A
"ERVA-PROIBIDA"
Quando os soldados de Irala chegaram
a Assunção, trazendo a novidade da erva-sagrada
dos índios, nem por sombra imaginaram o que estava reservado
àquela bebida. Não cogitavam na próxima correria
doida aos ervais, nem tão pouco nas acérrimas perseguições
de que o mate seria vítima durante meio-século. e
aliás, a campanha contra a erva foi quase simultânea
ao seu aparecimento em Assunção: mal os espanhóis
se dedicavam ao uso da erva-de-Tupá, e já os frades
franciscanos saíam a campo lutando em defesa dos mais caros
princípios da Igreja. Na realidade, aquela época constituía
o período áureo da Santa Inquisição;
e os sacerdotes, em seu rigor religioso, não podiam permitir
que imperasse entre os cristãos uma bebida cujas qualidades
eram atribuídas a um falso deus. E, contra o poderio da Erva-mate,
os franciscanos antepuseram uma das mais poderosas armas imperantes
no mundo quinhentista: a excomunhão! Daí por diante
bastaria um único sorvo de mate para que sobre o transgressor
caísse a máxima pena espiritual da Igreja, em castigo
à heresia de ter ido buscar as graças que o deus-impostor
havia doado às folhas da caá. Assim, muitos
foram aqueles que, embora desejosos de provar a famosa caá-i,
contiveram-se neste desejo, a fim de não se exporem à
punição eclesiástica. Confessa o afamado Pe.
Ruiz de Montoya que, apesar de ter nascido e sempre vivido no Paraguai,
jamais experimentara o sabor da erva-mate. A maioria dos espanhóis
do Novo-Mundo, no entanto, não possuíam a correção
religiosa do Pe. Montoya. E, desprezando as ameaças do Castigo
Eterno, entregaram-se abertamente ao uso do mate. Isto era um resultado
que os franciscanos jamais poderiam ter imaginado; e as excomunhões
foram tantas que os sacerdotes resolveram suspendê-las, sob
pena da Santa Religião perder todos os seus fiéis
nas terras americanas de Espanha. Com a suspensão
desta pena, a erva-mate aplainou o terreno para a sua obra de expansão.
Mas novos obstáculos haveriam de se antepor ao seu caminho.
Um frade dominicano chamou novamente a atenção da
Igreja para o mate, a quem dava o nome de erva-do-diabo, dizendo
que aquela bebida era possuidora de maléficas propriedades
afrodisíacas, e que levava a. homens ao desrespeito às
leis de Deus sobre a castidade e a continência. Entretanto,
não muito surpreendentemente, esta campanha movida pelos
dominicanos surtiu um efeito diametralmente oposto ao visado: muitos
foram aqueles que - nunca tendo se interessado pelo mate - lhe vieram
pedir o auxilio rejuvenescedor, mal tiveram conhecimento desse maravilhoso
poder que possuíam suas folhas. Fracassavam todas
as perseguições de fundo religioso; tomava-se necessário,
portanto, descobrir um outro fundamento para a campanha desmoralizadora
do mate. E surgiram as histórias de envenenamento! E quantas!...
Havia o caso dos ervateiros a tombar inexplicavelmente sob as cargas
de erva-mate; havia o mal de ânsias, peculiar aos afeiçoados
à erva, assim como as cólicas e inchações;
havia dezenas de casos de loucura, e dezenas de mortes por intoxicação,
em todo o Paraguai. - Cuidado! - gritavam, temerosos, os
inimigos do mate. - Não bebais da erva maldita!
Tudo isto que vemos é resultado de seu poder maligno! Não
percebeis que melhor veículo que este não encontrariam
os selvícolas para nos enviar suas mensagens de morte? Acaso
olvidais que são os índios quem colhem as folhas de
caá, quem as tostam e quem as fragmentam? Nada mais fácil,
para eles, do que agregar às folhas de mate - já por
si inconvenientes à natureza humana - mais alguns pedacinhos
de outra erva... de uma dessas muitas ervas venenosas que medram
em cada canto das florestas. E então, só lhes restará
esperar que o tempo complete a obra iniciada! Aos poucos, desapercebidamente,
a população espanhola se enfraquecerá, definhará,
até que um dia os guaranis tornarão a imperar no Paraguai...
