invadido ou ameaçado a integridade territorial
de nenhum outro país europeu.
Mero desdobramento dessa lógica,
a OTAN, a partir de Kosovo e da reunião de Washington[18] se atribui o direito de intervir onde quer que
seja, e, ademais de intervir e bombardear o território
que lhe parecer de seu direito bombardear, se outorga também
o poder de estabelecer embargos econômicos, para obediência
de todas as nações do mundo. Nessa reunião,
a cúpula da Aliança praticamente revogou o Conceito
estratégico, aprovado em 1991, em Roma, quando ainda
existia a União Soviética, e construiu uma linha
de ação da chamada nova OTAN, Se, pelo estatuto original, os objetivos
estratégicos da organização se limitavam
à defesa diante de agressões de outros países,
pela nova ordem a OTAN pode intervir fora de seu território,
independentemente de agressão, e sem autorização
prévia do Conselho da ONU, exigência do Presidente
norte-americano. Seu desafio, agora, é combater novas
ameaças, como o terrorismo, as armas de destruição
em massa e os conflitos regionais provocados por rivalidades
étnicas ou religiosas[19].
Tudo, como se vê.
Um colegiado de exércitos, assim
auto-transformado em instrumento de intervenção
militar, sob o comando dos Estados Unidos, age como se fora
um organismo internacional de direito, decretando a obsolescência
da Carta das Nações. O fim do Estado se
dá num processo moloch: construindo o Estado erga-Estado.
1.2 A globalização
da nova ordem mundial
Comecemos pelo óbvio: a nova ordem
internacional (de que a autonomia dos exércitos norte-americanos
é um só indicador) e a globalização
constituem fenômenos interdependentes e complementares,
um circuito de vasos comunicantes. Sistema internacional de
poder que substitui a guerra-fria, a globalização
é a disseminação do capitalismo financeiro
sobre o capitalismo de produção, a onipotência
do mercado livre (sendo livre, tão-só, o fluxo
Norte Sul), com todos os seus ingredientes, não só
econômicos quanto políticos, não só
ideológicos quanto militares, interligando mercado, ideologia
e guerra. É perfeita a síntese de Thomas
Friedman:
Nós, americanos, somos
os apóstolos do mundo veloz, os profetas do livre-mercado
e os sumos sacerdotes da alta tecnologia. Queremos a ampliação
tanto dos nossos valores como de nossas Pizza Huts.
Queremos que o mundo siga
a nossa liderança e se torne democrático e capitalista,
com um web site em cada
atividade, uma Pepsi nos lábios, o Windows da Microsoft
em cada computador e com todos, em toda parte, colocando a própria
gasolina.
Nunca a guerra foi tão exemplarmente
a continuação da política por outros meios.
É o mesmo Friedman:
A mão oculta do mercado
jamais funcionará sem um punho oculto o McDonalds não pode prosperar sem a Mc Donnel Douglas, que projetou o F-15. E o punho oculto que mantém
o mundo seguro para as tecnologias do Vale do Silício
chama-se Forças Armadas, Força Aérea, Marinha
e Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.
A globalização, assim,
precisa ser vista como um sistema articulado de poder planetário
(que abarca todas as esferas da expressão humana) e que
atinge forçosamente a todos os países e povos,
como engrenagem que, para funcionar, não admite ponto-morto.
Os recalcitrantes serão punidos. A globalização
é a homogeneização do pensamento e dos
exércitos, o fim das nações e dos projetos regionais (e, se desaparecem as
nações, devem desaparecer a cultura nacional e
os exércitos nacionais), donde a redução
do mundo a um mercado a um só tempo universal e único,
com ideologia única, com projeto único, com vontade
única, presidido por uma unipotência, senhora do
bem e do mal, portadora do bem e inimiga do mal. E mal é
tudo o que por ela for designado como tal. Para esse efeito
o império militar precisa de uma causa, de um inimigo
a perseguir e a punir; se ele não existe, pode ser criado.
Daí as satanizações sucessivas: o comunismo
em geral e Cuba em particular, o Irã dos aiatolás,
o Iraque de Saddam, a Iugoslávia de Milosevic. Até
Granada e a República Dominicana já foram alvos de intervenção.
O objeto da satanização
pode ser um regime, um país, um dirigente político
ou uma causa, como o combate ao narcotráfico, que pode
amanhã justificar a balcanização da Colômbia, ou a defesa
de recursos naturais indispensáveis à sobrevivência
da humanidade
Nesse sentido é mesmo o fim da
história
A crise dos Bálcãs é,
pois, uma das exigências da globalização
(via potência única) vista como a sucessora da
guerra-fria.
1.
3 Os Estados Unidos e a globalização: um caso
de sucesso econômico.
A globalização se confunde
com os Estados Unidos e os Estados Unidos são os maiores
beneficiários da globalização.
Os Estados Unidos são o único grande
mercado consumidor que cresceu durante todo o período
da crise global, iniciada em julho de 1997, na Tailândia.
São inumeráveis, e incontroversas, as análises
de observadores norte-americanos. Em recente comentário,
o New York Times
escreve:
O grande afluxo de capitais impulsionou
Wall Street: a soma do valor de todas as Access negociadas na Bolsa de Nova Iorque subiu
de US$ 8,92 trilhões em junho de 1997, quando
começou a etapa asiática da crise, para
US$ 11,72 trilhões em dezembro do ano passado.
Uma alta de 31%, no período em que outras Bolsas
ditas emergentes, como a de Moscou, acumulavam perdas
de até 86%. Simultaneamente, o desemprego americano
caiu aos níveis mais baixos das últimas
três décadas e a economia cresceu em ritmo
acelerado. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB)
expandiu-se a uma taxa de 6,1%, a melhor dos anos 90
[24].
O Brasil, depois das duas décadas
perdidas, deve ter, em 1999/2000, crescimento negativo em torno
de -1% a -1,5%.
O déficit comercial norte-americano de
US$ 21,3 bilhões, revela, a um tempo, a riqueza dos Estados
Unidos e a pobreza do
mundo. Revela mais, que sua riqueza resulta da pobreza do mundo,
cuja capacidade de compra vem caindo. Esse outro lado da globalização,
põe a nu a fragilidade da economia mundial, dependente
do poder de compra, isto é, da vitalidade de uma só
economia cujo permanente boom pode levar a uma inflação (ameaça
admitida pelo Federal Reserve Board) que, associada ao déficit, será
tratada pelos remédios clássicos do capitalismo
norte-americano: mais protecionismo. Ou seja, mais restrições
ao desenvolvimento da economia mundial, de particular dos países
chamados emergentes, Brasil entre eles.
1.4 De novo (e sempre) o
velho complexo industrial militar
A expressão military-industrial complex- foi insuspeitadamente grafada pelo Presidente
General Dwight Eisenhower, no célebre discurso de transmissão
do cargo de Presidente dos Estados Unidos a John Kennedy (1961).
Peça premonitória, guarda dramática atualidade
quase 40 anos passados e muito pode nos ajudar a compreender
a política militarista americana:
(
) fomos compelidos
a criar uma indústria de armamentos permanente
de vastas proporções. Além disso,
três milhões e meio de homens e mulheres
estão diretamente engajados no sistema de defesa.
Gastamos anualmente, com segurança militar, mais
que a renda líquida
de todas as corporações dos Estados Unidos.
Esta conjunção de um imenso establishment militar
com uma grande indústria de armas é
nova na experiência americana. A influência
total, econômica, política e até
espiritual se faz sentir em cada cidade, em cada Assembléia,
em cada repartição do governo federal.
Reconhecemos a necessidade imperativa desse desenvolvimento.
Não podemos, porém, deixar de compreender
suas graves implicações. Nossas atividades,
recursos e subsistência estão todos envolvidos,
bem como a própria estrutura de nossa sociedade.
Nos conselhos de governo, devemos nos prevenir contra
a influência injustificada, buscada ou não,
do complexo militar-industrial (military-industrial
complex ). O potencial
para uma desastrosa emergência ou extravio de
poder existe e persistirá. Não devemos
jamais permitir que o peso dessa combinação
ameace nossas liberdades e nossos processos democráticos.
Não devemos dar nada como pronto e garantido.
Somente uma cidadania alerta e bem informada pode exigir
a harmonização adequada do imenso aparato
industrial e militar de defesa com nossos métodos
e objetivos pacíficos, para que segurança
e liberdade caminhem juntas. A revolução
tecnológica das últimas décadas
tem sido similar e em grande parte responsável
pelas dramáticas transformações
em nossa postura militar-industrial. Nessa revolução,
a pesquisa tornou-se central; também tornou-se
mais formal, complexa e cara. Uma parte cada vez maior
é realizada, para, pela ou sob a direção
do governo federal. Hoje, o inventor solitário,
trabalhando em sua oficina, foi substituído por
forças-tarefas de cientistas em laboratórios
e campos de prova. Do mesmo modo, a universidade gratuita
--historicamente o berço das idéias livres
e das descobertas científicas-- experimentou
uma revolução na política de pesquisa.
Em parte devido aos altos custos envolvidos, o que passa
a orientar a pesquisa não é a curiosidade
intelectual, mas a possibilidade de um contrato com
o Governo. Para cada velho quadro-negro existem agora
centenas de novos computadores eletrônicos. A
perspectiva de dominação dos nossos scholars pelo
emprego federal, pela distribuição de
projetos e pelo poder do dinheiro está sempre
presente e deve ser considerada em sua gravidade. Mas,
levando em consideração, como é
de nosso dever, a pesquisa científica e as invenções,
precisamos estar igualmente alertas para o perigo de
as políticas públicas se tornarem
cativas de uma elite
científica e tecnológica[25].
Eis, na palavra de um velho cabo de guerra,
comandante da maior potência do mundo, o reconhecimento
da autonomia econômica das guerras e do círculo
vicioso do desenvolvimento industrial capitalista: a economia
de guerra gerando o desenvolvimento industrial que exige a guerra
para poder continuar crescendo.
