MARAVILHAS ILUSÓRIAS

Por Barbosa Lima Sobrinho *

Recentemente, o atual presidente da República fez uma apaixonada louvação do investimento direto estrangeiro. Há pouco tempo o alvo da adoração era o capital especulativo, que remuneravam a 40% ao ano mas que fugiu na primeira ocasião. Nessa fuga o Brasil perdeu 40 bilhões de dólares de reservas e disseram que a culpa era da crise da Ásia, depois da Rússia, ficando na prateleira, como uma próxima desculpa, a alta no preço do petróleo. Os que acreditavam nas virtudes desse capital volátil silenciaram seus discursos ou, pelo menos, deixou-se de lado tanta apologia desse tipo de capital.

Agora o atual governo dirige seus elogios e apologias ao investimento direto estrangeiro, ou seja, o capital que vem para investir, geralmente na compra de empresas brasileiras já instaladas. Pequena parte se dirige a criar novas empresas, mas a grande maioria procura as privatizações, que oferecem perspectivas muito mais atraentes, inclusive pelo imediatismo do retorno do investimento e também pela sua expressão, que chega a alcançar 25% ao ano. Isso representa valores bem mais altos do que os juros conseguidos no mercado financeiro de empréstimos. É um negócio tão atraente que em certos setores, como no da distribuição de energia elétrica, por exemplo, podem ser compradas empresas brasileiras sem necessidade de trazer dólares, uma vez que o BNDES abre seus cofres generosamente, com juros inferiores aos lucros que virão dessas mesmas empresas. E, acrescente-se nesse caso, lucros seguros, uma vez que a última conta que o consumidor deixará de pagar será certamente a da energia elétrica.

Por esses motivos, os investimentos externos têm aumentado significativamente. No início da década de 90 o Brasil recebia (ou doava?) menos de 1 bilhão de dólares por ano em investimentos estrangeiros diretos. No ano passado foram mais de 30 bilhões de dólares, segundo o Banco Central. Assim não é de espantar, como conclui a consultoria A. T. Kearney, que o Brasil ocupe a quarta colocação em termos de atratividade de investimentos internacionais, atrás apenas dos Estados Unidos, da Inglaterra e da China (Exame, 23.02.00).

Essa é a última moda dos arautos do capital internacional, inclusive com a adesão explícita do próprio presidente da República. Uma moda que de tempos em tempos ataca o Brasil, como nas décadas de 20, de 50 e que por alguns anos parece maravilhar economistas e dirigentes desprecavidos. A lógica para derrubar esse castelo de cartas é simples. Se o dinheiro não vem (o BNDES está aí para isso), se a tecnologia não é nova nem agregadora, qual a vantagem para o país?

O que está acontecendo, na verdade, é uma espécie de crescente comprometimento futuro com remessas de lucros que tendem a se multiplicar. Um dos principais assessores do PFL em matéria econômica, Paulo Rabelo de Castro, acaba de escrever um ensaio sobre as conseqüências da internacionalização do parque produtivo brasileiro. Entre outras coisas, escreve ele que "nosso objetivo é procurar demonstrar por que estamos numa rota insustentável de absorção dos recursos externos e, em particular, por que a utilização mais agressiva do investimento direto estrangeiro como fonte de financiamento não é a resposta para superar esse impasse". Em seguida vai direto à ferida, afirmando: "O aumento do Passivo Externo Líquido em relação ao PIB e às exportações do país corresponde a uma sinalização de compromissos crescente de remessas futuras (de lucros) em relação à capacidade de servi-las. Tal relação vem crescendo aceleradamente após o Plano Real. A intensificação do fluxo de investimento estrangeiro direto é produto do déficit fiscal, responsabilizando-se, portanto, integralmente a má gestão dos negócios públicos pelos crescentes índices de desnacionalização da economia brasileira." A seguir, diz em forma de projeção provável, e que acho mais realista, que esse processo "pressionaria negativamente a conta corrente, ao passo que a remessa de dividendos passaria dos quase 8 bilhões de hoje para mais de 50 bilhões de dólares em 2010".

Afinal, até por esse estudo de um membro do PFL, onde está a vantagem do investimento direto estrangeiro? Como se explica a louvação do atual presidente que, por sinal, é apoiado por esse mesmo partido político? Parece-me que temos de ir e voltar sempre aos mesmos pontos. Veja-se a década de 20 ou 50, quando se vivia a louvar as maravilhas do capital estrangeiro. Será que teremos de chegar ao ponto de desvalorizar progressivamente o real apenas para fazer face ao pagamento crescente desses dividendos? Como pode o atual presidente entrar nessa moda e, ao mesmo tempo, proclamar-se principal defensor do real valorizado?

Mas, embora ingrata, a verdade é que estamos repetindo história, já sendo até possível prever o horizonte sombrio da volta da inflação, para fazer face à necessidade crescente de comprar dólares para atender a uma remessa de lucros cada vez mais volumosa. Por incompetência - não há outro termo -, seremos obrigados a reviver passados inglórios até que algum dia no futuro se acorde desse pesadelo e nos convençamos todos, de vez, que não é possível o crescimento sustentável com poupança alheia. E, se temos um mercado interno dos maiores do mundo, cobiçado por tantos, será exclusivamente nele que poderemos encontrar a solução para um país e um povo já exaustos de tantos modismos ilusórios.  

(*) Escrito em 5 de Março de 2000