Deu no JB, 29/Abril/1992O nosso companheiroO jornal O Globo apresentou como irregulares operações publicitárias do Banerj com o Jornal do Brasil, rigorosamente legais e corretas do ponto de vista ético e comercial. Por trás do recurso provinciano de procurar briga com outro jornal, fora da competição de mercado, jazem motivos que se apresentarão sem ordem de entrada em cena, como é natural nas farsas. Antes do fim, porém, tudo estará claro. Quem fala de O Globo diz também TV Globo e, obviamente, o diretor-redator-chefe Roberto Marinho, "nosso companheiro", para os da casa. São o estilo e a voz do dono. Para o público é dispensável apresentá-lo, pelos dotes de saltador cauteloso, não apenas como empresário e figura hípica, mas também como mergulhador de fôlego. A televisão providencia as imagens de acordo com as conveniências. O senhor Roberto Marinho é um monoglota que aparece como empresário esportista para os brasileiros, mas em inglês tem presença mais enfática do que em português. A revista americana Forbes o apontou como um brasileiro de 1 bilhão de dólares, em bens pessoais, mas os leitores e telespectadores não ficaram sabendo. Digamos que o empresário sonega a láurea internacional ao conhecimento dos seus conterrâneos. Os brasileiros desconhecem os caminhos pelos quais esse bilhão de dólares foi canalizado para o bolso do companheiro diretor-redator-chefe. O fato não foi trazido na época ao conhecimento do telespectador e do leitor, menos por modéstia que por hábito de administrar a censura no noticiário da casa. A TV Globo omitiu o nome e a imagem da prefeita de São Paulo, Luíza Erundina, este ano, na solenidade de entrega do prêmio ao vencedor da Fórmula Um. A tradição da
Rede é esconder a História ou providenciar versões
convenientes aos donos do poder. Tudo
que se sabe por ouvir dizer é a expressão da verdade,
que ainda espera a oportunidade de aparecer. Quando o presidente Juscelino Kubitschek morreu,
a Rede Globo não mostrou a multidão emocionada que o levou, a pé, do Russell ao Santos Dumont.
A verdadeira Central Globo de Televisão é aquela que produziu a inversão do resultado eleitoral de 1982, na operação de fraude conhecida como Proconsult, e a novela de terror que também não passou do primeiro capítulo, a explosão do Riocentro, com patrocínio implícito. Até hoje a TV Globo não deu a razão, confessada de público por ex-dirigentes da emissora, pela qual cortou do noticiário a prova de que havia outras bombas no Puma que explodiu antes da hora. Por que o zelo? Medo da explosão retardada da bomba de efeito moral? A fabulosa fortuna pessoal do senhor Roberto Marinho não resultou da receita do jornal que ele dirige desde 1925, pela elementar e universal razão de que jornalismo como empreendimento não enriquece ninguém em dólar. Veio dos canais da ditadura militar, sob a qual a rede se expandiu mediante recursos não contabilizados com transparência. Não foi, portanto, o jornalismo que dolarizou o diretor-redator-chefe na escala bilionária da revista norte-americana. Teria sido por acaso a geléia de mocotó Imbasa? Ou seriam as bicicletas Monark? Na condição de produtor de geléia de mocotó e fabricante de bicicletas, ele estaria consagrado no Guiness, antes de ser sagrado eminência financeira. A pré-história da TV Globo deve ser avivada para que não se perca: os primeiros tempos foram geridos pela mão do sócio americano, o grupo Time-Life. Só mais tarde o senhor Roberto Marinho entrou em cena, e foi quando a ditadura assumiu a dívida da emissora com o sócio americano e passou a lidar na intimidade com o novo devedor, abrindo-lhe a oportunidade de pagar em imagens a dívida em dólares. Graças à rede nacional de televisão, às emissoras de rádios e ao jornal que dá nome às Organizações Globo, a galáxia de Roberto Marinho se tornou a via-láctea da ditadura. Proconsult e Riocentro foram as últimas prestações, quando o fim se aproximava mas também aparecia no horizonte a democracia. O derradeiro favor, porém, foi a mobilização para barrar a campanha das diretas, que