Payada do Negro Lúcio
Vou tenteando na cambona já
bem abaixo do meio, lá pras bandas do rodeio
ouço um berro de mamona; aqui guitarra e
cordeona, chimarrão - fogo de angico;
o sol já com braça e pico neste final
de janeiro que vai indo mais ligeiro do que
soldo de milico!
Mateando - meio solito porque
o patrão e a peonada já saíram
pra invernada, há muito tempo - cedito,
o sábado está bonito e a indiada aqui
da fazenda de tarde - se vai a venda e aos bolichos
do caminho, ou então - beber carinho
nos braços de alguma prenda!
Mas enquanto eu chimarreio
neste morrer de janeiro, meu pensamento chasqueiro
se aviva - mascando o freio e sai - a pedir rodeio
nas lembranças - retoçando; eu me
paro - recordando as falas do negro Lúcio,
muito maior que Confúcio pra filosofar trançando!
E ele sempre me dizia, enquanto
tirava um tento, naquele linguajar lento cheio
de sabedoria: - a noite é a ilhapa do dia
na argola da escuridão, é quem garante
o tirão em todas as lidas sérias,
neste varal de misérias que é a existência
do cristão!
Deus não fez rico nem pobre,
peão - patrão ou capataz, isso é
o destino quem faz e - como é - não
se descobre, o nobre que nasce nobre nem sempre
assim continua; pra beleza da xirua ou cavalo
de carreira não adianta benzedeira, nem
reza ou quarto de lua!
Enquanto filosofava naquele
estilo sereno o semblante do moreno parece -
se iluminava, a vivência é que falava
naquela conversa mansa e - no fundo da lembrança,
inda o escuto reafirmar: - parar não é
descansar porque estar parado - cansa!
Dele mil vezes ouvi o que
tem que ser - será, por longe que o homem
vá jamais fugirá de si e com ele
eu aprendi as cousas da natureza, a fidalguia
- a franqueza e aquela velha sentença:
- atrás da cinza mais densa existe uma brasa
acesa!
E chego a ouvi-lo fazer junto
dum fogo de chão, uma grande distinção
entre existir e viver; filho, dizia - morrer
não é mais do que uma viagem, por
isso não é vantagem o forte fazer
alarde que - às vezes - pra ser covarde,
precisa muita coragem!
Inda vejo o conselheiro que
evoco com devoção naquele estilo pagão
de Confúcio galponeiro que me dizia: parceiro
nesta existência brasina, cada qual traz uma
sina que força alguma desvia e nada tem
mais valia que as coisas que a vida ensina!
Filho - a verdade - verdade
que nenhum sistema esconde é que o povo não
tem onde suprir a necessidade e vive pela metade
abaixo de tempo feio, vai explodir - já lo
creio, a tampa dessa panela, nem adianta acender
vela pro negro do pastoreio!
Como encontrar os perdidos
num país deste tamanho, se venderam o rebanho
e os homens foram vendidos, se os chamados entendidos
falam de cara risonha defronte a crise medonha
de estelionatos e orgias, quem mente todos os dias
vai ficando sem vergonha!
Aqui o Rio Grande isolado
pela mão pátria madrasta, dia a dia
- mais se afasta do poder centralizado, mesmo
que guaxo pesteado botado de quarentena, quanto
ao capataz - que pena, não serve para o Rio
Grande na hora de ficar grande se abata e se
apequena!
Na hora de dizer: pára!
àqueles que nos ofendem, desrespeitam - desatendem
ao Rio Grande tapejara, não sei porque -
esconde a cara, quando a ocasião é
mostrá-la, calçar o pé - erguer
a fala porque esta terra pampeana não
é a "casa da mãe Joana"
e nem tão pouco senzala!
Não é ofensa - capataz,
é que os homens desta terra, adquiriram na
guerra direito de estar em paz, dentro dum clima
capaz de viver em harmonia, sem toda essa vilania
de boicotes e de ameaça que estão
fazendo - de graça à velha capitania!
A própria carne importada
lá de fora - é um desaforo, e o calçado
- há tanto couro e gado nesta invernada
e arroz da safra passada, pra que essa compra mesquinha,
querem nos dobrá a espinha e nos cortar a
garganta, mas Rio Grande - não se espanta
como se faz com galinha!
Que lindo se - o presidente
em vez de passear na Europa, passasse em revista
a tropa deste país continente e num gesto
inteligente viesse ao Rio Grande fronteiro que
já era brasileiro antes mesmo de Vespúcio
e levasse o negro Lúcio pra servir de conselheiro! |