Não é pois destituído
de lógica o fato de os Estados Unidos, hoje, finda a
guerra-fria e desmantelada a União Soviética e
desativado o Pacto de Varsóvia, gastarem com armamento
mais que todos os países ocidentais juntos. O orçamento
militar para 1999 é 30% maior que o orçamento
conjunto de todos os demais países da OTAN. Tanta despesa
deve ser justificada, esta já é uma boa razão.
Uma pequena guerra é sempre bem vinda para os negócios.
Para isso é necessário ter bons inimigos. Não
tendo, é só inventá-los: Coréia
do Norte, Cuba de Fidel, Vietname, a República Dominicana
de Bosch, Granada, a Nicarágua dos sandinistas, Noriega,
o Irã dos aiatolás, a Líbia de Kadafhi,
o Iraque de Saddam, Ben Laden, Milosevic, a guerrilha
colombiana
Nos anos da pós-industrialização,
nos anos dessa nova ordem mundial, a tecnologia da guerra que
se sofistica a cada dia-- associa aos interesses industriais
até mesmo o desenvolvimento científico tecnológico:
Grande parte da prosperidade
americana decorre dos investimentos diretos e do comércio
das megaempresas americanas no mundo. São eles
que colocam os Estados Unidos no centro da economia
e da política internacional. Essa situação
hegemônica depende de sua liderança científica
e tecnológica. Na sociedade americana a intervenção
do Estado na economia é vigorosamente rejeitada.
Assim, a estratégia para poder investir em ciência
e tecnologia, dínamo da economia, utiliza o argumento
da segurança nacional. Esse argumento, para ser
crível, necessita de inimigos e estes têm
de ser eventualmente enfrentados e punidos, o que serve
de teste para novos armamentos e novas estratégias.
A definição de novos alvos desafia a racionalidade
e a previsão, como os exemplos de Granada, do
próprio Iraque e do Kosovo indicam[26].
Como, de outra forma, explicar o esforço
de guerra norte-americano, os altos investimentos em pesquisa
e tecnologia, as inversões vultosíssimas na pesquisa
e produção de novos armamentos, a manutenção
de um caríssimo exército que quase cobre toda
a extensão do planeta, quando não há mais
inimigo a enfrentar?
E, hoje, é de tal ordem a distância
tecnológico-bélico-econômica que separa
os Estados Unidos dos demais países, que se revela uma
farsa qualquer tentativa de justificar a guerra --guerras,
guerrinhas, invasões etc. com o argumento de sua defesa
preventiva em face de uma ameaça presumível
ou real. Não há ameaça ou quem quer que
possa constituir-se em ameaça ao grande Império.
Tudo o mais é retórica de guerra que o complexo
industrial-militar-tecnológico-científico explica.
2.
A guerra da OTAN.
"E a ironia da história é que
ao contrário da fé marxista de que a história
não se repete a não ser como uma farsa, nos Bálcãs
ela aparece se repetir: as forças internacionais provocaram
lá, e agora de novo, o apressamento da limpeza étnica,
catalizaram a violência. Seria necessária uma forte
dose de autocensura ou de ingenuidade para não perguntar:
será que a OTAN não queria exatamente provocar a limpeza
étnica para organizar áreas homogêneas e impor
assim uma paz mais duradoura após a matança?"
Leão Serva
'Bálcãs: onde as tragédias
da História se repetem'
Política Externa vol. 8. N. 1
Primeiro de tudo, não
se pode chamar de guerra um conflito sem combate, uma intervenção
sem resistência, quando as baixas só se dão
de um lado e o desnível de poderio militar, econômico
e tecnológico entre as partes é simplesmente abissal.
A propósito dessa nova doutrina
de guerra norte-americana, de guerra segura e limpa, na
qual o pessoal e os equipamentos militares são praticamente
inatingíveis e invulneráveis aos ataques, à
defesa e às represálias dos inimigos, Edward W.
Saïd, professor de literatura comparada na Universidade
de Colúmbia (Nova York), observa, com Richard Falk, autor
de direito internacional por ele citado, que a estrutura desse
tipo de guerra (v.g. Iraque e Iugoslávia) assemelha-se
às técnicas da tortura: enquanto o interrogador-algoz
dispõe de todos os poderes, podendo escolher e utilizar
os métodos que desejar, sua vítima, à disposição
da vontade de seu perseguidor, não dispõe de qualquer
recurso[27].
Em nome de uma ingerência humanitária
caracterização de resto insustentável
a OTAN violou três princípios fundamentais da convivência
internacional, conquista que nossa civilização
supunha haver consolidado em Yalta, ao preço de tantos
sacrifícios: a soberania dos Estados --que remonta às
revoluções americana (1776) e francesa (1789)[28]--, a autodeterminação dos povos
e a Carta da ONU[29]
do qual seus países sócios são signatários,
a grande maioria fundadores e alguns são membros do Conselho
de Segurança.
Os bombardeios da OTAN contra a Iugoslávia
matando civis[30],
atingindo alvos civis, destruindo a infraestrutura do país
foram desfechados sem o amparo em qualquer deliberação
da ONU. E, assinada a rendição, é ainda
a OTAN quem decide a composição da força
internacional de paz. Que papel resta à ONU? Fazer apelos
à caridade internacional para que socorra os refugiados.
Aliás, é da tradição norte-americana
o unilateralismo de suas ações, sempre ao largo
das Nações Unidas, seja a pura e simples intervenção
militar (e a militarização dos conflitos políticos),
tanto em sua extensão geográfica latina (Panamá,
Cuba, Granada) quanto no Oriente, assim suas incursões
no Irã, seus bombardeios punitivos no Iraque, no Sudão
(destruindo metade da indústria farmacêutica desse
paupérrimo país africano) e no Afeganistão;
seja a assunção, pela sua diplomacia, das negociações internacionais (os acordos de Daytona sobre
a Bósnia e os diversos acordos Israel-países árabes-palestinos),
condenando a plano secundário a função
mediadora e arbitral da ONU, aquele papel que justificou sua
criação.
Dir-se-á que no caso da ação
da OTAN nos Bálcãs se tratava de salvar o povo
kosovar da fúria luciferina de um ditador sanguinário.
Isso justificaria a destruição da soberania iugoslava?
Justificaria o assassinato de tantos civis (22 mil, segundo
as autoridades de Belgrado)? A argüição de
pretensas motivações humanitárias pode
justificar o uso indiscriminado da força contra adversários? Pode-se falar em intervenção moral
quando a desproporção militar e tecnológica
entre os supostos adversários é tão colossal?
Quando a morte -o bombardeio de áreas civis, áreas
residenciais, hospitais, embaixadas, escolas, pontes, ônibus,
trens, sanatórios, comboios de refugiados etc.
é reduzida à sua mais miserável insignificância
ética: acidente tecnológico? Pode a proteção
do povo kosovar justificar a ameaça à sobrevivência
dos sérvios? Afinal, pode a barbárie justificar
a barbárie?[31]
Se a vida humana é sagrada e ela
o é, e a função dos Estados, isto é,
das nações civilizadas, é garanti-la ela
não pode ser sacrificada, mesmo quando a vítima
não seja nem branca nem européia.
Ademais da demanda ética, que não
pode ser superada, a pergunta não é, tão-só,
se é lícita a intervenção em defesa
de direitos humanos violados; mas: Que Tribunal fora do direito
internacional-- é competente para julgar a violação
e determinar a ação militar, e o caráter
dessa ação?
Uma das exigências da regra moral
é sua universalidade. Se era e é!- crime a limpeza
étnica levada a cabo na Iugoslávia, também
foram e são crimes as limpezas étnicas levadas
a cabo na Turquia, na Palestina e na África.
Poder-se-á perguntar -pergunta
que não se fez a imprensa brasileira, reflexa, reativa
--, onde estavam os sentimentos humanitaristas de norte-americanos
e ingleses (deixamos de fazer referências ao humanitarismo
alemão para não lembrar o holocausto e a segunda-guerra
mundial
) quando a violência se abatia sobre povos
de outras etnias (não-brancos) e de outros continentes
que não o europeu? A começar por uma das
primeiras limpezas étnicas do após-guerra, aquela
de 1948, da qual a Palestina foi vítima e testemunha,
e que por outros meios prossegue até hoje. Assim, é
preciso lembrar que, em Angola, diante da insensibilidade de
norte-americanos e ingleses, já morreram, só este
ano, vítimas da guerra (financiada de fora por grandes
potências) 780 mil negros, e outros 650 deixam,
diariamente suas casas. Cerca de 70 mil angolanos perderam braços
e pernas nas explosões de minas terrestres. Aliás,
esse povo é vítima dos ataques da UNITA, um exército
de facínoras armado pela África do Sul racista
e pelos Estados Unidos e até recentemente mantido com
recursos norte-americanos. Justificativa humanitária:
os governos angolanos pós-descolonização eram apoiados por Cuba e pela URSS. No Sudão, há pouco punido pelos
Estados Unidos, contam-se quatro milhões de vítimas
da guerra. Em todo o continente africano são 2,7 milhões
de refugiados, quase 9 milhões de desabrigados. Na Ásia,
no Afeganistão, contam-se 2,6 milhões. Na Indonésia,
durante seu mandato, garantido pelos Estados Unidos, e em nome
da guerra-fria, Suharto[32] matou, em 1965, cerca de 500.000 adversários
políticos, que não contavam para o humanitarismo
do Pentágono e o Foreing
Office : eram todos, dizia o ditador
sanguinário, comunistas. Também
não se conheceu o humanitarismo nem norte-americano nem
inglês no Zaire (ex-República Democrática
do Congo e ex-Congo Belga), onde o general Mobutu, corrupto
e genocida, a partir de um golpe-de-Estado instrumentalizado
pela C.I.A, que anteriormente já havia obtido a queda
e assassinato (1961) do primeiro Ministro Patrice Lumumba, governou
até 1998, deixando o poder pouco antes de falecer, e
quando, esgotada a guerra-fria, não tinha mais serventia.
