DÓLAR ESTADUNIDENSE: O GRANDE ESQUEMA TIPO PIRÂMIDE
A FORMA SEM SUBSTÂNCIA (O US DÓLAR) E OS SEUS DERIVADOS (MOEDAS DE OUTROS PAÍSES)
27 de Agosto de 2002

por Hugo Salinas Price [*]

Todas as moedas do mundo são simples derivados do dólar americano. Talvez eu devesse modificar esta afirmação, com uma excepção. Possivelmente, o euro da União Europeia não seja um derivado do dólar, pois o Banco Central Europeu que emite o euro mantém uma reserva - muito modesta - de ouro.  

O que é um 'derivado'? Um 'derivado' - palavra em uso corrente nos círculos financeiros de hoje - é um instrumento financeiro que deriva seu valor de outro instrumento financeiro, ao qual está ligado por um contrato.  

O peso mexicano, o peso argentino, o real brasileiro, o bolívar venezuelano, o dólar canadense, o dólar australiano, o dólar da Nova Zelândia, etc, todas estas moedas não são moedas reais próprias dos países onde circulam. São simples derivados do dólar americano. O peso mexicano, por exemplo, assim como todas as outras moedas mencionadas, e aquelas do resto do mundo, com a possível excepção do euro, não têm uma existência real, mas derivam seu valor do dólar americano, através das reservas de dólares que o Banco do México possui. Os pesos mexicanos são substitutos de dólares.  

A prova está em que o valor do peso mexicano flutua de acordo com as reservas do Banco do México. Enquanto a relação contratual parecer estável, quanto às perspectivas de resgate em relação ao dólar, teremos estabilidade na paridade peso/dólar.  

O que dá credibilidade ao peso é a confiança em sua presente e futura redimibilidade em dólares americanos. O peso não vale por si mesmo, mas pela possibilidade de resgatá-lo em dólares a uma taxa que não varie. Está claro que o peso não é mais do que um derivado do dólar, situação que impera sem excepção em relação a todas as moedas da América Latina.  

Ou seja, na América Latina, concretamente, só há uma moeda: o dólar. Aquilo que conhecemos por moedas da América Latina não são mais do que substitutos, mais ou menos confiáveis, do dólar.  

Todos os países da América Latina carecem de uma moeda própria que valha por si mesma.  

Toda ideia de "soberania nacional" deve, neste caso, ser descartada. Não pode haver, de forma alguma, soberania nacional quando se usa a moeda de outro país como moeda própria. É especialmente grave que de facto usemos o dólar como moeda, como estou afirmando, quando o próprio dólar não é uma moeda real, mas uma unidade artificial, carente de valor real. O dólar não é mais do que um número. Não é resgatável em nada tangível.  O dólar: forma sem substância  

Aristóteles afirmou que toda coisa real incorpora matéria e forma. O dólar, desde que deixou de redimir-se por ouro à razão de $35 dólares por onça em Agosto de 1971, é uma abstracção que só mantém a forma, sem matéria. Portanto, é nada.  

Sobre estas unidades de nada - os dólares - levanta-se o edifício financeiro de toda a América Latina. Nossos pesos mexicanos são derivados de ...nada.  

Será possível acreditar que podemos confiar num futuro económico fundamentado sobre pesos mexicanos que são derivados do dólar, que por sua vez é nada? A história do século XX, se alguma vez se chegasse a escrever correctamente, teria que destacar, como uma de suas características mais importantes, a progressiva eliminação do factor "substância" do dinheiro em todo o mundo.  

Enquanto a moeda incorporava matéria, enquanto a moeda era ouro ou prata, e as notas eram resgatáveis em dita moeda em quantidades estritamente fixas, o mundo estava ancorado à realidade económica por meio de uma moeda que também incorporava uma realidade. A realidade das moedas do século XIX era sua matéria, ouro ou prata, ligada à estreita obrigação daqueles que emitiam notas, de resgatá-las em tal matéria.  

Ao começar a Primeira Guerra Mundial, em 1914, alguns observadores pensaram que essa guerra não poderia durar muito, porque logo se esgotariam as reservas de ouro e seria impossível que ela continuasse por falta de dinheiro. Poucas destas pessoas podiam imaginar que os governos seguiriam em frente sem ouro, simplesmente imprimindo - falsificando - as notas exigidas pelas necessidades bélicas.  

Assim, em 1914, foi dado o primeiro passo decisivo na degeneração monetária que se verificou desde então.  

Até 14 de Agosto de 1971, ainda existia no mundo uma conexão ténue com a realidade económica: os Estados Unidos tinham a obrigação de resgatar os dólares, em poder de outras nações, à razão de uma onça de ouro por cada $35 dólares. Mas a partir de 15 de Agosto de 1971 cortou-se toda a relação com a realidade em assuntos monetários mundiais. Os EUA deixaram de redimir dólares e, pela primeira vez na história, o mundo inteiro ficou sem uma única moeda verdadeira.  

A partir desta data, a história do mundo tem sido a história do abuso da criação deste dinheiro artificial que utilizamos. Já não existe limite algum para os EUA quanto à criação de dólares.  

