A Revolução Farroupilha - Personagens

 


Bento Gonçalves da Silva
Detalhe de pintura anônima,
acervo do Museu Júlio de Castilho.

 

Bento Gonçalves da Silva

Guerreiro durante a maior parte de sua vida, Bento Gonçalves da Silva morreu na cama. Maçom e defensor de idéias liberais, pelas quais lutou durante os quase dez anos da Revolução Farroupilha, viu, ao final de seu esforço, a vitória do poder central. Presidente da uma república, viveu a maior parte de sua vida em um Império.

Bento Gonçalves da Silva nasceu em Triunfo, em 1788, filho de alferes. Cedo, porém, saiu de sua terra. Em 1812 foi para Serro Largo, na Banda Oriental (Uruguai), onde se estabeleceu com uma casa de negócios. Dois anos depois estava casado, com Caetana Joana Francisca Garcia. Algumas versões afirmam que, em 1811, antes de se fixar na Banda Oriental, participou do exército pacificador de D. Diego de Souza, que atuou naquela região. Essa informação, entretanto, é discutida.

Mas, se não foi em 1811, em 1818 com certeza começou a sua atuação militar, quando participou da campanha do Uruguai (que culminaria com a anexação formal daquele país ao Brasil, em 1821, como Província Cisplatina). Aos poucos, devido à sua habilidade militar, ascendeu de posto, chegando a coronel em 1828, quando foi nomeado comandante do Quarto Regimento de Cavalaria de 1a. linha, estabelecido em Jaguarão. Passou a exercer também os postos de comandante da fronteira e da Guarda Nacional naquela região.

Provavelmente já era maçom nessa época, pois consta que organizou várias lojas maçônicas em cidades da fronteira. É certo, contudo, que sua influência política já era grande, pois o posto de comandante da Guarda Nacional era um cargo eminentemente político.

Em 1832 Bento foi indicado para um dos postos de maior influência que havia na província, o de comandante da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul. Isto lhe dava uma posição estratégica, que soube utilizar quando da Revolução Farroupilha: sob seu comando estavam todos os corpos da Guarda Nacional, força especial que havia sido criada em 1832 e cujo oficialato era sempre composto por membros das elites de cada região.

Esse cargo de confiança, entretanto, não impediu que Bento continuasse dando apoio aos seus amigos uruguaios. Foi por isto que, em 1833, foi denunciado como desobediente e protetor do caudilho uruguaio Lavalleja, pelo mesmo homem que o havia indicado para o posto de comandante da Guarda Nacional, o marechal Sebastião Barreto Pereira Pinto, comandante de Armas da Província.

Chamado ao Rio de Janeiro para se explicar, Bento saiu vitorioso do episódio: não voltou para a província como comandante de fronteira, mas conseguiu do regente padre Feijó - que também defendia idéias liberais - a nomeação do novo presidente da Província, Antonio Rodrigues Fernandes Braga, o mesmo homem que iria derrubar, em 1835, quando deu início à Revolução.

De volta ao Rio Grande, continuou a defender suas idéias liberais, à medida que se afastava de Braga, denunciado pelos farrapos como prepotente e arbitrário. Eleito para a primeira Assembléia Legislativa da província, que se instalou em abril de 1835, foi apontado, logo na fala de abertura, como um dos deputados que planejava um golpe separatista, que pretendia desligar o Rio Grande do Brasil.

A partir desse momento, a situação política na província se deteriorou. As acusações mútuas entre liberais e conservadores eram feitas pelos jornais, as sessões da Assembléia eram tumultuadas. Enquanto isto, Bento Gonçalves articulava o golpe que teve lugar no dia 19 de setembro.

No dia 21, Bento Gonçalves entrou em Porto Alegre. Permaneceu na cidade por pouco tempo, deixando-a para comandar as tropas revolucionárias em operação na província. Exerceu esse comando até dois de outubro de 1836, quando foi preso no combate da ilha do Fanfa (em Triunfo), junto com outros líderes farrapos. Foi então enviado para a prisão de Santa Cruz e mais tarde para a fortaleza de Lage, no Rio de Janeiro, onde chegou a tentar uma fuga, da qual desistiu porque seu companheiro de cela, o também farrapo Pedro Boticário, era muito gordo, e não conseguiu passar pela janela. Transferiram-no então para o forte do Mar, em Salvador. Mesmo preso, sua influência no movimento farroupilha continuou, pois foi eleito presidente da República Rio-Grandense em 6 de novembro de 1836.