A ideologia do combate aos ditadores, defesa dos direitos humanos
e defesa das minorias, pretexto para intervenções
de toda ordem, também não se viu no Chile, onde
os especialistas norte-americanos e sua diplomacia -Kissinger
(Departamento de Estado) e Bush (CIA) à frente-- colaboraram
com Pinochet no golpe contra o governo constitucional de Salvador
Allende e no apoio à ditadura em todos os anos de brutal
repressão; também não se viu nem na Argentina
dos militares e dos civis desaparecidos, nem no Brasil da
tortura.
A teoria de valores da política
externa norte-americana, para a qual os marines são seus melhores embaixadores e a guerra
a melhor diplomacia, conhece apenas dois postulados: seus interesses
e o argumento da força bruta. Assim, jamais teve apreço,
de princípio,
seja pela
democracia, seja pelas ditaduras.
Combateu essas quando os titulares eram adversários de
seus interesses, e as defendeu quando postas a serviço
da guerra-fria (v.g. Indonésia, Brasil, Chile... ). Jamais
hesitou em golpear aqueles regimes democráticos
v.g. República Dominicana de Bosch, Brasil de Goulart
e Chile de Allende que pudessem contrariar, ainda que minimamente,
seus interesses. Assim também em face dos movimentos
guerrilheiros. Para ela é insuportável a guerrilha
na Colômbia, desestabilizando uma democracia (vá
lá o termo), ou em São Salvador: esses guerrilheiros,
esquerdistas, têm sempre objetivos totalitários
Mas essa mesma política jamais deixou de apoiar os movimentos
guerrilheiros, de direita, que ameaçavam
a consolidação de regimes que podiam ser considerados
adversários: os contras da Nicarágua desestruturando
a democracia sandinista; as tropas criminosas da UNITA destruindo
o futuro de Angola. Sem falar no seu apoio à guerrilha
talibã, ao seu apoio inicial aos aiatolás, e no
seu incitamento e apoio ao Iraque (sempre uma ditadura sob Saddam)
na sua guerra contra o Irã, o financiamento dos cubanos
anti-castristas...
Em que recesso repousava o humanitarismo
anglo-americano enquanto hutus e tutsis se matavam (e se matam
desde 1966) na África central (só no último
massacre, em 1998, morreram mais de 500 mil homens, mas
negros),
conflito que prossegue, percorrendo essas etnias, em Ruanda,
onde começou, em Burundi, no Congo, no Zaire, nada obstante
o silêncio da imprensa internacional, que, silenciando,
tenta negar sua existência?
A repressão turca contra os curdos,
segundo os cálculos mais moderados, nada fica a dever
às atrocidades de Milosevic. No início dos anos
90 cerca de um milhão de curdos abandonaram o campo,
enquanto o exército turco arrasava as zonas rurais. Nessa
época, denuncia Jonathan Randal,
"a Turquia se transformou no maior
importador individual de material militar americano e, por conseguinte,
no maior comprador de armas do mundo. Quando os grupos de direitos
humanos denunciaram que a Turquia havia utilizado aviões
americanos para bombardear povoações, o governo
Clinton encontrou formas de se esquivar às leis que exigiam
a suspensão da entrega de armamentos[33].
A Turquia é uma base militar americana,
de extraordinária importância estratégica...
E a morte de 560 mil iraquianos?
Não foi diferente no Camboja. Não
se sabe quantos milhares (ou milhão ?) de cambojanos,
foram mortos pelo Kmer Vermelho, a serviço do regime
de Pol Pot. Sabe-se que os Estados Unidos, após a invasão
do Vietname, reconheceu o governo banido da Kampuchea Democrática
como representante oficial do Camboja, por sua continuidade
com o regime de Pol Pot. O governo americano apoiou o criminoso
Kmer Vermelho em suas carnificinas contra o povo do Camboja,
e puniu o Vietname com severíssimas sanções,
por havê-lo combatido.
Anualmente, pelo menos 20 mil pessoas,
civis e camponeses, principalmente crianças, morrem ao pisarem em miniminas que estão
espalhadas por todo o território do Norte do Laos,
que nos anos 60 e 70 foi alvo do
que provavelmente terão sido os maiores e, seguramente,
os mais cruéis bombardeios da história contra uma população civil. As mortes
foram causadas pelas minibombas, diminutas armas antipessoais
muito piores do que as minas: são projetadas especificamente
para matar e mutilar, e não têm qualquer efeito
sobre caminhões, edifícios ou outros objetos.
A planície ficou juncada de centenas de milhões
desses projéteis. (
) O Grupo Consultivo sobre minas,
com sede na Grã-Bretanha, está tentando limpar
os campos dessas armas letais; mas, segundo a imprensa britânica,
os Estados Unidos se negam a emprestar seus especialistas e
seus procedimentos que fariam o trabalho com muito mais rapidez
e segurança. Esses procedimentos constituem segredo
de Estado, como tudo que se relaciona com este assunto
nos EUA[34].
Como é sabido, os Estados Unidos
se opõem ao tratado de Ottawa de prescrição
das minas.
Que humanitarismo resiste à catástrofe
ecológica que se abateu sobre a Iugoslávia? O
bombardeio de usinas químicas que poluem rios e matam
fauna e flora; o uso de bombas com grafite que contêm
componentes cancerígenos; bombas de urânio provocando
radioatividade; bombas/minas de fragmentação e
seus estilhaços não detonados que ficarão
no solo agindo como minas, atingindo civis, as mesmas bombas
que, depositadas no Adriático, ameaçam a
população civil que o utiliza?[35]
Todos esses são armamentos proscritos
pelo direito internacional e cujo emprego constitui crime de
guerra, diga-se de passagem.
O humanitarismo estaria a exigir, se a
intervenção tivesse realmente motivações
éticas, a ingerência militar em outros países
onde povos igualmente com direito à vida estão
sujeitos a toda sorte de expiação, no Sudão
(Sul), em Serra Leoa, no Tibet, em Timor-Leste. A miséria
de Biafra também a ninguém comove e não
é porque não comova as lentes da CNN que deixou
de existir.
A mesma ética que se irritou com
a invasão do Kuwait (tão rico em petróleo
fornecedor do Japão e da Alemanha-- e tão estrategicamente
localizado em face do Golfo Pérsico, silenciou em face
da invasão e anexação do Timor-Leste, pela
Indonésia, e do Tibet, pela China. Nada a falar sobre
o Líbano, invadido de um lado por Israel, de outro pela
Síria, e bombardeado quase diariamente, sem estar em
guerra com quem quer que seja. Nada a dizer sobre a guerra de
Moscou contra os separatistas da Chechênia.
Na verdade, o humanitarismo de Washington,
determinando o belicismo da OTAN, é uma pura manobra
geopolítica, que visa a assegurar um caminho europeu
para o Oriente, afastar a influência russa (que sempre
teve interesses militares nos Bálcãs e no Adriático),
colocar uma cunha entre a Alemanha e a Rússia, enfim,
a balcanização do Leste europeu, e, através
do exército coletivo consolidado, impedir a emergência,
na Europa, de qualquer sorte de formação militar
independente.
A questão fundamental está
em que o bombardeio do povo iugoslavo sejam quais forem as
conseqüências para os kosovares de origem albanesa,
que permanecem em guerra contra os sérvios--, assegura
o fortalecimento da OTAN quando o lógico seria, após
o fim da guerra-fria, sua dissolução substituída
por uma organização de defesa européia
específica. Esse fortalecimento da OTAN é peça
preciosa na estratégia militar norte-americana, que,
assim, bloqueia o surgimento, na Europa, de um sistema estratégico
rival[37].
Ela também lembra aos europeus
quem é o chefe da firma.
2.
1 A economia da guerra
Não
podem ser descartadas as razões puramente econômicas,
da economia de guerra, que envolve tantos bilhões de
dólares em armamentos crescentemente sofisticados, e
razões puramente tecnológicas, pois, de fato,
desde o experimento das
Malvinas, as grandes potências vêm investindo maciçamente
na sofisticada tecnologia de guerra e episódios como
esse servem de campo para teste dos novos inventos[38]. Principalmente
considerando-se seu alto custo financeiro -o que não
é nada desagradável para o complexo industrial-militar--, e o baixíssimo -na verdade nulo-- custo
ou risco em vidas humanas, o que atende a uma das exigências
da opinião pública norte-americana[39]. De
fato, em 78 dias de bombardeios intensíssimos, não
há o registro de um só militar a serviço
da OTAN morto em ação. Mesmo a perda de material
é irrelevante. Após mais de 25 mil incursões
aéreas, apenas dois aviões foram declarados perdidos
(mas seus tripulantes salvos, resgatados em território
inimigo) e um helicóptero tombou, em treinamento.
O
que poderia por via política e diplomáticaser
obtido como encaminhamento, ainda gradual, de uma solução
para uma crise que tem raízes históricas, vai
demandar mais algumas décadas de guerra e frustração.
Terminada a ação punitiva
dos Estados Unidos-OTAN, contra os sérvios, verifica-se
que ela não impediu a limpeza étnica de Milosevic
contra os kosovares albaneses. Nem destruiu o ditador. Ao contrário,
os raids aéreos ilegais aceleraram a limpeza étnica contra os povos de origem
albanesa e
o êxodo da população de Kosovo, e seu saldo,
assinada a rendição incondicional, é simplesmente macabro: milhares de iugoslavos,
sérvios e descendentes de albaneses mortos, o exacerbamento
do ódio, a impossibilidade de qualquer solução
política, o aprofundamento dos conflitos entre as diversas
etnias, nações e regiões. Terminados os bombardeios, os kosovares que
permanecerão na Iugoslávia, ao contrário
dos pilotos americanos e ingleses--, não podem contar
com qualquer vitória. Ao contrário, a expectativa
é que ficou ainda mais difícil uma alternativa
de paz com os sérvios, que terminaram virtualmente expulsos
do Kosovo, que consideram o berço de sua nação,
e onde estão seus templos mais sagrados[40].
