A JUSTIÇA (BRAZILEIRA) RASTEJANTE

Por Roméro da Costa Machado
(1990)

 

Recentemente o Hélio Fernandes comentou a respeito da sua condenação anunciada com grande estardalhaço, em O Globo, o supermercado, o grande balcão de negócios do país, que deu destaque de primeira página para a condenação do combativo jornalista, em um processo de injúria, difamação e calúnia, movido por Luiz Afonso Otero, freqüentador de páginas de jornais, sob as mais variadas circunstâncias.

Adicionalmente a um dos comentários, cita-me como também vítima do senhor Humberto Decnop Batista (juiz), a quem o Hélio refere-se como "Decnop qualquer coisa", demonstrando uma profunda "coincidência" entre os casos julgados pelo mesmo juiz, e em processos tenebrosos, escabrosos. Entretanto, por se tratar de assunto que poderia parecer autodefesa, o Hélio não relata as circunstâncias todas e tudo mais o que antecedeu a estes processos, de modo a demonstrar que tudo o que fora armado, como um circo, tendo o judiciário como picadeiro, e o juiz em lugar próprio, já era, há muito tempo, cena de um "script" velho, roto, e de segunda mão na Globo.

Quando foi publicado o livro "Afundação Roberto Marinho", e desde que a Tribuna deu incontestável apoio às denúncias, e via das mais variadas figuras nacionais acumpliciarem-se aos crimes da Globo (e muitas delas estão aí, com prêmios pela cumplicidade: Paulo Brossard foi promovido ao Supremo (à la carte, obviamente), Romeu Tuma (e disnatia), conseguiu um "bico" excepcional no governo Collor-Marinho (é o popular três em um. Não deixa a Receita Federal arrombar a Globo, Roberto Marinho e Boni. E, controla o aspirador de pó - pela Sunab, obviamente) desde então, aliás, bem antes, eu havia dito ao Hélio que a Globo jamais processaria a mim ou a ele, por excesso de provas contra todos os crimes da Globo, do Roberto Marinho, do Boni. Mas, que por paus mandados, por motivos absolutamente (aparentemente) distantes da Globo, eu e ele seríamos processados, e inapelavelmente condenados.

Ainda meio cético e descrente, o Hélio relutou em acreditar no que eu havia dito. Acreditando, ainda, que havia justiça no país. Pois, ele havia respondido mais de cem processos e jamais havia sido condenado. E, isto militava fortemente a favor de sua crença no judiciário. Porém, o histórico que eu possuía era outro. Eu era auditor, fui isto praticamente a vida toda. Jamais havia sido processado. E, o peso disto dava uma profunda credibilidade ao livro "Afundação". Logicamente, conhecendo a Globo e o judiciário, eu sabia que a Globo iria usar o judiciário para tentar abalar a minha credibilidade, e tentar intimidar o Hélio, chantageando-o, por pressão, como Roberto Marinho fez com os nascimentos da vida e os pluripatrióticos civitta.

Para quem acredita na justiça brasileira; para quem acha que juiz é uma pessoa certinha, não se envolve com criminosos, o meu raciocínio era cruel demais. Mas, qualquer pessoa de mediana inteligência e com o mínimo conhecimento de história sabe que nenhum dos três poderes é mais repugnante, mais repulsivo, mais corrupto, mais rastejante, mais safado do que o poder judiciário. Haja visto que em quase 490 anos (de 1500 a 1990) não se tem notícia de um só rico que tenha sido preso. E, ao contrário, é incontável o número de "erros judiciários" (eufemismo para corrupção, safadeza, desídia, imperícia, descaso), e de injustiças cometidas pela particularíssima justiça brasileira. Basta dizer que os homens mais dignos deste país foram condenados e/ou sofreram nas mãos da justiça brasileira. (O que em outras palavras significa dizer que de um lado estão os condenados: Joaquim José da Silva Xavier, Cláudio Manoel da Costa, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, etc. E de outro os "doutores honoris calça" (ou bolso?) como: Roberto Marinho, Boni, et caterva).

A bem da verdade, entre receber as encomendas que Roberto Marinho recebe, a troco de fome, miséria corrupção, degradação social; e ser condenado por uma justiça corrupta, rastejante, obviamente que a condenação dignifica mais. Sabe lá o que é ser condenado por um juiz que libera e absolve traficante de tóxicos? É a glória. Falando nisso, os juízes de Bangu, envolvidos com traficantes receberam medalhas do Roberto Marinho? Mas, com certeza, o juiz que absolveu Michel Frank, Khour, Labelle, e condenou o repórter Ricardo Kotscho, que fez a denúncia, por certo deve ser o presidente de honra do conselho da magistratura ou redator do código de ética judiciária, com certeza.