Mas, além do apoio farroupilha, Bento contava com o da Maçonaria, de que fazia parte. Essa organização iria lhe facilitar a fuga da prisão, em setembro de 1837. Fingindo que ia tomar um banho de mar, Bento começou a nadar em frente ao forte até que, aproveitando um descuido de seus guardas, fugiu - a nado - em direção a um barco que estava à sua espera.

Em novembro ele regressou ao Rio Grande, tendo chegado a Piratini, a então capital farroupilha, em dezembro, quando tomou posse do cargo para o qual havia sido eleito. Imediatamente, passou a presidência ao seu vice, José Mariano de Mattos, para poder comandar o exército farroupilha.

A partir de então, sua vida seriam os combates e campanhas, embora se mantivesse como presidente. Em 1843, entretanto, resolveu renunciar ao cargo, desgostoso com as divergências que começavam a surgir entre os farrapos. Passou a presidência a José Gomes de Vasconcelos Jardim, e o comando do exército a David Canabarro, assumindo apenas um comando de tropas.

As divisões entre os revolucionários terminaram por resultar em um desagradável episódio. Informado que Onofre Pires, um outro líder farrapo, fazia-lhe acusações, dizendo inclusive que era ladrão, Bento o desafiou para um duelo, no início de 1844. Onofre Pires foi ferido, e morreu dias depois devido a uma gangrena.

Embora tenha iniciado as negociações de paz com Caxias, em agosto de 1844, Bento não iria concluí-las. O clima de divisão entre os farrapos continuava, e ele foi afastado das negociações pelo grupo que se lhe opunha. Desligou-se, então, definitivamente da vida pública. Passou os dois anos seguintes em sua estância, no Cristal e, já doente, foi em 1847 para a casa de José Gomes de Vasconcelos Jardim, onde morreu, de pleurisia, em julho daquele ano.


Giuseppe Garibaldi

 

Italianos foram atraídos pelos ideais farroupilhas

Vindos de uma terra distante e, em sua maioria, refugiados políticos, um grupo de italianos participou ativamente da Revolução Farroupilha. Provavelmente o que os atraía eram os ideais liberais dos farrapos em que viam a semente de uma revolução social mais ampla, e a possibilidade de "fazer a história". Alguns deles tiveram atuação destacada, mas um, Giuseppe Garibaldi, é lembrado de forma especial, principalmente porque, mais tarde, participaria das guerras de unificação da Itália e se tornaria conhecido em toda a Europa graças à sua biografia, escrita por Alexandre Dumas.

Os italianos revolucionários haviam chegado à América do Sul antes mesmo do início da Guerra dos Farrapos, dedicando-se principalmente a atividades comerciais e à navegação. Dentre eles muitos eram carbonários, membros da sociedade secreta que atuava na Itália, França e Espanha no início do século XIX e que pregava a adoção do sistema republicano. Essa sociedade derivava da franco-maçonaria, e foi formada para lutar contra o domínio napoleônico no reino de Nápoles (1806 a 1815).

Depois, passou a lutar contra os soberanos italianos restaurados após 1815, e organizou levantes e atentados sem maiores conseqüências. A partir de 1818 o carbonarismo começou a ser difundido na França, onde conquistou os bonapartistas liberais. Organizados em lojas (como na maçonaria), seus membros arquitetaram numerosos complôs, entre 1818 e 1822, contra os Bourbons que haviam voltado ao trono. Todos fracassaram.

A causa da Revolução deve ter seduzido a esses homens, habituados aos atentados, complôs e lutas. E cerca de cinqüenta italianos - provavelmente em sua maior parte carbonários - participaram da Guerra dos Farrapos. Alguns se destacaram, como o Conde Tito Lívio Zambiccari, que era ajudante de campo e secretário do presidente farroupilha, e que foi preso em 1836, no combate do Fanfa, junto com Bento Gonçalves.

A captura de Zambiccari, a princípio lamentável, terminou por trazer benefícios para a Revolução. Transferido para uma prisão no Rio de Janeiro, entrou em contato com Garibaldi e Luigi Rosseti que, animados pelo que ele contava, alistaram-se nas tropas farroupilhas. Luigi Rosseti veio a ser co-editor do jornal farroupilha "O Povo", e também foi secretário-geral da República Juliana (em Laguna).

