BREVE
HISTÓRIA DA ERVA-MATE
De porto em porto, de povo em povo, foi correndo a
história do Rei Blanco. Lá no fundo das selvas do
continente que Colombo recém entregara à coroa de
Espanha, encontrava-se o Império do Grande Inca, onde os
caminhos eram riscados sobre prata e onde as cidades se estendiam
em torno de altares estranhos, esculpidos em puro ouro.
Narram-se as histórias do Novo-Mundo, e a cobiça dos
homens açula o desejo de aventuras. Sopram os ventos do Leste,
e o Mar Tenebroso é singrado por mil caravelas buscando as
riquezas perdidas. Mas as águas daquele rio de prata
que todos diziam correr ao sul da América se haveriam de
tingir de muito sangue e haveriam de banhar muitas tragédias,
antes que os mistérios da selva desmoronassem sob a bota
dos conquistadores... Primeiro, foi João de Solís
pagando com a vida frente aos charruas, a sua audácia em
se aventurar pelas margens desconhecidas do Rio da Prata. E logo
após as flechas guaranis sibilavam no silêncio dos
campos, deixando os guerreiros de Aleixo Garcia abraçados
para sempre aos montões de ouro que traziam, num viajar de
quatrocentas léguas, desde as terras do Império Inca.
Ao depois é o Forte do Espírito Santo, fundado por
Sebastião Gaboto nas longínquas terras do Paraguai,
que se esboroa ante a fúria dos guerreiros timbus, de tal
sorte que seus defensores - aos quais se agregaram os ex-fundado
por Sebastião Gaboto nas longínquas terras do Para
dules - mal tiveram tempo de alcançar as naus balouçantes
ao largo do Paraná, e velejarem apressados à Europa,
abandonando entre as cinzas do forte as pedrarias e riquezas arrancadas
ao coração da América. A carnificina não
cessou: João de Ayolas, carregado de ouro e prata, é
trucidado pelos paiaguás. E Buenos Aires, cidade fundada
pelo adelantado Mendoza em 1536, transforma-se em ruínas
frente à selvageria querandi. Enfim, cada chefe que se dispunha
a penetrar no domínio dos selvícolas era mais um branco
a fornecer sua carne para a festa dos martírios; e cada expedição.
que penetrasse no âmago das selvas, em cujo negror só
brilhava a cobiça dos conquistadores, se transformava em
breve em tétricas ossadas a esbranquiçar os caminhos
de um sertão inviolável. Parecia que a conquista
da América era um sonho irrealizável! Mas
eis que às margens do Paraguai surgem as paliçadas
do forte Nª Sª. da Assunção, com uma boa
população espanhola, aumentada ainda pelos remanescentes
da catástrofe de Buenos Aires. Ranchos de barro e santa-fé
vão-se estendendo ao lado do forte, para abrigo dos recém-chegados.
E mais outros, muitos outros, para resguardo das mulheres índias,
que até lá se arrastavam, atraídas pelas missangas
e colares com que lhes acenavam os guerreiros espanhóis.
Iniciava-se a fusão do sangue americano com o sangue dos
desbravadores; e firmava-se a coroa de Espanha nos bravios sertões
do Novo-Mundo. Quando Álvaro Nuñez Cabeza-de-Vaca,
o 2º adelantado espanhol em terras da América, chegou
às matas do Paraguai vindo pelo Caminho de São Tomé
desde o litoral catarinense, ali encontrou os fundamentos de uma
grande cidade. Bastou então um palácio governamental,
uma igreja, diversas oficinas e mais um punhado de casas, para que
Assunção, a primeira capital do Prata, se alteasse
com uma imponência que assombrava os olhos assustados dos
nativos. Com a chegada de Cabeza-de-Vaca - que trouxe consigo,
além de operosas e nobres famílias de Sevilha, todo
o material necessário para o alargamento da obra colonizadora,
inclusive uma boa tropilha de cavalos - o Paraguai foi novamente
inundado pela sede de cobiça. Prossegue, pois, a luta pelos
tesouros da terra quase virgem... E renovam-se as desditas... Em
1543, um terrível incêndio abate Assunção.
Durante quatro dias a cidade ardeu, e a dor e a miséria se
espalharam pela colônia, inutilizando um trabalho de lustros.
Depois do fogo, a confusão: estoura uma conspiração
contra Cabeza-de-Vaca, que é preso e remetido para a Europa,
enquanto o poder cai nas mãos do general Irala. Inicia-se,
então, o rosário de lutas políticas que viria
a constituir uma característica da América Espanhola.
Levantam-se forcas nas praças públicas e supliciam-se
os partidários de Cabeza-de-Vaca. Assunção
é tomada pelo terror, e dezenas de famílias embrenham-se
pelas selvas, procurando salvar a fortuna, a honra e a vida. Aproveitando-se
da situação, 15.000 guerreiros guaranis chegam às
portas da capital, sendo, entretanto, desbaratados pelos soldados
de Irala. Um dia, retomando de uma longa expedição
ao Peru, o usurpador encontra um novo governador em Assunção,
fruto também de insurreições. Nenhum dos dois
quer ceder as rédeas do governo. E o Paraguai se enovela
na anarquia. Chegam à metrópole as notícias
da desordem que campeava na principal colônia espanhola da
América Havia dois governadores, ambos usurpadores do poder,
procurando conquistar pelas armas a autoridade que nenhum decreto
lhes outorgara. Lutas sangrentas se repetiam entre os próprios
colonos, como se não bastassem as flechas dos selvícolas.
Era necessário, pois, tomar uma enérgica resolução,
antes que todo aquele esforço colonizador se esfrangalhasse
esmagado pelas paixões. O primeiro passo seria nomear, o
quanto antes, um terceiro e verdadeiro governador de Assunção.
A escolha recai em Diogo de Centeno, espanhol residente em Chuquisaca
(atual Sucre), fiel servidor de S. M. Católica, e à
cuja integridade moral se aliava uma longa prática em lidar
com os homens da América. Mas, vítima de traiçoeira
doença, o adelantado falece quando se dirigia a Assunção.
O mesmo se verifica com d. João de Sanábria, nomeado
para substituí-lo. E, como se duas mortes não fossem
suficientes, o terceiro escolhido, Diogo de Sanábria, também
falece, antes mesmo de embarcar para a América. Carlos V.
assustado com aquele poder mortífero que pareciam possuir
as suas nomeações, resolveu conformar-se com o rumo
que os acontecimentos haviam tomado. Somente em 1557 é que
o governo colonial adquiriu um caráter inteiramente legal,
com a chegada do adelantado Estêvão de Vergara.
Até então, o general Irala, que conquistara definitivamente
Assunção, mandou e desmandou nas terras do Prata.
É em seu governo que se inicia a História da
Erva-Mate...
Trecho extraído do
livro "História do Chimarrão", de Barbosa
Lessa.
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