ESPIANDO NAS CATACUMBAS DA REDE GLOBO
12 de Dezembro de 1999

A Imprensa brasileira com certeza não é "flor que se cheire", esta é a regra. O jornalista Helio Fernandes, diretor do Jornal Tribuna da Imprensa, é uma das raras exceções a esta regra. Destemido, transcreve na edição de 08 de Dezembro de 1999 do seu jornal o edital publicado pelo Jornal do Brasil que traz uma pequeníssima mas explosiva amostra do que acontece nas catacumbas da Rede Globo. Como fica evidenciado no Editorial do próprio Jornal do Brasil o acontecimento se deu durante uma disputa comercial por publicidade.

Helio Fernandes comenta: "A soma de informações do editorial é fabulosa. Além de muito bem escrito, ainda melhor informado. Foi por reconhecer a impressionante carga explosiva do editorial que "o nosso companheiro" iniciou imediatamente a tarefa da reconciliação. Mas vejam só a atualidade: o JB, pela primeira vez, denuncia "os sinais com as mensagens do narcotráfico nas telinhas e entrelinhas". A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito do Narcotráfego) vai se interessar pelo editorial, que tem apenas 7 anos de existência."

O trecho da coluna de Helio Fernandes que transcreve o referido editorial segue abaixo:

 

Deu no JB, 29/Abril/1992

O nosso companheiro

O jornal O Globo apresentou como irregulares operações publicitárias do Banerj com o Jornal do Brasil, rigorosamente legais e corretas do ponto de vista ético e comercial. Por trás do recurso provinciano de procurar briga com outro jornal, fora da competição de mercado, jazem motivos que se apresentarão sem ordem de entrada em cena, como é natural nas farsas. Antes do fim, porém, tudo estará claro.

Quem fala de O Globo diz também TV Globo e, obviamente, o diretor-redator-chefe Roberto Marinho, "nosso companheiro", para os da casa. São o estilo e a voz do dono. Para o público é dispensável apresentá-lo, pelos dotes de saltador cauteloso, não apenas como empresário e figura hípica, mas também como mergulhador de fôlego. A televisão providencia as imagens de acordo com as conveniências.

O senhor Roberto Marinho é um monoglota que aparece como empresário esportista para os brasileiros, mas em inglês tem presença mais enfática do que em português. A revista americana Forbes o apontou como um brasileiro de 1 bilhão de dólares, em bens pessoais, mas os leitores e telespectadores não ficaram sabendo. Digamos que o empresário sonega a láurea internacional ao conhecimento dos seus conterrâneos.

Os brasileiros desconhecem os caminhos pelos quais esse bilhão de dólares foi canalizado para o bolso do companheiro diretor-redator-chefe. O fato não foi trazido na época ao conhecimento do telespectador e do leitor, menos por modéstia que por hábito de administrar a censura no noticiário da casa. A TV Globo omitiu o nome e a imagem da prefeita de São Paulo, Luíza Erundina, este ano, na solenidade de entrega do prêmio ao vencedor da Fórmula Um.

A tradição da Rede é esconder a História ou providenciar versões convenientes aos donos do poder. Tudo que se sabe por ouvir dizer é a expressão da verdade, que ainda espera a oportunidade de aparecer. Quando o presidente Juscelino Kubitschek morreu, a Rede Globo não mostrou a multidão emocionada que o levou, a pé, do Russell ao Santos Dumont.
No entanto, o governo autoritário havia liberado de censura o serviço fúnebre. O desejo de agradar não tem limites.

A verdadeira Central Globo de Televisão é aquela que produziu a inversão do resultado eleitoral de 1982, na operação de fraude conhecida como Proconsult, e a novela de terror que também não passou do primeiro capítulo, a explosão do Riocentro, com patrocínio implícito. Até hoje a TV Globo não deu a razão, confessada de público por ex-dirigentes da emissora, pela qual cortou do noticiário a prova de que havia outras bombas no Puma que explodiu antes da hora. Por que o zelo? Medo da explosão retardada da bomba de efeito moral?

A fabulosa fortuna pessoal do senhor Roberto Marinho não resultou da receita do jornal que ele dirige desde 1925, pela elementar e universal razão de que jornalismo como empreendimento não enriquece ninguém em dólar. Veio dos canais da ditadura militar, sob a qual a rede se expandiu mediante recursos não contabilizados com transparência. Não foi, portanto, o jornalismo que dolarizou o diretor-redator-chefe na escala bilionária da revista norte-americana. Teria sido por acaso a geléia de mocotó Imbasa? Ou seriam as bicicletas Monark? Na condição de produtor de geléia de mocotó e fabricante de bicicletas, ele estaria consagrado no Guiness, antes de ser sagrado eminência financeira.

A pré-história da TV Globo deve ser avivada para que não se perca: os primeiros tempos foram geridos pela mão do sócio americano, o grupo Time-Life. Só mais tarde o senhor Roberto Marinho entrou em cena, e foi quando a ditadura assumiu a dívida da emissora com o sócio americano e passou a lidar na intimidade com o novo devedor, abrindo-lhe a oportunidade de pagar em imagens a dívida em dólares.