Garibaldi, por sua vez, teria uma trajetória rica em aventuras. Nasceu em Nice (que então era italiana), em 1807. Antes de vir para o Brasil, participou do movimento Jovem Itália, de idéias republicanas, coordenado pelo general Mazzini. Comprometido em uma tentativa de ataque a Gênova, fugiu para o Brasil em 1836. Logo conheceu Zambiccari, e decidiu vir lutar no Rio Grande.

Aqui, recebeu em 14 de dezembro do mesmo ano a autorização do governo farroupilha para realizar o corso, isto é, para atacar, de barco, navios e propriedades inimigas, apossando-se de seus bens. Para poder executar essa tarefa, recebeu o posto de capitão-tenente, e foi-lhe determinado que coordenasse o armamento de dois lanchões que estavam sendo construídos no estaleiro farroupilha, no rio Camaquã. Cada um desses barcos, quando pronto, tinha duas peças de bronze e uma tripulação de 35 homens. Um deles foi comandado por Garibaldi, outro por John Griggs, um americano que também havia sido seduzido pela causa farroupilha.

Com esses dois barcos, Garibaldi iniciaria sua guerra de corso na Lagoa dos Patos. Aproveitando-se do fato de suas embarcações serem pequenas, e portanto poderem transpor os bancos de areia que dificultavam a navegação dos navios - de maior porte - da Marinha Imperial, Garibaldi atacava as estâncias de legalistas que estavam nas margens da lagoa, apossando-se de cavalos, mantimentos etc.

Em julho de 1839, após coordenar a epopéia de transporte dos lanchões por terra, participou do ataque a Laguna, em Santa Catarina. Ali, conheceu Ana Maria Ribeiro da Silva, que passou à história como Anita Garibaldi, e que iria acompanhá-lo por toda a sua vida.


Anita Garibaldi

 

Quando Garibaldi a encontrou em Laguna, Anita era casada com Manuel Aguiar, a quem deixou para seguir Garibaldi. Desde o início, revelou-se a companheira ideal para o revolucionário, participando com extrema bravura dos combates de defesa de Laguna contra os imperiais. Em 15 de novembro de 1839 foi presa, no combate de Curitibanos, mas fugiu atravessando o rio Canoas a nado, agarrada à crina de seu cavalo, indo assim se reencontrar com Garibaldi em Vacaria. No Rio Grande deu à luz a seu primeiro filho, Menotti, e continuou a combater ao lado de Garibaldi até que este, em 1842, deixou as tropas farrapas, indo para Montevidéu.

Anita iria acompanhá-lo, mesmo quando voltou para a Itália, em 1848, e iria estar ao seu lado nas lutas em que participou contra os austríacos naquele ano e no seguinte, quando morreu, durante uma fuga após um combate. Garibaldi, por sua vez, continuou a sua vida de revolucionário, sendo um dos líderes do movimento que resultou na unificação da Itália (concluída em 1870), e falecendo em 1882.


Foto do verdadeiro lanchão Seival

 

A epopéia dos lanchões pelos campos gaúchos

Muito tempo antes do desenvolvimento dos veículos anfíbios, Garibaldi demonstrou que um barco construído para se movimentar na água também podia andar na terra. Graças a isso as tropas farroupilhas puderam conquistar o porto catarinense de Laguna e proclamar a República Rio-Grandense. Para chegar lá, o chamado "herói de dois mundos" teve que colocar em execução um dos mais arrojados planos militares já idealizados em qualquer época: estando as embarcações dos farroupilhas cercadas na Lagoa dos Patos, onde as forças do Império dominavam a entrada e saída, ele mandou deslocar por terra seus lanchões mais leves, o Farroupilha e o Seival. Foi uma epopéia digna de figurar com destaque na história dos conflitos mundiais.

"Não existe a menor dificuldade na expedição por mar a Laguna. Mande-me o general alguns carpinteiros e a madeira necessária para a construção de quatro grandes rodados e cem juntas de bois carreiros para a tração das rodas, e eu farei transportar os Lanchões até Tramandaí, se Deus quiser", disse Garibaldi numa reunião do alto comando farroupilha. Ele levou os dois lanchões até o rio Capivari cerca de dois quilômetros adentro antes de sua foz na Lagoa dos Patos, e em menos de sete dias comandou a montagem dos rodados e das pranchas sobre as quais os lanchões foram colocados, para serem movimentados por terra até Tramandaí. Eles foram puxados cada um por juntas de cem bois.