Engana-se quem achar que raciocínio desta maneira por revanchismo pessoal. Há muito tempo, desde que eu travei contato com injustiças comprometidas pela justiça brasileira, que tenho no judiciário o mais repulsivo dos poderes. Isto está dito, escrito, há anos, e em vários lugares. Quem se der ao trabalho de ler o "Afundação Roberto Marinho", lerá na pág. 93. "Nada é pior do que um militar... a não ser um político. Nada é pior do que um político rico... a não ser um juiz. Nada é pior do que um juiz... a não ser conviver com tudo isso no Brasil."

Conforme pode ser visto, nenhuma praga é pior do que um juiz. Nem quando, no auge da ditadura, abominava-se um militar. Nem aí, eu presumi que um militar fosse pior do que um juiz. E, pior do que um juiz, só um juiz-brasileiro. É o que se depreende do texto (fartamente apreciado pelo juiz Decnop, diga-se de passagem). E, quem for além, no livro, na pág. 180 encontrará: "enquanto persistir esta indignidade, "juiz honesto" deixará de ser pleonasmo, para ser mero adjetivo raro".

Ou seja, enquanto a justiça, no Brasil for "isso", juiz não poderá ser associado à palavra honesto (juiz Ernesto, pode, Honesto não), vez que honestidade não se coaduna com a promiscuidade da palavra juiz. Juiz honesto é mero adjetivo raro. Pelo menos é o que está escrito no livro; o que se depreende do texto, e o que tem ensinado a vida.

A bem da verdade, nesta mesma página, eu cito alguns exemplos de exceções, ou seja, juízes (raros) honestos, que foram meus professores de direito (na Estácio de Sá. Não a escola de samba, a outra). E, talvez por esquecimento e/ou falta de espaço, foi omitido o nome de Humberto Decnop Batista (meu professor, e juiz que me condenou em primeira - e quase derradeira - instância). Ato falho, professor.

Abdiquei do "direito" pela incoerência da profissão. Era inconcebível eu bater boca com um juiz-professor, dentro da faculdade, ao dizer que existem tantos juízes honestos quanto ricos presos. Ou sustentar que a lei era um instrumento de dominação de uma classe sobre outras, pela via de coerção moral. Ou afirmar que os "mecanismos legais", que eu chamo de submundo ou subterrâneo judiciário, são calhordices capazes de inocentar um criminoso, ou de condenar um inocente. Em razão disso, coerente com minhas convicções, deixei o circo aos profissionais. (Sem que isto desmereça grandes advogados, juristas e pessoas que exercem suas profissões com a maior dignidade e fé em seus princípios). Isto era um problema de convicção pessoal meu, que, por coerência, segui à risca. Mas, voltando à encomenda da Globo. Sustentava eu que, seria inevitável que Roberto Marinho, diante de tantos crimes denunciados, só teria uma saída: tentar desacreditar-me, pela via judiciária e intimidar a quem pudesse, eventualmente, dar publicidade às denúncias. Dito e feito. Com a editora que publicou o livro, a coerção inicial foi a intimidativa, e posteriormente o cerco econômico. Mas, como o livro vendeu a primeira edição (12 mil exemplares) no lançamento, e chegou rapidamente (em menos de seis meses) à sétima edição, mudaram de tática. Providenciaram um "milagre", que logo-logo o editor abriu outra editora (agora são duas: Tchê e Ortiz), abriu escritórios em várias partes do País. Abriu livraria, e, para culminar, deu-me um grande, enorme, trambique nos direitos autorais, não pagando-me. (Longe de mim dizer que ele levou grana para isso...)

Com o Hélio Fernandes, foi uma enxurrada de processos (nada ligado à Globo, que eles não são bestas. Tudo por "motivos diversos") usando o judiciário como uma forma de perseguir, punir, intimidar, e, se possível, cansar. (Só do Luiz Afonso Otero são mais de 20 processos. Ou seja, quase todo dia tem audiência, oitiva de testemunha, depoimento. O juiz marca às duas e chega às quatro. Enfim... coisa para apurrinhar, torar a paciência, desgastar.) E, por uma incrível coincidência, dessas que só acontecem com o judiciário e com o Botafogo, não tem dois processos na mesma vara. (Quanta coincidência...). E o Hélio, sofrendo tudo, galhardamente.