Não percebeis a clareza desta guerra surda que nos movem
os nativos? Não percebeis que sob os aparentes benefícios
do mate se esconde a peçonha do demônio?... Cuidado!
Não bebais da erva-maldita! Esta nova campanha
surtiu melhores efeitos, principalmente entre as classes populares,
onde as anteriores ameaças de excomunhão pouco resultado
haviam alcançado. As superstições que então
se espalharam, sobre as propriedades venenosas do mate, deram causa
a um período estacionário da expansão da erva.
Entretanto, foi um período breve, e facilmente vencido pelo
avanço vitorioso da bebida guarani. Na verdade, as populações
platinas não podiam prescindir do mate. A água salobra
e infecta dos rios adquiria um sabor agradável com algumas
folhas de caá; a alimentação pesada dos habitantes
do pampa, onde os já extensos rebanhos forneciam a carne
como alimento principal, precisava do mate como corretivo; e as
marchas desbravadoras, sob um sol causticante e sob um acompanhamento
infalível de vermes e insetos, necessitavam de suas propriedades
higiênicas e revigorantes, para que os soldados não
caíssem no desânimo e no cansaço. Enfim, por
unia imposição do próprio meio, a erva-mate
tornava a abrir caminho entre os lares da Jovem América.
Mas novas perseguições tiveram de surgir, desta
feita para refrear as misérias que se desenrolavam cada vez
mais negras nos ervais, com os índios inteiramente escravizados
à selva - nus, famintos e doentes. A reação
ao uso do mate, antes movida por preconceitos religiosos, tornava-se
necessária agora por um imperativo de solidariedade humana.
E foi a própria coroa espanhola que se interessou em tomar
menos cruéis as tragédias que a erva-mate escrevia
nos sertões paraguaios. Em fins do século XVI, chegava
a Assunção Dom Francisco de Alfaro, enviado especial
de S. M. o rei Felipe III, a fim de constatar a veracidade das histórias
que corriam na Europa a respeito da vida dos ervais. E, subindo
às matas do Maracaju e do Guaíra, pode aquele emissário
real verificar o estado de miséria a que haviam chegado os
súditos americanos dos Reis Católicos. Deu publicidade,
então, a uma série de Ordenanças, em que
se regulava o trabalho dos índios. Em primeiro lugar, era
severamente proibida a escravidão dos selvícolas,
devendo todo o seu trabalho ser remunerado, com uma única
exceção: os serviços pessoais prestados durante
um mês em pagamento aos impostos da Coroa. Quanto à
busca de erva-mate, eram passíveis de graves penas os espanhóis
que subjugassem os índios a trabalhos forçados naquele
mister. Ao mesmo tempo, só se permitia aos guaranis trabalharem
nos ervais durante quatro meses, de dezembro a março, a fim
de que aquele contínuo martírio das florestas cessasse,
antes que toda a população nativa perecesse sob o
Jugo dos conquistadores. Durante a estada de Dom Francisco
de Alfaro no Paraguai, as Ordenanças foram cumpridas a
risca. Porém, mal voltou as costas à América,
foram gradativamente os índios sendo vítimas da mesma
servidão de dantes. O próprio governo, aliás,
foi quem deu o exemplo, aumentando para dois meses o período
que os selvícolas deviam prestar serviços em pagamento
aos impostos. Quando Fernando Árias de Saavedra
foi nomeado governador da província do Paraguai, encontraram
os índios naquele celebrado governante um inestimável
amigo. Hernandárias (como era popularmente chamado) logo
procurou verificar se as ordenanças do rei Felipe eram inteiramente
observadas pelos colonos. Passou a visitar os toldos dos guaranis,
ouvindo as suas queixas e procurando saber se os serviços
por eles prestados tinham a conseqüente remuneração.