Em Tramandaí, após reparos rápidos que não levaram três dias, os lanchões foram lançados no rio Tramandaí e dali seguiram para o mar e para o ataque às forças imperiais que estavam acantonadas em Laguna. Entre o rio Capivari e o rio Tramandaí, através de campos, areais e banhados, foram percorridos cerca de cem quilômetros entre os dias 5 de junho pela manhã e a tardinha do dia 11 desse mês, sem que as forças imperiais tivessem a mínima suspeita do que estava acontecendo.

Em Laguna, enquanto os "patos" de Garibaldi atacavam por mar, os homens do general David Canabarro investiam por terra, conseguindo dominar rapidamente a cidade e conquistando um importante porto para os farroupilhas, que nunca conseguiram se apoderar de Rio Grande e São José do Norte.

Os lanchões Seival e Farroupilha deixaram o rio Capivari no ponto onde esse rio é cruzado, no momento, pela RS-040, cerca de mil metros antes do posto da Polícia Rodoviária em Capivari, que está no cruzamento dessa rodovia com o início da chamada Estrada do Inferno. Para quem vai de Porto Alegre em direção a Capivari, há um marco logo depois da ponte sobre o rio Capivari, à esquerda, indicando o local considerado como o início da movimentação terrestre das embarcações do grupo comandado por Garibaldi.

Já no rio Tramandaí os lanchões voltaram a ser colocados na água nas proximidades da ponte antiga que liga Tramandaí a Imbé, onde na temporada de veraneio centenas de pessoas passam o dia pescando sardinhas e bagres. Na passarela para pedestres entre as duas pistas da avenida Fernandes Bastos, no lado do município de Tramandaí, há um marco indicativo do feito de Garibaldi, colocado, juntamente com o de Capivari, quando da comemoração do sesquicentenário da Revolução Farroupilha. Uma réplica do Seival ainda pode ser vista em Tramandaí, no Parque Histórico General Manuel Luiz Osório.


Bento Manoel Ribeiro


Uma das figuras mais polêmicas da Revolução Farroupilha, Bento Manoel Ribeiro, poderia ser considerado o protótipo do vira-casaca. Começou ao lado da Revolução, passou a apoiar o Império, voltou para a Revolução e terminou defendendo o Império e ajudando Caxias a acabar com a guerra. No entanto, não obstante as falhas de caráter que os adversários (sempre temporários, pois nunca se sabia seu movimento seguinte) pudessem lhe apontar, um mérito seu sempre foi reconhecido por todos: era um ótimo combatente.

Nascido em Sorocaba (São Paulo) em 1783, Bento Manoel veio para o Rio Grande com cinco anos. No final do século XVIII alistou-se como soldado no regimento de milícias de Rio Pardo, e em 1823 chegou a coronel. Como recompensa de seus feitos, recebeu grandes extensões de terra na região de Alegrete.

Quando começou a Revolução, tomou parte ativa na derrubada do governo da província, em setembro de 1835. Mas, em dezembro desse mesmo ano, aderiu à causa legalista, quando seu primo Araújo Ribeiro foi indicado para presidente da província pelo governo central. Tornou-se então o primeiro herói legalista, ao vencer a batalha de Fanfa e prender Bento Gonçalves e outros líderes farrapos em outubro de 1836.

Em 1837, depois que seu primo foi exonerado pela segunda vez da presidência da província, voltou a ser farrapo. E, entre outras façanhas, chegou a prender, próximo de Caçapva, o novo presidente da província, Antero José Ferreira de Brito, que mais tarde foi trocado pelo coronel farrapo Sarmento Mena. Também derrotou os legalistas em Rio Pardo, dando condições para que os farrapos voltassem a sitiar Porto Alegre.

Depois de dois anos, Bento Manoel pediu demissão de seu posto, segundo alguns seduzido pelo governo imperial, que lhe propôs conservar as terras que havia adquirido dos legalistas desde que se mantivesse neutro. E assim permaneceu até 1842, quando, a convite do Barão de Caxias, voltou a lutar nas tropas imperiais, ajudando a pôr fim à Revolução.