UTILIZAÇÃO MILITAR DA MÍDIA
TORNAR A VERSÃO MAIOR QUE O FATO TAMBÉM SERVE A OBJETIVOS MILITARES

Recente artigo da Business Week, publicado no jornal Valor, 29/11/00, mostra o valor militar da mídia. Sob o título de "Quem ganha a mídia certamente ganha a guerra", o artigo baseia-se em teorias de militares modernas, que colocam em primeiro plano a ação de erodir o apoio popular à guerra dentro da própria sociedade inimiga. "O noticiário na televisão pode se tornar uma arma operacional mais poderosa do que as divisões armadas", afirmam os especialistas militares.

No decorrer do artigo, o autor, Stan Crock, procura passar como natural, técnica e sensata a visão que é apenas a do Estado Norte-americano, que se outorga a função de guarda do mundo, decidindo quem tem razão nos conflitos em qualquer parte do globo. E não só demonizando ou dando razão, mas tomando partido com armas, homens, recursos e mídia.

A certa altura diz que hoje se está diante de "uma guerra de baixa tecnologia em áreas populosas, onde os combatentes se escondem entre os civis - e muitas vezes são os próprios civis. É uma estratégia que deixa sem ação as armas avançadas, projetadas para espaços abertos e alvos de grande porte".

Fica a pergunta, onde nos EUA se trava ou travou batalha desta natureza nas últimas décadas?

Para não deixar dúvidas quanto a de quem é a preocupação com estas guerras, afirma que diante deste tipo de batalha "muitos dos recursos que possuímos simplesmente não são irrelevantes" O grifo foi colocados por nós para ressaltar o fato de o verbo estar conjugado na primeira pessoa do plural, como se nós fossem os cidadãos, ou pelo menos os cidadãos norte-americanos, quando se trata do pensamento do Departamento de Estado dos EUA, a partir da ótica do intervencionismo e da prepotência.

Mostra que os militares norte-americanos buscam se adaptar à diferença entre seus armamentos e a realidade dos conflitos. Cita treinamento de fuzileiros navais para diminuir a "média das vítimas nos jogos de guerra urbanos". Acrescenta que estão sendo desenvolvidas armas não letais, tipo microondas anti-pessoais que elevam a temperatura do corpo do inimigo a 41 graus, produtos químicos para fazer manifestantes escorregarem e caírem, espuma que imobiliza os revoltosos".

É possível perceber o quão profundamente abominam "manifestantes" e "revoltosos" e quanto estudam e trabalham para acabar com eles. Como se manifestações de descontentamento populares e mesmo tentativas de mudar uma situação, um regime, etc. são tratadas implicitamente como algo que deve ser mais eficazmente combatido.

É a negação da democracia na prática, em geral brandida com algo natural e "em nome" da democracia, que já não se sabe qual e nem porque, dela só restando o verniz da forma a envolver um conteúdo próprio de tiranias.

Ao retomar a importância da mídia, deixa escapar algo que não havia, até então constado dos noticiários dos EUA, nem de suas agências de notícias, nem da imprensa sul-americana. Cita um analista do pentágono, Chuck Spinney, que diz acreditar que "o Exército de Libertação do Kosovo obrigou milhares de kosovares a abandonar suas casas para aumentar as dimensões da limpeza étnica e demonizar o ditador sérvio Slobodam Milosevic".

Deveria repercutir mais ainda quando se sabe que as tropas da "ONU" para lá enviadas, bem como os governos das potências ocidentais concederam apoio ao referido exército, como fiel depositários dos ideais democráticos e de boa convivência. Mesmo sabendo das denúncias que este exército não era mais que um grupo voltado ao narcotráfico e a outras práticas criminosas e que no decorrer da guerra aproveitou-se da situação para aparentar ares de "força de libertação", para receber armas e recursos destes governos, e postar-se como supostos representantes dos kosovares e únicos aptos a assumirem o poder na região.

Em resumo, o que a mídia fez e também o que escondeu a respeito desta guerra, pode fazer com que a intervenção armada de tropas ocidentais leve a quebrar a unidade federativa de um país (mesmo que sob conflito), para colocar um grupo de narcotraficantes no poder do "país" separado. Ou será casual a destruição por bombardeio da estação de TV iugoslava, que transmitia versões diferentes da guerra, mesmo independentemente da opinião que se tenha sobre Milosevic? Aqui não foram as armas que ajudaram a mídia a ajudar a guerra de ocupação e destruição de uma nação independente do ocidente? Para impedir as outras versões, estudadas e até esposadas por outras nações e por milhares de internautas.

Imagine-se em outros casos. Na Colômbia, por exemplo, será que ajuda de US$ 1 bilhão e a presença militar dos EUA naquele país não é apenas intromissão nos assuntos internos deles, para sustentar um governo tirano e pró-EUA e esmagar a guerrilha popular que tem apoio crescente na população? E que o combate ao narcotráfico seja apenas a parte de mídia deste processo, ou pelo menos mais mídia do que verdadeira e principal intenção? Se isto é verdade, não estaria a imprensa no Brasil em geral também "envolvida" por esta mídia, sem espírito investigativo, jornalístico, que busque comprovar o alegado pelos EUA e as autoridades governamentais?

Na "grande" imprensa, freqüentemente mostra-se a guerrilha como se fosse parte do esquema de narcotráfico, mesmo que até hoje nada tenha sido provado nem haja evidências disto.

A pregação militante e quase fanatizada (porque não questiona, não pensa, trata como dogma) de certos temas pela "grande" imprensa é um perigo à liberdade de pensamento. Uns poucos grupos monopolizando a informação e com esta prática constituem um caminho aberto ao totalitarismo, que esconde sua face brutal e violenta por trás da defesa meramente formal da democracia e da liberdade de imprensa, que não é senão a liberdade de desinformar e de fazer pregação de uma ideologia com capa de notícia.

Artigos como o abordado são pérolas do pensamento corrente que predomina nos meios de comunicação. E ás vezes não é sequer imposição da editoria, já se pensa assim, como algo natural e não como parte de um esquema, de interesses bem específicos, desta ou daquela potência, ainda mais quando da maior e hegemônica.

Fonte: Clube da Notícia, 01 de Dezembro de 2000.