COMO SE VIVIA NO RIO GRANDE NA ÉPOCA DA REVOLUÇÃO
Não obstante o "caráter guerreiro" que era atribuído
ao Rio Grande pelas populações das demais províncias, os moradores
locais conseguiam organizar o seu dia-a-dia de forma pacata. Nas
cidades e vilas a grande atração eram as procissões e os atos ligados à
religião. As irmandades, organizações de leigos que se dedicavam a
festejar um determinado santo ou a certas práticas caridosas, estavam
presentes em quase todas as cidades e vilas, e tratavam de dar a pompa
necessária às comemorações religiosas, desfilando pelas ruas com seus
mantos coloridos. Os moradores, por sua vez, contribuíam para embelezar a
festa colocando colchas trabalhadas nos balcões das casas. Mas
nesse Rio Grande de então não só se vivia de forma diferente daquela de
agora - também se morria de forma diversa. A morte era anunciada pelo
sino da igreja - com toques especiais para homem adulto, mulher adulta,
moça virgem e crianças. Isto, em certas épocas, chegou a provocar
conflitos entre as autoridades civis e eclesiásticas. Quando, no final
do século passado, a província enfrentou uma epidemia de cólera, o
presidente da província insistiu, junto ao bispo, para que fossem
suspensos os toques de sino que anunciavam as mortes, porque "traziam a
população em constante sobressalto". Um dos
principais atos da preparação para a morte era a confecção de um
testamento. Ao contrário dos testamentos atuais, em que a preocupação
central é realizar uma distribuição de bens, os de então eram uma
espécie de acerto de contas espiritual, em que o testador procurava
garantir a redenção de sua alma e comandar o espetáculo de sua morte. Além
de determinarem a repartição dos bens, estabeleciam esmolas para os
pobres a serem distribuídas no dia da morte do testador, missas a serem
rezadas em benefício de sua alma e, em algumas vezes com minúcias
incríveis, descreviam como deveria ser o enterro - que, pelo menos até a
década de 40 do século passado, era na maioria das vezes feito bem no
centro das cidades, atrás da igreja, onde ficavam os cemitérios. Curiosamente
para nós, as pessoas não eram enterradas em caixão. Esse hábito só iria
surgir a partir da segunda metade do século passado. Antes disso, os
caixões eram emprestados ou alugados pelas irmandades que os possuíam,
servindo para conduzir o falecido até a cova, onde era retirado do
caixão e baixado à terra. Os mais devotos requeriam,
em seus testamentos, que fossem enterrados vestindo a roupa de algum
santo de sua devoção - São Francisco de Assis, com seus trajes marrons,
era especialmente cotado. Mas, de maneira geral, usava-se a mortalha,
pano cozido sobre o corpo do defunto: branca para as moças virgens,
branca ou azul para as crianças; roxa para as mulheres e homens adultos. Apesar
do enorme peso da religião, não se pode imaginar o Rio Grande de então
como um enorme paraíso de devotos. Se as exterioridades do culto eram
apreciadas e mantidas, eram, entretanto, muitos os problemas. Havia uma
falta crônica de sacerdotes, principalmente na Campanha. A
presença dos primeiros protestantes provocava atritos relativos à
realização de casamentos pelos pastores e ao local de enterro. As
sociedades maçônicas floresciam. A maçonaria, aliás, contava com muita
força. Nela estavam presentes até sacerdotes, e a maioria dos homens
influentes da província era maçom. Entre os maçons ilustres,
destacava-se Bento Gonçalves, que organizou diversas lojas na fronteira,
e cujo codinome, na maçonaria, era Sucre.
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