Os Estados Unidos exportam inflação  

O abuso que cometem os EUA na criação da sua moeda não é coisa que produza resultados nefastos somente nos EUA. Como o dólar é a nossa moeda, porque nosso dinheiro não é mais do que um derivado do dólar, os abusos monetários e creditícios dos EUA têm grande impacto na América Latina. Já demonstramos, em artigos que se encontram nas páginas do sítio web www.plata.com.mx , como a expansão do crédito (dívida) nos EUA resulta em exportação de inflação monetária para nossos países, e obriga à desvalorização de nossas moedas-derivadas, à destruição da poupança interna ligada a elas, à destruição dos sistemas financeiros com altas taxas de juros, e à quebra de nossos sistemas produtivos.  

Em um artigo de David Morgan, que se encontra em www.plata.com.mx , recorda-se que o dólar é criado pela dívida. Quando alguém incorre em uma dívida com um banco, seja particular ou companhia de investimento, o banco cria dinheiro. A criação enlouquecida de dinheiro corresponde à criação enlouquecida de crédito, e o crédito é concedido quando o endividamento é assumido.  

As dívidas dos EUA têm crescido de forma espectacular desde Agosto de 1971, e progressivamente nos últimos anos. Tomaram um rumo verdadeiramente enlouquecido. Chegará o momento em que não se poderá continuar a incrementar essa dívida. No momento em que deixar de crescer, haverá uma explosão, e toda a dívida, em mãos de credores, procurará liquidação, ou seja, a sua conversão em saldos líquidos de dólares. Será pouca a dívida que poderá ser liquidada, ser convertida em dólares efectivos. A maior parte não se poderá pagar, ou será paga só parcialmente.  

A receita do FMI: mais dívida em dólares  

Os países da América Latina sentem que não souberam manejar os seus assuntos correctamente, e que por isso têm sofrido tantos traumas económicos. Os argentinos foram os que sofreram o colapso económico mais recente.  

A verdade é que verificou-se ser fatal cimentar as economias das nações da América Latina sobre moedas que não passam de derivados do dólar, substitutos momentâneos do dólar, moedas sem valor próprio, moedas que derivam seu valor de outra moeda que por sua vez não é nada, e que é emitida por um país, os EUA, que agora enfrenta severíssimos problemas em consequência do abuso na criação de sua própria moeda. Cimentar desta forma as nossas economias, afirmamos, garante o fracasso de qualquer aspiração a uma melhor forma de vida. Não podia ser de outra forma.  

O Fundo Monetário Internacional deixou de servir alguma débil finalidade com a quebra dos Estados Unidos em Agosto de 1971. Pois não pagar o acordado constitui quebra.  

O Fundo Monetário Internacional, tal como opera hoje, é totalmente obsoleto e não tem feito senão danos em cima de danos, com a sua terapia única: receitar ao paciente mais dívida em dólares. Em 8 de Agosto de 2002 anunciou-se um crédito (mais dívida) para o Brasil, num montante total de US$30 mil milhões de dólares.  

 

O FMI não serve. Precisamos relembrar os factos, precisamos ver a verdade: nossas moedas não são mais do que sucata derivada de outra sucata, o dólar.  

Não se pode construir prosperidade sobre moeda sucata, assim como não se pode construir um arranha-céu com adobe.  

 

O imperativo  

Assinalámos que é necessário introduzir moeda real na circulação, de forma gradual, em paralelo com a moeda sucata, para que, com o tempo, se reconstruam nossas economias sobre bases sustentáveis. Não encontrámos uma resposta favorável da parte dos responsáveis pelo bem-estar da Pátria. O problema mais importante é que não se entende o que se passa, e teme-se o que não se entende. Naturalmente, os enormes interesses criados querem nos manter no caminho actual, embora este nos leve ao abismo. A influência política dos Estados Unidos é enorme, e o império deseja impor-nos sua moeda, para vantagem sua, naturalmente. Como sugeriu Larry Summers, em 1992, o qual foi depois secretário do Tesouro dos EUA e é agora presidente da Universidade de Harvard: "A longo prazo, deve ser uma prioridade internacional encontrar formas de subornar (sic) as pessoas para que se dolarizem, ou pelo menos devolver o dinheiro extra que se ganha quando a dolarização ocorre. Para o mundo em geral, a vantagem da dolarização parece-me evidente..." [1]  

Diz um provérbio chinês: mais vale acender uma vela do que maldizer a escuridão.  

Insistimos sobre a absoluta necessidade de contar com uma moeda real. Propomo-nos conquistar consciências, uma por uma. Lembremo-nos de José Ortega y Gasset, que em seu livro "Revolución de las Masas" dizia do homem, que "pensar, o que é pensar, [o homem] não pensa até que se sinta perdido". Pouco a pouco, as ideias que expressamos ir-se-ão infiltrando, insensivelmente, entre os que podem tomar decisões, e um belo dia um deles dirá, "Chega de perder tempo! Nós vamos à prata". Isto terá que acontecer, porque não é sustentável o caminho que seguimos: o sistema actual virá abaixo.  

 

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[1] (1992 "Rules, Real Exchange Rates, and Monetary Discipline. In Nissan Liviatan, editor, Proceedings of a Conference on Currency Boards and Currency Substitution, pp.32-3). Esta sugestão de Larry Summers foi citada à cabeça do relatório intitulado "Encouraging Official Dollarization in Emerging Markets" e preparado por Kurt Schuler, economista chefe, para o Senador Connie Mack em Abril de 1999 e encarregado de preparar o "Joint Economic Committee Staff Report, Office of the Chairman, Senator Connie Mack".  

http://resistir.info/eua/dolares_falsos.html em 25 agoo. 2002. O original deste artigo encontra-se em http://www.plata.com.mx/plata/plata/comHSP37.htm