
SUPEREXPLORAÇÃO
DO TRABALHO E ACUMULAÇÃO DE CAPITAL: REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
PARA UMA ECONOMIA POLÍTICA DA DEPENDÊNCIA*
Carlos Eduardo Martins* *
Resumo: Neste
texto buscamos sintetizar os principais resultados teóricos
alcançados por Ruy Mauro Marini na elaboração
do conceito de superexploração, enfatizando sua relação
com a gênese da acumulação capitalista. Pretendemos,
ainda, contribuir para o desenvolvimento desse conceito mediante
a sua formalização matemática e quantitativa.
Palavras-chave: Marini;
superexploração; concorrência; dependência
Introdução
O conceito de superexploração
do trabalho foi estabelecido por Ruy Mauro Marini, no final da década
de 60 e na década de 70, em um conjunto de trabalhos, dentre
os quais Dialética da dependência (1973) é a expressão clássica
e concentrada. Tal conceito constitui um dos principais pilares
da teoria marxista da dependência. Todavia, devido ao caráter
paradigmático do aporte de Marini e à relativa dispersão
de suas contribuições em livros, artigos ou trabalhos
de circulação restrita, tornar-se necessário
um aprofundamento da teoria da superexploração, uma
vez que, como afirmava Marini, Dialética
da dependência (1973) não
pretendia mais do que introduzir o tema, ainda que tenha lançado
suas bases de forma definitiva.
Pretendemos, neste texto,
sintetizar os principais resultados teóricos alcançados
por Ruy Mauro Marini na elaboração do conceito de
superexploração, enfatizando sua relação
com a gênese da acumulação capitalista. Procuramos,
ainda, contribuir para o desenvolvimento desse conceito, mediante
a sua
formalização matemática e quantitativa.
Dividiremos nosso trabalho
em três partes. Na primeira e na segunda, estabelecemos as
bases teórico-metodológicas do conceito formulado
por Marini. Na terceira parte, realizamos sua formalização.
1- Superexploração e acumulação
capitalista
Ruy Mauro Marini afirma, em
Dialética da dependência (1973), que o regime capitalista de produção
desenvolve duas grandes formas de exploração que seriam
o aumento da força produtiva do trabalho e a maior exploração
do trabalhador. O aumento da força produtiva do trabalho
ocorreria quando, no mesmo tempo e com o mesmo gasto de força
de trabalho, houvesse maior quantidade produzida. Já a maior
exploração do trabalhador se caracterizaria por três
processos, que poderiam atuar de forma conjugada ou isolada, representados
pelo aumento da jornada de trabalho; pela maior intensidade de trabalho,
sem a elevação do equivalente em salário; e
pela redução do fundo de consumo do trabalhador (Marini,
1973, p. 95-96).
A maior exploração
do trabalho, embora caracterizasse as formas da acumulação
em situações de baixo desenvolvimento tecnológico,
não se resumiria a este cenário, desenvolvendo-se
durante a evolução tecnológica do modo de produção
capitalista. Segundo Marini, essas duas grandes formas de exploração
tenderiam a se combinar durante o desenvolvimento capitalista, produzindo
economias nacionais com maior incidência de uma ou outra.
Ao predomínio da maior exploração do trabalho
corresponderia, precisamente, a superexploração do
trabalho.
As razões para que
essas formas de exploração se articulem no regime
capitalista de produção são desenvolvidas no
conjunto da obra de Marini e encontram a mais rica elaboração
em seu artigo "Mais-valia extraordinária
e acumulação de capital"
(1979), considerado pelo autor um complemento indispensável
à Dialética da dependência (Marini, 1990, p. 43). Como fundamentos dessa tendência
à combinação podemos mencionar:
i) O aumento da produtividade
do trabalho que, ao reduzir o tempo necessário para a produção
de uma certa massa de mercadorias, permite ao capital exigir a expansão
do trabalho excedente do operário, combinando a maior produtividade
com a maior exploração do trabalho. Marini assinala,
ainda, que a elevação da produtividade do trabalho
impulsiona o aumento da intensidade de trabalho e conduz à
maior exploração do trabalho e desgaste da força
de trabalho, caso a extensão da jornada não seja reduzida.
