DESMISTIFICANDO OS NÚMEROS DO DESEMPREGO
23 de Junho de 2003

Há algumas semanas eu lia no Jornal da Ciência <http://www.jornaldaciencia.org.br/> os comentários de alguém (um professor universitário?) que questionava o índice oficial de desemprego. Constatei, mais uma vez, que a (suposta) elite intelectual continua a ser ludibriada por políticos semi-analfabetos e jornalistas de mesmo quilate. Então resolvi escrever este pequeno artigo.

Exorcizar a mentira generalizada e lançar luz sobre a verdade obscura é muito mais fácil do que muitos imaginam. A mesma mídia que, servindo à causas inconfessáveis, ludibria a população, também fornece - em ordem "randomicamente aleatória" - as peças necessárias para montarmos o quebra-cabeças e resolvermos o "mistério". Para isso precisamos apenas manter a nossa capacidade de discernimento e raciocínio.

Antes de estimarmos o percentual de desempregados, precisamos conhecer o número de empregados. O telejornal "Jornal da Globo" de 22/maio/2003, na reportagem "Tudo continua como antes", cita: "...Fechou abril com 12,4% ou quase 2,6 milhões de brasileiros sem trabalho...". Esta informação também foi divulgada por várias outras fontes, e com ela determinamos que o número de empregados é de 21 milhões. Este número comparado à população total (180 milhões) já nos dá a ordem de grandeza do desemprego. Mas continuemos a nossa análise...

Segundo Lula, (reprisado) em programa político televisivo do PDT exibido recentemente, para cada trabalhador no mercado formal há um no mercado informal. É um número muito questionável, mas assumiremos que seja verdadeiro; então podemos estabelecer que o número de empregados (mercado formal + informal) é de, aproximadamente, 42 milhões.

Não posso deixar de fazer um parêntesis com relação às atividades deste mercado informal: negociante de passe de ônibus, malabarista de sinal de trânsito, guardador de carros ("flanelinha"), ... "Profissões" de importância no mínimo questionável para o desenvolvimento de qualquer nação e que não produzem mais que gargalhadas em qualquer país civilizado.

O índice de desemprego é sempre calculado em relação à população economicamente ativa. É aqui que "normalmente" (as aspas são indispensáveis) está uma (apenas uma) das maracutaias numéricas nos índices de desemprego divulgados no país, com percentual da população economicamente ativa sendo grosseiramente sub-avaliado. Então nos apoiaremos em números internacionais; na Suécia, por exemplo, a parcela economicamente ativa da população é de 84%. Certamente alguém dirá que a Suécia é um país desenvolvido e a comparação é imprópria; muito bem, vamos utilizar, então, o número de um país africano sub-saariano, muito mais próximo da realidade brasileira. A home page da Embaixada Angolana (http://www.angola.org.br) nos informa que 53% da população daquele país é economicamente ativa.

Juntando o fato de que a população brasileira é de 180 milhões, temos:

- Pelos padrões africanos:
   População economicamente ativa: 95,4 milhões
   População no mercado de trabalho (formal e informal): 42 milhões
   Índice brasileiro de desemprego: 56%

- Pelos padrões europeus:
   População economicamente ativa: 151,2 milhões
   População no mercado de trabalho (formal e informal): 42 milhões
   Índice brasileiro de desemprego: 72%

 

Números absurdos? Quem ouve todos os dias ("uma mentira repetida mil vezes pode se transformar em verdade") na mídia valores entre 6% e 12%, certamente leva um choque ao se defrontar com a verdade nua e crua, mas a realidade é esta mesma!

O desemprego brasileiro só é comparável ao de países em guerra. Na Palestina, por exemplo, que vive em conflito há mais de meio século, 70% da população economicamente ativa está desempregada.

Mas não é só isso. A mídia se esforça, se contorce e retorce para esconder outro parâmetro importantíssimo, enquanto os livros de história e economia parecem sofrer de um caso nada raro de amnésia seletiva. Praticamente ninguém conhece os índices de desemprego vigentes durante a grande depressão de 1929. Esta verdadeira raridade numérica foi publicada - com outras intenções, obviamente (mais um tiro que sai pela culatra...) - pelo jornal paranaense Gazeta do Povo em 25/out/1999:

- Desemprego em 1929:

 

Alemanha:  

44%

 

EUA:

23%

 

Inglaterra:   

26%

 

Não podemos afirmar, entretanto, que a economia brasileira está em depressão, pois para atingir o patamar de depressão há necessidade de um crescimento não inferior a 100% no PIB. A situação vigente é muiiiiiiito pior... Há na verdade um vazio onomático para definir adequadamente a realidade econômica brasileira.

Mesmo desfrutando de condições econômicas - e de vida, conseqüentemente - muito mais confortáveis que a brasileira, povos inteiros se rebelaram e governantes foram decapitados. No Brasil isso não acontece, pois a população é fartamente nutrida - anestesiada - com as três grandes especialidades da cozinha brasileira: futebol, novela e carnaval.


RS