PAYADAS DE JAYME CAETANO BRAUN

 

Payada do Ano Novo

Feliz Ano Novo - indiada,
Feliz Ano Novo - gente,
É a maneira reverente
De iniciar esta payada,
Nesta hora iluminada
De pátria e de melodia
E o payador se arrepia
De tradição campesina
Na primeira sabatina
Do ano que principia!

Cerimônia não preciso
Para cantar - quando falo,
Porque nasci de a cavalo
No lombo de um improviso,
Canto até o dia do juízo
No estilo missioneiro
E o meu verso galponeiro
Dispensa qualquer prefácio,
Tanto entra num palácio
Como num rancho posteiro!

O Ano Novo - parido,
Anda aí - fazendo as suas,
Pelos campos - pelas ruas,
Potrilho recém lambido,
Inda não tem apelido
Porque é meio bagualão,
Difícil de dar a mão
E bombeando desconfiado
Como china de soldade
Em tempo de "prontidão"!

Os homens do mundo inteiro
Fizeram ajuntamento
Pra assistir o nascimento
Desse piazito janeiro
E aqui no pago campeiro
Toda a indiada se reuniu
E reverente - assistiu,
Com ternura - com afinco,
Pra ver o "noventa e cinco"
Que a noite grande pariu!

Aqui no povo - as famílias,
Fazem o tal "reveillon",
Mas lá no campo - onde o som
É o do vento nas flexilhas,
Nós só fazemos vigílias
Quando se reúne a pionada,
Na volta da madrugada
Ouviu-se um berro de touro,
O ano macho - em vez de choro,
Já nasceu dando risada!

Sendo macho - é sempre assim,
Já nasce enrugando a testa,
Porque não vem pra festa
"De circo de borlantim";
- Esse vai ser de cupim,
Gritava um índio de lá,
Vai ser "buerana" esse piá,
Se não der urucubaca,
Umbigo cortado a faca
E enleado num xiripá!

Eu ia bobeando o céu
Na hora do nascimento
E ouvindo o choro do vento
Num barbaresco te-déum,
Depois - tapiei o chapéu,
Meio pra espantar o sono,
Memoriando - com entono,
Do índio da timbaúva
Que Ano Novo é como chuva,
Não tem patrão e nem dono!

Entre um trago e um amargo,
Recostado num esteio,
Bombeava o piazito feio,
Mas taluda - sem embargo,
Sentindo no campo largo
Cheiro de pasto e incenso
Naquele desejo imenso
De que este ano que nasce
Faça que o homem se abrace
No amor da paz e o bom-senso!

Isso é um sonho, talvez seja,
Do payador que improvisa,
Mas um sonho se realiza
Se - com fé - a gente o deseja,
Mas - pra mim - que tenho a igreja
No altar da geografia,
Guardo essa filosofia
De cruzador sem parança,
Se não houvesse esperança
Tudo que é pobre morria!

Mas vou dar uma cruzada
Lá pras bandas de São Luiz,
Onde deixei a raiz
Pra todo o sempre encravada,
Terra santa - colorada,
De sangue guasca tingida,
Terra mil vezes querida
Morada de São Sepé,
Ali onde a indiada de fé
Nasce com a alma encardida!

Cruzando o Piratiny
Vou ver as pedras no fundo,
Santo pedaço de mundo
Que deixei - mas não perdi,
Voltar de novo a guri,
À infância e adolescência,
Rever de novo a querência,
Num verdejo espiritual,
Meu velho pago natal
Onde mamei inocência!

Depois - seguir olfateando
Os recuerdos de criança,
Procurando a sombra mansa
Onde me criei tropeando
E - logo adiante - cruzando
No Passo da Laranjeira,
Lá onde uma bugra parteira,
Segundo o ritual antigo,
Fez enterrar meu umbigo
Na raiz duma figueira!

Depois - matar a saudade,
Se é que a saudade se mata,
Bombeando a lua de prata
Tropeando na imensidade,
A infância e a mocidade
E as ânsias deste índio cuera
E as flores da primavera
Que - sem querer - esmaguei
E os sonhos que não domei
Lá no "rincão da tapera"!

Mas paro - porque a emoção
Já me fez perder a calma,
Tenho urumbevas na alma
E um cerro no coração,
Há um chamado de amplidão
Que para longe me toca
Atração que convoca
De acordo com as velhas leis
Vou dançar ternos de reis
Nos ranchos da bossoroca!


 
Organização e Digitalização: Iuri Abreu