Nos países centrais, a rigidez apresentada pela jornada de
trabalho desde os anos 30, indica que a elevação da
produtividade foi acompanhada de maior exploração
do trabalho (Marini, 1973, p. 96-97).
ii) A distinção
que realiza entre produtividade e mais-valia relativa, afirmando
que o aumento da produtividade cria apenas mais produtos ao mesmo
tempo, e não mais valor para o capitalista individual. O
aumento da produtividade se expressaria em uma mais-valia extraordinária,
ao permiti-lo reduzir o valor individual das mercadorias e manter
o seu valor social, resultando na apropriação por
este capitalista de uma maior massa de mais-valia e na queda das
taxas de mais-valia e da taxa de lucro dos outros capitalistas,
por manter-se constante a massa de mais-valia no ramo. A generalização
do aumento de produtividade no ramo suprimiria essa alteração
na repartição do valor, expandindo a massa global
de produtos sem elevar a massa de valor. O resultado disso seria
a queda da massa de mais-valia no ramo, pois uma parte dela seria
absorvida pelo aumento da composição orgânica
do capital que a generalização do aumento de produtividade
estabelece. A única possibilidade de burlar essa queda, afirmará
Marini mais adiante, será mediante a extensão da mais-valia
extraordinária do interior do ramo produtivo para as relações
entre eles.
Já a mais-valia relativa,
diferentemente, ocorreria quando a elevação da produtividade
atingisse o setor que produz bens-salário, implicando uma
desvalorização da força de trabalho e o aumento
do tempo de trabalho excedente.
iii) Em "Mais-valia extraordinária e acumulação
de capital" (1979), Marini desenvolve
os argumentos anteriores apresentados em Dialética
da dependência. Nesse artigo,
assinala que o progresso técnico somente é introduzido
pelo capital individual e que a sua liderança setorial cabe
ao setor produtor de bens de consumo suntuário e aos segmentos
do setor I que para ele produzem. Essa análise é desenvolvida
a partir de uma profunda releitura dos esquemas de reprodução
capitalista de Marx, em que introduz o progresso técnico
no seu funcionamento. De acordo com Marini, o sub-setor IIa (que produz
bens-salário) e o setor I (que produz insumos para esse)
não são capazes de sustentar a generalização
do progresso técnico no ramo, pois a conservação
da massa de valor representada pelo capital variável entra
em contradição com o progresso técnico e/ou
com a elevação da intensidade do trabalho, necessários
para a obtenção da mais-valia extraordinária
no ramo.
As mercadorias constituídas de bens-salário, ao manterem
o seu valor social apesar da redução do valor individual,
não encontram demanda para sua realização,
pois expressam-se em uma maior massa física de produtos.
Já o setor IIb e os segmentos do setor I, que produzem diretamente
ou indiretamente bens suntuários, podem sustentar, até
certo ponto, a generalização do progresso técnico
e da intensidade do trabalho na busca de mais-valia extraordinária.
A perda da participação relativa do capital variável
na estrutura produtiva, gerada pelo aumento da produtividade ou
da intensidade do trabalho, forneceria a demanda para a maior oferta
de produtos suntuários.
