Chimarrão e Poesia
Sempre grudado no posto O
payador missioneiro Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga, Sentindo o peso
da carga Que algum ancestral comanda Enquanto
o mundo se agranda E o coração se
me alarga
Sempre a mesma liturgia Do
chimarrão do meu povo, Há sempre um
algo de novo No clarear de um outro dia, Parece
que a geografia Se transforma - de hora em hora
E o payador se apavora Diante um mundo convulso
Sentindo o bárbaro impulso De se mandar campo
fora!
Muito antes da caverna Eu
penso - enquanto improviso, Nos campos do paraíso
O patrão que nos governa, Na sua sapiência
eterna E eterna sabedoria, Deu o canto e a melodia
Para os pássaros e os ventos Pra que fossem
complementos Do que chamamos poesia!
Por conseguinte - o Adão,
Já nasceu poeta inspirado, Mesmo um tanto
abarbarado Por falta de erudição
E compôs um poema pagão À sua
rude maneira, Para a sua companheira, A mulher
- poema beleza, Inspirado - com certeza Numa
folha de parreira!
Os Menestréis - os Aedos,
Os Bardos - Os Rapsodos, Poetas grandes - eles todos,
Manejando a voz e os dedos Vão desvendando
os segredos Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças, Harpas - flautas
- bandolins, Semeando pelos confins As décimas
e as romanzas!
Tanto os poetas orientais
Como os poetas do ocidente, Cada qual uma vertente,
Todos eles mananciais, Nos quatro pontos cardeais
Esparramando canções E - no rastro
das legiões Do lusitano prefácio,
A última flor do lácio Nos deu Luiz
Vaz de Camões!
No Brasil continental Chegaram
as caravelas E vieram junto com elas As poesias
- com Cabral, Para um marco imemorial Nestas
florestas bravias Perpetuando melodias De imorredouro
destaque: Castro Alves e Bilac E Antônio
Gonçalves Dias!
Neste garrão de hemisfério
Quando a pátria amanhecia Surgiu também
a poesia No costado do gaudério Na pia
do batistério Das restingas e das flores
E a horda dos campeadores Bárbara e analfabeta
Pariu o primeiro poeta No canto dos payadores!
E foi ele - esse vaqueano
Do cenário primitivo, Autor do poema nativo
Misto de pêlo e tutano, De pampeiro - de minuano,
Repontando sonhos grandes;
Hidalgo - Ramiro - Hernández
El Viejo Pancho - Ascassubi Mamando no mesmo ubre
Desde o Guaíba aos Andes!
Há uma grande variedade
De poetas no meu país, Do mais variado matiz
Cheios de brasilidade, De um Carlos Drummond de
Andrade Ao mais culto e ao mais fino, Mas eu
prefiro o Balbino, Juca Ruivo e Aureliano, Trançando
de mano a mano Com lonca de boi brasino
João Vargas - e o Vargas
Neto E o Amaro Juvenal, Cada qual um manancial
Que ilustram qualquer dialeto, Manuseando o alfabeto
No seu feitio mais austero, Os discípulos
de Homero De alma grande e verso leve, Desde
sempre usando um "breve" De ferrão
de quero-quero!
Imagino enquanto escuto Esse
bárbaro lamento Que a poesia é o som
do vento Que nunca pára um minuto, Picumã
vestiu de luto A quincha do Santafé,
Mas nós sabemos porque é Que o vento
xucro não pára: São suspiros
da Jussara Chamando o índio Sepé! |