EEUU: "SATÉLITE" DE ISRAEL?

Manuel Cambeses Júnior*

Em 12 de abril do corrente ano, o conhecido jornalista norte-americano R.C. Longworth publicou um instigante artigo no jornal Chicago Tribune, que haveria de dar a volta ao mundo através de sucessivas reedições.

Seu trabalho, que significativamente leva como título "Os donos do mundo", constitui uma glorificação do poder adquirido pelos Estados Unidos após o término da Guerra Fria. Nele, se reproduziram algumas frases citadas recentemente pela secretária de Estado Madeleine Albright: "Por suas capacidades únicas e seu poder inigualável o Estados Unidos deve continuar exercendo influência tanto na Europa quanto na área do Pacífico; deve conduzir a Rússia à democracia e promover a paz no Oriente Médio; deve continuar forjando um sistema econômico global; deve lutar e ganhar a guerra contra o crime internacional e deter o terrorismo; lutar contra a fome, controlar as enfermidades, proteger aos refugiados; se necessitamos usar a força é porque somos Estados Unidos da América, a nação indispensável. Somos aqueles que tem a capacidade de ver muito além do futuro".

Ultimamente, entretanto, observamos que o primeiro-ministro de Israel tem desafiado frontalmente o poderio de Washington. Benjamin Netaniahu negou-se a aceitar a proposta norte-americana de retirada parcial da Cisjordânia, apesar de que a mesma foi aceita, sem restrições, pelo líder palestino Yasser Arafat; recusou-se a assistir à "Cúpula de Washington" convocada pelo presidente Bill Clinton; solicitou a mediação do primeiro-ministro inglês Tony Blair, menosprezando a tradicional mediação estadunidense; referiu-se em termos inusualmente duros à secretária de Estado, Madeleine Albright e ao delegado especial do presidente Clinton, Dennis Ross. E, mais ainda, viajou recentemente a Washington com o firme propósito de dirigir-se às organizações judias/norte-americanas e aos congressistas desse país, para solicitar-lhes que pressionem o presidente Clinton e o levem a modificar sua atual posição com relação à problemática árabe-israelense.

Como explicar esta contradição entre o ilimitado poderio dos Estados Unidos e o aberto desafio que lhe lança um aliado, como Israel, que recebe milhões de dólares anuais em ajuda econômica norte-americana?

Tradicionalmente a Casa Branca tem assumido o papel de defensora dos interesses dos países árabes moderados, cujo subsolo abriga a maior parte das reservas petrolíferas mundiais. Para contrapor-se a esta posição o governo de Israel tem-se dirigido e apelado à poderosa comunidade judia/norte-americana.

No entender de Robert H. Trice (American Jewish Ethnicity, Ethnicity in Contemporary America, Dubuque 1985): "O governo de Israel, tendo se encontrado em conflito aberto com as administrações de Johnson, Nixon, Ford e Carter, tem recorrido tradicionalmente aos esforços em favor das organizações judias-americanas". Estas organizações, por sua vez, tem exercido uma sistemática influência sobre o Congresso dos Estados Unidos que, sensível ao gigantesco poder do dinheiro de sua colônia judia, tem respondido, invariavelmente, a seus pontos-de-vista. Observa-se que tanto o Executivo quanto o Congresso estadunidenses têm sido permanentemente cobrados no que tange à política a ser adotada com relação ao Oriente Médio.

Faz muito tempo que as pressões exercidas pela Casa Branca sobre o governo de Israel não são correspondidas tanto por Jerusalém como por Washington. Vejamos o seguinte exemplo: o presidente Ford, insatisfeito com o comportamento israelense, fez uma declaração pública solicitando uma reavaliação da política dos Estados Unidos no Oriente Médio. O termo "reavaliação" significava a suspensão da ajuda dos EEUU a Israel até que esse país desse mostras de mudanças em seu comportamento. Isto constituiu-se numa proposta histórica pois, pela primeira vez, desde os tempos de Eisenhower, um presidente americano tornava pública a possibilidade de suspender a ajuda a Israel. A resposta dos israelenses não veio de sua própria capital como seria de se esperar, mas do próprio Senado estadunidense. Era impossível conceber uma resposta mais dramática e intimidatória: setenta e sete assinaturas de senadores fizeram o presidente Ford saber que ele estava incapacitado de levar adiante a sua proposta. Não foi em vão que, em 1973, o legendário Senador William Fulbright chegou a pronunciar as seguintes palavras: "A grande maioria do Senado dos EEUU, ao redor de 85% do mesmo, encontra-se à completa disposição de Israel, para cumprir qualquer coisa que ele queira".

Esta estranha situação tem conformado uma curiosa equação política: o Congresso prevalecendo sobre a Casa Branca em relação à orientação da política norte-americana para o Oriente Médio; a comunidade judia-estadunidense determinando a posição do Congresso nesta matéria e o Estado de Israel definindo os contornos gerais da política a ser adotada com relação ao Oriente-Médio.

Dean Rusk, secretário de Estado no tempos de Kennedy e Johnson, certa vez pronunciou a seguinte frase: "Israel tem demonstrado freqüentemente que não é um satélite dos EEUU. É igualmente importante demonstrar que os Estados Unidos não é um satélite de Israel".

Como é possível que apenas seis milhões de pessoas, que constituem a população judia dos Estados Unidos, possam ter alcançado uma influência tão descomunal? A resposta a encontramos em alguns fatores como os seguintes: primeiro, a comunidade judia constitui o segmento grupal mais bem sucedido dos Estados Unidos, com dezenas de prêmios Nobel e apresenta o mais alto nível de ingressos financeiros (pagamento de impostos) da sociedade norte-americana. Não existe uma só área de atividade em que seus membros não se sobressaiam ou ocupem posições de liderança; segundo, compõe uma comunidade extremamente próspera que conta com aproximadamente oitenta comitês de ação política, ou seja, organizações encarregadas de financiar campanhas eleitorais; terceiro, trata-se de uma comunidade coesa e que atua harmonicamente em bloco em função de um único objetivo: os interesses de Israel.

Entretanto, tão significativo como suas características grupais são seus métodos. Estes se caracterizam pelo uso alternativo da prodigalidade e do garrote. A primeira, traduzida em generosas contribuições eleitorais dirigidas a congressistas amigos e alinhados com as causas judias. O segundo é utilizado implacavelmente contra os legisladores que tenham obstaculizado os interesses de Israel. Senadores do tope de William Fulbright, Adlai Stevenson e Charles Percy se viram fora do Capitólio devido a poderosas campanhas encetadas contra eles pela comunidade judia.

A viagem que recentemente empreendeu o líder judeu Benjamin Netaniahu a Washington constitui uma ocasião histórica. Os resultados que advirão deste encontro permitirão determinar se os Estados Unidos representa, efetivamente, o poder hegemônico mundial ou se, ao contrário, constitui o "satélite" a que se referiu Dean Rusk.

 

Nota: Este artigo foi redigido em Abril de 1998.

*  O autor é Coronel-Aviador R/R
   e Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra.