UMA GRANDE FARSA

Por Barbosa Lima Sobrinho

 

Parece que viraram rotina no Brasil os sucessivos aumentos de tarifas das  concessionárias de serviços públicos, hoje privatizados. Deixa a impressão de que  existe uma espécie de concorrência para se ver qual empresa ou qual setor aumenta  mais os seus preços. E, como se trata de monopólio privado, o consumidor  encontra-se impotente para protestar contra aumentos inexplicáveis, que chegam para  atormentar ainda mais sua vida, numa fase em que o que unicamente não aumenta é o seu salário, arrochado há quatro ou cinco anos.

Os defensores dessa política de privatizações tentaram vender a idéia de melhoria de  serviços e barateamento das tarifas. E vem a Cerj, como bom exemplo negativo, e inicia  um processo gradativo de apagões e, como prêmio, recebe mais um aumento de tarifas,  da ordem de 8,58%. E o que faz tal agência reguladora (Aneel) que teria a função de que viesse acontecer exatamente o contrário? Apenas fornece alguns dados sobre os  apagões e diz considerar a Cerj como a pior concessionária da região Sudeste...     Apenas isso.

Revi a lei 9.427 da criação dessa agência Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica),  datada de 1996, e encontrei um verdadeiro entulho de letras mortas. O que serve  também para comprovar a avidez e irresponsabilidade que caracterizam essa política de    privatizações. Até na sua redação, sente-se a sofreguidão, uma espécie de quase  agonia de privatizar a qualquer custo, mais uma vez se provando que a pressa é     inimiga da perfeição. Fui às demais leis de criação dessas agências reguladoras, como  a da Anatel (telecomunicações), ANP (petróleo) etc. e encontrei o mesmo espírito de  avidez, pressa e irresponsabilidade. Não são serviços aptos para regular coisa alguma,   mas apenas organismos do governo que parecem criados para iludir a opinião pública,   quando não para inventar cabides de emprego para os amigos do governo. Figurantes     inúteis de uma grande farsa.

Vale repetir que o novo presidente da Argentina já detectou a ineficácia desses  organismos, sobretudo quando tentaram enfrentar a força das concessionárias que,  com a privatização, são empresas organizadas sob a forma de trustes e holdings, sem  qualquer outro objetivo que não seja o de adoração do lucro. Esperar que uma  empresa dessas venha a ter algum sentido de interesse público é desconhecer as  regras básicas do mercado. Achar que agências reguladoras venham a ter algum  controle sobre essas concessionárias é no mínimo ingenuidade, se não for por  interesse em advogar lucros para o capitalismo internacional.

Nos Estados Unidos ainda se encontra gente que confunda monopólio público, a  cargo do Estado, com monopólio privado, organizado sob a forma de trustes e  holdings. Mas as finalidades são tão diferentes que provocaram até a criação de  normas especiais, como a lei Sherman e a lei Cayton, como forma de tentar se controlar  os monopólios privados (os públicos, não), para se atender melhor o interesse da coletividade. Tanto lá, e mais aqui, os monopólios privados são o campo ideal de ação  para os crimes de colarinho branco, com essas empresas sem concorrência buscando  lucros ilimitados, agravando os problemas de desigualdade de rendas. A questão é tão séria, bastando para se ter uma idéia a comprovação do número de debates, campanhas, pronunciamentos, seminários, estudos que precederam a criação dessas  leis nos Estados Unidos, envolvendo sempre o Poder Legislativo.

No Brasil, lembrando muito o estilo do ex-ministro Sérgio Mota, o sistema nos foi   imposto de cima para baixo. Não interessava que o Legislativo brasileiro se aprofundasse na questão. Mais importante era a pressa, o açodamento com a  implantação de normas que, como na Argentina, estão demonstrando total inutilidade.
Algumas dessas agências procuram e fazem propaganda nos jornais e televisões,  deixando-nos a impressão de que anunciam sem ter o que vender. Para que esses anúncios? Estarão esperando que a opinião pública venha a engolir tais engodos?

Já em 1994 eu assinalava que o regime das concessões nunca deu certo no Brasil,  onde as concessionárias só se moviam para atender a serviços da maior urgência à custa da elevação de tarifas, colocando sempre em segundo ou último lugar o  interesse público. As fiscalizações (como agora) não chegavam a funcionar. Os que seriam os fiscais ou se amoldavam aos interesses dos concessionários ou, quando independentes no cumprimento de seu dever, acabavam destituídos de suas funções ou totalmente desautorizados pelas decisões dos governantes.

Lendo as notícias de aumento de tarifas, vendo na televisão propaganda enganosa e  sem finalidade explícita, acho que a opinião pública mais se irrita e mais exigirá uma  postura mais efetiva do Poder Legislativo. Se este se omitiu ou pouco participou na  criação desse sistema de concessões, ainda há tempo para uma revisão de toda essa  política conduzida pelo Executivo a toque de caixa, de forma irresponsável. A opinião  pública está ganhando corpo e força no Brasil. Não seria de admirar que venham a    surgir campanhas populares a favor de uma participação maior do nosso Poder  Legislativo. O tamanho do rombo que nos trouxe essa política de privatizações não  pode ficar impune. Se isso acontecer, a história nos condenará à classificação de  população passiva, incapaz de lutar por seus interesses e de conquistar o respeito das  gerações futuras. Por tudo isso, é urgente e vital que o Legislativo assuma o seu papel  histórico e comece logo criando uma CPI para as privatizações.  

Fonte: Jornal do Brasil, 09 de Janeiro de 2000.