iv) O nivelamento das taxas
de lucro entre os ramos produtivos. Este nivelamento tenderia a
ocorrer quando a expansão da acumulação em
IIb e o segmento de I correlato atingissem uma tal intensidade,
que a oferta de mercadorias do setor IIa e I produtor de capital
circulante não conseguiria manter-se à altura da procura
em IIb e I. Isso porque a concentração da produtividade
em IIb e I criaria uma situação onde, de um lado, o aumento
da composição orgânica do capital nesses sub-setores
exigiria escalas de produção crescentes, que se manifestariam
no aumento mais que proporcional de seu consumo de matérias-primas,
na crescente intercambiabilidade tecnológica, mas também
no aumento de seu consumo de força de trabalho. De outro
lado, a capacidade do segmento IIa e I produtor de capital circulante
proporcionar os insumos materiais para IIb e I produtor de capital
fixo é limitada pelos crescentes diferenciais de produtividade
que vão se desenvolvendo entre estes sub-setores. Desse modo
esgota-se, a médio e longo prazo, a margem fornecida pela
ampliação do espaço de circulação
de mercadorias mediante a extensão da divisão nacional
e internacional do trabalho, que permite aumentar a massa física
de produtos destinadas ao sub-setor IIb e à produção
de capital fixo sem reduzir-se o diferencial de produtividade frente
a eles. Assim sendo, o nivelamento das taxas de lucro e a transferência
tecnológica correlata de IIb e I produtor de capital fixo
para IIa e I produtor de capital circulante permitem romper com
a queda das taxas de mais-valia e de lucro nos primeiros sub-setores
(ao desvalorizarem e depreciarem os insumos fornecidos por IIa e
I correlato), elevando as taxas globais de mais-valia e de lucro
do capital em geral. Mas também realizam uma significativa
transferência da massa de mais-valia para os segmentos IIb
e I produtor de capital fixo, o que tende a eliminar cada vez mais
a autonomia de um segmento produtor de capital fixo exclusivo ao
sub-setor IIa.
A partir desses fundamentos
desenvolvidos por Marini, apreende-se que: o fato de a produtividade
ser introduzida pelo capitalista individual, ter seu dinamismo vinculado
aos ramos produtivos associados diretamente ou indiretamente ao
consumo suntuário e ser difundida aos ramos vinculados aos
bens-salário através dos preços de produção,
torna, simultaneamente, o movimento de produção de
mais-valia um movimento de apropriação de mais-valia.
Assim, se a mais-valia extraordinária
permite ao capitalista individual (de maior composição
técnica e orgânica do capital) e aos ramos ligados
ao consumo suntuário desvalorizarem individualmente suas
mercadorias em ritmo superior ao crescimento da massa de seu capital,
viabilizando um recurso superior à produtividade do trabalho
quando do nivelamento das taxas de lucro, os efeitos dessa valorização
(através da concorrência) sobre os capitalistas individuais
e ramos com menor composição orgânica de capital
serão de perda da massa de mais-valia gerada. Os preços
de produção serão fixados abaixo do valor de
suas mercadorias, o que, para ser compensado, exige que os preços
da força de trabalho fiquem abaixo de seu valor.
As tendências enunciadas
por Marini no plano da concorrência (itens ii, iii e iv) podem
ser lidas como absolutas, hegemônicas ou dinâmicas.
As primeiras remeteriam à existência de uma economia
capitalista pura, que realizasse suas tendências mais agudas
de desenvolvimento, pois supõem a plena liderança
dos segmentos IIb e I correspondente na introdução
do progresso técnico e a completa dependência tecnológica
dos sub-setores IIa e I corretato a ele. Como tendências hegemônicas,
se manifestam no fato de explicarem a maior parte do crescimento
econômico; e como tendências dinâmicas, no fato
de representarem uma parte menor, porém crescente do desenvolvimento
econômico.
Dessa forma, a superexploração
do trabalho corresponderia à afirmação hegemônica,
no plano da concorrência, das tendências indicadas.
Ela se estabelece, a partir do desenvolvimento da produtividade
do trabalho, naquelas empresas, ramos ou regiões capitalistas
que sofrem depreciação de suas mercadorias, em razão
da introdução, em seu espaço de circulação, de progresso
técnico realizado por outras empresas, ramos ou regiões.