Neste episódio, perderam quase
todos: perderam os kosovares que não alcançaram
a paz e retornam a um Kosovo destruído; perderam os iugoslavos
que quase perderam seu país, arrasado pelos bombardeios;
perderam os sérvios que, num êxodo estimado em
100 mil, estão nas estradas em busca de novas terras
e território onde possam encontrar um mínimo de
segurança; perdeu a minoria sérvia de Kosovo,
ameaçada de ser chacinada pela maioria de origem albanesa,
que busca vingança para seus mortos (E quem vai agora
assegurar um lar para os sérvios expulsos de Kosovo?);
perderam a Macedônia e Montenegro, cujas economias, de
si já frágeis, foram destroçadas; perderam
os países balcânicos; perdeu a ONU; perdeu o direito
internacional; perdeu a paz; perdeu o princípio da negociação
e da arbitragem sobre a militarização dos conflitos.
E perderam os que lutam pela eliminação das armas
nucleares.
Ganhou a indústria da guerra.
Perderam os defensores dos direitos humanos.
Terminados (ou suspensos?) os bombardeios, arrasada
a Iugoslávia, destruído Kosovo, partilhada a antiga província sérvia
entre as potências agressoras e invasoras, os Bálcãs
terminam o século mais explosivos do que nunca. O ódio religioso-étnico foi agravado,
Turquia, Grécia e Chipre, membros da OTAN e aliados de
Washington, mantêm suas rivalidades históricas
e disputas de territórios e os conseqüentes conflitos
sobre os respectivos espaços
aéreos. A guerra contra os sérvios população
agredida pelos turcos, pelos austríacos, pelos nazistas
e por seus aliados croatas-- tornou iminentes os conflitos entre
a Iugoslávia e a Albânia e aqueles países
que serviram de base aos aviões aliados.
Terminados (ou suspensos?) os bombardeios, milhares
e milhares de iugoslavos, sérvios e croatas, retornam
uns às suas casas perdidas, outros delas são expulsos.
Ninguém pode avaliar seu próprio futuro. Autodeterminação?
Autonomia sob a soberania sérvia? Ocupação
permanente pelas tropas da OTAN? Partilha? Soberania partilhada?
Quem protegerá os sérvios de Kosovo? Nenhuma
dessas interrogações passou pela cabeça
dos dirigentes da guerra.
A sorte do povo de Kosovo, massacrado
por um governante imoral, parece um pormenor em tudo isso,
até porque o conflito étnico não foi resolvido,
senão agravado, e Milosevic continua no poder e nele
ou fora dele deve permanecer impune, como impunes permanecerão
genocidas pró-Ocidente como Suharto, entre tantos outros.
Uma alternativa poderia ser a criação
de um Tribunal penal internacional com poderes para julgar os
autores de crimes contra a humanidade, imprescritíveis
independentemente do status do agente, e independentemente mesmo de
eventual decisão legal tomada por um Estado soberano.
Mas os Estados Unidos são contra esse Tribunal e impedem
sua constituição
Além de haver votado contra a criação
do Tribunal Penal Internacional, na reunião de Roma,
os Estados Unidos vêm-se opondo à competência
de um Tribunal internacional para processar acusados de crimes
de guerra. Desde então o Ministério da Defesa
vem advertindo a comunidade internacional de que os Estados
Unidos não poderão aprovar a criação
de um Tribunal que tenha o poder de julgar militares americanos.
Precatadamente, estão tentando obrigar alguns governos
-África do Sul, Polônia, Hungria e República
Tcheca são citados nominalmente a firmar acordos segundo
os quais norte-americanos não seriam entregues ao Tribunal,
se fossem acusados de crimes contra a humanidade, de guerra
ou genocídio. A afirmação é de Pierre
Sane, secretário-geral da Anistia Internacional.[41] Mas
Washington não está preocupada apenas com seus
militares:
(
) o governo americano procura também
garantir que os funcionários da Agência Central
de Inteligência (CIA) fiquem protegidos de ser extraditados
por solicitação do TPI. A preocupação
de Washington é que operações como o atual
bombardeio da OTAN contra a Iugoslávia façam com
que dezenas de funcionários militares, civis e da inteligência
sejam processados pelo TPI[42].
Mas, se o Sr. Milosevic foi, e justamente,
indiciado pelo Tribunal de Haia, como criminoso de guerra, qual
deve ser a acusação a ser formulada contra os
responsáveis pelas agressões ao território
e às populações civis do Líbano,
do Iraque, do Irã, do Afeganistão, do Panamá,
de Granada, do Sudão e da Iugoslávia, violando
as constituições de seus próprios países,
realizando guerras não declaradas nem autorizadas, violando
a Carta das Nações Unidas.
2.
2 A guerra como valor
Subsiste, por fim, a questão da guerra justa. Mas
haverá guerra justa? Quem decide o que é uma guerra
justa? O vencedor? Ora qualquer argüição
desse conceito, para validar-se, terá, primeiro, de reabilitar
o nazifascismo (e suas autoproclamadas razões), absolver
os tiranos de todos os tempos e abrir um precedente moral de
tal ordem que pode significar o suicídio da humanidade.
É fácil de demonstrar.
As atrocidades do governo turco procuram
justificativa no argumento de que está defendendo o país
da ameaça de guerrilheiros e terroristas. Na América
Latina esse argumento foi utilizado, à saciedade, pelos
governos militares para justificar o assassinato de seus adversários,
na Argentina, no Brasil, no Chile, no Uruguai, no Peru, no Paraguai,
na Nicarágua. Foi repetido no Laos e no Camboja pelos
assassinos do Kmer Vermelho. Na Argélia, o argumento
do Ocidente (França à frente) para impedir a posse
do governo legalmente eleito foi a ameaça islâmica. Essa violência está na raiz de todos
os massacres que ali se repetem quase diariamente, prometendo
transbordar para a Europa. O ataque do Japão à
Mandchúria, a invasão da Etiópia por Mussolini,
e a ocupação da Tchecoslováquia pelas tropas
de Hitler foram acompanhadas de elevada retórica
humanitária, ou simplesmente do que Naom Chomsky
prefere chamar: 'justificativas obscenas'.
O Japão ia construir um paraíso
terrestre enquanto defendia os habitantes da Mandchúria
contra os bandidos chineses. Mussolini estava libertando milhares
de escravos enquanto realizava a missão civilizadora
do Ocidente. Hitler anunciou a intenção alemã
de aliviar as tensões étnicas e a violência,
além de salvaguardar a individualidade dos povos
alemão e tcheco. O presidente da Eslováquia pediu
a Hitler que transformasse seu país num protetorado[43].
A categoria determinante da moral
é a universalidade, ou, dito pelo anverso, tudo aquilo
que não pode ser generalizado é imoral, é
anético. A legitimidade do direito deriva da universalidade
de sua vigência: só constitui direito aquela norma
que se aplica a todos ou que por todos pode ser acionada[44].
Se a OTAN tem o direito de bombardear
os sérvios para garantir a autonomia de Kosovo legalmente
e historicamente uma dependência da Sérvia,
que, ao lado de Montenegro forma a Iugoslávia[45] por que outros povos, os curdos, os palestinos,
os tibetanos, os chechenos, os muçulmanos da Caxemira,
não têm o mesmo direito? Ou, têm os tibetanos
o direito de bombardear Pequim para se livrarem da opressão
chinesa? Ou Pequim pode bombardear Taiwan para retomar sua ilha,
roubada pelas tropas de Chang-Kai-Chek, apoiadas pelo Ocidente? Que tal Brasil e Portugal bombardearem a Indonésia para libertar os povos irmãos
do Timor-Leste, ou os libaneses bombardearem a Síria
e Israel para recuperar seu território e punir Tel-Aviv
pelos raids criminosos
que assassinam a população civil sob o pretexto
de perseguir guerrilheiros? O argumento, dos sérvios,
para justificar sua posse de Kosovo a antiguidade--, poderia
justificar uma reivindicação mexicana sobre o
Novo México e tantas outras terras suas perdidas para
os Estados Unidos; por outro lado, o argumento (croata) da maioria,
sancionado pelos bombardeios, poderia justificar uma reivindicação
autonomista cubana sobre Miami, ou a expulsão, pelo Paraguai,
dos 'brasilguaios' que estão ocupando suas terras e seus
negócios. Evidentemente, a aplicação dessas
teorias aos Estados Unidos parece mera excentricidade, até
porque o colosso militar está acima também das
doutrinas e das teorias. Mas, observa Leão Serva, nos
Bálcãs elas se mostraram tão reais quanto
recentemente se revelaram reais na Palestina e em Chipre[46].
Se a ação da OTAN fosse
legítima, se estivesse amparada no direito, estaríamos
condenando a humanidade à barbárie. Se fosse possível
fazer valer como direito, isto é, em regra universal,
o direito a que se auto-atribuem os Estados Unidos, a humanidade
sucumbiria, devorada numa chacina autofágica.
Os bombardeios contra a Iugoslávia,
pela OTAN, constituem, de todos os modos, uma guerra inaugural,
no sentido de sua justificativa, pois a OTAN não pode
alegar a defesa de nenhum dos territórios de seus Estados-membros,
objeto de sua criação, no fragor da guerra-fria. As alegadas razões humanitárias
de hoje, puramente ideológicas, podem amanhã ser
substituídas por outras, como a defesa de um determinado
soberano ou de um regime, ou de uma tese. A salvação
da humanidade, por exemplo, pode amanhã justificar,
manu militari,
a proteção de santuários ecológicos
como a Amazônia, ameaçada de destruição
por isso ou por aquilo. O combate ao narcotráfico pode
amanhã ser a justificativa do muito provável desembarque
das tropas norte-americanas na Colômbia. A ameaça
que à sua segurança pode representar a consolidação
de um regime nacional-popular na Venezuela, pode justificar
a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela
Ninguém se iluda: o regime da unipotência arrogante
atualiza La Fontaine e a lógica do lobo.
A intervenção da OTAN, finalmente, representa um salto no escuro para todas as nações do mundo que agora estão sabendo que não
há mais soberania absoluta, nem direito internacional
inquestionável, e que Estado nenhum pode entrar em conflito
com o Estado hegemônico.
Ontem Panamá, Vietname, Iraque.
