TRISTE HISTÓRIA MONETÁRIA BRAZILEIRA
24 de Abril de 2004

Há meio século, Charles de Gaulle, ex-presidente da França, declarou que "o Brasil não é um país sério". Basta olhar a panacéia monetária brazílica para concluiremos, fatalmente, que De Gaulle tinha razão.

No Natal de 1942, uma pessoa depositou, numa conta corrente bancária não sujeita a qualquer tipo de remuneração, a importância de Cr$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão de cruzeiros). Não tendo movimentado a conta corrente nos anos subseqüentes, o depósito, em 01.07.94, quando foi criado o "real", estava reduzido à irreal quantia de R$ 0,00, como a seguir fica mostrado e demonstrado.

 

1944

1.000.000.000.000,00, ou 1 trilhão de cruzeiros. Exatamente nessa época, pressionado pela guerra, pelo excesso de exportação sem receber, pela inflação crescente, Vargas ditador trocou o mil-réis que vinha do Império pelo cruzeiro. Ainda se acreditava que a moeda era a matriz de todos os males. Bastaria substituir a moeda e tudo se acertaria.

 

1964

1.000.000.000. Um trilhão de cruzeiros, que continuava com a mesma denominação, perdeu apenas os centavos. A "convicção" sofrera modificação. Para os economistas de plantão, já não era necessário trocar toda a moeda, bastava jogar os centavos ao mar como se fez criminosamente com o café.

 

1967

1.000.000.000,00. Voltaram os centavos, a moeda passou a se chamar de cruzeiro novo. Lógico, o caos continuou o mesmo por dentro e aumentou a confusão por fora.

 

1970

1.000.000.000. Novamente cruzeiro novo, a denominação da moeda. Perdeu a virgindade, perdão, os centavos. E foi chamada pela primeira vez de "moeda transitória". As outras eram transitórias pela incompetência, essa passou a ser provisória por decreto.

 

1984

Essa "moeda provisória" durou 14 anos. Aí perdeu os centavos e o cruzeiro novo, outra vez simplesmente cruzeiro. Quem tinha, digamos, 10 cruzeiros e 50 centavos passou a ter 10 cruzeiros. Sem vírgula e sem os algarismos (centavos) que vinham depois. Muitos prejuízos, claro, mas ninguém podia reclamar.

 

1986

Um simples decreto-lei criou o cruzado. Cada mil cruzeiros eram trocados por 1 cruzado. Voltou o centavo. Quem tinha, por exemplo, 2 milhões, 250 mil e 500 cruzeiros, passou a escrever (e a receber) assim: CZ$ 2 mil, 250 cruzados e cinqüenta centavos.

 

1989

No mesmo governo Sarney mas já com o terceiro ministro da Fazenda, o cruzado passou a ser cruzado novo ou novo cruzado. Quem tinha mil cruzados passou a trocá-lo por 1 cruzado novo. Restabeleceram o centavo. Dando o mesmo exemplo da importância da referência acima, quem tinha 2 mil e 500 cruzados passou a possuir apenas 2 cruzados novos e 50 centavos.

 

1990

Veio Collor e com enorme criatividade mudou a moeda. E como a imaginação era a mesma, voltaram a chamá-la de cruzeiro, com centavos. Usando o mesmo valor aplicado a outras denominações, quem tinha 2 mil cruzados novos e 500 centavos passou a ter 2 mil e 500 cruzeiros. Imaginem o que o cidadão-contribuinte-eleitor foi deixando por esse caminho pedregoso.

 

1993

Aí exibiram um pouquinho de criatividade, a moeda deixou de ser cruzeiro, novo ou antigo, cruzado, novo ou antigo, ganhou roupagem extra. Virou cruzeiro real. Por cada mil cruzeiros, o cidadão tinha direito a 1 cruzeiro real. Com centavos. Usando o mesmo total de dinheiro, quem tinha 2 mil e 500 cruzeiros ficou com 2 cruzeiros reais e 50 centavos.

 

1994

Foi última mudança, por enquanto, por enquanto. A partir de julho de 1994, perdeu a denominação de cruzeiro real, passou a ser exclusivamente real. Cada 2 mil, 750 cruzeiros reais eram trocados por 1 real, de acordo com a "transformação" determinada pela URV. E aí, os cálculos feitos com as moedas citadas nas outras mudanças não têm mais razão de ser. Pois 11 mil cruzeiros reais passaram a valer 4 reais, inacreditável.

Com todas essas mudanças, modificações, malabarismo, mobilização, mistificações, se comprova a constatação inicial destas notas: quem em 1942 tinha 1 TRILHÃO DE CRUZEIROS e não movimentou, agora, 60 anos depois, FICOU REDUZIDO A ZERO.

Fonte: Tribuna da Imprensa, 24/Abr/2004