A REALIDADE DO TIMOR LESTE
O presidente FHC visitou por algumas
horas, em janeiro, o Timor Leste, administrado pela
ONU, através da UNTAET. Este organismo para a
administração transitória daquele
país é presidido pelo diplomata brasileiro
Sérgio Vieira de Mello. O panorama timorense,
visto debaixo da ponte (e não por cima, como
nos passa a versão oficial), é bem diferente.
A.M. é brasileira, missionária
leiga católica que, por iniciativa da CNBB,
encontra-se no Timor Leste, atuando junto à população.
Seu relato da situação do país,
enviado-me há dias, vale a pena ser conhecido:
"Toda a ajuda que vem de
fora fica nas mãos da UNTAET. É uma mina
de ouro. Técnicos, tropas, intelectuais e funcionários
estrangeiros vêm fazer turismo na ilha, ganhando
muito dinheiro. São um luxo os "palácios"
da UNTAET, os hotéis, os restaurantes, enquanto
o povo continua a morar em barracos e as crianças
a dormirem amontoadas em esteiras.
"Em Laleia, onde vivo, desde
pequeninas as crianças carregam água,
lenha e muito peso na cabeça. Alimentam-se
basicamente de arroz, vivem doentes e não dispõem
de medicamentos. A assistência médica é
prestada por um "enfermeiro" da aldeia. As
roupas doadas pelo Brasil e por outros países
são vendidas nos mercados. Também os medicamentos
são vendidos. Quase nada chega à população.
O desemprego é geral.
"Aqui virou cabide de empregos
para estrangeiros. A maioria trata os timorenses como
"macacos". Na estrada, quando passa um carro
da UNTAET, os verdadeiros donos da terra, os timorenses
são obrigados a dar passagem. São os "faraós",
arrogantes e autoritários. Não vêm
para servir. Vêm para mandar e ser servidos. Começa
a despontar a prostituição, é claro!
Eles têm os dólares. O povo passa fome.
"Em Dili, os meninos de rua
começam a ficar rebeldes, a roubar, a formar
"gangs". Enquanto gastam-se milhões
com os "intrusos", o povo não tem escolas,
hospitais, empregos. O país continua em ruínas.
"Por trás de tudo,
sempre a supremacia político-econômica
da "globalização", que não
tem nenhum interesse em pequenos países livres
e independentes. A África e a Ásia foram
repartidas entre os grandes.
"Em frente aos palácios
da UNTAET há centenas de carros com som e ar
condicionado, parados, à disposição
dos mandões. Em Laleia, não há
luz, nem água, nem transporte. Viajamos em "bis"
e "microlés" abarrotados de gente,
em cima e embaixo, nas portas, nas laterais, entre galos,
porcos, cabritos, sacos de arroz e vômito, e calor
sufocante.
"Ensino às minhas
crianças noções básicas
de higiene e cuidados pessoais. Mas elas lavam roupa,
tomam banho e bebem a água contaminada da Ribeira,
enquanto a tropa gasta fortunas com água mineral
e alimentos importados. E ainda os soldados são
considerados "heróis" pelo mundo, porque
vieram "arriscar" a vida no Timor. Quem corre
risco de vida são as nossas crianças.
"Outro dia um carro da UNTAET
atropelou e matou o pequeno Eugênio, um menino
de três anos, aqui em Laleia. Nem parou para dar
assistência. Jamais será denunciado. Era
um funcionário da UNTAET. Que diferença
faz para eles atropelar e matar uma galinha ou uma criança
timorense? Passam em alta velocidade pelas estradas
que cortam as aldeias, onde as crianças caminham
com água ou lenha na cabeça.
"Quando morre um adulto,
colocam uma bandeirinha preta no lugar onde foi atropelado.
Quando é criança, uma bandeirinha branca.
Outro dia, em viagem, contei mais de 20 bandeirinhas,
pretas e brancas.
"A minha voz não tem
importância, a não ser quando faz eco da
voz deste povo pequenino, paciente e corajoso, que ousou
lutar e vencer. Não podemos permitir que lhe
usurpem a vitória, conquistada a preço
do sangue de seus filhos. Lutaram por mais de 20 anos,
corajosamente. Resistiram a todo tipo de atrocidade.
"Agora que venceram, não
são aptos para administrar o seu país?
Isso é piada! Quando estavam sendo massacrados,
ninguém achou que precisavam de ajuda. Todos
se omitiram. Agora vem muita ajuda de fora. Fazem crer
ao mundo que são nobres e servidores, a serviço
da paz e da reconstrução do país.
Mentirosos! Mudaram os dominadores e a forma de opressão.
Agora é camuflada. Antes era a Indonésia.
Agora é uma legião."
A 5 de dezembro, em Bruxelas,
Xanana Gusmão, presidente do CNRT (Conselho Nacional
da Resistência Timorense), cobrou do embaixador
Vieira de Mello, da Comissão Européia
e do Banco Mundial, presentes à Conferência
de Apoio ao Timor Leste, a lenta e exígua ajuda
econômica ao país e o demorado processo
de "timorização" das estruturas
de governo. Segundo Xanana, "não chega a
haver 5 timorenses no Gabinete de Transição,
e mesmo estes não têm acesso aos recursos
humanos, materiais e financeiros para realizarem as
tarefas para as quais foram indigitados".
Fonte: I Informativo
REDE de Cristãos 19/2/2001 |