Hoje Iugoslávia. Amanhã
(A propósito, a invasão
do Panamá e seqüestro de seu Presidente custaram
a morte de mais de 2 mil pessoas, duas vezes mais que na derrubada
de Ceausescu, na sua maior parte civis. Mas ninguém fala
aí nem genocídio nem em carnificina [47].
Da convicção da comunidade
internacional de que ninguém está a salvo da esmagadora
superioridade militar dos Estados Unidos e seus sócios
da OTAN, resultam conseqüências estratégicas
e ideológicas. No plano militar, a constituição
de um eixo atômico anti-hegemônico, reunindo Rússia,
China e Índia[48],
que não tem mais qualquer razão para cumprir a
promessa de assinar o tratado de não-realização
de testes nucleares. A humanidade pode estar à beira
de uma nova e catastrófica corrida atômica, enquanto a ação da OTAN está oferecendo
a dirigentes irresponsáveis um irrespondível álibi ideológico para a retomada
do armamentismo, criando emulações regionais de
desdobramento imprevisível.[49] E no plano político, os Estados Unidos
deverão reforçar a segurança de suas embaixadas
em todo o mundo e assumir a responsabilidade de serem vistos
por grande parte da humanidade (chineses, russos, indianos,
árabes, latino-americanos e africanos) como inimigos
de suas sociedades.
É claro que a ONU sai do episódio
perigosamente sem função. Há que repensá-la
no regime da unipotência.
Não há dúvida de
que os bombardeios acabam por destruir o que restava da frágil
ordem internacional, que já não pode oferecer
aos fracos qualquer grau de proteção ante os Estados
predadores.
Os Estados Unidos -a superpotência
que não respeita a lei-- estão assumindo, perante
a humanidade, com o apoio de seus peões europeus, o papel
de principal ameaça externa contra nossas sociedades
e nossa civilização.
Não é de admirar, portanto,
que o ressentimento com relação aos Estados Unidos
esteja crescendo globalmente[50].
Depois de relembrar uma antiga sentença
do general De Gaulle (Podem ter certeza de que os americanos
cometerão todas as idiotices que puderem imaginar, mais
algumas que estão além do imaginável),
o jornalista brasileiro Márcio Moreira Alves[51] comenta o estrago que os bombardeios fizeram
à ONU e às negociações para eliminação
das armas nucleares. A professora Mary Wynne-Ashford, vice-presidente
da organização Físicos Internacionais pela
Prevenção da Guerra Nuclear (FIPGN), por ele citada,
revela o desalento de dois recentes seminários a que
compareceu em Moscou e Estocolmo, e põe em destaque que
a opinião pública antiamericana na Rússia
é mais profunda e ampla do que nunca. Hoje a Sérvia,
amanhã a Rússia é uma opinião que
se enraizou profundamente na consciência das pessoas.
Por fim, conclui o articulista de O
Globo :
Nós, no Brasil, não temos
de repetir, por enquanto, o temor de Moscou: Hoje a Sérvia;
amanhã a Rússia. Mas não custa pensar
no assunto.
Pensemos.
3. E a América Latina?
A experiência nos Bálcãs,
no que depender dos Estados Unidos, deve ser levada para
o resto do mundo. O primeiro alvo pode ser o nosso Continente.
Senão, vejamos.
Na 29ª Assembléia Geral da
Organização dos Estados Americanos (OEA), encerrada
a 9 de junho de 1999, o delegado norte-americano propôs
que um grupo de países, vizinhos ou simplesmente relacionados
política e economicamente, pudesse intervir em conflitos
internos de outra nação[52], sem a necessidade de apelo à Assembléia.
Teve o apoio do Brasil.
No mês seguinte, o presidente Clinton,
em entrevista coletiva, declarou que a crise colombiana é
assunto de interesse da segurança nacional dos Estados
Unidos[53].
Todos sabemos quais podem ser as consequências desse entendimento.
A Colômbia está às
voltas, há pelo menos três décadas, com
uma verdadeira guerra civil --que já produziu mais de
um milhão de refugiados (mais que em Kosovo) e só
nos últimos dez anos matou cerca de 35 mil pessoas (cerca
da metade do seu território encontra-se sob o controle
das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-
FARC)-- e pela guerra do narcotráfico, o qual, diga-se
de passagem, é alimentado pela demanda dos usuários
norte-americanos e pela incompetência dos Estados Unidos
de controlarem suas próprias fronteiras. Esse complexo
de crises já fez com que aquele país se transformasse
no terceiro do mundo em ajuda militar norte-americana (logo
após Israel e Egito):
Neste ano, a Colômbia receberá
US$ 289 milhões em ajuda militar dos EUA, e,
no ano que vem, a quantia pode subir para US$ 1 bilhão.
Embora o dinheiro só possa ser usado para treinamento
e missões de apoio, como vôos de observação,
foi assim que os EUA começaram
seu envolvimento no Vietname [54].
Os colombianos vêem com espanto - mas a
opinião pública internacional latino-americana
com indiferença - o interesses de Washington em fornecer
armas e recursos destinados ao combate à guerrilha, em
vez de ajudar a resolver a crise social mais aguda de sua história
[55].
Mas não é tudo. O exército
americano tem presença física e ativa em território colombiano, sob o pretexto de
ajudar as forças armadas no combate à guerrilha e ao tráfico. Há mais de
300 americanos na Colômbia, entre soldados (200) e agentes
do DEA (órgão de combate às drogas) e da
CIA. São 'assessores' treinando mil colombianos de um
batalhão que deve entrar em operação em
dezembro, para enfrentar os guerrilheros. Em setembro o governo
de Pastrana receberá mais seis helicópteros de
combate para proteger os aviões que jogam desfolhantes.
O avião norte-americano que caiu na selva estava equipado
para vigiar a guerrilha [56]. Também foi assim que tudo
começou no Vietname. Aliás, por razões
fáceis de compreender, os Estados Unidos unem, no mesmo
processo, a guerrilha esquerdista das FARC e o narcotráfico,
identificado como financiador daquela [57]. Ninguém fala
em combater os paramilitares de direita e extrema direita.
E a imprensa faz a sua parte. A brasileira
Veja, ainda presa à retórica da guerra-fria,
diz que a situação da Colômbia é
de 'emergência' em face do 'agravamento da guerra civil
e do envolvimento da guerrilha comunista (sic) com o narcotráfico'
[58]. O boletim do Pentágono não escreveria melhor.
Segundo o jornal argentino La
Nación, o sempre
dócil governo Ménem (que acaba de ver recusada
sua ridícula auto-candidatura à OTAN) teria sido
instado por Washington a assumir a iniciativa de propor a criação
de uma força conjunta de intervenção,
à qual os EUA depois se juntariam[59]. Argumentos
não faltariam para essa nova intervenção
humanitária: a guerra civil, o narcotráfico e
a ameaça de incursões da guerrilha nos territórios
de fronteira, o que, aliás já vem sendo preventivamente
manipulado pelas imprensas locais. Ressalvada a gravidade colombiana,
que a transforma em um caso especial, também estão
em crise, seja por força do narcotráfico, seja
pela sobrevivência da guerrilha, o Peru e a Bolívia.
O Equador, há anos, transita de uma crise econômica
para outra. Essa conjunção de fatores constitui
o pano de fundo daquele que pode ser o cenário de maior
apreensão: uma nova Venezuela de futuro imperscrutável, governada
por um líder populista de raízes militares que
mantém o apoio quase consensual de sua população,
com um discurso nacionalista, desenvolvimentista e até
aqui em nada comprometido com os interesses políticos,
econômicos e ideológicos da nova ordem mundial.
Não precisamos falar de Cuba.
Mas esse é só um dos ingredientes
que podem transformar nosso Continente num explosivo caldeirão
social.
Nem mesmo os néscios ignoram o
preço social que nossos países estão pagando à globalização. O fundamentalismo
dos que acreditam na magia do mercado tem sido a causa da derrocada
de nossos mercados, do aumento da concentração
de renda, da queda do PIB, e do aumento da recessão,
do desemprego e da exclusão e da queda geral da qualidade
de vida. O PIB da América Latina deverá cair,
em 1999, entre -0,5% e -1,5%. Na Argentina essa queda será
de -3%, no Equador de -5%, no Chile de 2,3%, no Uruguai, de
-0,5%, na Colômbia, de 1%, no Brasil de 1% a -1,5%, e na Venezuela de -6%[60]. Alguns países apresentarão taxas
de desemprego de 15%. Em compensação, o comércio
internacional dos Estados Unidos só é superavitário
com a América Latina. Há 10 anos nos vendiam 25
bilhões de dólares por ano; hoje, essa cifra saltou
para 90 bilhões, informa a CEPAL. Com isso os Estados
Unidos ganharam 650 mil empregos.
A crise econômica aumenta as desigualdades
sociais, colocadas hoje em patamares obscenos. Nesse campeonato,
o Brasil mantém a liderança: o país registrou
uma queda no percentual de renda total em mãos dos 40%
mais pobres de 11,5% em 1993 para 10,5% em 1996, enquanto os
10% mais ricos da população viram sua fatia de
renda aumentar de 43% para 44,3%[61]. Numa população estimada de 160
milhões de seres, somos 15% de analfabetos, 35% com menos
de quatro anos de educação, 36% de infectados
por parasitas. Em compensação, os bancos privados
brasileiros tiveram, no primeiro semestre de 1999, a melhor
rentabilidade da história: 35,35%, duas vezes mais que
a média do setor (15%), que já se destaca como
uma das maiores do mundo. Com base no estudo de 15 bancos, a
consultoria Austin Assis conclui que a rentabilidade dessas
instituições saltou de R$ 194,5 milhões
no primeiro semestre de 1998, para R$ 2,560 bilhões,
neste ano, o que equivale a um crescimento de 1.216% no intervalo
de um ano! O que representa principalmente uma brutal transferência
de renda da população para os bancos, que, aliás,
não pagam imposto, segundo declarou à Câmara
dos Deputados (CPI do Sistema Financeiro), o Secretário
da Receita Federal. O outro lado dessa moeda perversa é
inevitável: aumento das ocupações de propriedades,
bloqueio de estradas, greves e lock-outs, desabastecimento, aumento da violência
urbana, conflito social, que pode se manifestar através
do ressurgimento de ações guerrilheiras e revolucionárias,
e na retomada do tradicional autoritarismo latino-americano.