Isto ocorre quando a maior parte do crescimento da produtividade
, nesse âmbito, se origina de inovações tecnológicas
produzidas em outras empresas, setores ou regiões, não
podendo as primeiras compensarem, com geração endógena
de progresso técnico, o movimento de apropriação
de mais-valia que sofrem.
As inovações
atuariam sobre o trabalho aplicado nas condições da
capacidade instalada, depreciando a massa de valor e de mais-valia
produzida nesses segmentos, e exigiriam a depreciação
da força de trabalho como mecanismo de compensação
para reequilibrar as taxas de mais-valia e de lucro.
É justamente a situação
acima descrita quando a maior parte do aumento da produtividade
dos capitais de uma região decorre de inovações
tecnológicas produzidas pelas acumulação capitalista
de outros centros, ou quando suas mercadorias simplesmente sofrem
depreciação em função das inovações
introduzidas em outros pólos que fundamenta o desenvolvimento
dependente de uma região.
Nessa região, estabelece-se
uma separação entre a expansão da circulação
da massa de mercadorias ligadas às inovações
tecnológicas e a circulação de mercadorias
ligadas à reprodução da força de trabalho,
que tende a se restringir. Desse modo, as inovações
passam a vincular-se à produção de mercadorias
que não se destinam à reprodução da
força de trabalho (consumo suntuário nos próprios
países dependentes ou consumo produtivo ou popular nos países
centrais). Quando se associam à produção de
mercadorias destinadas à reprodução da força
de trabalho, apenas o fazem marginalmente. Tal fato possui duas
implicações:
i) Tendo em vista que as inovações
tecnológicas ocorridas nos segmentos dinâmicos, ao
não desvalorizarem a força de trabalho, não
ampliam a taxa global de mais-valia da formação social
em questão e desenvolvem a contradição entre
o aumento da composição orgânica do capital
e a redução da massa de mais-valia no conjunto da
economia, a superexploração faz-se necessária
para que a taxa de lucro global seja preservada;
ii) a baixa competitividade
produzida pelo regime de acumulação fundado na superexploração
do trabalho permite que as empresas estrangeiras, estabelecidas
em formações sociais onde esse processo se estrutura,
mantenham altas taxas de remessas de capitais para suas regiões
de origem, uma vez que sua liderança no processo local de
acumulação é pouco ameaçada. Essas remessas,
que são realizadas através de diversos mecanismos
(pagamentos de juros e serviços do financiamento externo,
envio de remessas de lucros, pagamentos de royalties, patentes e assistência técnica e prática
de sobrepreços nas relações intra-firmas),
superam amplamente as entradas de capitais por elas realizadas,
resultando em significativo processo de expropriação
de capitais e divisas.
2- Dependência e superexploração
De acordo com Theotônio
dos Santos (1978 e 1991), a dependência representa uma situação
onde a estrutura sócio-econômica e o crescimento econômico
de uma região são determinados, em sua maior parte,
pelo desenvolvimento das relações comerciais, financeiras
e tecnológicas de outras regiões. A dependência
é gerada e reproduzida a partir da internacionalização
capitalista e de sua tendência a concentrar e centralizar os
excedentes que resultam da acumulação mundial nos
centros dinâmicos do sistema mundial.
Do século XVI até
meados do século XIX, a internacionalização
esteve sob a hegemonia dos capitais comercial e usurário
e, posteriormente, a partir do final do século XIX, sob a
hegemonia do capital produtivo. A partir daí, o desdobramento
de D em D` fundamenta-se no capital produtivo e a reprodução
ampliada da economia mundial adquire uma base sustentada e orgânica
ao possuir um fundamento técnico (Dos Santos, 1978). A dependência
ganha, então, caráter sistemático e passa a
se vincular às tendências econômicas do desenvolvimento
capitalista, onde o componente tecnológico torna-se a base
da apropriação de mais-valia das sociedades dependentes
e da expansão das formas usurárias e comerciais de
apropriação do valor produzido nessas sociedades.