No primeiro mês de seu governo, Hernandárias mandou
encarcerar cerca de 40 espanhóis, por falta de pagamento
ao trabalho dos selvícolas. Bastou esta ação
enérgica para que todos os outros colonos saldassem suas
dívidas para com os nativos. E a esperança de dias
mais felizes iluminou aquela raça esfacelada pela civilização
branca. Um dia, em 1952 retornava Hernandárias a
Buenos Aires, após uma longa viagem ao extremo de seus domínios
- onde sentira de perto toda a miséria dos ervateiros - quando
descobriu, no paiol da embarcação, um saco de erva
que seus índios remeiros traziam do Maracaju. E ficou célebre
na História da Buenos Aires colonial o episódio que
se seguiu. O primeiro ato de Hernandárias, ao desembarcar,
foi conduzir o saco de erva-mate à principal praça
da incipiente cidade, e queimá-lo, imponentemente, ante os
olhares espantados da população. O meu imenso
amor a esta terra - explicou - e o meu grande afeto pelos infelizes
nativos, é que me levam a este ato extremo. Pois tenho a
certeza de que esta erva trará muitas desgraças ao
meu povo, e será a ruína da brava nação
guarani. E completava suas palavras fazendo uma exortação
a que todos os espanhóis fugissem aquele abominável
vício. Daí por diante Hernandárias
duplicou de intensidade a sua campanha em favor dos ervateiros guaranis;
e a condição destes melhorou consideravelmente, por
certo. Com a morte daquele grande governador, porém, perderam
os índios o seu mais entusiasmado defensor, e em pouco tempo
se viram novamente subjugados pela ambição dos colonos.
Foi por esta época que, em Assunção, um tenente-general
e o governador do bispado do Paraguai - rompendo todos os preconceitos
- se entregaram desbragadamente ao uso da erva-mate. Até
então, a bebida guarani conquistara apenas as classes populares,
e merecera sempre a total repulsa da aristocracia colonial; mas,
com aquele fato, abriram-se os palácios e Igrejas para receber
os benefícios da bebida-de-Tupá. Não
houve, então, força alguma capaz de impedir a mais
completa expansão da erva-mate... E tal foi esta
expansão que a erva chegou a ser moeda corrente no Paraguai.
Cada arroba de erva beneficiada valia um peso oco; e três
destes pesos correspondiam a um peso de prata. Todas as transações
comerciais eram assim feitas, sendo que somente para os trabalhos
fiscais se utilizavam espécies mais resistentes, como o ferro
e madeira, e algumas moedas sonantes de insignificante valor, tais
como as cunhas e pala. O dinheiro mais utilizado era, pois, o mate.
Bem significativo é o fato que Romário Martins nos
transmite num de seus trabalhos. Conta ele que D. Luiz de Céspedes
Xeria, nomeado governador do Paraguai em meados do século
XVII, chegou a S. Paulo, para daí seguir à Ciudad
Real del Guaíra. Casou-se naquela cidade com uma riquíssima
senhora, D. Vitória de Sá, e logo prosseguiu viagem,
pelo caminho dos bandeirantes, já carregando boa parte do
dote nupcial, além de toda a sua fortuna pessoal e o fausto
de seus trajes de cortesão. D. Vitória, entretanto,
temerosa dos perigos da selva, seguiu por via marítima até
Buenos Aires, onde o esposo iria buscá-la, o mais brevemente
possível, descendo as águas do Paraná. Chegado
aos seus domínios, porém, D. Luiz de Céspedes
Xeria notou que nada representavam os seus baús repletos
de moedas de ouro e prata, já que todas as transações
eram feitas com erva-mate. O governador não teve outro remédio
senão se desfazer de todas aquelas riquezas, e até
mesmo de seus trajes suntuosos, para que, a peso de erva, mandasse
construir uma barca reforçada e fosse buscar, em Buenos Aires,
a sua mulher saudosa e já bastante aflita... Nos
primeiros anos do século XVII, o mate já era uma bebida
indispensável aos lares platinos, desde o rancho dos mestiços
às casas senhoriais de Assunção e Buenos Aires.
