A
DESCOBERTA DO MATE
Irala pode ter sido um mau administrador. Agiu crua
e friamente, como agem os déspotas, e sua ambição
não via obstáculos. Entretanto, seus olhos sempre
estiveram voltados para a maior grandeza de sua terra. Ele queria
fazer, como fez, de Assunção, a pérola das
colônias espanholas na América. E não mediu
esforços para alargar os limites de Espanha até onde
o vigor de seus homens resistisse às canseiras do desbravamento.
Desceu às planuras do pampa, esbarrou nos contrafortes dos
Andes e, infletindo para o norte, alcançou a Sierra Encantada,
no Peru. Para completar sua obra de conquista, faltava ainda guiar
sua expedição rumo ao leste; e não tardou em
pisar as terras do Guaíra (no atual Estado do Paraná),
em 1554, onde 300.000 guaranis o receberam com mostras de alegria,
numa hospitalidade que os espanhóis jamais haviam encontrado
em toda aquela marcha desbravadora, por léguas e léguas
de sertão. Entretanto, não foi somente este
espírito hospitaleiro dos quairenhos que chamou a atenção
dos conquistadores: os índios do Guaíra eram mais
fortes do que os guaranis de qualquer outra região, eram
mais alegres e dóceis, e possuíam usos e costumes
característicos, ainda não observados entre outras
tribos da Grande Nação. Entre estes hábitos,
um por certo despertou maior curiosidade entre os homens de Irala;
tratava-se do uso generalizado de uma bebida feita com certas folhas
fragmentadas, tomada num pequeno porongo por meio de um canudo de
taquara, em cuja base um paciencioso trançado de fibras impedia
que as partículas da folha também fossem ingeridas.
Indagadas sobre a origem daquela bebida, responderam os índios
que o uso da caá-i fora transmitido por Tupá aos
antigos pagés guaranis, afim de que recebessem a sua inspiração
e proteção. Mais tarde, por ocasião de urna
prolongada luta que os guairenhos tiveram de manter com uma tribo
inimiga, resolveram os guerreiros valer-se também daquela
bebida para que não lhes faltasse a ajuda de seu deus. Tupá
não lhes negou este auxílio, e a caá-i passou
a transmitir mais vigor e mais entusiasmo aos guerreiros guaranis,
o que resultou, enfim, na derrota da tribo adversária. Sobrevinda
a paz, o uso da bebida continuou, pois todos logo se acostumavam
à ela e careciam de seus efeitos estimulantes, fortalecedores
do corpo e do espírito. Em breve todos os guairenhos se entregavam
ao uso da erva-de-Tupá, encontrando nela poderoso estímulo.
Acresce notar que os índios não dispensavam o mínimo
esforço para consegui-la, pois bastava tostar as folhas da
caá, árvore que se encontrava aos milhares pelas
selvas do Guaíra. E havia um fato interessante: aquele alimento
era inesgotável, já que as árvores do caá,
por mais que fossem cortadas, sempre renasceriam, e dentro de 3
anos estariam novamente aptas para uma colheita abundante.
Não é necessário dizer que esta caá
era a erveira; e que a caá-i era a bebida do mate, como
o próprio nome nos diz: água da erva. Do
desejo em saber a origem daquela bebida, passaram os conquistadores
ao desejo de provar-lhe o gosto. E o resultado desta experiência
foi além da expectativa: a caá-i era realmente saborosa,
e os índios pareciam falar com acerto ao lhe elogiarem as
propriedades. Alguns poucos goles davam uma geral sensação
de bem-estar ao organismo, e logo desapareciam as dores do cansaço,
parecendo que o sistema nervoso conseguia repousar daquela tensão
contínua, resultado de um viajar sem fim pelas florestas,
onde em cada grota se escondia um inimigo e cada ramo sem folhas
adquiria a forma de uma seta. A bebida nativa causou sucesso
entre os soldados de Irala. E, de retorno a Assunção,
eles levaram um bom carregamento de erva, para seu consumo e para
com ela presentear os amigos. Em pouco tempo o mate invadia os lares
coloniais. E o seu comércio se tomava o mais rendoso da Colônia.
Trecho extraído do
livro "História do Chimarrão", de Barbosa
Lessa.
Cortesia: RSVirtual |