Os países centrais
passam a concentrar, em seu aparato produtivo, os elementos tecnológicos
que articulam o crescimento da composição técnica
e orgânica do capital e que permitem o desdobramento internacional
de D em D'. Os países dependentes são objeto dessa
articulação e oferecem os elementos materiais para
a especialização do centro através de sua integração
à divisão internacional do trabalho. Essa integração
é constantemente redefinida pelo centro, segundo as necessidades
do crescimento mundial da composição técnica
e orgânica do capital.
Diferentemente dos países
centrais, onde a relativa homogeneização da base tecnológica
permite aos segmentos vinculados ao sub-setor IIa responder tecnologicamente
às inovações introduzidas pelos segmentos vinculados
ao consumo suntuário, criando a base para um mercado de massas
e para a indústria de bens de capital que alavancarão
de forma orgânica a industrialização no centro;
os países dependentes, ao se integrarem no mercado mundial
a partir de grandes desníveis tecnológicos, não
poderão responder da mesma forma, recorrendo à superexploração
do trabalho.
Portanto, como se observa,
o enfoque de Marini articula os livros I, II e III de O Capital e reposiciona
amplamente os enfoques usuais sobre a maturidade da acumulação
capitalista, os quais, ao priorizarem o livro I de Marx que abstrai
a concorrência, esfera real onde se dá a acumulação
capitalista -, consideram a mais-valia relativa e a produtividade
do trabalho como as formas normais desta acumulação.
Não se trata de uma visão estagnacionista, como lhe
atribuíram, entre outros, Cardoso e Serra (1978), fundada
na incompreensão da capacidade do capitalismo industrial
e "pós-industrial" gerar a mais-valia relativa,
mas sim de uma visão dialética, capaz de levar em
consideração os diversos níveis do processo
de acumulação capitalista.
Na visão de Marini,
o capitalismo surge na sua globalidade; isto é, como um modo
de produção e de circulação de mercadorias.
Primeiramente ele analisa o dinamismo tecnológico capitalista
no interior da concorrência e considera a produtividade do
trabalho e a maior exploração do trabalho como pólos
associados, que expressam a presença da produção
e da apropriação de mais-valia na acumulação
internacional capitalista, para depois
verificar em que medida a elevação
da composição técnica e orgânica do capital
resulta em maior exploração do trabalho e superexploração
ou, inversamente, no aumento da produtividade do trabalho para um
capital particular. A obra de Marini descreve e associa teoricamente
dois movimentos, que não ocorrem separadamente: a) um, de
elevação da composição técnica
do capital e conseqüente desvalorização de mercadorias,
que direcionado à produção de bens de consumo
necessários é capaz de expandir a massa de mais-valia;
b) outro, concorrencial, em que os diferenciais da composição
técnica fundamentam a apropriação da mais-valia
de uma determinada estrutura capitalista por outra. Quando o segundo
movimento predomina sobre o primeiro, estão estabelecidas
as condições para a superexploração
do trabalho.
3- Para uma formalização
do conceito de superexploração do trabalho
Parte das críticas
feitas a Marini consideram que sua análise é circulacionista,
afirmando que ele dedica-se à apropriação da
mais-valia esquecendo-se do livro I de
O Capital, onde a expansão
da mais-valia é realizada fundamentalmente através
do recurso à tecnologia, tornando a maior exploração
do trabalho secundária diante do aumento da força
produtiva do trabalho.
Em nossa opinião, o
equívoco dessas críticas está em não
situar adequadamente os níveis do modo de produção
e do capital em geral, de um lado, e da concorrência e das
formações sociais, de outro lado, como planos de análise
diferenciados e necessariamente articulados do funcionamento da
economia internacional capitalista.