Centenas de poderosos espanhóis alicerçaram sua fortuna
no comércio de erva, cuja exportação constituía
a ocupação mais rendosa da colônia. A fama da
bebida guarani transpusera as fronteiras paraguaias, e de Potosi,
do Chile, e posteriormente do Sacramento eram ininterruptos os pedidos
de remessa de erva-mate. Enfim, perceberam os religiosos que o mate
alcançara um poder contra o qual nada podiam as forças
da Igreja. De nada adiantaria, pois, continuar a campanha que por
anos a fio vinham movendo contra a erva-do-diabo. O mais acertado
seria fazer coro aos admiradores do mate e procurar tirar dele todos
os benefícios possíveis, já que muitos palácios
se alteavam, suntuosos, construídos pelas folhas da erveira.
E foi assim que o mate alcançou o auge de seu poderio
ao penetrar nas missões dos sacerdotes jesuítas. O
Império Jesuítico se constituía em dois grandes
núcleos: o Guarani, ao sul do Paranapanema, e os Sete Povos,
à margem oriental do Uruguai. Viviam ali grandes concentrações
de guaranis, sob a tutela dos filhos de Sto. Inácio de Loyola,
os quais, em pouco tempo, haviam banhado de civilização
aqueles recantos obscuros do continente americano. As matas acordavam
com o barulho das fornalhas moldando o cobre; badalavam os sinos,
rompendo o silêncio dos campos e levando de grota em grota
a voz do bronze fundido pelos próprios índios; e os
guaranis invadiam as campinas, apascentando o gado, colhendo a messe
farta dos trigais, ou atirando ao fundo dos surrões os alvos
flocos de algodão. As selvas foram banhadas de bondade, às
lágrimas do martírio sucederam os ricos da fartura.
E o braço índio cortava os matagais, levando os alicerces
das cidades guaranis e enriquecendo de mil lavores a suntuosidade
dos templos missioneiros. Foi o padre Burges, superior
da companhia, quem, numa de suas instruções aos chefes
jesuítas, chamou-lhes a atenção para o maior
interesse que deviam devotar ao mate. Além do benefício
econômico que poderia aquela erva trazer ás Missões,
frisava o padre Burges a benéfica influência que ela
exercia sobre os selvícolas. Que a nossos índios
em todas as providências se lhes dê erva, - aconselhava
- como se tem costumado nas antigas reduções mais
bem ordenadas, cujo uso e abundância há desterrado
a embriaguês tão inata dos índios. Por isso
convém plantar ervas nos próprios povos ou não
longe deles, donde colham abundantemente toda que precisam de sorte
que lhes sobre... porque tendo bastante para beber cada dia, de
manhã e a tarde, não se lembram de outra bebida e
com isso não há borracheiras, como se há experimentado
em nossas reduções onde se lhes reparte em abundância;
porém, se lhes falta, não cansam de buscar modos de
ter que beber guarapa ou chicha e se não podem arranjar esta
nos seus povos ou se a não tiverem abundantemente, fogem
a outros de fiéis e também de infiéis onde
encontrem o que apetecem, O que é certo é que o uso
de erva, mais que outro meio humano algum, tem desterrado a embriaguês
de nossas reduções... Tendo os jesuítas
conseguido uma licença para se dedicarem ao benefício
da erva-mate, cujas rendas adviriam totalmente para os cofres da
Companhia, puseram-se logo em ação, desbravando os
ervais e tentando a sua cultura. Os primeiros passos dessas plantações
foram difíceis, e somente muita paciência permitiu
que aquele esforço frutificasse. Havia um grave problema
a resolver: as sementes das erveiras não germinavam naturalmente,
por mais perfeitos que fossem; e por boa que fosse a terra escolhida
para o plantio, os meses transcorriam sem que à flor do solo
surgissem as esperadas folhinhas da nova planta. A única
solução era dedicar-se a um aferrado estudo do sistema
vegetativo da caá, a fim de descobrir o mistério
que encobria a sua geração. Este mistério tinha
de ser desvendado! E, de fato, lá um belo dia, após
muitas tentativas vãs, cresceu em Imembuí (atual Santa
Maria, RGS) a primeira erveira plantada. Foi um dia de festa para
as Missões Jesuíticas. Os jesuítas
dispensavam o maior cuidado às erveiras, tanto às
silvestres como às que cresciam em seus campos de cultura.