Graças à rede nacional de televisão, às emissoras de rádios e ao jornal que dá nome às Organizações Globo, a galáxia de Roberto Marinho se tornou a via-láctea da ditadura. Proconsult e Riocentro foram as últimas prestações, quando o fim se aproximava mas também aparecia no horizonte a democracia. O derradeiro favor, porém, foi a mobilização para barrar a campanha das diretas, que as câmeras da televisão e as páginas do jornal desconheceram, até cederem ao repúdio dos ditadores brasileiros. Sem uma explicação. 

Sem pedir desculpas. Quando o último governo militar entrou em agonia, o oportunismo desfraldou-se nas Organizações Globo: as críticas prepararam a adesão ao primeiro presidente civil. O presidente Sarney ouvia o presidente das Organizações Globo antes de trocar seus ministros da Fazenda. Barganhavam-se favores oficiais por omissão de notícias.

* * *

Um dia a história secreta da Rede Globo de Televisão será apurada, mas enquanto não vem a público nada impede que os cidadãos sejam apresentados à verdade, que tanto querem conhecer. O episódio da Proconsult explica a ojeriza das emissoras e do jornal das Organizações Globo pelo senhor Leonel Brizola, que se elegeu por duas vezes governador do Estado do Rio e, portanto, dobrou a frustração da barreira eletrônica levantada duas vezes contra a sua candidatura. A tentativa de inverter a apuração da primeira eleição direta de governador, em 1982, dá a medida exata do que representou para toda a Rede a denúncia que o Jornal do Brasil fez e que permitiu desbaratar o conluio de interesses retrógrados em fazer a história retroceder.

A segunda eleição do senhor Brizola matou a ilusão de que fosse eterna aquela viciosa associação entre o governo do estado e as organizações do sr. Marinho, sobre quem o ex-governador Moreira Franco despejou as benesses contratuais que lhe permitiram sentir-se, como personagem de novela de televisão, dono do Banco do Estado do Rio de Janeiro para todos os efeitos, inclusive receber publicidade eternamente. 

O novo governo desfez o contrato suspeito e incorreu na ira de quem não tolera ouvir uma negativa de autoridade pública. As Organizações Globo valeram-se da má vontade e do facciosismo mas não agüentaram esperar mais do que um ano. 
Chegaram a tomar posição contra os interesses do Rio. E, por último, arriscaram a denúncia que caiu no vazio sobre a preferência do Banerj, como anunciante, na escolha de novos veículos para melhorar a credibilidade nas suas relações com a sociedade.

Além dos comprometimentos episódicos, há os permanentes: as importações de material (não é segredo) fazem-se por linhas de contrabando que a Receita Federal já tentou desfazer. Há inquéritos abertos e não concluídos mas edificantes. O último carnaval estendeu a todo o País as imagens acintosas de uma aliança - essa sim, indissolúvel - entre a galáxia do sr. Marinho e a constelação do jogo do bicho. Não foram os bicheiros que se apossaram do carnaval carioca, mas a TV Globo que fez o serviço: deu projeção, de igual para igual, aos do ramo da contravenção. Essa aliança se diverte afrontando a opinião pública com as imagens de figurões da Rede sentados à mesa de almoço com os arrivistas do bicho. E os sinais que transmitem as mensagens de narcotráfico nas entrelinhas e telinhas? Precisa mais para explicar tudo?

A Rede Globo move-se por privilégios oficiais sem considerar jamais o interesse público. Que lhe interessava que a Linha Vermelha viesse atender a uma antiga necessidade do Rio? Nada. Não aceitando a vontade do eleitor, que reconduziu ao governo do estado o sr. Leonel Brizola, a TV Globo não hesitou em opor-se à obra que completará uma parte importante do plano viário da cidade, pensando que consegue suprimir da realidade o governo Brizola. Esta é a mais benigna, porque inconseqüente, forma de megalomania que advém da manipulação dos meios de comunicação.

A denúncia vazia, que se volta como bumerangue contra quem não tinha credenciais morais para fazê-la, é impotente para realizar o desejo de estragar a festa da inauguração da Linha Vermelha e impedir o início da sua segunda etapa. Aquele tipo de anúncio, aparentemente institucional, não será capaz de sustentar a Fundação Roberto Marinho na pose de mecenas: por trás das mensagens de ciência e cultura, palpita um interesse vivo, que nem aparece. Um tipo (intermediário) entre o dono do mundo e o benefactor. A lavagem do Cristo Redentor foi paga pela Shell, mas a Fundação levou a fama. Os arquivos do PCB foram parar na Fundação, mas depois que a União Soviética saiu do mapa e os militares entre nós já estavam de pijama.
Esta novela começou mas ainda não acabou: o último capítulo é a opinião pública que vai escrever.

Fonte: Jornal Tribuna da Imprensa de 08 de Dezembro de 1999.