Nesta seção,
demonstraremos que a apropriação de mais-valia e a
superexploração são compatíveis com
o modo de produção especificamente capitalista e com
o recurso à maior intensidade tecnológica pelo capital
expropriado. Isso acontece sempre que a apropriação
de mais-valia de um capital por outro não puder ser compensada
pela produção de mais-valia mediante a geração
endógena de tecnologia pelo capital expropriado, estabelecendo-se,
de maneira irrevogável, a necessidade da superexploração
do trabalho.
A superexploração
torna-se a base do regime de acumulação quando a expansão
do diferencial de produtividade entre o capital A (que determina
os valores médios das mercadorias em um espaço determinado
da circulação) e o capital B (expropriado) for suficiente
para neutralizar o movimento de expansão da mais-valia em
B ou para torná-la inferior à elevação
da composição orgânica que a gera, derrubando
sua taxa de lucro.
Levando-se em consideração
a dinâmica da acumulação capitalista; se a variável
chave da apropriação e da produção de
mais-valia é a tecnologia, o ponto de equilíbrio para
o capital B - onde a expansão de mais-valia neutraliza a
apropriação sofrida - é aquele em que o aumento
do diferencial de produtividade inter-capitalista for equivalente
ao crescimento da produtividade em B, supondo-se uma determinada
expansão da composição técnica do capital
no espaço da circulação em questão.
Portanto, uma vez que há aumento na composição
técnica média dos capitais, a elevação
da composição técnica em B terá de ser
equivalente a 50% do crescimento total da composição
técnica média, pois somente assim o aumento da produtividade
em B se iguala ao diferencial de expansão de produtividade
entre A e B.
Em resumo, a superexploração
ocorreria sempre que o crescimento da composição técnica
em B não alcançasse à metade do aumento da
composição técnica do capital que determina
as condições da concorrência ou quando, mesmo
alcançando metade ou mais, não conseguisse gerar uma
massa de mais-valia suficiente para compensar o aumento da própria
composição orgânica do capital que a elevação
de sua composição técnica propiciaria.
Se elevarmos o nível
de abstração, do capital particular para as estruturas
de produção capitalistas nacionais e regionais, podemos
concluir que a dependência é a condição
do atraso inter-estatal e inter-regional que determina a correlação
entre a apropriação e a produção de
mais-valia que fundamenta a superexploração. Isso
porque a dependência descreve uma situação na
qual uma região se insere num espaço de circulação
de mercadorias em que a maior parte do crescimento da composição
técnica do capital origina-se de inovações
introduzidas ou geradas por capitais estrangeiros.
Vejamos isso mais em detalhe.
Nas equações abaixo trabalhamos com as fórmulas
de preço de produção de Marx e, para fins de
simplificação, o estamos considerando equivalente
ao preço de mercado
A equação I
descreve o preço de produção de um capital
que produz nas condições médias e que, portanto,
não sofre perda de mais-valia para a concorrência.
A equação II descreve uma situação na
qual a perda da massa de mais-valia de um determinado capital é função
da variação da composição técnica
média em relação a sua produtividade. A variação
da produtividade externa em relação à interna
está representada por x e a perda de mais-valia por y. A equação III indica como o aumento
de produtividade, gerado pelo capital que determina os valores médios,
é traduzido em elevação de sua massa de mais-valia.
O aumento da produtividade é expresso por z e a massa de mais-valia acrescentada por m'. A equação
IV indica a tentativa do capital expropriado reagir à perda
de mais-valia, mas, ao mesmo tempo, assinala seu caráter
parcial e limitado, uma vez que o aumento da produtividade z pode corresponder,
no máximo, a 50% do crescimento da produtividade externa.
