O Brasil é muito jeca, repetia o
grande Paulo Francis. Sempre foi. Já esbanjava jequice nos tempos em que
celebrava a erudição tediosa de Ruy Barbosa e sua discurseira barroca, despejada
em cataratas naquele congresso internacional do qual voltaria com o título de
Águia de Haia, sabe Deus dado por quem. E só um jeca total se atreveria a
eternizar num sambinha a proeza que, além do valor duvidoso, jamais foi
comprovada: Ruy Barbosa foi à Inglaterra para ensinar inglês.
Jeca que
festejou a glória do suposto mestre na língua de Shakespeare, jeca o país
continua ao aceitar abulicamente a supressão da prova de inglês na fase
eliminatória do ingresso no Instituto Rio Branco, encarregado de formar os
diplomatas do Itamaraty. É uma contradição apenas aparente: a nação oscila entre
o jeca deslumbradão e jeca orgulhoso da própria ignorância.
As diferenças
entre os dois tipos são acessórias. "Questões de somenos", diria um Ruy Barbosa.
O deslumbradão é aquele que acha que não há Hino Nacional mais bonito que o
nosso, nem bandeira comparável à brasileira. O idiota feliz é o que acha que o
melhor do Brasil é o brasileiro. Ou seja, o país inteiro, excluídas as elites
metidas a besta.
Pra que falar inglês, francês ou qualquer estrangeirice?
Aliás, que besteira é essa de falar português sem erros grosseiros, não esquecer
os esses e erres? E pra que incensar a relevância de um diploma? O companheiro
Lula não chegou à Presidência da República sem canudo universitário, e falando
um português que, nas escolas primárias de antigamente, decerto induziria uma
professora caridosa a reservar algumas horas extras para melhorar a cabeça
daquele pernambuquinho esperto?
Historicamente jeca, a geléia geral que
besunta estes tristes trópicos se vem superando sucessivamente desde o advento
da Era Lula. Os cultos que me perdoem, mas o Brasil tem o presidente que merece.
O que diria Francis das raquíticas metáforas futebolísticas? Dos discursos
intermináveis e medíocres de quem quer ser Fidel Castro quando crescer? Das
audiências concedidas no gabinete presidencial a sindicalistas vestidos de
bermudas e chinelos? Do novo-riquismo constrangedor do primeiro casal? Da
gastança em badulaques adequados a um sheik de Agadir?
Lula não tem
paciência, disposição nem tempo a perder com o que lhe parece pura miudeza. Não
despacha regularmente com ministros, não se demora em reuniões secas (nas
molhadas, solta monólogos), não lê livro nenhum, não examina documentos
oficiais, não vê filmes com legendas (só os falados em português), não vai ao
teatro, não discute pendências (quem se acha o melhor presidente de todos os
tempos não vai gastar minutos com críticos que nada sabem). O país está de doer.
Lula está feliz.
O que diria Francis, Deus do céu, do discurso
improvisado por Lula, semana passada, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre?
Vaiado, ofereceu uma definição de "democracia" tão inteligível quanto
hieroglifos aos olhos de um tapuia. Obcecado com a desconstrução da imagem do
antecessor Fernando Henrique Cardoso, despejou números econômicos tão
verossímeis quanto uma cédula de sete reais. E chamou de "companheiro Menem" o
presidente argentino Néstor Kirchner. Outra gafe da pesada. Mais uma a
enriquecer a coleção que já reúne centenas de relíquias.
Paulo Francis
tinha inteira razão. Pois as coisas estão piorando. Oremos.
Publicado no
site nominino em 2 de fevereiro de 2004