BATENDO ORELHA!? Nasceu o potrilho, lindo e gordo, filho de égua boa leiteira, crioula de campo de lei. O guri era mimoso, dormindo em cama limpa e comendo em mesa farta. Já de sobreano fizeram uma recolhida grande, sentaram-lhe uns pealos, apertaram-no pelas orelhas e pela cola e a marca em brasa chiou-lhe na picanha. Andaria nos oito anos quando meteram-lhe nas mãos a cartilha das letras e o mestre-régio começou a indicar-lhe as unhas, de palmatoadas. O potrilho couceou, na marca. O menino meteu fios de cabelo nos olhos da santa-luzia... Em potranco acompanhava a manada e retouçava com as potrancas, sem mal nenhum. O rapazinho rezava o terço e brincava de esconder com as meninas? o que custou-lhe uma sapeca de vara de marmeleiro. Quando o potrilho foi-se enfeitando para repontar, o pastor velho meteu-lhe os cascos e mais, a dente, botou-o campo fora: fosse rufiar lá longe!... O gurizote, já taludo, quis passar-se de mais com uma prima...; o tio deu-lhe um chá-de-casca-de-vaca, que saiu cinza e fedeu a rato!... O potro andava corrido, farejando... Mas nem uma petiça arrastadeira d'água e poronguda, achou, para consolo da vida. Té que o caparam. O mocito, que era pimpão, foi mandado incorporar. Sentaram-lhe a farda no lombo. Mal sarou da ferida o potro foi pegado: corcoveou, berrou; quebraram-lhe a boca a tirões, dividiram-lhe a barriga com a cincha; quis planchar-se, e lanharam-lhe as virilhas a rebenque e as paletas a roseta de espora. Tiraram-lhe as cócegas... Ficou redomão. O recruta marcou passo, horas, pra aprender; entrou na forma; agüentou descomposturas; deu umas bofetadas num cabo e gurniu solitária e guarda dobrada, por quinze dias. Cortaram-lhe os cabelos à escovinha e ficou apontado. Era o faxineiro do esquadrão. Houve uns apuros de precisão? O rocim foi vendido em lote, para o regimento. Tocou a reunir: era uma ordem de marcha, urgente. O faxineiro recebeu lança, espadão e tercerola. Quando a cavalhada chegou o primeiro serviço dos sargentos foi assinalar os novos; era simples e ligeiro: um talho de faca na orelha, rachando-a. Bagual assim, virava reiúno. Quando tocou o bota-sela, o faxineiro estava na porteira, de buçal na mão, esperando a vez. O laçador laçava, chamava a praça e esta enfrenava... e cada um roia o osso que lhe tocava. - Chê! Enfrena!... Foi o reiúno que caiu pro recruta. Aí se juntaram os dois parecidos, o bicho e o homem. E a sorte levou os dois, de parceria, pelo tempo adiante. Curtiram fome, juntos, cada um, do seu comer, E sede. E frio. E cansaço, mataduras e manqueiras; cheiros de pólvora e respingos de sangue, barulho de músicas, tronar grosso e pipoquear, nas guerrilhas. E de saúde, assim, assim... Um teve sarnagem, o outro apanhou muquiranas; se um batia a mutuca, o outro caçava as pulgas. Quando, no verão, o reiúno pelechava, também o faxineiro deixava de sofrer dores de dentes. Passados anos o mancarrão já nem engordava mais, e todo ovado estava. O fiscal do regimento, sem uma palavra de - Deus te pague - mandou vendê-lo em leilão, como um cisco da estrebaria. Um carroceiro comprou-o, por patacão e meio, com as ferraduras. Passados anos o praça aquele teve baixa, por incapaz, com o bofe em petição de miséria; e saiu da fileira sem mais família e sem saber oficio. Saiu com cinco patacas, de resto do soldo, e sem o capote. Foi então ser carregador de esquina. O reiúno apanhava do carroceiro, como boi ladrão! Ocarregador levava dos fregueses descompostura, de criar bicho! Oreiúno deu em empacar. Ocarregador pegou a traguear. O carroceiro um dia, furioso, meteu o cabo do relho entre as orelhas do empacador e... matou-o. A policia uma noite prendeu o borrachão, que resistiu, entonado; apanhou estouros? e foi para o hospital, golfando sangue; e esticou o molambo. O engraçado é que há gente que se julga muito superior aos reiúnos; e sabe lá quanto reiúno inveja a sorte da gente... |