Em qualquer hipótese, requer muita ingenuidade apostar,
nesse quadro, na segurança das instituições
políticas democráticas.
As informações disponíveis
indicam que a diplomacia brasileira não estaria disposta
a aprovar a idéia da intervenção militar,
conjunta ou não, na Colômbia. Nosso governo teria
consciência de que essa operação seria uma
porta aberta para outras intervenções, notadamente
nas regiões limítrofes da Amazônia, por
onde o Brasil tem fronteiras com o Perú, a Colômbia,
a Venezuela e também com a Bolívia.
Sabe-se que nossas Forças Armadas,
justificadamente preocupadas com a integridade da Amazônia
brasileira, jamais veriam com bons olhos a presença de
tropas estrangeiras na região, mesmo tratando-se do exército
norte-americano.
Sabe-se, igualmente - dá conta
o noticiário da imprensa - que Brasil e Estados Unidos
já discutem uma ação conjunta de "cerco
a guerrilheìros' e uma ação militar brasileira.
Foi esse o tema da conversa entre o general Charles Whilhelm,
chefe do Comando Sul das Forças Armadas com o Ministro
da Defesa do Brasil, Élcio Alvares [62] em agosto de
1999. Enquanto espera a data certa para a 'operação
militar', a Polícia Federal brasileira foi acionada para
desencadear uma "operação destinada a fechar
as rotas de abastecimento de alimentos para as regiões
da Colômbia controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc). A operação faz parte
da estratégia americana de cerco à área
controlada pelos guerrilheros que foi desmilitarizada pelo governo
colombiano em novembro de 1998 para viabilizar as negociações
de paz". A 'operação' coincidiu com a presença
em Brasília do Chefe do Escritório de Controle
de Drogas da Casa Branca, Barry MacCaffrey, que se encontrou
com o Chefe da Casa Militar da Presidência da República,
general Alberto Cardoso [63]...
Não se sabe, porém, qual
é a política do maior país da América
do Sul e da América Latina para a América do Sul
e a América Latina. Não se sabe, mesmo, se existe
uma tal política. Como não se sabe qual é
sua política para a África e a lusofonia. Em matéria
de política exterior sabe-se, apenas, que o Brasil pleiteia
um assento (talvez rotativo) no Conselho de Segurança
da ONU. Para fazer o que, não se sabe. Para defender
que programa, que idéias, que política, não
se sabe.
Até aqui temos sido incapazes de
produzir uma política externa que não seja puramente
reativa. Fora o curto período das administrações
Jânio Quadros/João Goulart (ministros Afonso Arinos
e San Thiago Dantas), e Geisel (ministro Azeredo da Silveira),
nossa política internacional tem-se caracterizado, principalmente
a partir da II Guerra Mundial, pelo alinhamento automático
aos interesses norte-americanos, nada obstante o notável
contencioso econômico resultante das barreiras americanas
às exportações brasileiras. Em abono à
renúncia à vida independente, nem mesmo difusos
interesses de uma geopolítica comum podem hoje ser alegados,
em face do fim da guerra-fria e da total irrisão da ameaça
comunista. Nesses termos, portanto, nada impediria o país
de procurar uma agenda própria, consolidando sua liderança
no Continente, ocupando na África o espaço que
sua história nos oferece, e procurando novos parceiros
internacionais, como, por exemplo, a Índia, a China[64] e a
Rússia.
Enfim, ocupar um espaço próprio,
adequado à sua importância territorial, à
sua economia, à sua história, e contribuir por
exemplo ao lado da China, da Índia, do Japão e
de uma Rússia livre de seus atuais dirigentes-- para
a recuperação da multipolaridade, fundamental
para nosso desenvolvimento e mesmo para a sobrevivência
da humanidade.
Mas isso seria querer demais de nossas
elites, pois significaria a busca de caminhos próprios.
E a história das elites brasileiras é a permanente
traição aos interesses nacionais, o total descompromisso
com a construção da nacionalidade, ou com a defesa
dos interesses de seu povo.
Não se trata de propor para nossos
povos um quixotesco enfrentamento da globalização
em condições de absoluta desigualdade de forças,
mas, tão-só, de fortalecer o país e a nacionalidade
para fazer face aos desafios dessa forma moderna de imperialismo.
A resistência passa pela liderança
de nossos povos, da unificação da América
Latina em torno de seus interesses, da associação
com outros continentes e povos.
Separados e isolados até por imposição
da geopolítica colonizadora, precisamos encetar o processo
do mútuo conhecimento, assim descobrindo que temos
mais unidade do que diversidade, mais aproximações
do que divergência e, que, respeitando nossas culturas
e nossos projetos, de cada povo e de cada país,
podemos construir o projeto do desenvolvimento comum.
Mas tudo isso passa, antes de mais nada,
por alterações na correlação de
forças políticas no interior de nossos países.
Com vistas à nossa integração,
o MERCOSUL pode ser um primeiro passo, aglutinando, de princípio,
os interesses dos países do cone- Sul. Nesse sentido,
trata-se de projeto que precisa ser estimulado e preservado,
nada obstante suas limitações. Não podemos
nos iludir quanto à sua fragilidade, reflexo das limitações
dos países-membros. Simples acordo de mercado ou aduaneiro,
o MERCOSUL pode se transformar num grande instrumento tanto
de integração econômica quanto de integração cultural e política, fortalecendo nossos
países no diálogo com outros blocos e com o Norte,
sobretudo com a União Européia e mesmo na resistência
à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
Uma das últimas e mais graves ameaças à
sobrevivência de nossos países, ela representará,
na prática, a absorção, pela economia e
pela política dos Estados Unidos, da política,
da economia, da autonomia e da soberania de nossos países.
A ALCA, uma vez efetivada, incorporará os territórios
dos 33 países das Américas [65] (12% do PIB
da região) ao território dos Estados Unidos (88%
do PIB), absorvendo, com os territórios, a economia,
a política, a autonomia, a independência e a cultura
dos nossos países, que também terão
renunciado ao direito à soberania e à história
própria, como observa Samuel Pinheiro Guimarães:
A adesão brasileira à ALCA que deve começar a funcionar a partir
de 2005, segundo compromissos do atual governo brasileiro-- pode
representar nosso suicídio coletivo. Seria a modernidade
pós - Kosovo.
A nova ordem mundial derivada do fim da
guerra-fria coloca para os nossos povos uma questão irrecusável:
os Estados Unidos e sua política econômico-militar
(onde começa uma e termina a outra?) dirigida pelo interesse
e pelo oportunismo jamais por uma teoria de valores--,
sem mesmo atender a questões concretas de segurança,
interesse nacional ou fins estratégicos claramente definidos,
e levada a cabo com truculência e arrogância, continuarão
a dirigir o mundo? Ou, é possível enxergar no
horizonte de nossas existências qualquer sorte de resistência,
pelo menos intelectual e moral?
A utopia é a recuperação
do direito de construir nosso próprio destino, em que
pese a nova ordem mundial.
(*) Escritor,
professor da PUC-Rio, membro titular do Instituto dos Advogados
Brasileiros, IAB e Presidente do Centro Brasileiro de Estudos
Latino-Americanos-CEBELA. Editor da revista Comunicação&política.
Vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro,
PSB. [email protected]
Notas
- [1]
Em 2 de agosto de 1990 o exército iraquiano invadiu
o Kuwait, de onde, semanas seguintes, foi expulso
por tropas de
26 países lideradas pelos Estados Unidos. Um cessar-fogo
foi firmado em 1991, e a ONU decidiu ditar uma série
de embargos, com o objetivo de assegurar-se do desarmamento
do Iraque; os Estados Unidos estabeleceram, dentro
do País, para proteção das minorias
curdas, uma zona de exclusão (sobre a qual o Iraque
deixa de ter soberania) e outros embargos, econômicos
e políticos. A violação, pela força
aérea iraquiana, do espaço aéreo correspondente
a esse território tem justificado os bombardeios
norte-americanos e ingleses. Passados dez anos, o conflito
perdura. Os embargos políticos e econômicos
estão destruindo
o país e levando seu povo à miséria,
mas o ditador Saddam Hussein permanece no poder, aparentemente
inabalável. Nada obstante os esforços norte-americanos
visando à sua destruição, seja através
dos bombardeios e de sabotagens, via CIA, seja mesmo através
do apoio à oposição iraquiana. Assim,
mediante o Iraq Liberation Act, de 31 de outubro
de 1998, Washington abriu um crédito de
97 milhões
de dólares para apoiar a oposição a
Saddam. Até aqui os efeitos não se fizeram
visíveis. Sobre o tema, Le Monde Diplomatique elaborou um dossiê (Cahier
Iraq) que está disponível em seu sítio
http://www.monde-diplomatique.fr/cahier/irak .
- [2]
O papel da imprensa, instrumento da guerra a guerra mediática
em que objetivos militares se confundem com seus efeitos
nos meios de comunicação de massa, na qual
a imprensa é um instrumento de ação
com objetivos em nada diversos dos bombardeiros e das bombas-
está a exigir um ensaio à parte, o que extrapolaria
os limites deste texto. Da imprensa brasileira em face
do distanciamento geográfico e da inexistência
de interesses envolvendo as economias brasileira e iugoslava
poder-se-ia esperar um mínimo de não-passionalismo.
Mas não foi o que se viu. Ao leitor brasileiro foi
transmitido um noticiário de segunda mão e
unilateral, fornecido por uma das partes em conflito. Jamais
a imprensa brasileira procurou conhecer um eventual outro
lado da história. Quando enviou seus próprios
repórteres, foi para reforçar a visão
unilateral da guerra. Que Hollyood sirva ao Pentágono
e a CNN atenda ao Departamento de Estado norte americano,
até que se entende. Mas o que a imprensa brasileira
tem com isso? Sua subserviência chega a pô-la
em distonia com Brasília, cuja posição
foi sempre ainda que exageradamente tímida, de condenação
da guerra como meio de solução dos conflitos
políticos.