as câmeras da televisão e as páginas do jornal desconheceram, até cederem ao repúdio dos ditadores brasileiros. Sem uma explicação. Sem pedir desculpas. Quando o último governo militar entrou em agonia, o oportunismo desfraldou-se nas Organizações Globo: as críticas prepararam a adesão ao primeiro presidente civil. O presidente Sarney ouvia o presidente das Organizações Globo antes de trocar seus ministros da Fazenda. Barganhavam-se favores oficiais por omissão de notícias. * * * Um dia a história secreta da Rede Globo de Televisão será apurada, mas enquanto não vem a público nada impede que os cidadãos sejam apresentados à verdade, que tanto querem conhecer. O episódio da Proconsult explica a ojeriza das emissoras e do jornal das Organizações Globo pelo senhor Leonel Brizola, que se elegeu por duas vezes governador do Estado do Rio e, portanto, dobrou a frustração da barreira eletrônica levantada duas vezes contra a sua candidatura. A tentativa de inverter a apuração da primeira eleição direta de governador, em 1982, dá a medida exata do que representou para toda a Rede a denúncia que o Jornal do Brasil fez e que permitiu desbaratar o conluio de interesses retrógrados em fazer a história retroceder. A segunda eleição do senhor Brizola matou a ilusão de que fosse eterna aquela viciosa associação entre o governo do estado e as organizações do sr. Marinho, sobre quem o ex-governador Moreira Franco despejou as benesses contratuais que lhe permitiram sentir-se, como personagem de novela de televisão, dono do Banco do Estado do Rio de Janeiro para todos os efeitos, inclusive receber publicidade eternamente. O novo governo desfez o contrato suspeito
e incorreu na ira de quem não tolera ouvir uma negativa de
autoridade pública. As Organizações Globo valeram-se
da má vontade e do facciosismo mas não agüentaram
esperar mais do que um ano. Além dos comprometimentos episódicos, há os permanentes: as importações de material (não é segredo) fazem-se por linhas de contrabando que a Receita Federal já tentou desfazer. Há inquéritos abertos e não concluídos mas edificantes. O último carnaval estendeu a todo o País as imagens acintosas de uma aliança - essa sim, indissolúvel - entre a galáxia do sr. Marinho e a constelação do jogo do bicho. Não foram os bicheiros que se apossaram do carnaval carioca, mas a TV Globo que fez o serviço: deu projeção, de igual para igual, aos do ramo da contravenção. Essa aliança se diverte afrontando a opinião pública com as imagens de figurões da Rede sentados à mesa de almoço com os arrivistas do bicho. E os sinais que transmitem as mensagens de narcotráfico nas entrelinhas e telinhas? Precisa mais para explicar tudo? A Rede Globo move-se por privilégios oficiais sem considerar jamais o interesse público. Que lhe interessava que a Linha Vermelha viesse atender a uma antiga necessidade do Rio? Nada. Não aceitando a vontade do eleitor, que reconduziu ao governo do estado o sr. Leonel Brizola, a TV Globo não hesitou em opor-se à obra que completará uma parte importante do plano viário da cidade, pensando que consegue suprimir da realidade o governo Brizola. Esta é a mais benigna, porque inconseqüente, forma de megalomania que advém da manipulação dos meios de comunicação. A denúncia vazia, que se volta como
bumerangue contra quem não tinha credenciais morais para
fazê-la, é impotente para realizar o desejo de estragar
a festa da inauguração da Linha Vermelha e impedir
o início da sua segunda etapa. Aquele tipo de anúncio,
aparentemente institucional, não será capaz de sustentar
a Fundação Roberto Marinho na pose de mecenas: por trás das mensagens de ciência
e cultura, palpita um interesse vivo,
que nem aparece. Um tipo
(intermediário) entre o dono do mundo e o benefactor. A lavagem do Cristo Redentor foi paga pela Shell,
mas a Fundação levou a fama. Os arquivos do PCB foram
parar na Fundação, mas depois que a União Soviética
saiu do mapa e os militares entre nós já estavam de
pijama. |
Fonte: Jornal Tribuna da Imprensa de 08 de Dezembro de 1999.