“Monsanto montou minuciosa estratégia para introduzir a soja RR ilegalmente no país”

Na segunda parte de seu artigo, a professora da USP e vice-presidente do Sindicato dos Escritores de São Paulo, Paula Beiguelman, demonstra que transnacional Monsanto montou uma estratégia para introduzir ilegalmente sua soja RR no Brasil com a conivência do governo anterior

PAULA BEIGUELMAN

Na liminar contra a Monsanto o magistrado levava em conta “questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome, a respeito das possíveis falhas da CTNBio em relação ao pedido de desregulamentação da soja RR” (Roundup Ready), biotecnologicamente resistente ao herbicida Roundup, também da Monsanto.

Como vimos, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), operando no ritmo açodado imposto pela Monsanto, concordara em dispensar o Estudo de Impacto Ambiental(EIA) e o respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA) exigidos pelo inciso IV do artigo 225 da Constituição para situações como as do caso em pauta, justamente para avaliar as peculiaridades do nosso agroecossistema.

Ou seja, submissamente a CTNBio aceitava como suficientes as pesquisas ambientais feitas nos Estados Unidos e com influência da própria empresa interessada. Escandalizada, a comunidade científica mais responsável e independente se manifestou a respeito na reunião anual SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada durante o mês de julho, em Porto Alegre.

JULGAMENTO DO PROCESSO

A Monsanto não desistia. E findo o recesso semestral do Judiciário, voltou a agir de maneira ostensiva, buscando interferir no julgamento do recurso que interpusera contra a liminar que suspendera a liberação e comercialização do cultivo da soja transgênica RR.

Desta vez, o alvo do assédio foi o novo ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, com o qual se reuniram no dia 10 de agosto três executivos da empresa.

Procurando sensibilizar o ministro, serviram-se do argumento falso de que, sendo a soja o carro-chefe da retomada das exportações, havia que dinamizar sua produção, introduzindo a semente transgênica. E também se permitiram declarar que esperavam uma decisão judicial favorável até o fim de agosto.

Não tiveram êxito. No dia 12 de agosto o Juiz Antonio de Souza Prudente ratificava sua liminar de 21 de junho, transformada assim em decisão de 1ª instância.

Mas a Monsanto não abandonava o objetivo de transformar um grande produtor de soja como o Brasil num imenso mercado para suas sementes transgênicas.

Primeiro, jogara toda sua força para conseguir que a CTNBio liberasse as sementes para cultivo e comercialização. Nessa fase iniciara a cooptação de uns tantos pesquisadores de alguns núcleos da Embrapa para pô-los a seu serviço, acenando com convênios que, em última análise, liquidariam a independência científica desses institutos. Mas agora havia o entrave judicial.

Foi então que, inconformada, a Monsanto se lançou a uma agressiva atividade clandestina, no sentido de criar uma situação de fato, ao arrepio da lei.

Assim, passou a induzir agricultores do Rio Grande do Sul a utilizarem as sementes transgênicas proibidas, com a intenção de argumentar que, como tal cultivo já estava se realizando de qualquer forma, seria melhor liberá-lo! Numa operação minuciosamente montada, começaram a ser promovidos eventos, com distribuição de folhetos de propaganda e ofertas especiais, a fim de aliciar e corromper produtores gaúchos, levando-os a uma conduta ilegal.

Decidida a se apossar do território agricultável brasileiro, a Monsanto, através de seus acólitos, ainda instigava à alegação ameaçadora e catastrofista de que mesmo ilegalmente e até através de contrabando, o plantio se realizaria, logo avançando em direção ao Paraná e Goiás.

Por isso, e para evitar a prática do crime, melhor seria que se levasse em conta apenas a aprovação pela CTNBio, ignorando a sentença da Justiça!

Em suma, a operação se destinava a pressionar pela liberação do cultivo da soja transgênica no Brasil.

A referência ao contrabando provocou, como não podia deixar de ser, a maior repulsa. Enquanto determinava suas próprias severas providências acauteladoras, o Secretário da Agricultura do governo Olívio Dutra declarou esperar que a Polícia Federal e o Ministério Público investigassem a questão.

Esse comportamento desesperado da Monsanto ocorria numa conjuntura internacional de forte rejeição à soja transgênica.

Os Estados Unidos, que já tinham proibida na União Européia a entrada de sua carne com hormônios, agora se viam às voltas com a barreira aos alimentos geneticamente modificados, entre os quais a soja.

RETRAÇÃO DO MERCADO

Os produtores norte-americanos que haviam plantado a soja transgênica da Monsanto estavam arrependidos, dada a retração do mercado.

Era nesse contexto que a transnacional jogava (e ainda joga) desesperadamente sua cartada no Brasil, visto como imenso e atrativo mercado para o pacote herbicida Roundup e semente de soja RR.

Pretendia, por meio de artifícios diversos e propaganda enganosa, aliciar algumas sementeiras e até iludir agricultores incautos - que por fim se decepcionaram, como os norte-americanos.

Na verdade, é o poder público, ao qual compete a visão de conjunto, que cabe evitar o desastre. Trata-se, como medida de defesa nacional, de não permitir, além dos eventuais riscos ao nosso agroecossistema, que a economia agrícola do país, especialmente as exportações, seja lesada pela perda de mercados que dão preferência à nossa soja natural.

A adoção da soja transgênica pelo Brasil só interessa à própria Monsanto. Não ao nosso país nem aos nossos produtores.

 

Fonte: Jornal Hora do Povo, 25/Nov/2003