Payada do Ano Novo
Feliz Ano Novo - indiada,
Feliz Ano Novo - gente, É a maneira reverente
De iniciar esta payada, Nesta hora iluminada
De pátria e de melodia E o payador se arrepia
De tradição campesina Na primeira
sabatina Do ano que principia!
Cerimônia não preciso
Para cantar - quando falo, Porque nasci de a cavalo
No lombo de um improviso, Canto até o dia
do juízo No estilo missioneiro E o meu
verso galponeiro Dispensa qualquer prefácio,
Tanto entra num palácio Como num rancho posteiro!
O Ano Novo - parido, Anda
aí - fazendo as suas, Pelos campos - pelas
ruas, Potrilho recém lambido, Inda não
tem apelido Porque é meio bagualão,
Difícil de dar a mão E bombeando desconfiado
Como china de soldade Em tempo de "prontidão"!
Os homens do mundo inteiro
Fizeram ajuntamento Pra assistir o nascimento
Desse piazito janeiro E aqui no pago campeiro
Toda a indiada se reuniu E reverente - assistiu,
Com ternura - com afinco, Pra ver o "noventa
e cinco" Que a noite grande pariu!
Aqui no povo - as famílias,
Fazem o tal "reveillon", Mas lá
no campo - onde o som É o do vento nas flexilhas,
Nós só fazemos vigílias Quando
se reúne a pionada, Na volta da madrugada
Ouviu-se um berro de touro, O ano macho - em vez
de choro, Já nasceu dando risada!
Sendo macho - é sempre
assim, Já nasce enrugando a testa, Porque
não vem pra festa "De circo de borlantim";
- Esse vai ser de cupim, Gritava um índio
de lá, Vai ser "buerana" esse piá,
Se não der urucubaca, Umbigo cortado a faca
E enleado num xiripá!
Eu ia bobeando o céu
Na hora do nascimento E ouvindo o choro do vento
Num barbaresco te-déum, Depois - tapiei o
chapéu, Meio pra espantar o sono, Memoriando
- com entono, Do índio da timbaúva
Que Ano Novo é como chuva, Não tem
patrão e nem dono!
Entre um trago e um amargo,
Recostado num esteio, Bombeava o piazito feio,
Mas taluda - sem embargo, Sentindo no campo largo
Cheiro de pasto e incenso Naquele desejo imenso
De que este ano que nasce Faça que o homem
se abrace No amor da paz e o bom-senso!
Isso é um sonho, talvez
seja, Do payador que improvisa, Mas um sonho
se realiza Se - com fé - a gente o deseja,
Mas - pra mim - que tenho a igreja No altar da geografia,
Guardo essa filosofia De cruzador sem parança,
Se não houvesse esperança Tudo que
é pobre morria!
Mas vou dar uma cruzada Lá
pras bandas de São Luiz, Onde deixei a raiz
Pra todo o sempre encravada, Terra santa - colorada,
De sangue guasca tingida, Terra mil vezes querida
Morada de São Sepé, Ali onde a indiada
de fé Nasce com a alma encardida!
Cruzando o Piratiny Vou ver
as pedras no fundo, Santo pedaço de mundo
Que deixei - mas não perdi, Voltar de novo
a guri, À infância e adolescência,
Rever de novo a querência, Num verdejo espiritual,
Meu velho pago natal Onde mamei inocência!
Depois - seguir olfateando
Os recuerdos de criança, Procurando a sombra
mansa Onde me criei tropeando E - logo adiante
- cruzando No Passo da Laranjeira, Lá
onde uma bugra parteira, Segundo o ritual antigo,
Fez enterrar meu umbigo Na raiz duma figueira!
Depois - matar a saudade,
Se é que a saudade se mata, Bombeando a lua
de prata Tropeando na imensidade, A infância
e a mocidade E as ânsias deste índio
cuera E as flores da primavera Que - sem querer
- esmaguei E os sonhos que não domei
Lá no "rincão da tapera"!
Mas paro - porque a emoção
Já me fez perder a calma, Tenho urumbevas
na alma E um cerro no coração,
Há um chamado de amplidão Que para
longe me toca Atração que convoca
De acordo com as velhas leis Vou dançar ternos
de reis Nos ranchos da bossoroca! |