I) c + v + m = p
II) (c + v + m) - y = Donde:
se p - y = ; y = p - =
III) (c + v + m) z = p + m'
Donde: se pz = p + m'; z = 1 + ; m' = pz - p
IV) (c + v + m) z - y = Donde:
(c + v + m) z - y =
Sabendo-se
que:
x= l - w + 1
x' = l - z + 1
Considerando que:
c = capital constante
v = capital variável
m = mais-valia criada por
um determinado capital e que se reflete em sua estrutura de preços
p.
y = depreciação
que incide sobre determinado capital
p = massa de valor expressa
sob a forma preço
u = produtividade externa
inicial em um momento (t1)
l = produtividade externa
inicial (u) acrescentada de sua variação em determinando
período de tempo (D t).
w = produtividade interna
inicial de determinado capital (=1) em um momento (t1)
z = produtividade interna
inicial (=1) somada a sua variação endógena
sem o recurso à queda dos preços da força
de trabalho abaixo de seu valor. Na equação IV, a
variação endógena de z oscila entre 0% e 50%
da variação da produtividade externa.
x = relação
entre a produtividade externa acrescentada de sua variação
(l ) e a produtividade interna igual a 1 de determinado capital.
x' = relação
entre a produtividade externa acrescentada de sua variação
(l ) e a produtividade interna igual a 1 de determinado capital
somada a sua variação endógena em determinado
período de tempo (D t)
pz = massa de valor, expressa
sob a forma-preço, incrementada pela elevação
da produtividade interna
m'= mais-valia criada com
a variação da produtividade interna
Na equação II,
que corresponde à dimensão mais geral das condições
de progresso técnico que criam a superexploração,
a determinação da compensação à
perda de mais-valia é evidente e absoluta. Aqui, a introdução
de progresso técnico no espaço de circulação
das mercadorias dos países dependentes, através do
investimento direto, da importação de tecnologia ou
da mera concorrência internacional, cria uma depreciação
no valor da grande massa de trabalho desses países. Nessa
equação, demonstra-se como o diferencial de produtividade
entre estruturas de produção capitalistas significa,
para o capital desfavorecido, uma perda de mais-valia.
Na equação IV,
evidenciamos a compatibilidade da teoria da superexploração
com a geração endógena de progresso técnico
pelas estruturas capitalistas desfavorecidas no processo de concorrência
capitalista. Os capitais, que sofrem depreciação de
sua mercadoria, somente conseguem neutralizar a perda de mais-valia
quando conseguem elevar sua composição técnica
do capital em pelo menos 50% do aumento ocorrido no capital concorrente.
A partir de qualquer exemplo numérico, verifica-se que m' e y eqüivalem-se,
resultando em anulação mútua da depreciação
sofrida e da mais-valia gerada pelo capital em questão. Tal
situação configura o limite técnico a partir
do qual atua a superexploração e a articula organicamente com a
situação de dependência. Entretanto,
mesmo na equação IV, cabe assinalar que, para efeitos
de simplificação, estamos desprezando a elevação
da composição orgânica do capital propiciada
pelo aumento da produtividade interna do capital. Quando isso ocorre,
parte de m
transforma-se em capital constante, a taxa de lucro é reduzida
e a superexploração do trabalho estende-se para além
do limite técnico assinalado.
Façamos, todavia, um
exercício numérico a título de exemplificação
das equações II e IV:
Numa primeira situação,
um capital A e um capital B partem das condições médias
de produtividade, em um momento (t1). Supõe-se que, uma vez decorrido um período
(D t), o capital B não gere qualquer dinâmica tecnológica
e apenas mantenha a sua produtividade anterior; e que o capital
A aumente a sua produtividade em 100%, em exata equivalência
com a variação das condições médias
de produtividade que determinam o valor. Desta forma: w = u = 1.
Sabendo-se que c
= 500; v =
200; m=
300; p
= 1000, teríamos ainda que: l = 1 + 100% = 2; x = 2. Portanto,
neste caso, utilizando-se a equação II, teríamos
que y
= 500, o que representa a perda líquida de mais-valia para
o capital B, já que essa não seria compensada por
nenhuma geração interna de mais-valia (m'), pois a
variação endógena em z eqüivale a zero e torna z = w.