- [3]
BURDIEU, Pierre. Contre-feux.
Propos pour servir à la résistence contre
linvasion néo-liberale. Liber-Raisons dAgir. Paris. 1998.
- [4]
SANTOS, Milton. Geógrafo, professor emérito
da USP. In Guerra dos lugares. FSP. 8.8.1999.
- [5]
A crítica de Gore Vidal à democracia representativa
norte-americana pode ser aplicada a todas as democracias
ocidentais. Depois de assinalar, como fato triste, que em
seu país não exista mais política (o
que seria uma das fontes da política de guerra),
observa: (
) Nós não possuímos uma
democracia representativa. Quem foi eleito para o Congresso
não representa a Califórnia ou a Virgínia
Ocidental, senão a General Motors ou a Boing. Todo
mundo sabe disso, e as pessoas se acostumaram com essa situação.
(
) Nós, americanos, temos de defender o nosso Bill
of Rights ou já quase o perdemos. Um homem que durante
vinte anos fez comerciais para a General Electric se tornou um dia presidente dos Estados
Unidos e fez no seu novo emprego aquilo que melhor podia
comerciais para a General
Motors. Estou me referindo a Ronald Reagan.
Os apresentadores talvez sejam trocados, mas o comercial
para a empresa permanece o mesmo. Richard Nixon não
foi imbecil quando disse que os EUA não precisavam
de nenhum governo para a política interna. Naturalmente
precisariam urgente de uma, mesmo quando não sob
o seu ponto de vista. O país se auto gera. Nixon
queria dizer com isso que as empresas do país conduziam
os negócios do país. E neste negócio
não se trata de outra coisa que não de dinheiro.
O presidente só é necessário para a
política externa. Um demagogo experto poderia demonstrar
essa cosa nostra das empresas. (
) Ele (Clinton)
é apenas um empregado. Os presidentes não
interessam. Eles podem fazer algumas besteiras na política
externa, como agora em Kosovo, mas não na política
interna. O presidente americano pode ser porventura importante
para os sérvios, mas não o é para os
americanos. A América dos conglomerados emprega seus
advogados, que tratam de seus interesses no Congresso e
no governo. Para isso eles são bem pagos; os donativos
para as campanhas eleitorais fazem mais do que o necessário.
VIDAL, Gore. Em entrevista a WINKLER, no Suddeutsche Zeitung, edição de 2-3 de junho de 1999
(Tradução de Susana de Castro Amaral)
- [6] Escreve
FRIEDMAN, Thomas, articulista do The New York Times Magazine, no artigo Manifesto para o mundo
veloz traduzido pelo O
Estado de São Paulo
e publicado na edição de 29.5.99: O sistema
da globalização encontra-se erguido em torno
de três elementos de equilíbrio que se sobrepõem
e exercem influência entre si. É o tradicional
equilíbrio entre Estados e Estados. O seguinte é
o equilíbrio entre Estados e supermercados os gigantescos
mercados globais de títulos e ações.
Os Estados Unidos podem destruir você jogando bombas
e os supermercados podem destruir você desvalorizando
os seus títulos.
- [7]
Cf. O Globo de 5.9.99: 67 das 70 maiores audiências
do Brasil são da (TV) Globo
- [8]
Os mercados nacionais cedem lugar aos blocos regionais (CEE,
NAFTA, MERCOSUL, ALCA etc.), que, por seu turno, tendem
à unificação; em nosso Continente a
última pá de cal será a absorção
do MERCOSUL pela ALCA, projeto ostensivo da diplomacia
norte-americana. Retornamos esta temática em nossas
considerações finais: 3. E a América Latina?
- [9] A desaparição da URSS originou
15 novos Estados, com graus variados de soberania efetiva
mas dotados de representação internacional
própria, forças armadas e sistemas de leis
particulares. A criação da CEI não
foi capaz de evitar a deflagração de guerras
abertas em repúblicas ex-soviéticas. Os conflitos
latentes entre povos, etnias e nacionalidades que compunham
o Estado soviético degeneraram em conflitos militares
e uma instabilidade estrutural se instalou na periferia
da Comunidade e na região báltica. MAGNOLI,
Demétrio. Questões
internacionais contemporâneas. Fundação Alexandre Gusmão.
Brasília. 1995. P. 84.
- [10] Escreve FARAH, Paulo Daniel Os Bálcãs
Qual será a próxima guerra? in Folha de São Paulo, 20.6.99: O
Ocidente viu o desmantelo da ex-Iugoslávia como uma
vitória sobre o comunismo (mas)
a ofensiva neoliberal contra os antigos Estados comunistas
produziu desordens na Europa que causaram o ressurgimento
de comportamentos semelhantes aos dos nazistas.
- [11] O acordo de Daytona, ao mesmo tempo que
impõs uma paz armada, coroou a lógica da limpeza
étnica e a separação entre os povos
criando três entidades nacionais (de um lado, com
metade do território, as entidades croata e muçulmana
reunidas em uma federação; com a outra metade,
uma entidade sérvia). Em cada um dos territórios, os membros das
demais etnias foram deslocados, impondo assim a lógica
da separação, que era atribuída aos
sérvios e cuja negação, supostamente,
justificava toda a cão dos aliados dos Estados Unidos.
Os acordos implicaram a renúncia sérvia a
certos territórios. Eles, que tinham chegado a dominar
70% da Bósnia, ficaram com cerca de 50%. Os sérvios
perderam terras, mas o acordo tornou vencedora a lógica
da imposição de uma separação
entre os povos. SERVA, Leão. In Bálcãs:
onde as tragédias da História se repetem (Nesta
guerra, a primeira vítima é o leitor). Política Externa. Vol. 8. N.1- junho- 1999. p-14
- [12] Idem. P 3-15. Recomendamos sua leitura
principalmente para aquele leitor que desejar uma indispensável
contextualização da crise e do conflito dos
Bálcãs.
- [13] Como se poderia ter evitado a tragédia,
já que se tratava de fragmentar a Iugoslávia?
Como os 600 mil sérvios que viviam na Croácia
poderiam viver a divisão senão como uma tragédia
que levaria à guerra e aos massacres?. Peter Handke,
em entrevista
ao Libération, FSP, 4 de abril de 1997,
isto é, dois anos antes da invasão humanitária
- [14] Cf. MARTINS, José Miguel Q., in Nem a guerra nem a paz', apud
Conjuntura política, Boletim de análise do Departamento
de Ciência Política da Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da UFMG, n.7-maio/1999, p.33-36
- [15] SAID, Edward W., La trahision de los intelectuales.
In Le Monde Diplomatique, aoüt, 1999. Pp. 6-7.
- [16] MAGNOLI, Demétrio. Ob. cit. . p-122-3
- [17] Cf. FSP, 26.6.1999
- [18]
Trata-se da Cimeira de 23 de abril pp. realizada em comemoração
dos 50 anos do Tratado. Nessa reunião, a cúpula
da OTAN decidiu, além de manter os ataques à
Iugoslávia, adotar medidas complementares como aplicação
intensificada de sanções econômicas
e um embargo de produtos petrolíferos. Jornal do Brasil , 24 de abril de 1999.
- [19] Intervenção
é a nova estratégia, Oppenheimer, W., in Jornal do Brasil, idem.
- [20]
FRIEDMAN. Idem.
- [21]
Idem Idem.
- [22]
Só para lembrar: trata-se de uma das Antilhas, um
Estado independente com 344 km2 e 110 mil habitantes. Foi
invadido pelos Estados Unidos (administração
Reagan) em 1983 por que tinha um governo sob forte influencia
cubana, evidenciada pela construção,
em sua capital (São Jorge) de uma pista de aviões
que, podendo servir a um aeroporto internacional, também
poderia servir de base para uma agressão ao território
norte-americano
A pista ou o aeroporto eram construídos
por engenheiros ou técnicos cubanos.
- [23] Só
para lembrar: Estado independente da América Central,
situado na parte oriental da ilha do Haiti, com 48.400 km2
e 7.500.000 de habitantes; em 1983 foi invadido por tropas
norte-americanas e de outros países da OEA, inclusive
o Brasil (sob ditadura militar), para impedir a posse do
Presidente eleito, J. Bosch, de esquerda.
- [24]
Citado pelo Jornal
do Brasil de 1º.
3. 99,
- [25]
A íntegra do discurso pode ser encontrada na Internet, no seguinte endereço: CNN.com/CustomNews.
O autor agradece a colaboração de Pedro Amaral.
- [26] Samuel Pinheiro Guimarães, diretor do Instituto
de Pesquisas em Relações Internacionais do
Itamarati, em entrevista ao Jornal
do Brasil, 25.07.99.
Este texto já estava concluído quando nos
chegou às mãos seu livro Quinhentos anos de periferia. A Universidade Federal do Rio Grande
do Sul/Contraponto. 1999. O livro em si, ademais de seus
extraordinários méritos, tem duas características
bem brasileiros: editado por uma Universidade, sofre uma
comercialização amadora, não se encontra
nas livrarias; de outra parte, vem merecendo significativo
silêncio dos diplomatas brasileiros que, no entanto,
e justificadamente, não se cansam nas loas a livro
de antigo chefe do Departamento de Estado Norte-Americano;
a edição brasileira conta. até, com
declarações ('comerciais') do Ministro do
Exterior brasileiro em anúncios de página
inteira no Jornal
do Brasil de 22.
08. 99.
- [27]
Cit. idem
- [28]
Diz o artigo 3ª da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão: Le
príncipe de toute souveranité réside
essentiellement dans la nation.
- [29]
A Carta da ONU proíbe a ameaça ou uso da força,
a não ser que o Conselho de Segurança o tenha
autorizado expressamente, depois de concluir que os meios
pacíficos fracassaram, ou em defesa própria
contra agressão armada, até que o Conselho
de Segurança atue.