A intenção é óbvia, clara, cristalina, inconteste: É cansar, e, se possível arranjar uma "condenação" (em las cochabambas) para quebrar a condição de primário do Hélio, ou dar chance a que o Globo publique, em primeira página, que um certo juiz (puxa professor, quem diria...) condenou Hélio Fernandes por calúnia. Daí, até explicar quem é o juiz, como foi a condenação, e o que é uma primeira instância onde o Hélio foi condenado à revelia (mesmo sendo conhecido, certo e sabido seu local de trabalho), e que - mais tarde isto tudo pode ser revogado ou revisto. Aí é tarde, Inês é Marta, e quem sabe se acabou no Irajá. Aí, o Globo já publicou a "verdade" fabricada, encomendada, na primeira página, e a alma do Roberto Marinho enegrece ainda mais. (O inferno será pouco quando o "velho" baixar. Cada em-comenda, cada título honorífico, representa mais de dez mil mortos de fome no país, roubados para gáudio do "doutor" honoris calça. E, além das contas com as almas dos que morreram para que ele fabricasse tão imensa fortuna, existem estas indignidades, com juízes e católicos que vendem pedaço no céu, em troca de benesses na Terra).

Comigo, não foi muito diferente. A Globo não me processou, para não ser entupida por excesso de provas, e ficar desmoralizada em seu vínculo com o judiciário. Mas, em compensação, procurou, procurou e achou três dirigentes do Kennel Club, que haviam sido acusados de um monte de barbaridades: acumpliciamento como assassino de cães, falsificação de livros e documentos fiscais, fraude em concurso, remessa de dólares ilegais para o exterior, etc. E, por "sorte" um desses três era Machiline, amparado por um Saulo Ramos, e por dois subservientes seus. (O elo Machiline-Saulo Ramos-Roberto Marinho, já deixa tudo claro como água.) Daí para que os três me processassem era fácil (o que não é fácil, no judiciário, com dinheiro?). Bastava um ser testemunha do outro. (Sério. Por favor, cavalheiro, não ria. O assunto é sério.)

Foram despejadas toneladas de provas documentais, testemunhas (e olha que o juiz negou diligência e perícia, para evitar uma devassa e uma catástrofe). Enfim, ficou tudo provado e mais do que provado. Daí, o juiz não tinha outra saída a não ser excluir a calúnia da acusação. E deveria haver uma solução rápida, pois o juiz e o promotor estavam tomando ciência oficialmente de vários crimes, documentados, provados, e, por dever de ofício, deveriam mandar prender, de imediato, aquelas pessoas, e até pedir a punição de um promotor público que recebia salário/honorário para funcionar como "advogado"/consultor do Kennel. (Pode?).

Resultado. Depois de muito pensar, pensar, pensar... a sentença. Tudo bem... tudo foi provado. Houve acumpliciamento com assassinato. Houve falsificação de livros e documentos fiscais. Houve remessa de dólares ilegalmente para o exterior, etc. Mas, as pessoas que fizeram isto tinham "cabelos brancos". E, como quem tem cabelo branco não pode ser criminoso, o juiz "absolveu"  as pessoas de "cabelos brancos", e condenou-me por ofender a "honra subjetiva" dos "cabelos brancos" das pessoas.

O juiz (?) Humberto Decnop Batista. O mesmo que, por "coincidência" condenou o Hélio Fernandes à revelia. Puxa... professor... quem diria...

Juiz Marcelo Pimentel - Citado no [livro] "Afundação I", pág. 180, como um dos claros exemplos de juiz de postura retilínea, foi, por isso mesmo, escolhido como um troféu para ser exibido para toda a sociedade, como a mais recente parceria com a Globo.

Diante das denúncias de que a Afundação havia burlado as leis trabalhistas, alterando fundamentalmente os contratos individuais de trabalho, substituindo-os por PJs [pessoas jurídicas] (notas fiscais de empresas), na maioria frias. E eis que, exatamente por este motivo, escolhido a dedo, foi o juiz Marcelo Pimentel incumbido de outorgar a Roberto Marinho a medalha de honra, ofertada na qualidade de Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, para mostrar, de maneira clara e absoluta, que exatamente quem poderia condenar Roberto Marinho aparecia, em horário nobre, no Jornal nacional, condecorando-o.

Era, talvez, a demonstração de força mais clara exibida por Roberto Marinho. Condecorado por quem poderia condená-lo. E por um juiz que eu, aprioristicamente, havia citado como referencial de honestidade. Sem dúvida, uma ousadia muito grande. Era a prova mais inequívoca de suas declarações ao ex-ministro Armando Falcão: "Hoje, sou um homem tão poderoso, que me sinto acima do bem e do mal", ou de declaração como: "A justiça faz o que eu quero, nomeio e demito desembargadores. Todos me obedecem na hora". (Em 18/Ago/1989)

Perto disso, as declarações como: "o doutor Roberto Marinho pediu, especialmente, que esse processo fosse distribuído para ..." (02/Jun/1989), soam como um nadinha. Uma coisa à toa. E até mesmo declarações como a de que Roberto Marinho tem, na algibeira, vários juízes, parecem sem importância alguma.

