NA FRONTEIRA REINAVA UM CLIMA DE TENSÃO
Enquanto os problemas referentes à escassez
monetária, moedas falsas e retirada do dinheiro público da província
atingiam a população do Rio Grande do Sul como um todo, alguns grupos
econômicos enfrentavam situações específicas, que também eram causa de
descontentamento. Era esse o caso dos charqueadores, que pagavam altos
impostos sobre seu produto, tendo que concorrer com a produção platina,
com menos impostos e mais barata. De seu lado, os
estancieiros tinham interesses econômicos e políticos no Uruguai.
Durante a ocupação da Banda Oriental (Uruguai) pelo Brasil, de 1817 a
1825, muitos estancieiros gaúchos se estabeleceram lá. Compraram terras e
gado, estreitaram laços políticos e familiares. Com a independência
daquele país, insistiam em ter livro acesso às pastagens da Banda
Oriental: afinal, tinham diversos interesses na área. Mas,
para o governo central brasileiro, a presença muito intensa de
brasileiros no Uruguai representava um problema: terminavam interferindo
na política local, provocando queixas freqüentes do governo uruguaio à
diplomacia brasileira. Além disso, o nosso governo sofria a pressão dos
charqueadores, que não tinham interesse em que os estancieiros levassem
seu gado para o Uruguai. Por isto, depois da
independência uruguaia, o governo central adotou uma política dura em
relação aos estancieiros gaúchos: proibiu que o gado do Rio Grande fosse
levado para os países vizinhos. O Uruguai, por sua vez, adotou postura
semelhante, proibindo que gaúchos engordassem ou criassem gado lá. Essas
medidas, entretanto, tinham caráter limitado. A fronteira era grande, e
era fácil contrabandear gado. Por outro lado, a
presença de rio-grandenses no Uruguai era muito intensa, e cedo os
líderes políticos daquele país perceberam que não tinham como evitá-la.
Fructuoso Rivera, presidente uruguaio, ao constatar que não tinha como
contornar a situação, resolveu usá-la em seu proveito. Autorizou um de
seus agentes no Rio Grande a passar escritura de terrenos no Uruguai em
troca de pagamento em gado. Com isto, Rivera queria se tornar simpático
aos gaúchos, e neutralizar a influência que seu rival, Juan Antonio
Lavalleja, tinha na zona de fronteira. Essa postura
durou pouco tempo. No final de 1832, Rivera começou a confiscar e vender
gado e terras daqueles que apoiavam Lavalleja. Entre os brasileiros da
fronteira, correu a notícia de que também estava confiscando o gado dos
residentes brasileiros naquele país que eram simpatizantes de Lavalleja. Bento
Gonçalves, o principal articulador do movimento farroupilha, era nessa
época comandante militar da fronteira, em Jaguarão. Na sua opinião, os
direitos dos gaúchos no Uruguai deviam ser mantidos, mas Rivera
continuava a confiscar e retirar gado nas propriedades próximas da
fronteira, e distribuía - gado e terras - entre os que o apoiavam. Bento
Gonçalves resolveu então fazer vista grossa quando os opositores de
Rivera - ligados a Lavalleja - traziam gado para trocar por armas no
Brasil. Após inúmeros enfrentamentos entre as suas
tropcas e as de Rivera, Lavalleja entrou, no final de 1832, no Brasil,
sendo recebido por Bento. Ao saber do fato, o presidente da província
ordenou que Bento desarmasse Lavalleja e os seus homens e os conduzisse
para Porto Alegre. Bento trouxe-os para a capital, mas não os desarmou. Chegando
na capital, o presidente ofereceu a Lavalleja duas opções: ou ele iria
para alguma outra província brasileira, ou para Buenos Aires. O Brasil
temia que houvesse uma associação entre Rosas, Lavalleja e Bento para se
criar uma república independente ou interferir na política dos três
países. Esse temor, aliás, iria reger o
relacionamento das autoridades com Bento. Em 1834 Lavalleja voltou ao
Brasil, sendo novamente recebido por Bento. Mas então tanto ele como o
outro comandante de fronteira, Bento Manoel, em Alegrete, já haviam
perdido a confiança do governo. Bento Manoel foi transferido, enquanto
Bento foi suspenso.
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