Estabeleceram uma época determinada para as colheitas, e
era severamente punido aquele que procedesse a esta operação
antes que as árvores tivessem alcançado pleno desenvolvimento.
Além disso, havia grande número de trabalhadores cuja
única ocupação consistia em cuidar dos ervais,
durante todo o ano, livrando-os dos parasitas e cipoiais, podando
as árvores agigantadas e auxiliando a evolução
das de crescimento retardado.
O resultado de toda esta dedicação
- supervisionada por competentes botânicos - não se
fez esperar. As colheitas se tornaram mais rápidas e seguras,
sem os tropeços do desbravamento do alto-sertão, e
o produto obtido apresentava - tanto no sabor, como no aspecto e
no aroma - uma qualidade que nunca os fazedores de erva de Assunção
puderam igualar. Em pouco tempo o mate de S. Bartolomeu era o mais
procurado da colônia, e grandes somas de dinheiro passaram
a rolar para os povos jesuíticos.
Além disso, conseguiram os
jesuítas descobrir uma maneira toda especial de preparar
a erva, de que resultou uma nova qualidade - a caá-mini,
que consistia num pó grosso de erva-mate. Esta erva de pó
causou sucesso entre os afeiçoados ao mate, e de tal maneira
que em poucos dias passava a custar três vezes mais do que
a comum, ou seja, a yerba-de-palos. E o preço mais alto
não foi motivo para um mercado mais reduzido: a caá-mini
era a bebida obrigatória da maioria da população.
A fim de tornarem sem efeito aquela ameaçadora concorrência,
resolveram os encomenderos seguir o exemplo dos jesuítas.
Quanto à caá-mini, chegaram a fabricá-la, mas
resultou um produto pior que a própria erva-de-pau, sem aceitação
alguma no mercado colonial. Quiseram se dedicar, outrossim, à
cultura da erva-mate; mas por mais que imaginassem um meio eficaz
de levar adiante aquele plano, jamais conseguiram fazer com que
as sementes germinassem. Aliás, a fórmula que os jesuítas
usavam para a cultura do mate permaneceu para sempre envolta em
mistério, e muitas foram as versões que correram a
respeito do assunto. Lemos, por exemplo, em Une civilization du
miel, de J. Vellard, que os jesuítas, antes de lançarem
as sementes à terra, davam-nas às aves domésticas,
principalmente os mutuns; as sementes eram expelidas inteiras, por
inassimiláveis, mas perdiam, nos intestinos do animal, as
propriedades que se tornavam improdutivas. Southey, por sua vez,
no tomo IV de sua História do Brasil, afirma que as sementes
eram escaldadas em água quente. E muitos foram aqueles que
juraram ter visto os índios missioneiros engoli-las antes
de semeá-las, para que os sucos gastro-intestinais destruíssem
o seu envólucro gelatinoso. A verdade, porém, é
que nunca os encomenderos conseguiram descobrir o segredo das
plantações jesuíticas. Desanimados,
os donos da indústria ervateira de Assunção
e Buenos Aires resolveram desistir de competir com a erva missioneira,
limitando-se a distribuir a yerba-de-palos entre as classes menos
abastadas, enquanto o resto da população enriquecia
os povos jesuíticos em troca da caá-mini.