Numa segunda situação,
um capital A e um capital B partem também das condições
médias de produtividade, em um momento (t1). Entretanto, supõe-se que uma vez decorrido
um período (D t), o capital B gere uma dinâmica tecnológica
própria, equivalente a 50% do aumento da produtividade do
capital A que, por sua vez, aumenta a sua produtividade em 100%,
em exata equivalência à variação das
condições médias de produtividade que determinam
o valor. Tomando-se os mesmos valores para c, v,
m, p, teríamos
que: x = 2; l = 2; z = 1 + 50% = 1,5; x' = 1,5. Assim, o capital
B geraria internamente um acréscimo em mais-valia (m') através
da elevação de sua produtividade, de tal forma que
m' = 500 aceitando-se a suposição de que não
haveria alteração do valor em c. Todavia, ao situar-se
abaixo das condições médias de produção
do valor, o capital B sofreria uma perda de mais-valia (y), calculada
na equação IV, onde y = 500 = m', neutralizando a geração do acréscimo
de mais-valia.
Se admitirmos que ocorre um
aumento da composição orgânica do capital de
B, nessa segunda situação, para produzir-se m', expresso em uma
elevação do valor de c, parte de m' deveria converter-se em c, tornando y > m'.
Tal resultado, como mencionamos acima, ativaria as condições
de atuação da superexploração do trabalho.
Quanto mais as tendências
absolutas do desenvolvimento dependente se afirmarem, e os capitais
de uma determinada região tendam a se subordinar de maneira
total às estruturas monopolísticas do capitalismo
internacional, mais a geração endógena de progresso
técnico dos capitais dependentes estará próxima
a 0 % do crescimento da produtividade introduzida pelos capitais
que determinam os valores médios das mercadorias, reduzindo
a equação IV à equação II22. Esse foi
o ponto mais acentuado por Marini, por representar as tendências
de longo prazo da geração de progresso técnico
nos países dependentes.
No pós-scriptum que faz ao seu artigo Dialética
da Dependência: A economía exportadora (1972), que integra à Dialética
da Dependência (1973), Marini
alerta o leitor para o nível de abstração do
seu ensaio. Visando o desenho das leis fundamentais do capitalismo
dependente, alguns traços foram feitos a grossas pinceladas,
sem que fossem examinadas situações particulares que
introduzissem um certo grau de relativização ao estudo.
Todavia, indica o caráter tendencial destas leis:
"Aprovecharé,
pues, este post-scriptum para aclarar algunas cuestiones
y deshacer ciertos equívocos que el texto ha suscitado.
En efecto, pese al cuidado de matizar las afirmaciones más
tajantes, su extensión limitada llevó a que
las tendencias analizadas se pintaran a brochazos, lo que
les confirió a veces un perfil muy acusado. Por outra
parte, el nivel mismo de abstración del ensayo no
propiciaba el examen de situaciones particulares, que permitieran
introducir en el estudio un cierto grado de relaticvización.
Sin pretender justificarme com esto, los inconvenientes
mencionados son los mismos a que alude Marx, cuando advierte:
[...] teoricamente,
se parte del supuesto de que las leyes de de producción
capitalista se desarrollan en estado de pureza. En la realidad,
las cosas ocurren siempre aproximadamente; pero la aproximación
és tan mayor cuanto más desarrollada se halla
la produción capitalista [...]" (Marini, 1973,
p. 82)
O conceito da superexploração
do trabalho é dos mais complexos dentro da economia política
marxista. Para além das encruzilhadas políticas
que deslinda o que torna as discussões algumas vezes
ideológicas e passionais sua compreensão exige
a articulação dos níveis da produção
e da circulação para identificar os efeitos produzidos
pela concorrência na economia global capitalista e em
seus diversos rincões. Esperamos, com este trabalho, haver contribuído
para elucidar algumas confusões a respeito de sua gênese
e para avançar na sua consolidação cientifica.
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Fonte: http://redem.buap.mx/t2_Martins.htm |