Dizer, como Hélio Fernandes, disse, na Tribuna da Imprensa, em 10/Jul/1989, que Roberto Marinho tem sua Central Globo de Justiça particular, onde Pedro Américo Rios Nogueira, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, faz parte de um grupo que não hesita em praticar atos ilícitos para atender interesses de clientes, e de favorecer ao "Grupo Zveiter", que protege Roberto Marinho em todas as circunstâncias, é chover no molhado.

Aliás, na mesma matéria é citado o "Grupo Zveiter", como sendo formado por: Waldemar Zveiter, antigo advogado e amigo de Roberto Marinho, que foi feito desembargador por exigência de Roberto Marinho, e que, recentemente (à época da matéria) foi nomeado, pelo presidente Sarney (este nome ainda irá aparecer em várias ilegalidades vinculadas à Globo, e exercendo o cargo de "Presidente da República") para o novo Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, que, como se sabe, é quem julga, em última instância, as questões de direito.

E continua a matéria, dizendo que embora promovido a ministro do novo Tribunal, Waldemar Zveiter continua a advogar e a trabalhar, na surdina, enquanto as suas petições passaram a ser assinadas por seus dois filhos: Luis e Sérgio Zveiter.

"Luis Zveiter, filho mais velho, por exigência do empresário Roberto Marinho, foi feito membro do Tribunal Regional Eleitoral, onde poderá aparar as arestas causadas pela participação da Rede Globo na luta eleitoral" (só para relembrar: Caso TVE-Paulo Ramos e denúncias no horário eleitoral contra a Afundação; escândalo Globo-Proconsult; e escândalo Globo-Collor, na edição do último debate prejudicando o candidato Luiz Inácio "Lula" da Silva). Nos casos em que a questão não é regional, vale promoção de juiz a embaixador...

Já o filho mais novo, Sérgio Zveiter, foi colocado na OAB, como tesoureiro, para depois assumir a OAB, de vez, como presidente.

Enfim... caro promotor Puglia, esta é a "mania de perseguição" que me atormenta: todos esses juízes e "juristas", citados caso a caso, estrategicamente colocados em locais que podem abafar qualquer escândalo e interferir diretamente no escândalo Afundação (como você, promotor), e mais o ministro da justiça, Paulo Brossard, que por ter-se omitido e abafado o escândalo da Afundação foi parar no Supremo Tribunal Federal, ensejaram que, em agosto de 1989, eu escrevesse o artigo "Kafka era um aprendiz e Maquiavel um trombadinha", contando tudo isso, detalhe por detalhe. (E era contra essa "justiça" que eu tinha que me entender nos tribunais...)

Continuando o relato sobre as "coincidências":

Polícia Federal - Já sobrejamente enfocado o assunto, é só para lembrar que a medalha oferecida ao delegado Geovani Azevedo, pela vereadora Mayrink veio a estabelecer confronto aberto com o Hélio Fernandes, por mera "coincidência"), a medalha pedro ernesto é a mesma medalha que posteriormente foi oferecida aos filhotes de castor, bicheiros, traficantes e aqueles componentes e ingredientes todos que ligam a Globo ao tóxico. (Se não tivesse tóxico ligando tudo isso à Globo, não seria Globo. Esse componente é, sempre, essencial).

Citadas ao longo desse livro, outras "coincidências" são mais do que evidentes, como: Romeu Tuma que fugiu da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da NEC viajando para os Estados Unidos é o mesmo que fugiu das denúncias da Afundação, chegando mesmo a sair do País para não ficar em situação difícil. O Sarney envolvido com a NEC é o mesmo Sarney envolvido com os escândalos da Afundação. O Machiline, da Sharp, que recusou-se a comprar a NEC e fazer negócio com Mário Garnero, a pedido de Roberto marinho, é o mesmo (pai e filho) Machiline escalado para me processar e não parecer que era Roberto Marinho. O Miguel Pires Gonçalves que dirigia o Banerj quando Roberto Marinho recebeu o título de "maior ladrão de bancos do país" e que depois recebeu como prêmio a superintendência da Rede Globo, é o mesmo Miguel que após Roberto Marinho rapinar Garnero, na NEC, aparece como o homem enviado por Marinho para "fechar o negócio", aparado por Antônio Carlos Magalhães. Até as CPIs tiveram como "coincidência" o fato de cruzarem-se com a CPI da Corrupção, que foi abafada, escandalosamente, como prêmio, e que tinha como indiciados: José Sarney e Saulo Ramos (que foi quem usou todo o seu "poder jurídico" para me processar em nome de Machiline). Touché. Honi soit qui mal y pense.

 

Publicado no Jornal Tribuna da Imprensa em 26 de Abril de 1990.