- [30]
Jornal do Brasil, 19.6.99. Nossos soberanos
atacam do ar pessoas inocentes. Isto é tão
ruim quanto tudo o que Milosevic faz. Milosevic, ao menos,
menosprezava as pessoas que mata, enquanto nós nem
ao menos as conhecemos. VIDAL, Gore. Cit. Idem.
- [31]
A dúvida se coloca mesmo para as autoridades americanas,
como revela recente artigo do ex-presidente Jimmy Carter
(New York Times, 27.5.99), no qual o antigo líder
do Partido Democrata, de Clinton, após afirmar que a decisão de atacar
toda a Iugoslávia tornara-se contraproducente, e
a destruição da vida civil sem sentido e
brutal, escreve: Não estou certo de que nosso país
concorde em destruir vidas civis de um país inteiro
para tentar forçar um líder recalcitrante,
que é um criminoso de guerra, a obedecer aos nossos
desejos.
- [32]
Defenestrado do poder quando não mais servia ao regime
da unipotência, o ditador encontra-se intocado e conduz
um governo fantoche formado por ex-auxiliares por ele mesmo
indicados.
- [33]
CHOMSKY, Noam. Lei, direitos humanos e as lições
da história. Jornal do Brasil, 25.4.99
- [34]
Idem.
- [35]
Cf. RAMONET, Ignacio. Nouvel ordre global. Le Monde Diplomatique, juin 1999 p. 4.
- [36] A Rússia tem laços históricos,
culturais e cristãos ortodoxos com a Sérvia,
à qual vende armas e petróleo desde o fim
da Segunda Guerra. Foi sua aliada na Primeira
e Segunda guerras
mundiais.
- [37] Cf. William Pfaf. What Good is
NATO if America Intends to Go Alone?. In International
Herald Tribune. 20.1.999
- [38] José Meireles Passos, A caminho
da guerra do futuro (O
Globo), fazendo um
resumo dos avanços do Pentágono na direção
da guerra tecnológica, observa que A tendência
é que os combates se tornem mais parecidos com um
vídeogame, uma espécie de guerra virtual,
só que, na prática, davastadora. Em vez de
produzir munição sólida, pesada, convencional,
biológica, química ou nuclear, opta-se pelo
cultivo de vírus de computador, da fabricação
das chamadas bombas lógicas e das bombas eletromagnéticas.
Acrescenta: Já na Guerra do Golfo Pérsico,
em janeiro de 1991, os EUA utilizaram uma dessas novas armas,
na época ainda em estágio inicial: em vez
de explosivos, os mísseis cruzadores Tomahawk levavam
ogivas eletromagnéticas para destruir os sistemas
eletrônicos do Iraque.
- [39] Entre as coisas mais espertas que a direita
norte-americana poderia fazer está a revogação,
depois da guerra do Vietname, da obrigatoriedade do serviço
militar. Com a obrigatoriedade do serviço militar
não seria possível uma tal campanha (Kosovo).
Eles possuem mães e pais ricos e poderosos que diriam:
meu filho não irá voar sobre Kosovo para vocês,
seus idiotas! Por isso, o exército americano recruta
soldados entre os pobres, negros e brancos na mesma medida.
Esse exército assalariado é bem pago. Uma
cláusula importante no contrato de serviço,
entretanto, diz: não queremos nenhum ferido e morto.
VIDAL, Gore. idem.
- [40] A região que hoje chamamos Kosovo
é chamada de Velha Sérvia pelos sérvios,
que a reivindicam por ser a terra de seus ancestrais, porque
ali eles estavam no começo de sua história
conhecida (antes, ágrafos, migraram para a região
em torno do século vi d.C. expulsando outros moradores)
e ali perderam a batalha para os turcos otomanos e foram
expulsos, tornando-se os que ficaram uma minoria em sua
terra natal. A seu modo de ver, vencer os turcos é
retomar Kosovo, desfazer o que os otomanos fizeram. A mesma
região é reivindicada pelos albaneses porque
há muito são eles que fazem a maioria de seus
habitantes, pelo menos desde que a derrota dos sérvios
forçou a migração para o Norte e a
hegemonia turca permitiu a chegada dos albaneses. Para um
leitor brasileiro, cuja totalidade da história escrita
se mede em meio milênio, essas histórias podem
parecer sem sentido. Para povos cujas árvores
genealógicas muitas vezes remontam a mil anos, a
memória do passado está escrita na história
pessoal de cada um. SERVA, Leão.Idem.p-7
- [41] HAQ, Farhab,. EUA agem contra tribunal
internacional. Jornal
do Brasil. 9.6.99
- [42] Idem.
- [43] CHOMSKY, Noam. Ob. Cit.
- [44] O preceito não matarás
não deriva de um critério gravado por natureza
no coração dos homens, como pretendiam os
jusnaturalistas, mas do imperativo categórico (Kant),
pois, se eu matar e quiser, para me absolver a mim mesmo,
transformar essa máxima em princípio, convertendo
o assassinato em princípio universal, todos matariam,
e, portanto, todos morreriam. Ouso sugerir duas leituras:
Guerra santa ou guerra justa? e Segundas considerações
éticas (ou: Cada história tem o Ricardo que
merece), in HOUAISS, Antônio & AMARAL, Roberto.
Socialismo, vida morte,
ressurreição
(2ª ed.) Editora Vozes. Petrópolis, 1993.
- [45]
Relembre-se: a Iugoslávia, até o fim da guerra-fria,
isto é, antes de ser despedaçada, como a maioria
dos Estados do antigo Leste-europeu (como a URSS e a Tchecoslováquia),
era uma República Socialista Federativa, formada
por seis repúblicas: Bósnia-Herzogovína,
Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia
(que incluía as províncias de Voivodina e
Kosovo-Metohija) e Eslovênia. Compreendia um território
de 255.805 km2 e uma população de 23.239.000
de habitantes. Após a débâcle, a Iugoslávia, o mais
aberto dos países do Leste, passou a reunir apenas
a Sérvia (com as província de Voivodina e
Kosovo) e Montenegro, reduzida a um território de
102.200 km2 e a uma população de 10.500.000
habitantes. As guerras que se seguiram à partição
da antiga Federação (Eslovênia, Croácia
e Bósnia) mataram 250 mil pessoas e provocaram a
fuga de um milhão de refugiados.
- [46]
SERVA, Leão
p-8
- [47]
Cf. RAMONET, Ignácio. La
Tyrannie de la communication. Galilée. Paris. 1999.p. 148.
- [48]
A idéia desse eixo (ao qual se somariam, inevitavelmente,
o mundo islâmico e outras potências) teria sido
lançada por Primakov, ex-primeiro-ministro russo,
em dezembro p.p. A proposta foi retomada a 11 de maio p.p.,
pelo embaixador da China na Índia, anunciando haver
chegado a hora de os três gigantes asiáticos
se juntarem para velar por sua segurança mútua
num universo unipolar. Cf. CARLOS, Newton. Choque de civilizações?
in. Jornal do Brasil, 24.5.99
- [49]
Noticia o Jornal do
Brasil, edição
de 9.6.99: A importância da criação
de um sistema de defesa da América do Sul foi levantada
no seminário Diálogo para o Milênio,
promovido ontem no Rio pelo Itamarati.
- [50]
Desde o colapso econômico da Rússia, em agosto,
pesquisas mostram que uma parcela considerável da
população culpa os EUA pelas falhas do país
(
). Muitos russos acham que os EUA apesar de sua
ajuda econômica e assessoria, ou talvez por causa
disso têm uma política determinada de rebaixá-los
e enfraquecê-los. HOLMES, Charles W. Jogo russo
movido por patriotismo e mágoa, in O Globo,
20.6.99
- [51]
Além de Kosovo in O
Globo. 11.6.99
- [52]
Cf. Jornal do Brasil, ed. 11.6.99
- [53]
Cf. CASTRO, Moacir Werneck de. A porta aberta, in Jornal do Brasil, 27 de julho de 1999
- [54]
SEKLES, Flávia. A guerra americana na Colômbia.
Jornal do Brasil, 1º de agosto de 1999.
- [55]
Cf. GARZÓN, Luis. Presidente da Central Unitária
dos Trabalhadores, CUT (Social-democrata). 'Intervenção
dos EUA pode oficializar guerra civil'. Diário de Pernambuco. 7.
8. 99
- [56]
Veja. Ano 32, edição 1610,
11 de agosto de 1999. 'A sombra do Vietnã'. p. 52-53.
- [57] Antes de partir para a Colômbia,
o gal. Barry McCaffrey, chefe da luta contra o narcotráfico
nos EUA, disse, em Milão, que os EUA não diferenciam
mais o combate ao narcotráfico do combate à
guerrilha. Na visão americana, as FARC são
financiadas por uma extensa rede de narcotráfico.
O GLOBO, 27 de julho de 1999. V., igualmente, SEKLES, Flávia.
Idem.
- [58] Veja. Idem.
- [59]
SEKLES, Flávia. Idem.
- [60] Instabilidade mostra sua cara. América
Latina revive tensão social com protestos e ameaças
de estado de exceção. O Globo,
1º de agosto de 1999.
- [61] Idem.
- [62]
'EUA e Brasil discutem cerco a guerrilheiros'. O Globo. 18.08.99.
- [63]
'Brasil cortará rotas para a Colômbia'. Jornal do Brasil. 20.08.99.
- [64] Observa Samuel Pinheiro Guimarães que
A China tem experimentado extraordinário crescimento
de produção e das exportações
de uma maneira independente, sem se submeter à política
das agências internacionais. A China, após
resolver a questão da unidade de seu território,
com a reintegração de Taiwan, deverá
desempenhar, em conjunto com o Japão, outra economia
heterodoxa, papel extraordinário internacional, o
qual poderá recuperar sua multipolaridade, o que
é fundamental para o Brasil. Idem.
- [65] Todos, menos Cuba.
- [66] GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. id. Idem.
- [67] Cf. ROSSI, Celso. EUA cobram plena atenção
à Alca. FSP, 21 de julho de 1999.
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