COMO A XUXA ACABOU COM UMA GERAÇÃO Por Padre Hélcio Vicente Testa,
da paróquia do Recife-PE Falando como um saudosista, novamente, lembro-me das escolas dos anos 60 e 70 onde muitos professores priorizavam a leitura. Nos antigos primeiro e segundo graus, a maioria dos alunos das diversas séries, gostava de ler. Ora porque se tratava de uma atividade que agradava, ora porque os exigentes mestres obrigavam os meninos e meninas, requisitando relatórios e trabalhos sobre um sem número de autores e suas obras-primas. O Colégio Luterano que estudei era rigoroso, e já nos primeiros anos do primário líamos "Os Mais Belos Contos de Fadas Russos, Poloneses, Dinamarqueses" e assim por diante. Em seguida aprendemos a conhecer melhor Monteiro Lobato e seus fascinantes personagens. No Ginásio (5.ª - 8.ª séries) já tínhamos conhecimento até certo ponto muito bom de Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos, Flaubert, Victor Hugo, Dostoievsky, Tolstoi, Platão, Aristóteles, entre muitos mais. Outros garotos, meus contemporâneos, de diferentes escolas, liam e tinham a mesma noção de conhecimento literário, o que expandia nossos horizontes, preparando-nos melhor para a adolescência e vida adulta. Em qualquer sociedade civilizada, depois do renascimento e com o advento da imprensa de Gutenberg, a leitura era, e é fundamental para o desenvolvimento de uma comunidade, de uma cidade e de uma nação. Seja a leitura de bons livros ou mesmo ensaios, jornais e revistas de qualidade. Lamento muito em olhar dados recentes de uma pesquisa do IBGE e outros institutos de ponta mostrando que o brasileiro tem diminuído sua leitura significativamente nos últimos 20 anos. Vendem-se atualmente, muito menos livros, jornais e revistas, proporcionalmente ao número de pessoas alfabetizadas. Escrevo sobre a leitura, porque domingo passado neste mesmo caderno, o jornalista Leandro Calixto com muita perspicácia e brilhantismo escreveu sobre um mal que atinge os brasileiros há 20 anos. Calixto escreveu sobre a chamada "rainha dos baixinhos" Sra. Maria da Graça Meneghel, também conhecida como Xuxa. O jornalista foi incisivo ao dizer que Xuxa leva assuntos às crianças como se apresentasse um programa pornográfico. Verdade absoluta. Peço licença ao companheiro e reproduzo o artigo: "A apresentadora Xuxa discute sexo, pede para os assistentes tirarem peças das roupas e ainda promove namoro entre os convidados. O 'Planeta Xuxa' teoricamente voltado para o público infantil, traz alguns atrativos típicos de alguns programas pornográficos exibidos nas madrugadas pela CNT e pela Bandeirantes." Num horário infanto-juvenil e familiar, domingo 13h, 14h, Xuxa "chega ao cúmulo de questionar posições sexuais que os entrevistados mais apreciam. Outro exemplo de perversidade do programa é a explosão erótica desnecessária dos ajudantes de palco de Xuxa. Como se fosse um filme erótico, ela pessoalmente despe algumas das peças dos sarados paquitos, para delírio do público... Xuxa parece não ter consciência de sua importância na televisão... sua preocupação é exaltar o glamour, um mundo de sonhos, que na verdade é de difícil acesso ao grande público." Sem dúvida, ela não tem consciência de sua importância na televisão e nem preparo intelectual para discutir assuntos sérios ou entrevistar pessoas sérias. E por isso faz muito mal ao povo brasileiro há 16 anos. Explico. Maria da Graça Meneghel Xuxa apareceu no final dos anos 70 no Rio de Janeiro, sem qualquer formação profissional e educacional, como modelo em campeonatos de surf e boates da moda da época. Em 1979/80, ela teve a sorte de conhecer o tal de Edson Arantes do Nascimento, Pelé, que na ocasião vivia um mundo de sonhos. Pelé tinha encerrado a carreira de jogador de futebol no Cosmos de New York, cheio da grana e solteiro, caía na gandaia em São Paulo e Rio. Num desses inferninhos cariocas Pelé conheceu a Xuxa. Namoraram durante dois anos. Pelé levou-a para um patamar acima da fila de espera nas boates (o chamado "sereninho" para quem não tem status, espere na calçada para entrar) e introduziu-a ao mundo das revistas e filmes pornográficos. Xuxa, inocente aos seus 19, 20 anos, caiu direitinho. Tirou a roupa no cinema e nas revistas, deitou, rolou e caiu na farra. Um belo dia, algum produtor de televisão mais esperto convidou a Xuxa para apresentar um programa infantil de televisão na Rede Manchete. Ela topou, foi bem e anos depois passou a trabalhar na poderosa Rede Globo. Muito bem. Ou melhor, muito mal. Foi aí que toda uma geração de jovens brasileiros foi pra cucuia. Crianças de 4 a 17 anos em meados dos anos 80 simplesmente desistiram da escola. O mundo mudou aqui no Brasil. Como eu disse no começo, garotas e garotos dos anos 60 e 70 foram educados lendo, conversando, discutindo assuntos. A partir dos anos 80, a molecada passou a ser criada vendo televisão. Ou porque os pais trabalhavam e a melhor babá era a telinha, ou porque os pirralhos preferiam ver TV a ler uma revistinha ou um livrinho. E Xuxa colaborou muito para isso, mostrando durante quase duas décadas um mundo de fantasia para as crianças, que cativava e ensinava absolutamente nada. Tudo para aumentar o faturamento da emissora (nessa época descobriram essa fatia consumista infantil e juvenil) e aumentar também a fortuna pessoal da loira. Milhões de horas foram desperdiçadas em frente a TV. Pior, outras loiras e morenas de igual ou inferior valor a Xuxa apareceram na TV, sempre destacando brincadeiras e ensinamentos de gosto e utilidades duvidosos. Xuxa criou um mundo
diferente. Meninos e meninas assistiam regularmente seus programas,
disputando quem sabia mais sobre os mesmos.
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