E o mate de S. Bartolomeu lançou seu império por toda
a colônia. Anualmente, os rios Uruguai e Paraguai se enchiam
de barcos jesuíticos, levando grandes cargas de erva às
cidades do Prata. Já em 1620, Assunção - cidade
que por essa época possuía no máximo 500 habitantes
espanhóis - recebia cerca de 10.000 arrobas de mate missioneiro,
para seu exclusivo consumo. E para os mercados de Sta. Fé
e Corrientes, segundo nos conta o Visconde de S. Leopoldo em seus
Anais, a exportação missioneira chegou a 40.000
arrobas anuais. Os encomenderos, primitivos reis-da-erva,
não podiam ver com bons olhos aquele progresso da indústria
ervateira nas Missões. E não poderiam permanecer inativos
por mais tempo, sob pena do Império Jesuítico açambarcar
todo o comércio da erva. Era necessária uma séria
reação, na qual fossem empregados todos os meios possíveis
para que aquela situação tivesse um termo. E o meio
mais eficaz foi apelar aos políticos governantes. Graças
a estes, foi baixada uma Ordenança proibindo aos jesuítas
uma exportação anual superior a 12.000 arrobas. A
situação melhorou muito para os industriais espanhóis,
pois no mínimo 60.000 arrobas de mate missioneiro foram afastadas
do comércio, para dar lugar ao produto colhido nas selvas
do Ivaí, Iguassu e Maracaju; mas ainda não era suficiente
aquela medida, para que os encomenderos se sentissem inteiramente
satisfeitos; tornava-se necessária a proibição
total! E esta não tardaria a vir... Quando o bispo
Cárdenas, de Assunção, entrou em luta com os
jesuítas, aproveitaram-se os donos-de-erva para incutir no
espírito daquele prelado a necessidade de se impedir o assombroso
vulto que vinha tomando a economia missioneira cuja base residia
principalmente na erva-mate. E tais cantigas cantaram que dentro
de poucos dias D. Pedro dÁvila, governador de Buenos Aires
- movido pela autoridade de D. Cárdenas - baixava um decreto
proibindo aos jesuítas de dispor da erva missioneira. Os
ervais - dizia -, como qualquer outra riqueza daquele território,
pertenciam exclusivamente aos índios; e competia aos padres
apenas guiar os catecúmenos pelo caminho da ordem e da moral,
prestando-lhes uma profícua assistência espiritual.
Daí por diante - concluía a deliberação
de Pedro dÁvlla - o escoamento do produto dos ervais missioneiros
passaria à competência única do governador da
colônia espanhola, como aliás acontecia com o produto
de todos os outros ervais. Diminuiu muito, a partir deste
incidente, a exportação do mate das Missões.
Mas não cessou, entretanto, porque os jesuítas utilizaram
um inteligente estratagema para poderem lidar à vontade com
boa parte da produção missioneira. Pediram eles a
todos os índios que dessem, por ocasião das safras,
uma pequena quantidade de erva-mate aos curas das Igrejas, como
oferenda ao Senhor. (11) Ora, a população guarani
das missões contava-se aos milhares, e bem se poderá
imaginar em que resultava esta pequena oferenda de cada índio.
Os padres, é evidente, não poderiam aproveitar todo
aquele carregamento de erva-mate para a ornamentação
dos templos; e a única solução era trocá-la
por boa soma de dinheiro nas cidades coloniais, o que aliás
faziam legalmente, uma vez que aquela erva lhes fora presenteada
pelos fiéis dos Sete Povos. E contra esta feliz
aventura dos jesuítas os encomenderos não puderam
nem sequer protestar. A proibição imposta
aos jesuítas de exportarem o produto de seus ervais durou
cerca de 20 anos. Somente com a morte do governador D. Jacinto de
Lariz, em 1653, é que foi suspensa. E contam os antigos cronistas
argentinos que o dia em que a saborosa caá-mini missioneira
pode entrar livremente em Buenos Aires, invadindo os lares da capital,
foi o dia mais feliz que teve esta cidade.
Trecho extraído do
livro "História do Chimarrão", de Barbosa
Lessa.
Cortesia: RSVirtual |